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sábado, 9 de agosto de 2014

Herdeira Pecadora

Herdeira Pecadora
Victoria Dahl

Inglaterra e Escócia, 1844.

Ela não tinha nada a perder... Somente o coração!
Depois de ser pivô de um escândalo que terminou com a morte de um homem, Alexandra se refugia na casa de campo do irmão, onde o ajuda a administrar os negócios. Mas a chegada do atraente escocês Collin Blackburn desperta sua curiosidade e seu desejo... E nesse momento Alexandra compreende que existem certas vantagens em ter a reputação arruinada...
Para cumprir uma promessa feita ao pai, Collin está disposto a aceitar a ajuda da mulher que levou seu irmão a perder a vida num absurdo duelo. No entanto, Alexandra não é a mulher fatal e desavergonhada que ele esperava encontrar. Na verdade, Collin suspeita que a única culpa de Alexandra fosse o anseio de experimentar uma grande paixão, e ele está mais que disposto a colaborar. Só que, quando se trata de amor e sedução, Alexandra tem muito mais a ensinar do que a aprender...



Título Original: “To Tempt a Scotsman”

Disponibilização: Vania
Digitalização: Marina
Revisão: Rosimeire Ramos
Formatação: Edina

Nota da Revisora:
Tenho quatro palavrinhas  pra  tentar descrever à lady Alexandra: Impertinência, vontade própria, imaturidade e liberalidade...talvez caiba também vanguardismo. Vejo essa pequena, muito a frente de seu tempo.
O Collin, mesmo sendo um homem de princípios ainda é um homem, por conta disso sofreu a peja de amar e de se tornar o marido de uma mulher de tanta liberalidade, mas não conseguiu se safar de tudo isso sem alguns pensamentos um tanto machistas de ciúmes, afinal a pequena é uma verdadeira pimenta (ardida e difícil de engolir).
O livro aparentemente poderia ter rendido mais, porém a meu ver ficou devendo. Vale como uma diversão no que se refere a uma relação conturbada e estranha: começa por uma investigação de assassinato, passa por perseguições, chantagens, por suspeitas mil de traição, têm vilões e uma vilãzinha de cabelos loiros apaixonada por seu patrão, um irmão rabugento e presunçoso com ares de lorde inglês e pasmem até escarlatina a pimentinha teve ao longo do enredo, por fim se sucede  outro assassinato e acaba com o casal  todo risos, carinhos e amor entre promessas de uma vida a dois muito quente...enfim o que posso dizer: se vc se arriscar vale a pena tentar se enredar em toda essa informação, o máximo que pode dizer é que não lhe agradou.


 Nota sobre a autora:

Victoria Dahl começou a ler romance ainda muito jovem e nunca mais parou. Daí para escrever histórias românticas foi um passo, sobretudo depois que conheceu seu príncipe encantado e casou-se, indo viver com ele nas montanhas, em companhia de dois filhos.



Capítulo I

Yorkshire, julho de 1844.

Ela revirou os olhos diante da fatura comercial que exami­nava e rogou uma praga. Nada digno de uma dama como Alexandra Huntington. No entanto, estava sentada à mesa de um escritório masculino, vestindo calça de montaria e fazendo trabalho de homem. Seu xingamento não podia ser considera­do chocante.
— Bi... Bin... — Ela tentou decifrar a caligrafia tortuosa do proprietário de um moinho local. Sabia que a conta tinha algo a ver com grãos, provavelmente de aveia, triturados para o abastecimento de estábulos.
Educado, o moleiro tratava Alexandra como era devido. Afi­nal, tratava-se da irmã do duque. Mas, no fundo, desejava que ela desistisse logo daquela brincadeira de gerenciar a proprie­dade rural do irmão.
Ela levantou-se, carregando consigo o papel. O ruído de suas botas foi absorvido pelo grosso tapete que se estendia até o corredor. Ali, ouviu o som de uma voz pouco familiar.
— Você deve ter se enganado — dizia um homem, enquanto Alexandra se detinha nas proximidades da porta. — O duque me assegurou de que a irmã dele estaria em casa.
Alexandra pestanejou um tanto alarmada. Seu irmão havia enviado algum amigo de Londres para vê-la? Era improvável, contudo...
O visitante permanecia a alguns passos dela, porta adentro o que também era estranho. Poucos venciam a barreira repre­sentada por Prescott, o mordomo, que controlava o acesso das pessoas ao jovem e poderoso duque.
Curiosa, Alexandra avançou mais um metro e espiou pela porta.
— Se puder deixar um cartão, senhor... — disse Prescott.
— Não tenho cartão — o homem retrucou com firmeza, gi­rando a cabeça instintivamente até deparar com Alexandra.
Ele não podia atinar sobre quem ela era fora de seu traje normal e com os cabelos presos num coque atrás da cabeça. O casaco de montaria lhe escondia as curvas. Mas Alexandra sen­tiu o olhar ferino sobre ela, antes do estranho voltar-se para o mordomo. Prescott pareceu incólume à frieza daqueles olhos. Deixou passar dez segundos em silêncio, depois vinte.
Com um encolher de ombros, o visitante aceitou, por fim, a impossibilidade de intimidar o mordomo.
— Por favor, diga-lhe que preciso falar com ela. Estou na hospedaria Red Rose.
Alexandra observou o homem girar rumo à saída. Foi atin­gida pela vibração de sua natureza impetuosa. Quem seria? Ele podia ter se irritado com a indiferença de Prescott, mas parecia autoconfiante até a última fibra de seu ser.
Os cabelos castanhos necessitavam de um corte, e ele esque­cera a gravata, assim como seu cartão de visitas, porém a ele­gância do casaco marrom que vestia atestava riqueza. E um sotaque escocês suavizava a voz grave... E acelerava o pulso de Alexandra.
Seguramente, o irmão dela nunca a exporia a uma pessoa na qual não confiasse.
— Prescott... — sussurrou.
O mordomo colocou-se de lado e o visitante retornou da soleira da porta.
— Senhora, o Sr. Collin Blackburn está aqui para vê-la.
— Obrigada, Prescott.
Collin gelou ao som da voz feminina. Não esperava que aquela figura fosse quem procurava, e as sobrancelhas erguidas traíram seu espanto.
— Lady Alexandra...
Ela deixou-se contemplar por um momento, permitindo ao homem assimilar sua aparência estranha, em roupas masculi­nas de montaria. Nem mesmo o irmão a vira assim, mas isso não lhe importava, porque era uma mulher liberada, inclusive sexualmente. Conquistara a liberdade de agir como quisesse, por isso deixou Collin examiná-la à vontade, enquanto o estu­dava também.
O estranho era tão alto quanto o irmão dela, porém mais largo de ombros e tórax. Transmitia força, virilidade e, numa palavra, solidez. O rosto com o nariz torto, talvez quebrado numa briga, não se mostrava exatamente bonito, mas sóbrio e instigante.
— Obrigado por me receber — ele murmurou.
— Prescott, pode pedir chá para dois na biblioteca? — ela requisitou, guiando o visitante pelo corredor.
O casaco longo e vermelho abriu-se na altura dos quadris quando Alexandra se moveu, e Collin, sem dúvida, chegou a desfrutar a visão parcial suas formas. Novamente, não se im­portou. Apenas abotoou a roupa e pensou que a sala de visitas seria o lugar ideal para atendê-lo. Desistiu da idéia por julgar que não estava vestida adequadamente para uma recepção formal.
— Vim lhe pedir ajuda a fim de decifrar algumas questões, milady — Collin anunciou depois de instalado numa poltrona da biblioteca. — Sobre Damien St. Claire.
O nome provocou tensão em Alexandra. Ela respirou fundo de modo a poder articular uma resposta.
— Penso que deve sair — disse cautelosamente, e Collin meneou a cabeça em protesto. — É óbvio que meu irmão, o duque, não o enviou aqui. Saberá encontrar o caminho da saída.
Alexandra passou pela poltrona dele e sentou-se à escriva­ninha, disfarçando sua aflição ao mexer nos papéis. Sentia má­goa no peito, causada pelo intruso. Por que Collin seria dife­rente de outros homens?
Erguendo-se, ele se acercou da mesa e exibiu feições mais duras do que antes.
— Lady Alexandra preciso saber o que aconteceu entre a senhorita e St. Claire, e ainda John Tibbenham.
— Mesmo? Como essa história o envolve? — Ela arregalou os olhos, consternada. — Ah, sim, o senhor deve ter sido um de meus amantes, quando eu estava embriagada demais para me lembrar.
— Acredite-me, milady — ele ironizou de leve. — Se eu fosse um de seus amantes, não se esqueceria.
— Verdade? — Alexandra apreciou a resposta espirituosa e pousou os olhos na parte frontal da calça de Collin. — O senhor não é o primeiro homem a sentir em mim o cheiro de uma presa fácil. Sou uma mulher mal-afamada, que por acaso é uma her­deira. Pouco original Sr. Blackburn. Por favor, saia de minha casa.
— John Tibbenham era meu irmão — ele falou de supetão, com os punhos cerrados.
Alexandra o encarou por um instante, depois voltou a re­mexer nos papéis para escapar do olhar de ódio de Collin.
O irmão de John! Ele havia mencionado um meio-irmão, não na noite em que tinha morrido. Talvez no dia anterior.
— Sinto muito — foi só o que ela conseguiu dizer.
— Estou à procura de St. Claire. Quero levá-lo ao tribunal.
— Desconheço onde se encontra.
— Esse homem matou meu irmão — enfatizou o visitante, enquanto Alexandra recobrava a coragem de enfrentá-lo.
— Foi uma morte terrível, em conseqüência de um duelo ridículo — ela declarou. — E foi seu irmão quem desafiou St. Claire.
— St. Claire é um assassino. Matar alguém em duelo ainda constitui assassinato.
— Não posso ajudá-lo. Não sei onde... Já faz mais de um ano.
Uma criada abriu a porta do escritório e, com a cabeça, apon­tou a bandeja que segurava. A interrupção até podia repre­sentar um alívio para Alexandra, mas de qualquer modo ela se determinara a não estender a visita um minuto além do neces­sário. Mostrou o lugar onde deveria ficar a bandeja e, fechando a porta, restaurou o silêncio que prevalecia no ambiente.
— Está confessando que esse homem foi seu... Amigo íntimo, e duelou por sua causa, tornando-se um fugitivo da lei, mas nunca mais entrou em contato?
— Sim — confirmou Alexandra, com o coração disparado.
— St. Claire tramou para que meu irmão o visse em sua companhia, numa posição... Indecente.
— O quê? — Alexandra piscou seguidamente. — Isso é ab­surdo.
— Meu irmão John se achava em meio a um jogo de cartas, quando recebeu um recado e saiu, afirmando que precisava se reunir com St. Claire. Foi direto ao quarto indicado por ele, sem imaginar que veria a senhorita ali. St. Claire a usou de maneira vil.
— Mas... Não pode ser verdade. — Alexandra apertou a bor­da da mesa.
— Ele desejava ser flagrado com as mãos em seu corpo. Isso é real, o pai de John investigou. Deve abster-se de St. Claire, que é uma pessoa sem escrúpulos.
Era fácil acreditar nisso. Muito jovem, com apenas dezessete anos, conhecera St. Claire e ficara empolgada com o ritmo an­sioso com que ele queria obter as coisas, incluindo os favores dela. Um cavalheiro de verdade nunca a forçaria, mas St. Claire atuava no limite da respeitabilidade.
— Não pretendia envolvê-la nisso — declarou Collin. — O duque e o pai de John deixaram claro que a senhorita deveria ser poupada. Todavia, faz nove meses que procuro St. Claire e esgotei todas as pistas.
Alexandra meneou a cabeça. Como aquele homem podia plantar idéias tolas em sua mente e ainda contar com sua ajuda?
— Sinto muito — ela desculpou-se e evitou fitar o visitante, focalizando o brilho do sol na janela.
Um minuto inteiro escoou-se antes que Collin suspirasse.
— Bem, ficarei na hospedaria Red Rose, esta noite. Teria muito prazer em receber sua visita, caso queira ajudar.
Alexandra levantou-se e acompanhou Collin à porta, cuja maçaneta ele tocou com força na mão e um pouco de raiva no olhar.
— Meu irmão tinha apenas vinte anos quando St. Claire lhe acertou um tiro na cabeça — ele completou.
A imagem de John Tibbenham rindo à sua maneira encan­tadora trouxe lágrimas aos olhos de Alexandra. Ela os fechou.
—Lamento Sr. Blackburn. John foi um jovem generoso, cheio de bondade.
Assim dizendo, trancou a porta suavemente às costas de Collin. O bule de chá e as duas xícaras de porcelana permane­ceram intocados.
O cavalo disparou pelo caminho de terra batida e esburaca­da, ansioso por vencer os três quilômetros de distância até a hospedaria. Em seu lombo, Collin também tinha pressa de che­gar e espairecer, certo de que Alexandra Huntington lhe escon­dia algum pormenor. A jovem tola provavelmente tinha acre­ditado nas baboseiras que St. Claire soprara ao ouvido dela, enquanto lhe levantava a saia.
Ainda assim, a irmã do duque não era ingênua. Tudo indi­cava que havia colocado um homem contra o outro, num jogo que custara a vida de John Tibbenham. Só porque possuía belos olhos azuis, não significava que não se comportasse como uma meretriz.
John havia se apaixonado por ela, a ponto de perdoar que levasse outros homens para sua cama. Ninguém sabia quem ou quantos tinham desfrutado o corpo atraente de Alexandra.
Collin esboçou um sorriso amargo. Se tivesse conhecido Alexandra aos vinte anos, ele próprio estaria vulnerável aos grandes olhos brilhantes, cabelos negros, curvas provocadoras e jeito inocente de ser. John tinha sido tolo, mas o pai deles igualmente, por extrair de Collin a promessa de destrinchar o caso. Quem negaria o desejo de um homem agonizante?
Ele deveria estar na Escócia, cuidando de sua fazenda, fis­calizando a construção da casa nova, adestrando cavalos para uma venda lucrativa. Reunir informações e caçar um criminoso lhe contrariava a vontade, e Alexandra Huntington, santa ou pecadora, era a responsável por isso.

* * *
Empunhando um maço de cartas, Alexandra encostou a tes­ta no vidro úmido da janela de seu quarto. Seu primeiro im­pulso fora jogar fora a correspondência, que não era nova, po­rém a letra de Damien St. Claire a paralisava. Tinha chorado sobre aquelas cartas, desde a primeira, em que St. Claire pedia que ela fosse à França e se casasse com ele. Mais adiante, enviara dinheiro ao namorado, que perdera o orgulho e solicitara ajuda para sobreviver no exílio, fugindo da polícia.
O pedido se repetira e ela o atendera, dessa vez vacilante, porque sentia falta de John. Após as palavras de Collin, as his­tórias que St. Claire contava sobre suas privações pareciam moldadas para inspirar sentimento de culpa. A culpa dela.
Ninguém de sua família pensou Alexandra, e muito menos Collin Blackburn, escreveria a uma mulher pedindo dinheiro. Impossível. No entanto, mesmo que St. Claire não fosse boa pessoa, também não era um assassino desalmado. Estava ape­nas frágil e assustado.
Com as mãos trêmulas, Alexandra lançou o pacote de cartas na mesa e, ainda vestida como um rapaz desistiu de ir ao estábulo e exercitar os cavalos. Visitaria Collin na estalagem, ti­nha decidido. Contaria a ele o que pedira, não por causa da culpa, mas porque sabia algo. Algo que havia tentado apagar da mente desde a manhã em que John morrera.
St. Claire odiava John. Ela não percebera isso até a véspera do duelo entre os dois homens que a disputavam. Havia con­siderado tudo como expressão de ciúme, embora costumasse dizer a St. Claire que John era um simples amigo.
Mas quando John abrira a porta do quarto, vendo Alexandra nos braços de St. Claire, ela tinha notado uma dor profunda nos olhos dele. Desafiara o rival para um duelo de honra, e misteriosamente St. Claire exibira satisfação.
Todos haviam colaborado para a tragédia, ela dissera a si mesma. Agora, porém, graças a Collin, Alexandra achava que tudo fora planejado, por Damien St. Claire. O episódio repre­sentara sua ruína como mulher, a humilhação da família e a morte premeditada do querido John Tibbenham. E se não fosse verdade?
Lembrou-se da expressão de Damien ao aceitar tão pronta­mente o desafio para um embate pessoal. Agora fazia sentido. Ele havia induzido John a travá-lo, e o motivo para se esconder e escapar do país por certo não era amor.
Alexandra pressionou as têmporas e dirigiu-se ao quarto para trocar de roupa. Poderia enviar à hospedaria uma men­sagem escrita, mas ansiava por confrontar Collin pessoalmente, provar-lhe que não era covarde. Iria ao encontro de um homem cujos olhos faiscavam de honestidade e desprezo.
Ao desmontar do cavalo que havia mandado selar, Alexandra suspirou fundo e anunciou-se ao recepcionista do Red Rose. Foi desnecessário avisar Collin Blackburn, pois ele ocupava uma mesa no saguão, compulsando cartas com gestos incisi­vos, confiantes. Bastante diferente da atitude dela na mesma situação, horas antes.
O funcionário apontou o hóspede, depois de perguntar se Alexandra, bem conhecida por ali, jantaria na pousada. Ela murmurou uma resposta negativa e observou Collin de longe. Além dos gestos, existia algo nos olhos dele que falavam de nobreza e honra. Algo sem preço.
Os mesmos olhos a identificaram em seguida, e Alexandra acercou-se dele, preferindo entregar-lhe uma nota escrita a sen­tar-se e conversar.
—Este endereço de St. Claire é de dois meses atrás — avisou.
— Obrigado. — Collin ergueu-se e tocou-lhe o braço.
— É tudo terrivelmente lamentável.
— Entendo que foi um choque para a senhorita. Perdoe meu temperamento rude.
— Você tem direito de sentir raiva.
— Mesmo assim. Fui grosseiro esta tarde.
— Imagino o que pensa de mim. — Alexandra esboçou um sorriso triste. — Agradeço por não ter me envolvido, enquanto foi possível, e desejo-lhe sorte.
O que mais? Nada. Ela já poderia partir, não fosse o estranho poder de atração que Collin exercia, pelos olhos, gestos e envergadura do corpo. Sem mencionar a voz grave e calorosa com a qual ele perguntou:
— O que devo pensar da senhorita?
— Bem, é melhor me chamar de você, como eu o trato, sem maiores formalidades. Não vim aqui para me explicar. Pediu uma informação e eu a forneci. Só isso.
—Pode entrar em contato comigo, caso St. Claire lhe escreva outra vez?
— Por que ele escreveria? — Alexandra inquietou-se e corou ligeiramente.
— A senhorita... Você lhe mandou dinheiro. E dinheiro aca­ba. — O olhar de Collin faiscava.
— Se eu confirmar esse seu palpite, continuará me odiando? Ele a guiou pelo braço até a porta do saguão, alegando que diversas pessoas poderiam ouvi-los. Alexandra deixou-se con­duzir, porque realmente pretendia sair dali e voltar para casa. Ultrapassou os degraus da entrada e agradeceu ao rapazinho que lhe trouxe o cavalo. Seus pés pisaram de novo na terra nua.
— Obrigada por me acompanhar à saída e tenha uma boa estada na Inglaterra. — Pôde observar o semblante duro de Collin, agora que havia certa distância entre eles.
— Você não é o que eu pensava ser, Alexandra. — O tom foi de desculpas, mas ela avaliou que nem por isso o cavalheiro em questão gostava dela. Ou que a desejava como mulher, a exemplo de todos os homens dos quais se aproximara.
— Creio que sabe pouco sobre mim — ela contrapôs, com um peso no coração. Subiu ao cavalo, que graças a um tapa do ajudante, disparou pela estrada.
— Patife — murmurou para si mesma, sem olhar para trás.
Alexandra reprimiu o pranto. Aquele homem era um estra­nho. Não importava o que pensasse dela. Collin não tinha sido o primeiro, nem o último, a fitá-la com evidente menosprezo. Tudo aquilo parecia absurdo. Seu irmão, o duque, estava em Londres, flanando por bares, teatros e outros lugares à cata de mulheres fáceis, e ninguém ousava chamá-lo de devasso. Ao contrário, era tido como pessoa fina e altamente respeitável, enquanto ela, Alexandra, sofria difamações e injúrias por, antes dos vinte anos e solteira, ter desistido de manter o recato e a virgindade.
O galope não evitou as lágrimas. Restava-lhe conviver com a situação. Um homem bom e honesto tinha morrido, e de al­gum modo Alexandra desempenhara um papel nesse desastre. Mas, contando somente dezenove anos de idade, a vida ainda se oferecia inteira para ela. Não fizera mais, nem pior, do que os homens praticavam todos os dias, todas as horas.
Um banho quente e uma taça de vinho, antes do jantar so­litário em sua casa, certamente iriam reconfortá-la. Podia ser uma mulher decaída, uma quase prostituta que levava os amantes à morte, porém continuava viva e capaz de trabalhar.
No dia seguinte, pretendia esgotar-se na lida do campo, até ficar cansada demais para pensar ou sentir.
Collin Blackburn resolveu deixar Alexandra em paz por uma semana ou mais. Seus auxiliares na França haviam con­seguido espantar St. Claire do ninho. Na pressa de fugir, ele abandonara roupas e pertences, bem como um maço de cartas de certa lady Alexandra.
Como ficara sem nada, logo escreveria de novo, solicitando dinheiro. Então, Collin descobriria o esconderijo de St. Claire sem maiores problemas. Com isso, perderia de vez o contato com Alexandra Huntington.
A contragosto, ele não cessava de pensar nela. A fragilidade daquela mulher, que antes o enfurecia, agora o excitava, porque pressentia que ambos não haviam se contentado com um en­contro formal no saguão de uma pousada.
O fato de passar-lhe uma informação preciosa tinha sido surpreendente. A sedutora jovem se mostrara honesta, sensível a uma causa justa. St. Claire se refugiara em três endereços sucessivamente, em Paris, incluindo o último do qual escapara como alguém consciente de sua dívida para com a sociedade.
Por que tanta consideração com ele, da parte de Alexandra? Remorso? Bem, Collin não havia armado aquela confusão. Ela é que tinha determinado a própria queda.
Após o desjejum, ele fechou sua mala, disposto a alcançar a casa dos primos Lucy e George antes do anoitecer. Os parentes ficariam felizes por tê-lo entre si, e se tudo corresse bem, dentro de um mês ele estaria de volta ao lar, na Escócia. Chegaria atrasado para a venda anual do gado criado em sua fazenda, mas contava com funcionários competentes e prestativos. Se Alexandra lhe fornecesse novos dados sobre St. Claire teria de passar mais tempo longe de casa. Um desvio de rota até a França levaria semanas.
Na estrada, cavalgando em ritmo constante, Collin deparou com uma encosta a oeste na qual trabalhadores assentavam pedras. Entre eles, uma figura esbelta, de casaco vermelho, ges­ticulava e dava ordens.
Ele parou e permaneceu olhando. Sabia que Alexandra Huntington ajudava o irmão no trato com os camponeses e com a vasta propriedade rural da família. Era incomum, so­bretudo naquele meio social. Por isso, Collin sentiu admiração pelo duque e sua irmã. Mas não deixou de julgar escandaloso que Alexandra usasse roupas de homem, como se desejasse parecer mais ligada ao trabalho do que os próprios capatazes.
Para ele, tal expediente a tornava ainda mais vulnerável a comentários maldosos. Assim refletindo, percebeu que um tra­balhador o apontava, ao longe, denunciando sua presença a Alexandra. Começou a erguer o braço, num aceno, porém de­sistiu. Ela permanecia como uma estátua, firme e orgulhosa, sem parar de dar instruções.
Caso tivesse acenado, com certeza Alexandra não iria retri­buir. Ficaria infeliz com a aparição dele, provavelmente em busca de mais informações. Collin dispôs-se a controlar suas emoções com fria eficiência. Aquela mulher era tentadora, pe­rigosa e nem um pouco adequada a seus sonhos de amor ou ao tipo de esposa que prometera ao pai encontrar.
A atração física, porém, não valeria o risco?
— Collin, você está descendo?
A voz do primo ecoou até o topo da escada e depois para dentro da biblioteca onde Collin folheava um livro. Ele curvou os lábios num sorriso complacente.
— Já vou.
Colocou o livro na poltrona onde o havia encontrado e al­cançou os degraus de pedra, após estudar bem qual dos arcos deveria atravessar no corredor. A casa de Lucy era assim: toda maciça e desconexa, reformada várias vezes para ganhos de área útil. Os visitantes freqüentemente se confundiam. Nos três dias em que ali estava Collin ainda não entendera a geografia do casarão.
— Oh, não posso acreditar! — Agora o som vinha da sala térrea e pertencia a tia Lucy, numa exclamação corriqueira para aquela mulher de pouca instrução. — O que está fazendo aqui, sua maluca?
Um riso alegre acompanhou o comentário de Lucy, fazendo balançar seus cachos avermelhados. A "maluca" em questão era ninguém menos do que lady Alexandra Huntington, e o próprio Collin duvidou do que via. Esperou as duas mulheres se abraçarem e então murmurou:
— Lady Alexandra...
— Blackburn! — O espanto dela não foi menor.
— Mas... — Lucy empolgou-se. — Vocês se conhecem?
— Sim — disse Collin, enquanto a visitante meneava a ca­beça negativamente.
— "Conhecer" é um termo forte demais — ela opinou, le­vando Lucy a franzir a testa.
George, seu robusto marido, levantou Alexandra nos braços e girou-a no ar, no meio da sala.
— Ponha-me no chão! — ela ordenou, entre aflita e divertida.
— Perdão, esqueci-me de que minha esposa não gosta disso. — George obedeceu e depois se sentou, com uma expressão entre cômica e libidinosa.
— Você soa convincente para alguém que não olhou para outra mulher nos últimos dez anos — brincou a recém-chegada.
— Alexandra, este é Collin Blackburn — indicou George. — Sobrinho de Lucy por meio de casamento.
— Já nos conhecemos. Não pretendia atrapalhar uma visita familiar.
— Não, não — Lucy insistiu, com as bochechas rubras. — Os dois são da família.
George sorriu, erguendo-se a fim de colher a mão da esposa.
— Alexandra é minha prima em segundo grau, Collin — explicou.
— Ah!
O que mais ele poderia dizer?
Apesar de tudo, prevalecia um clima de tensão na sala. Por carta, George havia pranteado a morte infausta de John Tibbenham, mas jamais confessara a Collin sua conexão com Alexandra. Muito menos, claro, havia esmiuçado o papel dela no terrível incidente.
— Bem... — George bateu palmas para chamar a atenção e fitou Alexandra. — Eu ia levar Collin para um passeio no vi­larejo. Gostaria de nos acompanhar?
— Acho que ela deve ficar, pois temos muito a conversar. Vocês homens só falam de cavalos, caçadas e pescarias. Além disso, pretendo instalar Alexandra e fazê-la repousar, antes do jantar.
Contrariado, George meneou a cabeça vigorosamente e di­rigiu-se à porta. Ao segui-lo, Collin lançou um olhar insistente a Alexandra. Só para entendê-la, refletiu, não para tranqüilizá-la. Nada lhe devia.
Sem fitar Collin, ela deixou-se conduzir por Lucy rumo à escada. Ele admirou suas costas bem proporcionadas, ponde­rando se estava ressentida. Mas Collin nada havia feito de er­rado, nem imaginava que Alexandra poderia aparecer ali. Ago­ra, teria forçosamente de trocar algumas palavras com ela e instaurar a paz, já que ambos eram hóspedes na mesma casa. No fundo, não desejava manter amizade com aquela mulher, e sim dar-lhe um safanão.
— Collin, vamos? — chamou George, e logo foi atendido.
— Senti certo nervosismo no ar — disse Lucy, fechando a porta do quarto destinado a Alexandra.
— O que ele veio fazer aqui?
— É meu sobrinho, amiga. Não de sangue, mas... — Lucy foi interrompida quando começou a relatar a história de um casamento entre tios.
— Por que nunca contou Lucy, que tinha parentesco com John? — Ela pareceu frustrada e infeliz.
— Não tinha. Ele e Collin eram meios-irmãos. Mães diferen­tes. Jamais conheci John.
— Isto é desagradável. Voltarei para casa amanhã mesmo.
— Eu a proíbo — a anfitriã firmou posição.
Alexandra desabou na cama e cobriu o rosto com as mãos. Havia viajado em busca de consolo, companhia e distração, qualquer coisa capaz de obstruir o pesar que caíra sobre ela, após a visita de Collin.
— O que houve querida? — Lucy indagou. — Ele foi gros­seiro com você? Eu precisaria subir numa banqueta para dar um tapa nele, mas juro que faria isso.
— Mesmo? — Alexandra não conteve um riso breve e reconfortante.
— Explique-me o que está acontecendo.
— Nada de muito especial. Eu é que estava alterada. Conheci Collin há três dias, quando me procurou para falar da morte do irmão dele.
— Por quê? — Lucy não entendeu.
Suspirando, Alexandra ergueu-se e recuperou a compostu­ra, pois temia parecer-se com uma marionete melodramática.
— Ele está à procura de Damien St. Claire. Ajudei-o no que podia, e fim da história.
— Ignorava que Collin viria aqui?
— Sim, e ele também desconhecia minha visita a você.
— Nunca mencionamos... Quero dizer... Posso pedir a Collin que se vá — Lucy propôs, atrapalhada.
— Não é necessário. Ele nada fez de errado. Se for para al­guém sair daqui, eu vou.
— Claro que não! — Lucy elevou a voz. — Nem pense nisso. Os homens são responsáveis pelos tolos jogos de honra que praticam. Um duelo de pistolas! Faça-me o favor! Quem pode­ria afirmar, em sã consciência, que você teve algo a ver com isso?
Aquilo acalmou a mente atormentada de Alexandra.
— Não se preocupe Lucy. — Ela sorriu. — Apenas me sur­preendi ao ver Collin. Ficarei bem, ainda mais sob os seus cuidados.
Ela abraçou a anfitriã e tomou para si a tarefa de liberá-la, pois queria dormir um pouco.
— Eu a verei de novo no jantar...
Estreitando os olhos, Lucy saiu do quarto e praticamente acompanhou o criado. Sozinha, Alexandra esmurrou o col­chão, descarregando a raiva. Conseguira simular calma, mas o que de fato desejava era voltar para casa o quanto antes. Collin Blackburn não se atreveria a segui-la.
Maldição! Por que ele tinha de ser tão atraente? Tentaria descansar um pouco e depois se prepararia para jantar com o primeiro homem que chegara a interessá-la, em muitos meses. O homem que a olhava como culpada pela morte do irmão.
Casualmente, na hora do jantar, Collin viu Alexandra sair do quarto e franzir o cenho ao deparar com ele, desviando o olhar para os degraus.
— O que deseja? — ela o desafiou.
— Pensei que poderíamos falar em particular, antes da re­feição.
— E por que pensou isso?
No fim do corredor, a poucas portas dali, a empregada que acabara de arrumar um cômodo os fitou com um misto de des­confiança e malícia. Alexandra a contemplou sonhadoramente, como se quisesse estar na pele dela, a fim de escapar depressa pela escada. Na verdade, o corpo grande e másculo de Collin a impedia de fazê-lo.
—Não estou aqui para atormentá-la — ele disse — O último desejo de meu pai foi que eu localizasse St. Claire e o trouxesse à Inglaterra, para ser julgado por assassinato. É impossível es­quecer isso, por mais que eu quisesse.
Finalmente Alexandra encarou os olhos indecifráveis.
— Não me incomoda o que você tem feito — falou com cal­ma. — Por certo, eu faria o mesmo caso meu irmão tivesse morrido em tais condições. No entanto, Sr. Blackburn, isso não significa que aprecio sua companhia. Não consigo fingir que estou à vontade, apenas porque compreendo sua missão.
Collin ficou dividido entre a suavidade da voz e a raiva que Alexandra tentava esconder.
— Meu irmão John era apaixonado por você — declarou. — E seu desprezo pelos sentimentos dele o levou à morte.
Alexandra estremeceu, horrorizada com uma lógica que não podia aceitar.
— Isso não é verdade — protestou.
— Ora, por favor! — Collin lutou contra a simpatia que ela despertava.
— John e eu éramos amigos. Ele não estava apaixonado por mim.
Os olhos de Alexandra transmitiam confusão e inocência. Por todos os santos, aquela mulher era uma consumada atriz. Como podia negar um relacionamento amoroso que a cidade inteira reconhecia, apostando num rápido matrimônio?
— Ele me escreveu pouco antes do malfadado duelo. Con­fessou que amava você e ansiava por pedir sua mão, ainda nesta temporada social. Chamava-a de "anjo", o que prova que você era uma pessoa bondosa e decente, apesar dos boatos em contrário. Recebi essa carta um dia depois de saber que John tinha morrido num duelo por sua duvidosa honra, após flagrar você em ato íntimo com Damien St. Claire.
Alexandra olhava para ele, emudecida e boquiaberta. Collin rilhou os dentes, ante a expressão de dor no rosto dela. Não podia ser inocente como dava a entender, não podia ter sido tão cega aos sentimentos de John.
Duas lágrimas tremularam nos longos cílios. Collin ouviu o som da respiração cortante que parecia vir da garganta de Alexandra. Melhor que continuasse representando, ele pen­sou, fechando os olhos para poupar-se da cena triste.
Ao reabri-los, notou que Alexandra se tornara dura e impas­sível, sem expressão, apenas mortalmente pálida. As mãos, vol­tadas para trás, procuravam a maçaneta da porta. Tentava vol­tar para dentro de seu quarto, fugindo à pressão.
— Lady Alexandra... —ele murmurou, ensaiando acercar-se a fim de tocá-la.
— Deixe-me em paz! — exigiu ela, antes de emitir um alar­mante suspiro. Conseguira abrir a porta, mas as pernas se re­cusavam a obedecê-la.
Collin observou a luta dela por mover-se e escapar. Mas an­tes que pudesse segurá-la, Alexandra experimentou uma sen­sação de desmaio e desabou no chão do corredor, de joelhos. Ele agachou-se e esticou as mãos em auxílio, ignorando a re­sistência que Alexandra lhe opunha. Tomou-a nos braços e con­seguiu estendê-la em cima da cama. Aos poucos, ela percebeu o que acontecera, amassou a colcha branca com os dedos em garra e olhou furiosamente para Collin.
— Não me toque de novo! — rosnou por entre os dentes. — Você veio à minha casa, me contou que Damien tinha me usado como instrumento para eliminar John. Agora me diz que seu irmão me amava? Fui jogada num inferno!
Alexandra começou a chorar, e Collin sentiu-se consternado.
— Eu estava nervoso — ele tentou justificar-se. — Não devia ter sido tão direto.
Ela prendeu a respiração, na tentativa de controlar o pranto.
— Precisava saber o que havia acontecido — Collin prosse­guiu. Por que John recebera uma bala? Por que Damien St. Claire o queria morto?
Alexandra ofegava, em sua luta contra o desespero.
— Posso compreender sua atitude — ela falou, com a voz entrecortada e uma palidez preocupante. — John não me deu nenhum sinal de seus sentimentos. Éramos amigos. Por vezes, ele me criticava por dançar com muitos homens e provocá-los. Certamente ouviu rumores sórdidos sobre meu comportamen­to. — Alexandra conseguiu respirar fundo e recompor-se. — Mas nunca, em momento algum, deu a entender que estivesse apaixonado. Talvez eu o desestimulasse, não sei, porém certa­mente ele continuaria vivo. John deixou-me pensar que gostava de Beatrice Wimbledon e que queria se casar com ela.
Com esforço, Alexandra sentou-se na cama, os pés apoiados no chão e o pescoço denotando muita tensão muscular. Collin ponderou que não havia motivo para duvidar dela. Jovem demais, John talvez não tivesse autoconfiança suficiente para declarar seu amor a uma mulher livre e dinâmica como Alexandra. Por certo, numerosos pretendentes não tinham.
Collin arriscou-se a pousar a mão direita no ombro dela e sentiu-a estremecer, mas sem esquivar-se.
— Admito que pensei o pior de você — ele afirmou. — Não me cabia esse direito.
— Vá embora e não fale mais comigo. Será sua penitência. -— Errei e lamento muito.
O corpo miúdo de Alexandra continuou trêmulo, enquanto ela desdenhava das palavras dele. Ergueu-se sem ajuda e colou o rosto à janela. Collin ardia por dentro, com sincero arrepen­dimento. Havia magoado uma pessoa frágil, imaginando que ela merecia isso, recusando-se a enxergá-la como vítima. Tal­vez, efetivamente, ela só fosse culpada de excessiva liberalidade quanto a flertes e namoros, na vivência voluptuosa da pró­pria juventude.
Agora, Collin pretendia consolar Alexandra, porém não ou­sava tocá-la e abraçá-la, temendo a reação. Criou coragem e, pelas costas, afagou com os dedos as sedosas ondas negras dos cabelos macios. Notou que o corpo de Alexandra se distendia numa insinuação de entrega ou rendição.
— Sinto muito sobre John — ela murmurou.
— Acredito em você.
—Mesmo?—Alexandra voltou-se para ele, surpresa e agra­decida.
Collin confirmou, mas agora era ele que sentia desconforto. A sensação de calor no baixo-ventre o castigava, e a figura se­dutora de Alexandra, com os seios pressionando-lhe a roupa justa, cristalizou na mente masculina cenas de absoluto des­tempero dos sentidos. Recuou preventivamente.
—Podemos esquecer tudo e recomeçar? — ela propôs a voz rouca denotando certa dose de comoção.
Estaria Collin pronto para tratar Alexandra como amiga, e não como o pivô de um crime? Ela era muito jovem, afinal. Não seria de espantar que tivesse sido apenas usada no planeja­mento de um crime, caso em que também seria uma vítima de St. Claire.
— Concordo, pela paz de nossos anfitriões — ele declarou, despertando um inesperado sorriso nela.
— Você é um homem duro, Collin Blackburn.
Para assombro dele, o rubor nas faces de Alexandra aumen­tou-lhe a excitação, porque ela parecia totalmente disponível, tentada a seduzi-lo até que voltassem juntos à cama.
— Hora de jantar — ele reprimiu-se. — Já devem estar nos esperando.
Após a refeição, George puxou Collin para um canto da va­randa. O que poderia querer? Era-lhe impossível conhecer os eventos no corredor e no quarto de Alexandra, a não ser que a empregada o tivesse alertado.
— Não me expressei bem a respeito de Alexandra — disse George.
— Mas... — Collin preferiria dispensar explicações.
— Fiquei surpreso com a chegada dela, e assim... Você disse estar convencido de que St. Claire premeditou a morte de seu irmão. Quero defender minha parenta. Você tem motivos para não gostar dela, porém leve em conta a tenra idade de Alexandra.
— Realmente...
George ergueu a mão, com um olhar incisivo, e calou Collin.
— Peço-lhe somente um pouco de compaixão, neste caso. Se St. Claire tramou o duelo, pense no choque de minha prima ao ser usada de forma tão vil. Provavelmente, por amar aquele homem, ela foi enganada com facilidade.
— Compreendo isso — afirmou Collin com franqueza, ou­vindo George suspirar.
— Fico contente em saber. Não duvido que ela lhe pareça libertina... Ela cresceu praticamente sem mãe, depois sem pai. Foi criada pelo duque, que poderia tê-la enviado a outro pa­rente ou a um internato, mas optou por mantê-la perto de si e da fazenda.
— O irmão ideal... — ironizou Collin.
— Talvez não — George admitiu —, mas aconteceu. — Mes­mo um fidalgo como Somerhart não conseguiu mudar o tem­peramento de Alexandra, sempre arrojada e livre como raras mulheres. Claro, era antinatural que ela trabalhasse feito um peão na fazenda e depois, moça feita, atraísse escândalos como um ímã.
— Não precisa defendê-la, George. Assumo que me irritei ao vê-la aqui, porém você tem razão: ela é jovem e não teve o intuito de machucar John.
— Uma criança estragada, uma jovem estigmatizada pela sociedade...
— Também compreendo não se preocupe. Gostaria de ver um retrato dela quando criança.
— Devo ter um, não sei onde. Vou procurar. O duque nos mandava uma nova imagem de Alexandra todos os anos.
Collin sorriu à lembrança do frio, inteligente e voluntarioso duque de Somerhart. Quem o imaginaria criando uma menina órfã, na propriedade rural de mesmo nome em Yorkshire?
Reunindo-se aos outros para tomar o tradicional licor sub­seqüente ao jantar, Collin admirou a exuberância de Alexandra, que lhe valera o sucesso em sociedade, antes de cair em des­graça por não resguardar sua castidade para um futuro marido.
Alexandra corou diante do olhar dele. Não aparentava ser devassa, nem egoísta, nem uma menina mimada. Tinha sardas quase invisíveis perto do nariz, que Collin notou pela primeira vez, ponderando que aquela jovem não poderia ser uma espé­cie de prostituta. A idéia era ridícula. Alexandra tinha somente dezenove anos, era inglesa de boa estirpe, irmã de um duque. Estava mais perto de ser uma princesa do que uma rameira. Tinha o porte de um membro da nobreza.
— Francamente, quando as mulheres conversam sobre di­nheiro, minha cabeça dói — George interrompeu os pensamen­tos tortuosos de Collin.
Alexandra parou de falar a respeito de suas despesas pes­soais e da fazenda.
— Somerhart me deu permissão para expandir os estábulos e a criação de cavalos de raça — ela explicou, finalizando o assunto.
— Talvez Collin possa ajudá-la nisso — comentou George, plantando mais confusão em seu íntimo.
— Ele também cria cavalos, na Escócia — interveio Lucy.
— Acho que não ouvi falar deles — observou Alexandra sem ênfase.
— É que Collin esconde seu título de barão de Westmore — Lucy acrescentou.
— Ah, claro! — exclamou Alexandra. — Os animais dos estábulos de Westmore são muito cobiçados.
— Obrigado. São bons cavalos — ele disse, sorrindo.
Ela refletiu um pouco e enrugou a fronte, incomodada por um detalhe.
— Seu sobrenome é diferente do de John. Presumi que ti­vessem pais diferentes, mas você disse algo que...
— Sim, John era o filho legítimo. Eu, o bastardo.
Alexandra arregalou os olhos ante a indelicadeza da expres­são, e até George se ressentiu. Mas, se o próprio Collin a as­sumia...
— Céus! Como bastardo, de que modo se tornou um barão? — ela indagou.
— Meu pai comprou o título, num acesso de arrependimen­to. Queria me ver respeitado socialmente.
— Então, está em boa companhia — Alexandra permitiu-se brincar com a situação. — Um bastardo, uma meretriz e uma bruxa. — Olhou para Lucy. — George é o único que se salva, aqui.
Lucy deu início a uma risada, que se transformou em res­mungo sob o olhar severo do marido.
— Prima, não fazia idéia de que fosse uma feiticeira — Collin comentou, calando-se ao ver George balançar a cabeça em des­consolo.
— Mas quem disse que, neste trio, sou eu a meretriz? — Alexandra riu alto, impondo sua aparente inocência.
— Realmente — Lucy protestou —, a conversa está se tor­nando cruel. Você já não se vingou o suficiente de mim?
— Por quê? Quero ouvir toda a história — pediu Collin.
— Quando George e eu nos casamos, Alexandra tinha ape­nas oito anos.
— Nove — ela corrigiu.
— Um projeto de mulher, com nove anos, e já deslumbrante!
— Lucy elogiou. — Tinha uma forte queda por George, imagi­ne! Precisei tomar providências e satisfações. Felizmente, nos casamos antes de ela crescer.
— E o que fez lady Alexandra? — quis saber Collin.
— Fiz uma travessura, mas Lucy não a achou divertida.
— Ela colocou um rato vivo no meu leito nupcial! — Lucy exclamou, escandalizada, enquanto George e Alexandra explo­diam numa gargalhada.
— Não foi por maldade. — George novamente assumiu o papel de defensor da prima. — Ela imaginou que Lucy fugiria correndo, para nunca mais voltar, e eu ficaria disponível para suas prematuras pretensões...
— Não demonstrava medo de nada, por isso lhe disse que eu era uma bruxa, capaz de transformá-la em estátua de pedra. Com meus dezenove anos, também tinha direito a uma brin­cadeira.
— Ficaram dois anos sem se falar — interveio George, em­penhado em encerrar um assunto que poderia terminar mal.
— Quem diria? Agora se dão maravilhosamente bem.
 Collin levantou seu cálice e depois sorriu para Alexandra, que apenas o contemplou com os cintilantes olhos azuis. A atenção dele se concentrou nas faces coradas e nos lábios pol­pudos. Vibrou, sob um fluxo aumentado de sangue quando Alexandra pousou o olhar em sua boca, adocicada pelo licor. Pensaria num beijo? Não era nada bom.
Perspicaz, George tossiu e alcançou seu objetivo de romper a perigosa conexão.
— Quando pretende partir? — perguntou Lucy, sem segun­das intenções.
— Dentro de algumas semanas. — Collin sentiu-se inseguro na resposta. — Ainda tenho negócios a resolver na Inglaterra.
— Que tipo de negócios? — quis saber Alexandra.
— Diversas pendências. Na condição de gerente de confian­ça do duque de Somerhart, você deve saber como tudo isso é tedioso.
— Sei. — Ela tomou cuidado para não se trair pelo olhar. — Mas não considero o trabalho tedioso, e sim estimulante.
Collin resmungou desgostoso.
—Preferiria como você, trabalhar diretamente com cavalos.
— Todos temos nossas paixões — sentenciou Alexandra, desviando o olhar do visitante.
Na manhã seguinte, Alexandra anunciou sua chegada à mesa do desjejum com um suspiro de melancolia. Os outros já haviam se servido e estavam dispersos pela casa. Ela demorou uma hora para alimentar-se, entre olhares à porta e ao saguão, a fim de ver se Collin Blackbum aparecia. Mas ele tinha sumido em seus aposentos, desde a noite anterior, quando se despedira com um murmúrio após a rodada de licor e conversa.
Ao ser consultada, Lucy disse que não vira Collin, e que ele gostava de esconder-se.
Diante disso, Alexandra decidiu inspecionar os estábulos da propriedade. Ao menos serviria para amenizar a tensão. E, com sorte, depararia por acaso com o meio-irmão de John Tibbenham.
No trajeto, ela se repreendeu pelo surto de ternura que co­meçava a experimentar por um homem que mal conhecia. En­controu Collin, de peito nu, olhando os animais de baia em baia. Eram fortes, saudáveis, bonitos.
Alexandra focalizou as costas suadas dele, por efeito dos pingos que caíam de seu pescoço. Depois, observou os mús­culos bem definidos, ponderando que nunca vira nada tão fas­cinante. Por certo, ela já havia visto muitos homens, nobres ou não, tirar a camisa e exibir o tórax. Não era hora nem lugar para fantasias eróticas, mas Alexandra admitiu que jamais tivesse contemplado um torso tão belo.
— O que faz aqui? — indagou Collin, surpreso. Apanhou a camisa pendurada na portinhola de uma baia e abotoou-a ra­pidamente, como se sentisse vergonha. — O que deseja?
Alexandra deu várias piscadelas, como acontecia sempre que ficava tensa.
—Eu... —Não pôde completar a frase, mesmo porque Collin resmungou e praguejou, vestindo também seu casaco. — Vim trazer uma maçã para minha égua Brinn.
Ela apalpou o vestido, onde supostamente guardava a fruta. Calado, Collin verificou se as baias estavam fechadas e foi sain­do do estábulo.
— Preciso enviar uma carta ao meu capataz — justificou-se.
— É tão urgente assim?
— É — ele confirmou secamente, olhando para Alexandra sobre o ombro.
— Pensei que tínhamos chegado a uma trégua...
— Desculpe-me, senhorita...
— Trate-me apenas por Alexandra. Somos quase primos.
— Decerto que sim. Minha rispidez não tem nada a ver com você. Apenas me lembrei de algo importante.
— Parece que não gosta de mim... — ela alfinetou, procu­rando decifrar a expressão dura que ele exibia.
— Nada disso. — Collin posicionou-se a fim de admirar a figura de Alexandra. —Você é uma mulher muito interessante.
Ela suspirou, só porque Collin Blackburn gostava dela. Ele podia ser rude quando cismava, mas Alexandra estava longe de ser uma jovem ingênua, incapaz de perceber quando um homem a desejava. No dia anterior, Collin quase a beijara no quarto, e agora ela se surpreendia com sua própria e desespe­rada atração por ele.
O devaneio passou, deixando, porém um rastro de pertur­bação. Talvez Collin estivesse tão excitado quanto ela. Queria aquele homem, e ele também a desejava. Então, por que não aceitá-lo como amante?
Seria maravilhoso, pensou, mas estrategicamente incorreto.
Depois de tudo o que lhe acontecera, Alexandra empenha­va-se em restaurar sua imagem. Não queria mais perder tantos amigos e até pretendentes à sua mão.
Tinha recebido, nos meios sociais, o apelido de "herdeira pecadora". Não podia continuar ofendendo o irmão duque, bem como George e Lucy. A grande vantagem de arruinar-se moralmente consistia em aprender a não decair ainda mais.
No entanto, Alexandra era livre para correr riscos. E Collin constituía um risco que valia a pena correr.


Capítulo II

O dia seguinte amanheceu ensolarado. Collin vinha se ha­bituando a visitar o estábulo, em busca de paz de espírito. Enquanto selava seu cavalo, Thor, e prendia a correia, fracas­sava em tirar Alexandra do pensamento.
Thor ergueu as orelhas, acusando a presença de alguém estranho.
— Collin! — Alexandra o chamou da porta, e a muito custo ele evitou praguejar, mantendo o autocontrole. —Posso acom­panhá-lo no passeio desta manhã?
Ele tentou neutralizar Alexandra com o olhar de contrariedade, mas ela sorria, sem intimidar-se, e impunha a quem qui­sesse ver, sua beleza.
—Não é propriamente um passeio. Thor precisa se exercitar com um bom galope.
— Ótimo. Também preciso.
— Terá de seguir meu ritmo, sem ficar para trás — Collin a preveniu.
— Minha égua Brinn é rápida. — Feliz Alexandra chamou o jovem ajudante da estrebaria e o instruiu para selar seu animal.
Na opinião de Collin, a roupa de montaria pouco prejudi­cava a feminilidade de Alexandra. Ele admitiu que vê-la de outra forma, como sucedera no primeiro encontro, era uma questão de preconceito.
Esse não tinha sido o único motivo para Collin tratá-la com frieza ou hostilidade, mas também não queria magoá-la. Dese­java somente evitar a tentação que Alexandra encarnava, e era maduro o suficiente para não sucumbir ao apelo dos sentidos.
Por sorte, ela havia anunciado a todos que partiria de volta ao lar no dia seguinte.
Aquela manhã, no campo, lembrava um sonho: céu limpo, luminosidade intensa, brisa suave e perfumada. Eles avança­ram por uma trilha tortuosa, em fila, pois o terreno desaconse­lhava o galope veloz.
Alguns quilômetros foram percorridos em silêncio, outros tantos no galope, quando o solo se tornou mais firme.
— Mais adiante, há uma clareira sombreada por árvores altas — disse Collin, quebrando o silêncio enquanto deixava Alexandra emparelhar com ele. — É uma espécie de oásis no meio deste deserto de terra e poeira. Gostaria de parar e re­frescar-se?
Aliviada, ela respondeu que sim.
No descampado, desmontaram e os animais beberam da água de um riacho próximo. Collin os amarrou com folga a um tronco e tirou do alforje dois cantis de água.
Alexandra bebeu com prazer, enquanto Collin fixava o olhar na boca ávida de líquido. Céus! O que fazer com aquele desejo crescente que o consumia?
Alexandra avançou um passo e projetou a mão para que ele a colhesse. Intimidado, Collin poupou-se desse gesto, mas se­guiu com o olhar o caminho da mão dela até seu pescoço.
—Já reparei no modo como me olha — murmurou ela, antes de roçar os dedos na mão de Collin.
Ele sentiu as pálpebras se fecharem, desobedientes, e emitiu um gemido suave, mas revelador.
— Você não me quer? — Alexandra sussurrou-lhe ao ouvido.
Não responda. Apenas esquive-se. Porém os lábios formularam uma frase decisiva:
— Todos os homens a desejam, Alexandra.
— Não é verdade — ela retrucou sem demora. — Ainda que fosse eles não me interessam. Mas você... Você é encantador.
Collin abriu os olhos e admirou aquele monumento de vo­lúpia e ousadia. Mesmo em seus eventuais contatos com mu­lheres da vida, não conhecera nenhuma que lhe prometesse, implicitamente, tantos prazeres. Num gesto instintivo, enlaçou a nuca de Alexandra, sentiu o arco do osso maxilar e, sobretudo, a pele macia e cálida.
— Isto é um erro — murmurou ao mesmo tempo em que bai­xava os olhos até os lábios dela.
O sopro de um suspiro escapou dos lábios quentes que Collin decidira desfrutar. Ele percorreu com a língua a superfície dos lábios de Alexandra, cuja reação foi entreabri-los, arrepiada. En­tão, recebeu e retribuiu o beijo esmagador de Collin.
De imediato, Collin sentiu um incômodo na virilha. Aquilo era loucura... Deveria interromper o beijo, mas não conseguiu parar de estreitar Alexandra contra si, pressionando-a contra seu corpo, fazendo-a sentir sua rigidez.
A evidente predisposição dela de aceitar as carícias estimu­lou ainda mais o desejo de Collin, que começou a lhe desabotoar a blusa. Dois botões abertos foram suficientes para que ele alcançasse o vão entre os seios.
 Com o corpo colado ao dele, Alexandra arqueou as costas para trás e gemeu baixinho, enfraquecendo de uma vez o pouco controle que restava a Collin. Ele abriu mais dois botões da blusa e expôs os seios túrgidos de desejo, acariciando-os gen­tilmente, fazendo com que Alexandra se arqueasse ainda mais para trás, num sensual convite ao prazer.
Com a mão nas costas dela, Collin deitou-a com vagar e cuidado na relva, sem interromper o beijo.
Alexandra, entre as pernas apartadas, sentia a pressão viril de Collin, num contato abrasador. Collin afastou os lábios por um instante, para livrar-se do casaco e da camisa já aberta. Alexandra o ajudou na tarefa, apressando-o, e em seguida des­fez-se da maior parte dos trajes que a cobriam. Era tão parti­cipativa que Collin voltou a beijá-la, dessa vez com suavidade, mantendo os olhos no corpo fascinante que ia se revelando.
O gesto gentil adiou por instantes a urgência da posse e da entrega. Seminus, recorrendo aos lábios e mãos, ambos troca­ram carícias lentas, e nem por isso menos extasiantes, até o momento em que os dedos de Collin descobriram o úmido cen­tro da feminilidade de Alexandra. Ali demorou-se em toques progressivamente ousados, que logo desvendaram o botão mais secreto da mulher. Ela arqueou as costas, sem afrouxar o abraço, e emitiu um grito abafado, sinal de que a antecipação do prazer se transformara em tormento.
Rígido e motivado, Collin completou as carícias com um afago na penugem macia do baixo-ventre de Alexandra. Logo se posicionou e ergueu um pouco os quadris dela, disposto a finalmente possuí-la. Mas ela começou a gemer o corpo se contorcendo nos espasmos do clímax, e a união física não se concretizou.
Era uma pena que Collin não a tivesse acompanhado no clímax, mas a alma dele estava apaziguada.
Nesse instante, um som inoportuno chegou aos ouvidos de ambos. Não era o relincho dos cavalos nem o marulho do ocea­no próximo. Enquanto Alexandra se cobria, Collin levantou-se, vasculhando os arredores com o olhar.
— Collin, o que foi isso?
Ele ergueu a mão, pedindo silêncio, mas resmungou grave­mente quando identificou, a oeste, o tilintar do sininho que muitos cavaleiros penduravam nos arreios da montaria.
— Um viajante — sussurrou. — Fique aqui enquanto vou verificar.
Collin desapareceu entre as árvores, notando que o ruído aumentava a cada passo que dava. No momento em que alcan­çou seu cavalo, Thor, pôde ver sulcos de rodas na trilha que cruzava a floresta.
Permaneceu na sombra, escondido, até que avistou a carroça de um funileiro, que parecia cochilar na ponta das rédeas. O veículo distanciou-se pela vereda. O cavalo que o puxava trazia um pequeno sino na correia. Sem dúvida, a carroça era respon­sável pelas marcas no solo.
Esperou dez minutos, vigilante; quando viu o veículo se dis­tanciar e finalmente desaparecer, ele voltou para a clareira.
Encontrou-a no mesmo lugar onde a deixara deitada na relva. Relaxado, sentou-se na grama e aninhou a cabeça dela em seu colo, a despeito do perigo de serem flagrados por algum outro viajante. Beijou-lhe a testa e, depois, encostou gentilmen­te sua boca na dela.
— Collin... — murmurou Alexandra, como se num segundo recordasse a troca de carícias e o êxtase que a havia convulsionado.
Sorrindo, Collin levou os dedos à blusa solta no corpo dela.
— O que está fazendo?
Ele riu. Continuou abotoando a peça de roupa, em vez de removê-la como parecia ser do agrado de Alexandra.
— Pare. Estávamos prontos para... Repetir, quando fomos interrompidos.
— Não podemos Alexandra. — A declaração soou quase insultante. — É impossível ignorar sua condição social.
— Se você vai se referir ao meu irmão duque sou capaz de dar-lhe um tapa.
— Eu ia dizer que você é prima de George e amiga de Lucy. Incomoda-me tirar vantagem disso, aproveitar-me de você...
A boca sensual de Alexandra estreitou-se numa dura linha de contrariedade.
— Não planejava anunciar a todo mundo o que aconteceu entre nós. E que história é essa de tirar vantagem de mim, se eu mesma...
— Sinto muito. — Collin percebeu que, ao contrário de Alexandra, não lidava bem com as palavras. Suas faces ar­deram. — Pode acreditar. Estou confuso, não sei se aprecio ou lamento um flerte que começou pelo fim.
— Muito bem, Blackburn. Obviamente, você tem suas ra­zões. — Ela ergueu-se, esticou a saia e só focalizou Collin quan­do procurou pelo casaco. Comovida, tinha os olhos marejados.
— Assim não, Alexandra — ele implorou. — Tudo se resol­verá naturalmente.
— Situação desconfortável para você, não?
Em parte. Foi uma manhã maravilhosa. — Collin reco­nheceu.
— Eu gostei muito... — ela emendou tão maliciosa quanto distante das preocupações de Collin. — Vamos voltar, para não atrasarmos o almoço de Lucy e George.
Quando Collin afastou-se, em busca de seu cavalo, Alexandra cobriu o rosto com as mãos. Sentia agora o mesmo embaraço que ele demonstrara. Não era a primeira vez que suas necessidades instintivas lhe causavam humilhação. Claro, não tinha sido bem assim. Collin, além de bom amante, era uma pessoa justa e confiável. Devia estar frustrado, só isso.
Alexandra levou alguns minutos até concluir que ele a esta­va rejeitando. Havia praticamente se oferecido e, com gentileza, Collin a deitara na grama. Ela chegara a pensar que aquele homem não faria isso.
Mas fizera, e a ligação entre ambos se consolidara por meio de um contato inesquecível, apesar de incompleto.
Sem esperar que Collin voltasse para ajudá-la, Alexandra montou em sua égua e contemplou o mar ondulante lá embai­xo. Ao virar-se, deparou com ele, montado em Thor, olhando-a fixamente. Julgou desnecessário fazê-lo sentir culpa por algo que ela mesma havia forçado a acontecer.
— Alexandra, você vai me avisar se St. Claire lhe escrever de novo? — ele indagou, cheio de esperança.
— Eu... — Ela franziu o cenho. Na verdade, não esperava aquela pergunta. — E quanto à informação que já lhe passei?
— Superada.
— Oh. — Mais uma pontada de humilhação. — Você não me disse.
— Pensei em procurá-la em casa, dentro de duas semanas, para saber se havia recebido notícias do fugitivo. Considerando as circunstâncias atuais, talvez seja melhor você se comunicar pelo correio.
Circunstâncias atuais? Aquilo chegava a ser quase ofensivo. Como Collin se atrevia a contar com a ajuda dela na caça a um ex-amante e provável assassino?
— Mandarei o novo endereço de St. Claire, caso o obtenha — declarou em tom seco.
Ele se empertigou e esporeou o cavalo. Calada e infeliz, Alexandra o seguiu, mas seus olhos não se despregavam da figura de Collin. Ele cavalgava como um nobre. Não, não po­dia tê-la usado simplesmente para fins pessoais. Também não a desprezara como chegara a pensar, já que a fama de vilã e libertina lhe pertencia.
De qualquer modo, ao chegarem, Alexandra trancou-se em seu quarto com uma firme batida de porta. Gratidão a Collin era o mais raro de seus sentimentos naquele instante.
Na manhã seguinte, ela iria embora. A idéia reconfortou Collin ao deparar com Alexandra na mesa de refeições, pronta para o lanche. Estava linda num vestido vermelho que lhe realçava a pele alva e a cintura estreita.
O decote, mais generoso que de costume, atraía a atenção para a suave curva dos seios. Não chegava a ser um desafio às regras sociais, mas quantas mulheres teriam a coragem de ex­por seus atributos à vista dos homens?
Fascinado, Collin julgou difícil parar de observar aquela ele­vação estonteante no busto de Alexandra. Mais enervante era notar como ela desviava o olhar sempre que o dele a alcançava.
— Você melhorou? — Collin inquiriu de repente.
— Perdão? — Ela como que emergiu de profundas divagações.
— Sua dor de cabeça. Não foi por isso que dispensou o jantar?
— Ah, sim. Estou melhor, obrigada, e o apetite voltou.
— A cavalgada a cansou?
— Não, não foi a cavalgada. Sou uma amazona experiente, afinal.
— Claro. — Nem assim Collin começou a servir-se.
Lucy surgiu na sala e reclamou que seus dois hóspedes ainda não tinham tocado o chá, o café, o bolo e outras iguarias que costumava deixar na mesa para quem quisesse.
— Vocês discutiram? — Lucy presumiu. — Collin, voltou a perturbar Alexandra com aquela história de seu irmão morto em Londres?
— Claro que não — ela atalhou. — Talvez tenhamos ido longe demais, na cavalgada. Estou exausta.
Longe demais! Naquele momento, Collin só pensava nas coxas roliças de Alexandra debaixo de seus dedos. Teria sido respeitoso ou ingênuo em excesso, ao desistir de seu prazer, depois que ela tinha atingido o auge e o abandonara junto com suas vontades e fantasias?
Uma fatia pequena de bolo, meia xícara de chá, e Alexandra fez menção de retirar-se.
— Não quero parecer mal-educada, mas...
— É sua última noite aqui! — Lucy protestou.
— Vou sair cedo e estou com sono — ela contrapôs.
— Pode dormir na carruagem — a anfitriã sugeriu.
— Não. Pretendo cavalgar Brinn, à frente da carruagem. É mais divertido.
— É uma loucura, isso sim.
— Pare com isso, Lucy. Eu a verei logo, dentro de um mês, antes de sua viagem ao continente.
Lucy soluçou dramaticamente, em vão. Collin também se recolheu pouco depois.
Alexandra deparou-se com sua criada, Danielle, cochilando numa cadeira ao lado do baú ainda aberto, já repleto de roupas e objetos. Devia estar cansada por causa da arrumação, porém certamente não sofrerá o desprezo de um homem naquela mes­ma manhã.
— Danielle, acorde e vá comer alguma coisa — ordenou.
— Obrigada, milady. Desculpe-me por ter adormecido, mas a bagagem está pronta.
— Eu lhe agradeço. Agora se alimente e durma bem.
Encantadoramente francesa Danielle se tornara uma boa companheira. Não se ressentira do escândalo que envolvera a patroa. Dera de ombros e apenas perguntara se tinha valido a pena.
Alexandra sentia-se mentalmente exausta, e não só pela su­posta rejeição sofrida. Sabia que em seu quarto havia uma carta à espera, dentro de um segundo envelope. Teria sido melhor que o mordomo Prescott ignorasse suas instruções para enviar-lhe correspondência pessoal recebida em Somerhart.
Ela reagiu com conformismo à delicada batida na porta que se seguiu. Esperava a visita de Collin Blackburn. Mas, teorica­mente, já haviam se despedido. O que mais ele desejava dela? Preferiu recuar, sem abrir a porta.
— Alexandra... — a voz soou desconfiada. — Posso falar com você?
— Pode. O que é?
— Por favor, abra — pediu Collin.
Após fitar demoradamente a porta, para deixar clara a sua contrariedade, Alexandra ascendeu.
— O que você quer?
— Por que está agindo assim? — ele rebateu, vendo que ela se afastava até o canto oposto do aposento. — Como se eu ti­vesse feito algo de terrível?
— Estou me comportando normalmente, nas circunstâncias atuais — Alexandra ironizou, com um toque de crueldade.
— Parece que não quer falar comigo nem me ver. Vai viajar amanhã, e tudo o que me oferece é o próprio distanciamento?
—Não sei por que se incomoda. —No entender de Alexandra, aquela situação era ridícula.
— Acha que eu não me preocuparia em lhe dar um adeus mais apropriado?
Movida por seu temperamento, ela não conseguia manter a lucidez.
— Você não gostou de mim antes, e não gosta agora — re­trucou Alexandra, frustrada. —Quando me ofereci a você, co­mo se fosse uma... — ela fechou os olhos e meneou a cabeça —... você me desprezou.
— Isso não é verdade — Collin defendeu-se.
— Não. — Ela focalizou o chão e depois o homem que pa­recia compreensivo. — Simplesmente, você é educado demais para assumir os fatos.
— Venha aqui. — O tom dele não foi tão educado.
— Não!
Alexandra balançou a cabeça, desejando que Collin fosse embora e ela se sentisse menos insegura. Voltou a baixar o olhar e viu as botas dele se aproximando.
— Querida... — Collin disse com inesperada ternura. — Vo­cê sabe quando um homem a deseja...
Sentiu a mão dele em seu queixo e, logo em seguida, a res­piração masculina junto aos lábios. As bocas se encontraram num beijo caloroso, mas hesitante. Alexandra suspirou e, agora disponível a Collin, repetiu a carícia.
Confirmava-se o que ela vinha pressentindo. Collin não a beijava com firmeza e calor. Não a desejava com a mesma força com que ela o queria. Não a empurrava até a cama e lhe arran­cava as roupas, manifestando sua vontade viril. Tão somente a abraçava, atritando gentilmente seus lábios nos dela.
Alexandra desvencilhou-se do abraço e apanhou na mesa a carta de Damien St. Claire.
— Aqui está o que de fato quer. Pegue e saia, por favor. Collin desdobrou rapidamente o papel, enquanto Alexandra se posicionava junto ao baú, próxima da porta. Tinha entregado a carta com raiva, antegozando a reação de Collin aos elogios maliciosos do outro. Quisera mostrar que existia alguém que a desejava mais do que ele. Agora, sentia-se uma tola.
— Chegou esta tarde — ela avisou, enquanto Collin relia a folha escrita, conferindo se continha o endereço do fugitivo.
— Obrigado pelas informações. — De braço esticado, ele tentava devolver o papel.
— Não vai guardar a carta? Não é útil para suas investiga­ções? — Alexandra inquiriu surpresa.
— Bem, não quero privá-la de uma lembrança tão especial. Obviamente, vocês dois ainda têm impressas na memória e na pele aquela intimidade que antecedeu a morte de meu irmão John num duelo de honra.
Alexandra quase arrancou a carta da mão dele. Empurrou-o para fora do quarto e postou-se na soleira da porta.
— Adeus, Sr. Blackburn. Se eu puder ser-lhe útil no futuro, me avise.
Collin permaneceu no corredor, em silêncio, talvez procu­rando o que dizer a fim de encerrar o episódio.
— Eu não tentei fazer amor com você, Alexandra, como meio para obter informações.
— Não?
Ele praguejou.
Alexandra não acreditava, seriamente, que tivesse sido usa­da, mas era melhor deixá-lo pensar que sua raiva se devia ao orgulho e aos sentimentos feridos.
— Você não me conhece bem — ele murmurou. — Eu nunca faria isso, por princípio. Teria preferido não tocá-la, mas não resisti à tentação.
Um arrepio de satisfação percorreu a espinha de Alexandra.
— Não sou de perder o controle com freqüência — comple­tou ele.
— Eu sei. Não o perdeu, na clareira, naquela que seria a segunda vez.
— Preocupei-me com o funileiro e outro viajante qualquer que encontrasse você seminua na relva. Não fosse por isso, eu teria mergulhado de cabeça entre as suas pernas.
Ele exibia um brilho sincero e selvagem nos olhos. Alexandra sentiu o arrepio transformar-se em desejo. A cena que Collin desenhara, com uma só frase, tinha abrasado seus sentidos, dei­xando-a evidentemente excitada.
— Parece que você gosta de colecionar confissões libidinosas dos homens que não podem tê-la — Collin expressou-se com ousadia. — Mas lembre-se: você pode ter a mim.
— Sou exatamente esse tipo de mulher... — ela zombou de si própria.
— Não fale assim de você — Collin a repreendeu. — Todos nós cometemos erros e tolices na juventude. Você é corajosa e adorável.
— Sim, por isso me chamam de "herdeira pecadora".
—Justamente por ser rica e bonita — ele rebateu. — Duvido que não tenha recebido pedidos de casamento, mesmo depois de ocorrências escandalosas.
Alexandra deu de ombros, mas ficou abalada diante da ver­dade.
— Não de homens que me interessassem.
— Bem, um dia...
Era quase cômica aquela conversa no corredor. Collin apa­rentava descartá-la como esposa, em nome da moralidade. Alexandra não queria ser distinta ou honesta apenas feliz.
— Foi um prazer, Alexandra — ele por fim despediu-se.
— Um beijo de despedida? — Ela colocou de lado o amor-próprio.
— Claro. — O sorriso de Collin ocultou sua hesitação. Erguendo-se na ponta dos pés, Alexandra pressionou sua boca contra a dele, antes que a resistência se confirmasse. Sua­ve, o beijo manteve os corpos a um centímetro de distância, até que Alexandra se soltasse nos braços de Collin e fosse estreitada no peito dele, com decisão.
Ela fracassou em conter o gemido de prazer quando o espaço entre os dois se fechou. Dois pares de mãos iniciaram uma ex­ploração mútua e excitante, mas tão perigosa que ambos se separaram, como se levassem um choque, e cada qual tomou sua direção.
Collin Blackburn acabava de sair da vida dela.
***
— Julia vai mesmo debutar em sociedade, na próxima tem­porada?
— Oh, sim, querida Alexandra. — Tia Augusta vibrou de emoção. — Finalmente perdeu os traços e modos de criança. Não imagina como está empolgada com a festa.
Alexandra forçou um sorriso. Claro que imaginava. Havia experimentado igual agitação, poucos anos antes.
— É maravilhoso, tia. E Justine? Completou treze anos?
— Sim, e continua tão traquina quanto o irmão menor.
— Vai passar. — Alexandra sorriu agora de maneira mais ampla. — Ela se tornará uma jovem encantadora.
— Talvez. Mas é hora de pensar na festa de Julia. Ela não perdoará você, se não comparecer.
No fundo, Alexandra detestava a idéia de ir a Londres, en­frentar tantas desavenças em seu meio social.
Quando Augusta girou a cabeça para falar com o Sr. Covington, o olhar de Alexandra percorreu toda a mesa. Seu irmão, o duque de Somerhart, levava uma torrada à boca, piscando para ela. Tinha sorte por possuir um parente próximo que lhe tornava a vida o mais confortável e segura possível. Não fosse por ele e seu alto grau de compreensão, Alexandra talvez já estivesse ca­sada com um caçador de dotes qualquer, apenas para salvar a reputação.
Não era o caso de Robert Dixon, que, de uma cadeira na parte central da mesa, sorria para ela.
Alexandra devolveu-lhe o sorriso, pois se tratava de um ho­mem fino e bonito, além de sutil no flerte, desde o início do jantar. George e Lucy tinham embarcado para a França uma semana antes, porém deixaram preparada a reunião comemo­rativa dos vinte anos de Alexandra, para não mais de uma dú­zia de convidados: as pessoas que continuavam tratando-a bem, mesmo depois da vergonha em que ela se envolvera.
Estava sendo um período infeliz e sufocante, não só pela falta que sentia de Collin Blackburn, mas porque se achava irremediavelmente sozinha. Não existiam mulheres como ela, mulheres que trabalhavam na fazenda e que se interessavam por livros, mulheres com uma visão e um comportamento à frente do seu tempo.
Uma gargalhada soou à mesa, coroando uma conversa em alto volume da qual ela não participou. Seu irmão duque se levantou.
— Senhoras e senhores — disse ele. — Façamos um brinde a Alexandra com um bom vinho do Porto.
Todos se ergueram com um farfalhar de casacos e saias, e murmuraram felicitações à aniversariante. Alexandra agrade­ceu com um gesto de cabeça, ciente de que os olhos de Robert Dixon estavam cravados nela.
Depois de mais meia hora de torturante conversa sobre pro­blemas domésticos, os homens saíram para a biblioteca, a fim de fumar charutos. Dixon, que herdaria o título de visconde, parou a meio caminho e falou com Alexandra, quando ela já julgava que Collin a havia anestesiado contra outros preten­dentes.
— A senhorita parece bastante feliz, esta noite.
— Esperava que eu estivesse no exílio, chorando, como tan­tos membros da elite gostariam de me ver? — Ela riu, mas um segundo depois reconheceu que suas palavras tinham sido pouco amistosas.
Embaraçado, Dixon reafirmou que Alexandra aparentava alegria e ouviu que ele também exibia boa disposição.
— Deve ter a ver com o fato de morar em Londres — ela emendou. — Oh, perdão. Não sei o que há comigo. Estou pare­cendo uma tola, embora uma tola contente... —Alexandra tocou o braço dele e logo recolheu a mão. Não queria animá-lo, iludi-lo e decepcioná-lo caso pedisse um encontro a sós. Apenas preci­sava saber se ainda despertava o interesse dos homens.
— Vossa Graça! — Dixon exclamou, aliviado, quando o du­que se acercou. — Veio resgatar sua irmã de minha companhia?
O fidalgo beijou a face dela e fez menção de puxá-la pelo braço.
— Costumo resgatá-la de qualquer companhia enfadonha... — sentenciou.
Dixon baixou os olhos, embaraçado.
— Não seja tão cruel comigo. — Conseguiu sorrir, constran­gido, para Alexandra. — Vou deixá-la sob os cuidados do du­que. Posso ver que ele quer falar com a senhorita.
Assim que o outro se afastou, Alexandra fez o comentário que vinha guardando:
— Dixon é um bom sujeito. Simpático.
— Simpático demais — rebateu o duque. — Quis constatar como você estava se saindo com um eventual pretendente.
Ela arregalou os olhos ante a superproteção demonstrada pelo irmão.
— Estou bem, Hart. — Usou o diminutivo de Somerhart, pelo qual o duque era mais conhecido.
— Tem certeza?
— Conversar com as pessoas nunca foi um problema para mim, apesar de minha limitada inteligência e saúde precária.
Hart exibiu um sorriso cativante, do tipo que muitas mulhe­res gostariam de ver dirigido a elas.
— Não existe nada com que se preocupar, meu irmão.
— Você tem estado quieta, nas últimas semanas.
— É que tenho bastante no que pensar — ela retrucou, lu­tando contra a urgência de confessar sua obsessão por Collin Blackburn.
— Querida, você sabe que é livre para se casar quando qui­ser. Apenas me informe o nome dos pretendentes, porque há uma fortuna em jogo e muitos aventureiros à solta.
— De novo, não se aflija.
— Mas você é uma bela mulher e logo encontrará alguém digno. Preocupa-me que esteja sozinha. Quero vê-la realmente feliz.
Verdade? O duque não lhe havia enviado um escocês irre­sistível, seu amante por um dia?
— Já sou feliz — Alexandra mentiu. — Ao menos por ter um irmão amoroso como você. Sabe que eu o adoro. Mas agora vamos nos reunir aos demais convidados.
Ele reservou mais um minuto para examinar a irmã e beijá-la na testa, antes de suspirar. No instante em que o duque deu o primeiro passo rumo à biblioteca, Alexandra observou sua mu­dança para o perfil do anfitrião perfeito. Hart era bonito e ele­gante. Ninguém suspeitaria que, por trás das maneiras altivas, escondia-se um homem carinhoso.
No segundo dia, a festa seguiu movimentada: desjejum, ca­valgada, almoço, passeio nos jardins e jantar formal, com bolo de aniversário e uma desafinada entoação de Parabéns a Você. Em todas essas atividades, Alexandra evitava Robert Dixon, embora este tratasse de colocar-se sempre à mostra. Ela não compreendia o porquê do próprio comportamento.
Afinal, não tinha flertado bastante e beijado homens que mal conhecia? Não vibrava com as peripécias de um namoro, prin­cipalmente no início? Bem, além do cansaço, Alexandra estra­nhava a presença de tanta gente ao seu redor. Havia se acos­tumado com a vida solitária do campo, que ano a ano se tornava mais agradável.
Confusa, ela ponderou se existia outra causa para seu de­sencanto. Ocorreu-lhe um nome: Collin Blackburn.
Tinha atribuído sua reação a ele aos mistérios do sexo, a seu próprio corpo, a certa maturidade que a fazia sentir um prazer maior na companhia masculina. Mas era mais que isso. Estar perto ou ao lado de Collin lhe trazia uma sensação dife­rente da que experimentara com outros homens. Ele deixara uma marca profunda em seu coração e sua alma, algo que po­deria ser definido como paixão. Ou amor.
Robert Dixon também era atraente, apaixonante até. Mas não para ela. Tudo que Alexandra queria era Collin de volta. Precisava de seus afagos, de sua força máscula, naquele instan­te. Mas isso era impossível, pois ele se encontrava longe, em local ignorado.
Somente uma vez Collin lhe escrevera. Não uma carta, mas um bilhete impessoal:
Por questão de minutos, perdi novamente o rastro de Damien St. Claire. Se ele suspeitar de você, não escreverá mais. Obrigado pela ajuda.
Havia assinado "Blackburn", reforçando o distanciamento. Por certo, não sofria por ela. Mas, se Alexandra passava nor­malmente o dia, de noite ansiava pelos lábios, mãos e músculos poderosos de Collin. Sonhava com as emoções gloriosas que ele lhe proporcionava.
Rolar sozinha na cama, irrequieta, já começava a entediá-la. Por que tinha de ser Collin?
Alexandra afofou o travesseiro, gemendo de frustração. En­tão levantou-se e tirou do guarda-roupa seu velho traje de mon­taria. Um galope noturno seria o lenitivo que buscava. Ao menos em sua noite de aniversário, não pensaria em Collin Blackburn.
Na varanda escura, Alexandra divisou a brasa e a fumaça de um charuto, empunhado por um vulto que não reconheceu. O pequeno círculo vermelho moveu-se.
— Quem está aí? — ela indagou. — Um fantasma?
— Um fantasma que pode ouvir sua respiração, milady. — Robert Dixon deixou-se ver, ainda vestido de preto para o jan­tar. — O que faz aqui fora, tarde da noite?
— Tenho negócios a resolver — ela respondeu ríspida.
— Negócios?
Alexandra comprimiu seu casaco longo junto ao peito e foi andando em direção ao estábulo.
— Não quis interferir em algum encontro particular. Perdão.
Ela poderia dispensá-lo ou seduzi-lo naquele momento. Mas o próprio Dixon tomou a iniciativa de afastar-se.
— Não, claro que não — Alexandra o deteve. — Vou ver se minha égua predileta já sarou e, nesse caso, pretendo montá-la por meia hora ou mais.
Dixon se aproximou após uma baforada.
— Não tem medo de andar sozinha no escuro?
— Esta é a minha casa, o meu território.
— Sim, entendo. Permite-me acompanhá-la?
— Oh, não sei. Suponho que...
Ela hesitou, preparando a desculpa de que aquilo não seria conveniente. Mas também não o seria sair sozinha e cavalgar até o bosque, àquela hora.
Assim, ela aceitou o braço que Dixon lhe ofereceu, refletindo que o leve contato físico era agradável. Admitiu que sua esca­pada noturna iria contrariar o duque e aborrecer o guardador do estábulo, que devia estar dormindo.
— Como sempre faço prevalecer minha vontade — confes­sou —, nada disto será surpresa para eles.
— Alguns homens gostam de mulheres arrojadas — comen­tou o futuro visconde.
— Fala por você?
— Sim. — Dixon parou no caminho, causando tensão em Alexandra.
Em Londres, ela aprendera a ler no rosto de um homem os sinais do desejo. Esse era o caso. Mesmo sem resolver até que ponto deixaria seu acompanhante agir, impressionava-se com o desenho e a firmeza dos lábios de Dixon, com seus modos sedutores e sua hábil técnica de conquista.
Não chegou, porém, a vibrar quando ele a beijou, primeiro com certo recato, depois com progressiva intensidade, até abrir-lhe a boca para introduzir a língua.
Alexandra ignorou o gosto de charuto e tentou dosar seu beijo de retribuição. Achava justo dar uma chance a Dixon. Gostava de atiçar um homem, de acender-lhe a virilidade. E o braço dele, que a prendia pela cintura, pressionava-a contra si, levando-a a constatar uma firme excitação. Para ela, isso já constituía uma satisfação, uma prova do poder de sua femini­lidade.
— Tire o corpete, Alexandra — Dixon sussurrou, com voz rouca. — E o calção...
Ela se afastou abruptamente.
— Você ficou louco! — ela acusou, dando meia-volta e co­meçando a caminhar apressada para longe dele.
— Aonde pensa que vai? — gritou Dixon, com os dedos na braguilha, aparentando realmente ser alvo de um distúrbio mental.
— Voltar para casa e falar com meu irmão — respondeu ela, sem olhar para trás.
— Seu irmão? E pretende me deixar neste estado? — desa­fiou ele, andando atrás de Alexandra.
— Você estava pronto para me atacar, a pretexto de um sim­ples beijo — acusou ela, mais tristonha do que revoltada.
— Pois então, trate de se cuidar melhor, no futuro — ele zombou. — Não ofereça os lábios a qualquer um, no meio da noite.
— Um cavalheiro não me mandaria tirar a roupa. Por isso, Sr. Dixon, não o quero perto de mim, nem desta casa. Se não partir daqui ao amanhecer, contarei tudo a meu irmão, e ele saberá o que fazer com sua grosseria.
— Você parece estar falando com uma criança.
— Uma criança que logo encontrará o que merece — ela emendou. — Sem dúvida nenhuma.
Ante o insulto e o perigo, Dixon disparou casa adentro, pro­vavelmente para acordar seu criado e preparar as malas. No jardim, Alexandra rezou para que ele passasse muitos anos te­mendo uma intervenção do duque.
Não havia termo de comparação entre a selvageria de Dixon e a delicadeza de Collin. Que os arrogantes membros da elite se danassem! Alexandra sairia à caça de certo bastardo escocês!


Capítulo III

As mãos de Alexandra tremeram quando a carruagem al­cançou a larga estrada de Edimburgo, a capital da Escócia. O ar perfumado e a paisagem bonita não a comoveram, sob o peso da preocupação.
Grande parte de seu plano se baseava na sorte. A sorte de que Collin participasse da Feira Hípica anual, a sorte de que ainda estivesse com o coração livre e pensasse nela com carinho.
Danielle, a criada, alertou Alexandra para a carranca que lhe distorcia o rosto.
— Mude de expressão. Não irá conquistar seu homem com uma careta.
Era verdade. Mas não haviam chegado ao local da feira, e dificilmente Collin estaria parado numa esquina, de olho na carruagem.
Alexandra procurou relaxar e sorrir, no momento em que o condutor dobrou uma rua e alcançou o amplo parque repleto de estábulos e baias, com espaços reservados ao desfile de ani­mais. Cavalos, montados ou não, estavam por toda parte, e o movimento de pessoas era intenso.
Seu plano beirava o desatino. Não pretendia atirar-se de pronto nos braços de Collin nem dar a impressão de que tinha vindo à procura dele. A feira lhe fornecera um pretexto con­vincente para viajar à Escócia, após duas semanas de prepara­tivos e coleta de informações. Agora, esperava ver Collin tão ansioso quanto ela própria. Bastava que ele a olhasse.
O coche não tinha percorrido mais de um terço da rua in­terna do parque, quando Alexandra avistou Collin de pé junto a uma barraca, conversando com um amigo. Nem precisaria descer da carruagem.
— Ali está ele — apontou.
— Onde? — Danielle projetou a cabeça para fora da janela.
— Não faça isso! Ele vai nos ver!
— Com esse tumulto, não verá nada — rebateu a criada, com sabedoria.
— Está ao lado da barraca azul. Observe discretamente — pediu Alexandra.
— Oui. É um belo homem.
Vestido informalmente, sem paletó nem gravata, com um pulôver de gola em "V" sobre a pele bronzeada e um charmoso cachecol vermelho, Collin impunha-se pela estatura e pelo as­pecto viril, capaz de despertar em Alexandra a lembrança de momentos felizes. Ela não podia fracassar, pagando o preço de uma definitiva humilhação.
A carruagem avançou devagar, abrindo caminho entre a multidão. Alexandra contava com bastante tempo. Poderia descansar por um dia e enfeitar-se para o almejado reencontro. Naquele momento, desejou apenas que ele a visse de relance, ponderando o que viera fazer em Edimburgo. Supondo-se, na­turalmente, que Collin não fugisse dela ou se escondesse.
A carruagem parou a poucos metros da barraca azul.
— Vai se mostrar a ele ou não? — Danielle riu da nervosa indecisão da patroa.
Collin prosseguia na conversa com outra pessoa e não per­cebeu a presença de Alexandra, que decidira tornar-se visível. Ela suspirou fundo ao olhar pela janela.
— Resolveu descer e entrar na barraca para admirar os ca­valos em exposição? — Danielle divertiu-se. — Só não coloque o Sr. Blackburn entre eles...
A criada riu sonoramente. A angústia, mais que a alegria, apossou-se de Alexandra.
— Não poderei me arruinar mais do que já estou — foi sua maneira de repreender Danielle.
— Tem razão, milady. Mas o Sr. Blackburn está vindo para cá
 O pulso de Alexandra acelerou, já a teria visto e reconhe­cido? Ela deixara à criada encarregada de vigiar os passos de Collin, enquanto torcia para que a carruagem da frente andasse, liberando a via. Foi o que aconteceu, para alívio dela, e o cocheiro logo ultrapassou os limites do parque e chegou aos arredores da cidade, numa espécie de hotel-fazenda aonde Alexandra iria se hospedar.
Era como se estivesse no campo, e por isso ela inalou fundo, soltando o ar aos poucos.
— Oh, Danielle... — murmurou trêmula. — Acha que con­seguimos?
— Claro milady. Ele olhou várias vezes para dentro da car­ruagem. Parecia pálido e abatido.
Alexandra intuiu que Collin não estava doente, apenas sur­preso com a presença dela ali, talvez imaginando uma cálida noite de amor e frenesi.
— Ele não resistirá — declarou à criada.
— É fácil seduzir um homem, principalmente em se tratando de milady.
— Mas ele resistiu a mim, há poucas semanas.
— Mesmo? — A criada arregalou os olhos.
— Foi como se eu o aborrecesse e ele quisesse livrar-se. Até agora não entendi essa atitude.
— Logo desvendará o mistério, milady — disse Danielle, com um toque francês de desdém.
Em sua casa em Westmore, próximo da capital, Collin tirou o cachecol e atirou-o no chão, com raiva. Havia identificado a carruagem de Alexandra como familiar. Mas o veículo podia estar emprestado ao gerente da propriedade de Somerhart, on­de o duque também criava e negociava cavalos. Num vislum­bre da cabine, ele pensou ter visto Alexandra, mas não tinha certeza.
— Precisa de mim? — Fergus, seu administrador, entrou cautelosamente no quarto.
— Onde você estava?
— Cumprindo suas instruções, vendendo cavalos na feira. O alazão Devil, do qual cuidamos por três anos, foi reservado por uma boa soma. — Fergus notou que Collin não se alegrou com a notícia. — Você está aborrecido com a visita da jovem inglesa a Edimburgo? Eu a reconheci, por sua descrição.
— Modere suas palavras, Fergus. Caso se trate realmente de Alexandra Huntington, ela não veio me visitar, e sim conhecer a Feira Hípica. — Com gestos rápidos e decididos, ele trocou o pulôver por uma camisa de colarinho e pegou uma gravata na gaveta.
— Deixe-me fazer o laço. — O administrador adiantou-se.
— Você é mesmo um especialista em dar nós, Fergus — iro­nizou Collin. — Pode me ajudar, porém calado.
Naquele instante, ele não queria ouvir nada sobre cavalos, feiras e Alexandra.
Como sempre, o nó ficou perfeito. Fergus era um homem grisalho, distinto e elegante, além de bom negociador. Vestia-se com roupas bem-talhadas, geralmente trazidas de Paris. Por isso, tinha sido cumprimentado por jovens francesas na feira, as mesmas que olhavam reprovadoramente para Collin, em tra­jes informais, até descobrirem que se tratava de lorde Westmore.
— O que está brilhando em meu peito? — ele perguntou, mirando-se ao espelho.
— Coloquei um alfinete de gravata, com um ponto de dia­mante na extremidade. É uma bela criação da melhor joalheria francesa...
— Fergus, você sabe que eu...
— Boa noite, Collin. Tenho um encontro. — Ele bateu a porta. Avesso a jóias e adornos, Collin não podia retirar o alfinete sem arruinar o nó feito pelo administrador. Resignado, vestiu o casaco e tomou a carruagem que o aguardava na frente da casa. Por seu gosto, iria a cavalo até o baile comemorativo da Feira Hípica. Mas, num assomo de preocupação com a aparên­cia, preferiu não amassar o vinco da calça.
Claro, Alexandra tinha a ver com isso. Ultimamente, evitava comparecer a festas e bailes, onde era visada por falsos mora­listas. No entanto, fora da Inglaterra, talvez viesse ao impor­tante evento social, até mesmo por interesses profissionais.
Não, ela não estará no clube, pensou Collin, já no interior do veículo. Lembrava-se em pormenores do encontro íntimo que, por dias e semanas, alimentara seus mais vividos sonhos.
Céus! O corpo, a pele, os cabelos, os lábios de Alexandra! Lábios que havia saboreado em meio a uma intensa atração. Collin pensara em voltar a Somerhart, com a desculpa de falar sobre St. Claire, mas Alexandra poderia tomar sua presença ali como um insulto. Afinal, prometera passar-lhe qualquer nova informação.
A luxúria aos poucos se dissiparia, acreditava, e tudo volta­ria ao normal, sem ilusões. Agora, porém, descobrira um traço dela em Edimburgo. Precisava encontrá-la. Fora preconceituoso ao avaliar Alexandra por seus amantes anteriores. Ela per­tencia a um padrão diferente, embora sofresse difamações por causa de seu comportamento liberal. Tudo se complicara gra­ças a um duelo de honra e à morte de seu meio-irmão.
No enorme salão circular do clube, iluminado por possantes velas encaixadas em candelabros de cristal, Alexandra admi­rou-se com o fato de que os bailes em Edimburgo pareciam planejados para serem mágicos. O lugar era um palácio de luz, e nada como chamas de velas para impregnar de romantismo e fantasia o ambiente.
Estava determinada a relaxar e aproveitar a festa. Por certo, nem todos os convidados eram escoceses. Todavia, como não se achava em Londres, poucas pessoas ali a conheciam, de vista ou de fama.
Uma delas era lady Drummond, que lhe conseguira o con­vite e agora a abordava com elogios ao vestido azul de talhe francês.
— Apesar de inglesa, você sabe se vestir bem ao estilo de Paris — observou a amiga.
— Minha mãe era francesa. Devo ter aprendido alguma coisa com ela — respondeu Alexandra.
— Então, não deixe que o sangue francês lhe cause mais problemas — comentou lady Drummond, provocando surpre­sa. — Sei das indiscrições que correm em Londres, querida, mas todos nós temos nossos pecados, públicos ou privados, e eu nunca os levantaria contra você.
Alexandra pestanejou com força, fiando-se na palavra da maternal senhora.
— Só vou lhe dizer mais uma coisa. Se você estivesse com um amante escocês, ele teria trancado a porta do quarto.
—Oh!—Alexandra teve de sorrir, embora perplexa. —Com certeza.
Conforme a mulher mais velha se afastou, ela teve a chance de examinar o salão repleto. Subiu ao mezanino que propor­cionava uma visão total do ambiente. Por meia hora, tentou avistar Collin Blackburn, em vão. Sorriu para um homem que a assediou, meneando negativamente a cabeça. Era melhor que Collin a visse sozinha. No entanto, se quisesse encontrar-se com ela, teria vindo ao baile, ao menos para tirar a dúvida quanto à sua presença na Escócia.
A ansiedade levou Alexandra, por mais meia hora, à porta do salão, como se tal atitude cristalizasse a aparição de Collin fora de sua mente. Já havia retornado ao mezanino quando ele surgiu na entrada, vestido formalmente com terno e gravata.
Um delicado suspiro cruzou o ar à frente dela. Só não se arrepiou porque a mulher ruiva e esguia a seu lado, que a an­dara observando, puxou conversa.
— Já não nos conhecemos de algum lugar? — indagou a ruiva.
— Creio que não... — De relance, Alexandra seguiu os mo­vimentos de Collin.
— Tenho certeza. Vou me lembrar.
— Desculpe-me pelo equívoco. Sou Alexandra Huntington — apresentou-se, rendendo-se à simpatia da outra. — Muito prazer.
— Jeanne Kirkland, a seu dispor. — A voz suave acalmou Alexandra.
— Não sei como não a reconheci. Você tem os cabelos mais lindos que já vi.
A ruiva ficou corada, o que lhe acentuou as sardas. Alexandra riu, enquanto Jeanne lhe tocava o braço nu com a mão e espiava, por sobre seu ombro, a confusão reinante no salão, lá embaixo.
— Um homem está vindo em sua direção, com olhar feroz. Quer que eu o intercepte?
— Não! — Alexandra quase gritou. — Deixe que venha.
Rindo, Jeanne passou a acenar alegremente à pessoa em questão. Restou a Alexandra virar a cabeça e olhar no mesmo sentido, a fim de ver de quem se tratava. Seu pressentimento se confirmou: era Collin Blackburn.
Nunca o havia visto tão impecavelmente vestido, com um diamante cintilando na gravata. A compleição atlética lembra­va o modelo de uma escultura, e os olhos escuros a envolveram, sugerindo tantas dúvidas que Alexandra quase abandonou seu plano de demonstrar recato. Rapidamente, obrigou-se a relaxar e sorrir, e deu um passo à frente.
— Lorde Westmore! Que prazer inesperado! — ela entoou no timbre mais sedutor que pôde encontrar.
A caçada havia se iniciado.
Lá estava ela, afinal, a mulher que o fizera sentir-se tão in­feliz. E agora, como agir? Alexandra veio para perto dele, proporcionando-lhe a visão da pele aveludada. Mais dois passos e Collin poderia inclinar-se e beijá-la.
— Vejo que sabe quem é minha amiga, lorde Westmore — disse Jeanne Kirkland, a jovem ruiva que, esta sim, Collin co­nhecia desde a infância.
— Amiga? — ele estranhou.
— Uma nova amizade, a bem dizer. Muito simpática.
— Sem dúvida. — Collin voltou o olhar caloroso para Alexandra. — O que veio fazer aqui?
— Vim comprar cavalos para meu irmão, ou pelo menos averiguar as cotações do mercado. — Os lábios rosados, movendo-se durante a fala, despertaram em Collin a vontade de senti-los em sua pele. — Mas é maravilhoso revê-lo.
Ele engoliu em seco, admirando o vestido, o semblante, o brilho de Alexandra, até que Jeanne deu uma tossidela.
— Nos falaremos mais tarde, Collin — disse ela, sorrindo. — Alexandra, foi um prazer conhecê-la.
Afastou-se sem ser notada, pois Collin e Alexandra só ti­nham olhos um para o outro.
Com uma das mãos no cotovelo de Alexandra, Collin a con­duziu até o jardim dos fundos, onde o vento frio instigava a um abraço apertado. Ele fez menção de tirar o casaco, mas Alexandra o demoveu da idéia.
— Não tire — ela pediu. — Você está lindo, assim.
— Lindo?
O elogio o fez empertigar-se e sentir o sangue correr mais rápido nas veias. Confundia-o fato de uma mulher como Alexandra estar obviamente atraída por ele. Não era cego. Ela o devorava com os olhos. E quando a viu remover a luva para ajeitar um cacho de cabelos atrás da orelha dele, Collin a puxou para si e beijou-a com todo o poder da necessidade que expe­rimentava reprimida por meses. Um delicioso calor os apro­ximou e os uniu ainda mais.
Alexandra fez os dedos dançarem na nuca de Collin, mas não era uma provocação vazia. Ela se entregava aos lábios dele com paixão, sugando-os até abri-los e introduzir a língua. Ado­rava sentir o gosto daquela boca perfeita.
Collin chegou a levantá-la do chão, a fim de alinhar melhor os corpos e sentir tanto o volume dos seios quanto o baixo-ven­tre pressionado contra o músculo rijo em sua virilha.
Subitamente, as vozes de outro casal, próximo dali, arrefe­ceram o entusiasmo de ambos. Eles se afastaram para mais lon­ge, em meio às sombras e plantas perfumadas.
— Por que veio, afinal? — Collin tornou a perguntar.
— Senti sua falta.
— Pensei que já tivesse me esquecido.
— Oh, Collin... Quisera poder esquecê-lo.
— Entendo perfeitamente. — Ele tentou fazer graça, porém Alexandra prosseguiu séria:
— Você mexe comigo, Collin Blackburn. Sabe disso. Mas preciso viajar de volta amanhã cedo.

— Como? Por quê? — Um traço de pânico distorceu a voz dele.
— Quero ir para casa. Não vamos fingir que você me con­vidaria a ficar.
— Não... — Collin disse sem pensar, praguejando em segui­da contra si próprio.
— Você me procurou no salão, trouxe-me ao jardim, me agarrou e me beijou com voracidade. O que deseja da vida, Collin? Certamente, não uma companhia para passear.
— Não. Você sabe o que eu quero.
— Costumo assumir minhas vontades. Eu o quero na minha cama, sim. Se você tivesse o mesmo objetivo, nós já estaríamos deitados nela.
— Céus! Quer que eu durma com você esta noite, sacie o meu desejo e depois pule a janela antes do amanhecer?
— Não. — Taxativa Alexandra mostrava que tinha brio.
— Então, talvez seja melhor eu deitá-la aqui no chão ou aper­tá-la contra o muro.
— Não — ela repetiu, admitindo que era um pouco cruel, com Collin e consigo mesma. —Quero que você volte à Inglaterra.
Ele resmungou mais uma praga, frustrado. Ponderou como Alexandra tinha o dom de decepcioná-lo.
— Ouça Collin. Dentro de uma semana, vou para longe dos limites da propriedade de Somerhart. Tenho uma pequena ca­sa, um chalé isolado, herança de minha mãe. Por que não me encontra lá?
— Encontrar-me com você? — Ele a fitou, incrédulo.
— Sim, fique comigo. Uma semana ou duas. O tempo ne­cessário para matarmos a saudade.
A memória de Collin lhe trouxe imagens do corpo nu de Alexandra e dos gloriosos momentos de intimidade. Ficar com Alexandra! Era um pensamento maravilhoso, mas também ab­surdo. Todas as razões para evitar fazer amor com ela lhe vol­taram à mente. Já não se incomodava em frustrá-la. Porém...
— Onde fica o chalé?
Alexandra sorriu, gratificada, deu gritinhos, abriu os braços e estreitou Collin contra si, cobrindo-lhe o rosto de beijos.
— Calma. Ainda não disse que vou.
Em seu íntimo, contudo, avaliou que a sorte estava lançada. Ele a teria de um modo ou de outro. Ou ela teria a ele.
— Esta noite — Collin sussurrou —, fique em Edimburgo e durma em minha casa.
— Não — Alexandra o surpreendeu. — Quero estar sozinha com você. Sem criados, sem vizinhos, apenas você. — Ela sus­pirou. — Meu chalé na floresta é perfeito. Ninguém saberá.
Uma indesejável ponta de ciúme perturbou Collin.
— Você já esteve lá antes, com outro homem?
— Não! — ela rebateu, em tom escandalizado. — Claro que não! Fui somente uma vez, com minha família.
Collin gostaria de acreditar nela. Desejava ser uma exceção na vida de Alexandra, alguém especial, não apenas mais uma aventura da mulher livre que mostrava tanto pendor para a paixão. Não havia sido o primeiro amante dela, mas o quar­to ou o quinto. Não importava. Ou, por outra, não deveria importar.
— Desculpe-me. Sou mesmo desastrado com as palavras. Foi ciúme. Não acontecerá de novo, porque também não sou virgem. — Collin adotou um esgar estranho. — Se eu lhe con­tasse meus pecados...
— Conte apenas um, pequeno ou grande. — Alexandra riu novamente feliz, enquanto Collin continuava carrancudo.
— Nunca confessei a ninguém...
— Um pecado secreto!
Ele julgou que uma inconfidência daquele porte o redimiria perante Alexandra. Pensou bem antes de falar, para não causar um novo desastre.
— Minha primeira vez — Collin disse pausadamente — foi com uma mulher casada.
— Para a Igreja Católica, o adultério não é um pecado mor­tal? — Alexandra comentou, sem assombro, mas com humor.
— Não sou católico — ele atalhou.
— Bem...
— De todo modo, foi uma atitude errada e senti vergonha, depois.
— Bem, é natural.
— Em minha defesa, posso dizer que eu era muito jovem, ansioso por aprender os fatos da vida.
— E eu só posso dizer que você aprendeu muito bem. — Alexandra riu de novo e, a cada vez que isso acontecia, ela se tornava mais encantadora e desejável.
Pacificado, Collin entrelaçou os dedos com os dela, como namorados cheios de pudor. Retomaram a caminhada pela tri­lha do jardim, entre canteiros floridos. Não notaram a presença de ninguém. No interior do clube, a festa devia estar no auge, por isso ninguém trocava o baile por um passeio ao ar livre.
— Alguma novidade sobre Damien St. Claire? — ela per­guntou com cautela.
— Não. Nem mesmo sei se continua na França. Ele fugiu pela porta dos fundos, quando invadi seu apartamento, no en­dereço que você me deu.
— Você foi até lá sozinho?
— Achei melhor — Collin esclareceu. — Creio que nunca mais ouviremos falar dele. St. Claire sabe que você me passava informações.
Entre as sombras, sensível ao estilo provocante de Alexandra andar, ele não resistiu a uma nova proposta:
— Podemos ir até o portão, e depois eu a levo para casa.
— Não, obrigada. Minha carruagem está à espera. — Ela suspirou, parecendo aborrecida. — Gostaria mesmo é de dan­çar com você.
— Eu não danço — Collin respondeu, despertando surpresa. — Como filho ilegítimo, vivi segregado da sociedade até à ida­de adulta. Então, perdi o interesse por aprender.
— Posso ensiná-lo.
— Seria ótimo, mas não esta noite. Talvez em seu chalé, na Inglaterra.
— Adorei ouvir isso. — Ela se empolgou ainda mais, e seu olhar malicioso levou Collin a fantasiar com os momentos de­liciosos que não tardariam.
Rendendo-se ao inevitável, ele parou, olhou para ela e bei­jou-a no rosto.
* * *
Jeanne Kirkland reuniu toda a paciência do mundo para es­perar, na porta do saguão. Vira Collin e Alexandra afastarem-se juntos pelo jardim, provavelmente à procura de um local ermo nos fundos do terreno. Quase uma hora depois, Collin voltou ao salão de baile.
Era um homem mudado, sem irradiar tensão nervosa, ago­ra substituída por uma visível alegria, talvez um estado de felicidade mesclado ao cansaço. Para Jeanne, era certo que ele e Alexandra...
Collin se aproximava depressa e Jeanne saiu de trás da co­luna que a ocultava. Avançou pelo saguão ao encontro dele, mas não foi percebida até tocar-lhe o braço. Estavam junto a uma sucessão de portas, num corredor deserto. O lugar perfeito para seu propósito.
Ele a olhou com certa estranheza, pois Jeanne o examinava da cabeça aos pés, com ar de deslumbramento.
—- Collin Blackburn, o que são essas pequenas pétalas de flor em seus cabelos? — ela o interpelou sem cerimônia.
—- O quê? — Por via das dúvidas, Collin espanou a cabeça com os dedos. — Ora, Jeanne...
— Você me espanta com suas travessuras. — Ela imitou o sotaque pesado da avó, mulher que havia enterrado três mari­dos. — Com quem estava? Conte-me tudo.
— Ela é sua amiga, não?
— Oh, esqueça. Devo alertá-lo de que, no caso de um encon­tro no jardim, o homem tem de aguardar a mulher entrar pri­meiro e vir depois, para não dar na vista. Alexandra perdeu-se no pátio?
— Não, já foi embora.
— Para esperá-lo dentro de um quarto? Você me envergo­nha lorde Westmore.
— Somos amigos — ele tentou iludi-la.
— Vejo paixão em seus olhos, Collin. Nunca esteve tão per­turbado por causa de uma mulher. E já usa um diamante na gravata, coisa que jamais fez por mim.
Claro, tratava-se de ciúme. Dele, de Alexandra ou de ambos.
— Jeanne, ela é irmã de um duque. Não fizemos amor no jardim e com certeza não a pedirei em casamento.
— Muito bem. Quero o endereço dela.
— Vou providenciar. Alexandra mora em Somerhart, em Yorkshire. Mas, por favor, não tente fazer o papel de casamen­teira.
— Nem sonhando... — retrucou Jeanne antes de correr para o salão, sem um pingo de piedade de seu amigo favorito.
Quatro horas de viagem, e ela chegaria ao chalé no meio da floresta. Collin viria logo depois. Irrequieta, Alexandra afun­dou na cabine da carruagem, apertando as mãos, incapaz se­quer de imaginar sua primeira noite na casa sem a companhia dele.
O bom humor da criada Danielle não a acalmou. Só mesmo cavalgando um pouco. Alexandra bateu no teto da cabine, sinal para o cocheiro parar, e ordenou-lhe que desengatasse a égua Brinn dos tirantes. O veículo poderia perfeitamente prosseguir tracionado por um só cavalo, embora com perda de velocidade.
O galope à frente da carruagem e o vento no rosto funcio­naram como tranqüilizantes para Alexandra. Numa curva da estrada, Alexandra avistou um cavaleiro solitário entre as ár­vores, que parecia aproximar-se rapidamente. Talvez fosse Collin, que, tendo chegado mais cedo, decidira seguir a car­ruagem em nome da segurança da viajante.
Quando a distância se reduziu, ela reconheceu quem era: Damien St. Claire! Ali, na Inglaterra! Devia tê-la seguido desde a residência em Somerhart. E agora?
Alexandra estava sozinha, e St. Claire já havia provado ter boa pontaria com a pistola. Collin tinha dito que ele sabia de sua traição, ao dar-lhe o endereço. Talvez tramasse vingança. Suspirando, ela puxou as rédeas de Brinn e gritou:
— Damien! — A surpresa pelo chamado talvez o demovesse de suas intenções. De qualquer maneira, Alexandra ganharia um tempo precioso, até ser alcançada pela carruagem.
— Minha cara lady Alexandra! — exclamou St. Claire em tom irônico, que ela preferiu ignorar, quando emparelhou seu animal com o dela.
— Não acredito que esteja aqui! O que veio fazer? As coisas não deram certo? — Alexandra procurou mostrar-se calma. — Se voltou à Inglaterra, é porque tudo anda bem.
— Tudo? — ele ironizou mais uma vez, apertando os olhos hostis.
De ombros estreitos e queixo fino, Damien não era atraente como um dia tinha parecido a Alexandra. Ademais, mostrava-se despreocupado em disfarçar a própria raiva ou frustração.
— Sua ingenuidade é um bálsamo — ele acrescentou, e Alexandra realmente temeu por sua vida ou a de Collin. — Não, nem tudo anda bem.
— Então, por que veio? Sabe que corre o risco de ser preso. —Justamente, você é minha única esperança de ficar seguro.
— Ora, Damien!
— Verdade. Não conhece Collin Blackburn?
— Collin... — Ela fingiu pensar. — Acho que não, mas já ouvi o nome.
— Ainda bem, pois esse homem é um facínora, um escocês abrutalhado que não sabe se comportar.
— Não me diga que ele está atrás de você.
— Sim, está. E o meio-irmão de John Tibbenham.
— Nesse caso, você pode ser agredido ou...
— Ou morto. Sei me defender de inimigos igualmente hon­rados, mas desse homem... Receio ser assassinado enquanto durmo. Preciso de sua ajuda, Alexandra.
— Claro. — Ela torceu-se por dentro a fim de soar convin­cente.
Damien St. Claire exibiu algum alívio, mas não enganou Alexandra. Ela sabia que ele a considerava uma pessoa sim­plória, além de uma decaída, de moral duvidosa. Por isso, sur­preendeu-se com o que St. Claire disse em seguida:
— Sempre almejei que, uma vez assentada a poeira, eu pu­desse pedir sua mão. De uma maneira gentil, civilizada, sem levar em conta o passado.
Felizmente, naquele instante, a égua agitou-se e, lidando com as rédeas, Alexandra não precisou responder de imediato.
— Quero levar uma vida nova com você, na América — ele completou. — Uma vida boa.
— Na América? É tão longe!
— Sim, mas se exigir que eu peça de joelhos, não me inco­modo em fazê-lo. Você será recompensada, claro, assim que nos estabelecermos.
A mente de Alexandra disparou em busca de uma solução. Ela não podia dar as costas a St. Claire e voltar para casa. O duque se encontrava em Londres e não retornaria tão cedo. Collin devia estar a caminho da floresta. Quem a defenderia do maluco que, na prática, tinha assassinado John?
O juiz local, homem pacato, seguramente não enfrentaria St. Claire. Alexandra dependia mesmo de Collin. Para facilitar a perseguição do escocês a St. Claire resolvera não dar a este mais nenhum dinheiro. As circunstâncias, porém, impunham medida diferente.
— Tenho vinte e cinco libras na minha bolsa. Seria o sufi­ciente para você fugir e se esconder? — Como ela previa, o rosto dele distorceu-se numa careta.
—Vinte e cinco libras? Isso não pagaria nem uma cama num porão.
— Imagino — retrucou Alexandra, agora um pouco mais serena. — Meu irmão, o duque, descobriu, não sei como, que eu lhe dava dinheiro. Cortou minha verba.
— Entendo. Ele deve tê-la visto saindo de casa para algum encontro. Aliás, onde está indo agora?
— Eu? — Ela hesitou antes de formular outra mentira. — A Greendale, fazer compras. Há uma excelente loja de tecidos, na qual o duque tem conta aberta.
— Suponho que você não possa sacar mil libras em espécie.
— Não, mas... — Alexandra captou o que St. Claire tinha em mente. — Mandarei de Greendale um recado a meu irmão, e no sábado virei entregar-lhe o dinheiro, neste mesmo local.
— Quase uma semana! — St. Claire queixou-se.
— É o tempo que demora. Enquanto isso permaneça escon­dido. — Ela criou coragem para acrescentar: — Meu irmão me disse que você queria matar John, e eu respondi que não podia ser verdade.
— Claro que não. Foi um mal-entendido. Se eu conseguisse voltar no tempo...
— Sei. — Alexandra meneou a cabeça, pensando em como gostaria de oferecer a Collin a cabeça de St. Claire numa bandeja.
Uma semana com Collin era o que ela mais ambicionava. Depois, porém, lhe daria o que ele mais queria: pôr as mãos em St. Claire.
Alexandra se levantou da cadeira de balanço, de pés descal­ços, e olhou o horizonte. Abriu os braços e respirou na varanda o aroma de madeira velha que já vinha inalando por duas horas de espera.
Collin não dera sinal de vida. Mas ele haveria de chegar.
Qual uma camponesa, Alexandra trajava o mínimo possível de roupa. Ficara pronta para as mãos de Collin, que teria pouco trabalho em tirar-lhe o vestido e acessar seu corpo fremente de paixão. Se fosse para viver uma fantasia, daria o melhor de si para seduzir Collin. Imaginou que toda jovem camponesa, pelo menos uma vez, teria feito amor sobre a palha de um estábulo.
Seus sentidos precisavam ser apaziguados, e com urgência.
Finalmente, para seu alívio, Collin surgiu ao longe, trotando em seu cavalo. Com um largo sorriso no rosto, e cantarolando baixinho, Alexandra contou até vinte e correu para fora, a fim de encurralar sua presa.
Pela fachada, a casa pareceu sólida e limpa, mas Collin foi levado por Alexandra diretamente ao pequeno estábulo, on­de poderia deixar o cavalo. E também onde poderiam ficar à vontade.
— Apresento-lhe nosso ninho de amor — disse ela, indican­do um monturo de feno e palha, com a altura de uma cama.
Collin riu, mas respeitou a fantasia bucólica de Alexandra, que já oferecia os lábios. Ele a tomou nos braços e beijou-a, ao que ela reagiu freneticamente, transpirando desejo por todos os poros.
Ao primeiro movimento de Collin no sentido de remover o casaco empoeirado, Alexandra o ajudou, aproveitando para deslizar as mãos pelo peito musculoso e, depois, pelo abdômen de Collin, até alcançar a parte mais sensível de seu corpo. Não demonstrava a menor vergonha.
— Não lhe prometo delicadeza desta vez, Alexandra. Talvez amanhã.
Ela meneou a cabeça, assimilando o conceito, e nesse balanço roçou seus lábios ardentes nos de Collin. Era uma mulher in­crivelmente provocante, ansiosa por ser saciada.
Collin tirou a camisa, afrouxou a calça e contemplou des­lumbrado, o corpo nu de Alexandra, de pé diante dele, terminan­do de soltar o vestido que parecia escorregar por suas curvas.
— Vai acabar comigo antes mesmo de começarmos... — ele murmurou, ponderando que o caçador havia se tornado a caça.
Sentado, Collin pressionou a cabeça na cintura de Alexandra, que a agasalhou contra si. Em movimento ascendente, ele al­cançou os seios com a boca. Na seqüência, desceu e vibrou a língua no ventre dela, continuando até o portal oculto da femi­nilidade que o arrebatava.
— Não imagina o quanto sonhei com isso, Collin — ela sus­surrou. — Desde aquele dia, no estábulo...
Ele sorriu, satisfeito por dar prazer àquela mulher ardorosa, mas sua excitação também demandava carícias igualmente ou­sadas. Alexandra as ofereceu de bom grado, após inverter as posições e livrar-se da roupa que ainda cobria aquele corpo tão desejado.
Com um gesto impaciente, Collin deitou-a para trás e come­çou a penetrá-la. Ambos arfaram já na primeira investida, pres­sionando os corpos um contra o outro, vivenciando aquela con­junção plena. Alexandra arqueou as costas, como que numa súplica silenciosa, e gritou quando ele a invadiu por completo.
Sentindo o corpo feminino se contorcer de prazer sob o seu, Collin acelerou os movimentos, enquanto deslizava as mãos pelo corpo de Alexandra e a beijava apaixonadamente na boca.
De repente, Collin percebeu algo estranho, como se, em meio aos gritos de êxtase, encontrasse uma espécie de tensão e resis­tência por parte de Alexandra.
Aturdido, suspeitou que alguma coisa estava errada. Só se deu conta do que era quando, depois que sua seiva jorrou para dentro do corpo dela, ela o empurrou pelos ombros, na tenta­tiva de se libertar, e ele viu que um filete de sangue havia ver­tido do corpo de Alexandra.
À medida que retornava bruscamente à realidade, Collin recuava sobre o monte de palha e feno, fitando Alexandra com perplexidade.
Não era possível que tivesse lhe tirado a virgindade! O san­gue devia ser uma decorrência do fluxo mensal, era a única explicação. Mas, e a barreira que ele sentira vividamente rom­per-se dentro dela, e os choramingos e contrações de dor mis­turados aos gemidos de prazer?
Com o rosto pálido, Alexandra ainda tremia nua sobre o feno, apertando as mãos no ventre. Eram desnecessárias quaisquer palavras. Agora, querendo ou não, teria de se ca­sar com ela.
Era o tipo da novidade que Jeanne Kirkland gostaria de saber.


Capítulo IV

Eu não o enganei para forçá-lo a se casar comigo — declarou Alexandra mais tarde, já dentro do chalé, ambos recompostos e sentados diante da acolhedora lareira acesa na sala. — Você sabe muito bem que não foi o primeiro.
—O que você fez com os outros, Alexandra? Apenas brincou, sem consumar a relação? — Collin continuou a questioná-la.
— Não é nada disso, Collin. Escute, não quero me casar com você, apenas...
— É tarde demais — ele atalhou, revendo mentalmente o filete de sangue que era a prova da trapaça. — Céus! É depri­mente, forçar um casamento que eu nunca encorajei. Você é inglesa, irmã de um duque e dama da corte, embora desprezada por seu comportamento libertino. Mas o que vou fazer com você numa fazenda de criação de cavalos?
Uma pequena banqueta voou rente ao chão, impelida por um chute de Collin. Alexandra suspirou, alarmada e ferida por dentro. Pressentia que Collin estava infeliz, mas não imaginava que pudesse ficar com tanta raiva. Bem, o que isso importava, naquele momento?
— Você era virgem, até hoje. Poderia ter se casado com qual­quer um. Por que preparou esta armadilha?
Ela conteve as lágrimas, assim como o impulso de esbofetear Collin.
— Não seja tonto! — gritou, em vez de agredi-lo. — Por que eu iria querer me casar com você? Isso nunca fez parte dos meus planos.
Ele continuou circulando pela sala, de um lado para o outro.
— Sou rica, Collin Blackburn. Mais do que você conseguiria ser com seus cavalos. Levo a vida que escolhi para mim. Por que pensa que eu sonharia em me casar com um bastardo escocês?
A expressão, partindo de Alexandra, surpreendeu Collin, que parou de andar e fixou nela um olhar sombrio.
— Não procuro casamento, seu tolo. Procuro satisfação se­xual, como já deve ter percebido. Realmente, qual a vantagem de ser chamada de rameira, se não puder aproveitar isso de vez em quando?
— Você é uma egoísta, isso sim — rebateu Collin, ainda exal­tado. — Sempre manipulou os homens. Arruinou a vida do duque e a sua própria, a de meu irmão e agora a minha.
Ele respirou fundo. Não tinha terminado de falar.
— Fui mais um de seus brinquedos eróticos, não? Alguém para entreter você e satisfazê-la. Pelo menos foi bom entregar-se a um bastardo escocês?
— Não, nem perto do que eu esperava.
O tom neutro de Alexandra mascarou a verdade, ou a men­tira. Ela também se enfurecera com a situação, mas suas pala­vras irrefletidas fizeram Collin perder a cabeça. Alexandra re­cuou preventivamente ao vê-lo levantar o braço para desferir-lhe um tapa. Olhou-o com tamanho desprezo que ele desistiu e simplesmente correu a mão pelos cabelos.
— Pensa que sou um animal, Alexandra? Por isso me dese­jou? Para sentir a emoção de ser atacada?
— Não, eu... — À medida que se acalmava ela sentiu um nó na garganta e deu vazão às lágrimas. — Queria apenas estar com você.
— Sabia que eu não iria querer deflorar você, que nunca teria me deitado com você se soubesse...
— Nunca menti para você. Está somente supondo coisas.
— Admito você tem razão. — Collin se sentiu tocado pela tristeza de Alexandra. — E vai se casar comigo, quer queira, quer não.
— Não vou.
— Contarei a seu irmão tudo o que aconteceu.
— E eu negarei tudo... Direi que era virgem quando me pos­suiu. O duque sabe de minha vida. Acreditará que você está atrás de minha fortuna.
Ele afastou-se um pouco, com os olhos claros e frios medindo Alexandra até concluir que a beleza dela era mais perigosa do que havia imaginado.
— Jura que fará isso? — Collin quis certificar-se.
— Juro.
— Veja que absurdo. Não quis desonrar você quando tinha fama de vadia. Agora me causou profunda mágoa.
— Sinto muito. Não pretendo me casar nunca. Sou uma mu­lher livre e tenho orgulho disso.
— Não seja infantil — ele sentenciou, no mesmo tom zan­gado. — Você não é livre. Onde estão seus amigos, seus pre­tendentes? É livre para vestir-se de rapaz e escandalizar os cam­poneses. Mas, e quanto a um marido e filhos?
— Já disse que...
— Seu irmão vai se casar um dia terá família própria. Que tal se a esposa do duque não aceitar sua presença na casa ou na administração da propriedade?
Alexandra sorriu, procurando não parecer cínica.
— Meu irmão jamais teria uma mulher que me hostilizasse.
— Desse modo, você só está limitando a escolha dele.
Quando ela ajeitou os cabelos com a mão, deduziu que sua aparência era péssima. Franziu o cenho. Felizmente, Collin não percebeu sua fútil preocupação, pois continuava focalizando o chão da sala. Além de não olhar para ela, também nada disse ao sair e bater a porta.
Alexandra sentiu fraqueza nos joelhos e se sentou no sofá. Não imaginara que Collin ficaria tão furioso. Pelo que sabia todo homem se orgulhava de deflorar uma mulher. Segura­mente, a situação tinha intrigado e assustado Collin.
Sob o peso da culpa, ela recostou-se e socou o estofamento.
— Estúpida! Idiota!
Seu plano não tivera êxito. Tinha se libertado da maldita virgindade, mas agora estava ali sozinha, cheia de remorso.
Collin agora a odiava. Havia baseado sua censura e rejeição em princípios morais que ela não imaginava que ele tivesse.
Mas, desde Adão e Eva, não era sempre a mulher que levava a culpa?
Depois da primeira experiência com ele, meses antes, Alexandra ficara ansiosa por completar o ato de amor, certa de que, após aquele prelúdio, tudo ocorreria em grande es­tilo. Talvez, ela ponderava, ele nem notasse que ainda era vir­gem, após contatos íntimos com Damien St. Claire e outros.
Sabia, por conversas com Danielle, que a condição de don­zela nem sempre ficava evidente. No entanto, sua anatomia a havia traído, por meio de um sangramento indisfarçável. Ela examinou o pano úmido que mantinha entre as pernas e ati­rou-o longe.
Curioso. Agora Alexandra estava convencida de que a rela­ção carnal existia para o prazer do homem. Ao menos para ela, as preliminares do ato eram tão intensas que valia a pena su­portar a penetração, menos prazerosa. Lamentava, contudo, ter magoado Collin, declarando que não tinha gostado.
Ele a chamara de egoísta e a abandonara, mas ainda devia estar por perto.
Alexandra saiu do chalé, rumo ao pequeno estábulo, e es­perou que sua vista se adaptasse ao escuro. A porta estava aber­ta, mas não havia nenhuma luz nem som, exceto a respiração dos cavalos sonolentos.
Praguejou baixinho e logo em seguida orou para que Collin estivesse deitado ali, sobre o monte de feno e palha que ela própria havia preparado com carinho. O que lhe diria? Ê se ele gritasse impropérios contra ela?
Não, Collin não estava dentro do estábulo, mas seu cavalo sim, o que significava que não havia tomado a estrada de volta. Além disso, o vilarejo mais próximo ficava a alguns quilôme­tros de distância. Onde ele estaria?
Sem opção, Alexandra retornou ao aconchego do chalé. Pen­sou em preparar alguma coisa para comer, mas não sentia fo­me. Era melhor dormir, esquecer aquela noite horrível. Apagou os lampiões e subiu a escada, levando uma lamparina.
No quarto, despiu-se lentamente e banhou-se com uma es­ponja. Sentiria falta do calor másculo de Collin junto a seu corpo.
Deitaria numa cama fria e solitária.
* * *
Ao raiar do dia, Collin acordou e esfregou o rosto com as mãos. Havia se embriagado com o conhaque que trouxera na bagagem e adormecera ao relento, perto de uma árvore. A lem­brança dos fatos da véspera retornou aos poucos, mas sua única alternativa era retornar ao chalé de Alexandra.
—Uma xícara de chá, senhor?—Ele ouviu assim que cruzou a porta.
— Não — resmungou. — Quero dizer, sim.
Uma mulher estranha, de meia-idade, ocupava a sala em meio às sombras que ainda resistiam ao sol.
— Seu quarto está arrumado, senhor, e se quiser refrescar-se há uma bica d'água logo depois do estábulo.
— Obrigado. — Examinou a figura, sem dúvida a de uma criada da casa, mas que não pousava ali. Espanou sua roupa empoeirada, e só depois teve pena do trabalho que daria à em­pregada.
— O senhor também pode apanhar toalhas no quarto — disse ela, conciliadora.
Collin olhou com nervosismo para os degraus. Descartou a possibilidade de subir naquele momento e deparar com Alexandra.
— Ela não está — informou a mulher, como se lhe adivinhas­se o pensamento. — Saiu para cavalgar, antes de o sol aparecer.
Um frio intenso envolveu o coração de Collin. Com raiva, Alexandra o abandonara à própria sorte, desaparecendo de sua vista tão subitamente quanto havia surgido. Foi à cozinha em busca do chá que a criada oferecera. Quando a empregada re­tomou suas tarefas, Collin subiu ao andar superior e descobriu que ali havia dois quartos, além de um banheiro estreito no fim do corredor. A porta do aposento maior estava aberta e reve­lava uma cama de madeira maciça, com dossel, além de gran­des armários para roupas e objetos pessoais.
Ele não resistiu ao impulso de entrar e inspecionar o guar­da-roupa. Observou os vestidos coloridos e corpetes bordados. Algumas peças ele já vira no corpo de Alexandra.
Em seguida, explorou as gavetas. A primeira estava vazia. Na outra, havia toalhas de linho e pedaços de sabão embrulhados. Pensou em demorar-se mais ali, até encontrar as meias, ligas e calções íntimos de Alexandra, mas seria uma atitude arriscada, além de indigna.
Ele recolheu uma toalha e um sabão, fechou o quarto com pressa e correu escada abaixo, sem espiar o aposento de hós­pedes que lhe era destinado.
A criada, vigilante, o aguardava embaixo. Verificou o que Collin carregava e desejou-lhe um bom banho.
— Obrigado, senhora...
— Betsy é o meu nome.
— Então, obrigado, Betsy.
Limpo e com o raciocínio claro graças à água fria, Collin só voltou ao chalé porque não havia outra opção. Preferiria estar em qualquer outro lugar, menos ali. A ira lhe esgarçava os ner­vos, mas agora sentia raiva de si mesmo, por ter ido ao encontro de uma mulher conhecida por causar confusões.
Passando pelo estábulo, espiou lá dentro e ficou aliviado ao ver que a égua de Alexandra não se achava na baia. Ela voltaria logo, pensou, e tão esfaimada quanto ele.
Na cozinha do chalé, a mesa estava posta com pão, manteiga, queijo, mel, leite e café fresco. Collin preparou um sanduíche para si, relutante em ir até à janela para verificar se Alexandra já vinha chegando. Em poucos minutos, o silêncio da casa foi quebrado pelo relincho de um cavalo que não era o seu.
A porta foi empurrada com força e, por segundos, Collin sentiu o coração acelerado. Um vulto feminino apareceu re­cortado contra a luz externa.
— Alexandra? — ele perguntou, após domar a ansiedade.
— Sim, e estou faminta. — Foi até a mesa, sem vacilação, e sentou-se na cadeira vaga. Elogiou a arrumação da mesa, mes­mo sabendo que Betsy, e não Collin era a autora da gentileza. — Desculpe-me por ter saído tão cedo. Precisava ficar sozinha.
— Claro. Eu também peço desculpas por ter decepcionado você.
Alexandra se concentrava no pão com manteiga que mordia, não em Collin.
— Eu nada lamento. Você ficou sentido quando perdeu sua virgindade?
Sem contestar, ele ergueu as sobrancelhas e meneou a cabeça.
— Realmente, renego a idéia de me casar, Collin. Não é nada contra você. Sempre ouvi falarem que meu futuro estava num bom casamento, mas não vivo sonhando com um marido, um lar e filhos. O que desejo é experimentar de tudo: bebidas, cha­rutos, bordéis, cassinos... — Ela fez uma pausa em seu incisivo discurso. — Talvez um dia...
— Talvez um dia resolva casar-se, ter filhos e um lar — emendou ele.
— Exatamente. Sem previsão de época.
— Só espero que, quando decidir, não esteja velha demais.
— Cuidarei disso. Creio que você não é muito diferente de mim. Acha que poderia suportar uma esposa que pensasse ape­nas em passear, ir às compras e aos bailes?
— Creio que não — murmurou Collin.
— Sei planejar um jantar para trinta pessoas, de olhos fecha­dos, mas o que me deixa feliz é gerenciar a propriedade de meu irmão. Seria difícil passar dessa condição para a de uma esposa tradicional.
— Eu também levo a vida que desejo, com apenas um senão: às vezes, ela é solitária demais. E é aí que você entra.
Alexandra espantou-se com a declaração, seguida de um sorriso.
— Só não devia ter me iludido — Collin completou, admi­tindo que a repreensão era leve demais. — Vou embora, mas preferiria ficar.
Alexandra piscou duas vezes, então fitou Collin com olhos brilhantes e ergueu a mão, num gesto para detê-lo.
— Por que não caminhamos um pouco pela trilha da flores­ta? Será um meio de nos acalmarmos.
— Está bem.
— Só preciso trocar de roupa antes, se não se importar. — Ela deu-lhe um sorriso nervoso e disparou escada acima.
Atordoado, Collin já não sabia o que estava fazendo.
Ele preferiria ficar?
Alexandra despiu-se depressa. Era seu hábito mudar de rou­pa para galopar, mas também para passear ao ar livre seria mais confortável usar um dos três vestidos soltos e simples que poderia usar diretamente sobre o corpete. Escolheu o de cor lilás, evitando imaginar o que Collin planejava fazer com ela.
Apreensão e excitamento fervilhavam juntos em seu íntimo. Como não havia contado com a permanência de Collin no cha­lé, agora ponderava se de fato desejava isso. Conseguiria di­zer-lhe que não queria outro contato físico e não o levaria para seu quarto?
Confusa, ela emitiu um suspiro de frustração. Tinha perdido o viço, parecia cansada e pálida. Soltou os cabelos após calçar as botas. Os cachos lhe emolduraram o rosto, mas ainda esta­vam ressecados, como sua pele.
Ao descer, Alexandra deparou com Collin já do lado de fora, os cabelos castanhos dourados pelo sol. Sentiu um aperto no peito, em parte aliviada pelo encerramento das discussões, em parte carente de amor. Reprimiu a vontade de chorar e recorreu ao bom senso. Se ele não a amava, pensou, ela não tinha por que amá-lo.
Ambos percorreram a trilha da floresta, rumando para o arco formado pelas árvores atrás do estábulo. Alexandra estava consciente do reduzido espaço que os separava. Se fossem na­morados de verdade, estariam de mãos dadas, andando tão próximos um do outro que os corpos se tocariam.
O silêncio a incomodava, mas o que poderia falar? "Fique e faça amor comigo, mas guarde para si o segredo de minha castidade"?
Não, isso só reacenderia a briga, e o momento era de trégua. Quem iria imaginar que se separariam no segundo dia juntos?
— Realmente, devo ir embora — disse Collin subitamente. — Creio que um pouco de seu pragmatismo está passando pa­ra mim.
— Meu pragmatismo? — Distraída, Alexandra assustou-se com a gravidade da voz e o conteúdo da frase.
— Ainda estou furioso por um lado, mas por outro... Um murmúrio constante na minha cabeça diz que agora está feito e, portanto, onde reside o mal?
— O que você responde, mentalmente?
— Nada. Estremeço antes de dar a resposta.
— Collin, eu... — Alexandra escondeu as mãos trêmulas atrás do vestido. — Acho que nós... Nós não combinamos.
— O quê? Significa que não podemos viver bem, juntos?
— Não, é que... — Deus! Ela daria tudo para não ter reini­ciado aquela conversa.
— Então, o quê? — ele contestou de novo, parando de andar para fitá-la nos olhos. — Fale Alexandra.
— Você é forte e corpulento, e eu sou miúda... — murmurou ela, reconhecendo que era um argumento tolo.
— A verdadeira questão é que você era virgem, e eu não sabia.
— Collin, entendo que haja dor na primeira vez, mas não tenho prazer nem vejo graça numa relação completa.
— Não pode julgar o ato pelo prazer ou desprazer que lhe traz. Só garanto que, na segunda vez, fica bem melhor.
— Não conseguirei repetir, Collin. Por favor...
Ele praguejou em dialeto escocês, e ela retomou a caminha­da. Ao segui-la, Collin olhou para o céu e moveu os lábios como se rezasse.
— Vou ficar, mesmo assim — ele anunciou.
— Para não perder o talento de sedutor? — Alexandra pro­vocou.
— Como uma mulher inteligente e passional como você po­de cair tão depressa no ridículo? Todo homem se adapta à par­ceira e vice-versa, para juntos conquistarem a maior satisfação possível em seu contato.
— Mas eu sinto prazer nas preliminares.
Collin perdeu a fala. Além de ouvir mais um conceito infan­til, incongruente, ele nunca recebera queixas por seu desempe­nho. Alexandra estava se tornando um peso estranho.
— Não há com que se afligir Collin. Foi tudo adorável, ma­ravilhoso. Não é culpa sua se nós... Se não combinamos um com o outro.
— Confie em mim, Alexandra — ele pediu, esperando uma segunda oportunidade.
Ela não via motivo para desconfiar, apenas...
— Não sei por que, mas não quero tentar de novo. — Estu­dando a figura dele, Alexandra sentiu intensa vontade de tocá-lo e estimular seus sentidos. — Bem... Está certo. Aceito tentar, mas só mais uma vez.
Collin deu meia-volta e encerrou ali o passeio. Ela precisou correr para alcançá-lo.
— Entenda que, se houver uma gravidez, teremos de nos casar. — Por fim ele colheu a mão dela na sua. — Isso deveria ter ficado claro em Edimburgo. Não quero ter um filho bastardo.
— Compreendo — retrucou Alexandra, preocupada. — Mas será que já existe um bebê dentro de mim?
— Ainda que mal pergunte, você sabe que o ato praticado... A parte da qual você não gosta... É a maneira pela qual a mulher concebe uma criança?
— Claro que sei. Minha criada, porém, prometeu me ensinar um modo de reduzir as chances. Ontem, não houve tempo de falar com ela.
— Também conheço um método de prevenção: parar antes de terminar.
— Como? Calculando o tempo?
— Sim, mais ou menos — ele respondeu solenemente.
— Oh! — Admirada, Alexandra corou, enquanto Collin exi­bia os dentes num sorriso que ela considerou um tanto selvagem.
Alexandra não protestou quando, no chalé, Collin insistiu em dar-lhe um banho de tina. Alegou que seria trabalho de­mais, mas ele entrou no quarto carregando dois grandes baldes de água aquecida. Pediu que ela verificasse a temperatura e verteu o líquido no tonel de madeira. Depois começou a tirar o vestido de Alexandra, pelas costas.
— Obrigada, Collin — ela murmurou. — Deixe-me ajudar. — A sensualidade da situação a empolgava, mais do que constrangia.
— Não, eu faço isso.
A pele de Alexandra estava ligeiramente bronzeada, embora com pontos de ressecamento. O vestido veio abaixo e Collin a virou de frente. Um corpete rosado lhe comprimia os seios, ressaltando-os, mas ela também usava um pedaço de gaze entre as pernas, que cobria pouca coisa. Assemelhava-se a uma fralda.
— Você está embrulhada como um bebê — Collin comentou.
Apesar do choque causado pelo comentário, Alexandra sol­tou os ganchos do corpete e mostrou-se a Collin na plenitude de sua beleza. O véu de gaze não escondia o triângulo escuro na junção das pernas, sobretudo quando molhado pela água da tina.
Antes de esfregá-la com esponja e sabão, Collin a acariciou com os olhos. Como não tinha suspeitado de que Alexandra fosse virgem, na hora da posse total? Por que ela deixara que descobrisse isso por si mesmo?
Alexandra adorava o efeito que provocava em Collin, ado­rava o poder de controlar sua excitação, até seu fôlego. E ele a contemplava, fascinado, até começar a ensaboá-la com a espon­ja, diretamente em torno dos mamilos.
Nunca ela vira olhos como os dele, de um tom entre o cinza e o negro, calorosos e gelados ao mesmo tempo. A mão de Collin deslizava por todo o seu corpo sob a água, e logo Alexandra sentiu o perigo de ter-lhe concedido aquele novo momento de intimidade.
Tinha sido fraca, afinal. Por mais terno que se mostrasse, Collin era homem, e ela o empurrava para os limites da capa­cidade de contenção. No entanto, isso a tornava deliciosamente tensa, à espera do toque seguinte.
Os dedos dele lhe pressionaram os ombros e buscaram a nuca.
— Incline-se para frente — Collin pediu.
Ele ensaboou o pescoço delicado, ora com as mãos nuas, ora com a esponja cheia de espuma. Dali desviou-se para os seios formosos, de mamilos rosados, que atritou debaixo do sabão.
— Collin! — Ela acusou a intensidade da carícia, mas não se esquivou. Deu um suspiro e recostou a cabeça no peito dele.
As palmas de Collin então migraram do busto para a cintura e as coxas de Alexandra. Apertando a esponja sobre a virilha,
Collin pediu-lhe para abrir as pernas. Os dedos estavam tão perto...
Alexandra obedeceu, abrindo-se para Collin, e logo sentiu o movimento dos dedos dele afundando na água e em sua se­creta intimidade. Gemeu alto, mas não de prazer, pois o local ainda estava dolorido. Depois de uma pausa, durante a qual Collin contentou-se em afagar o ventre e a penugem macia, ela experimentou todas as sensações que antecipara, graças à mão experiente de Collin.
Naquele momento, desejou gritar "Eu te amo!". Mas emitiu apenas sons guturais, porque não confundia volúpia com amor, apesar de Collin aplicar beijos ternos em sua pele úmida. Sob intenso prazer, mantinha o olhar num ponto indefinido, por não querer avistar nem o rosto dele nem os dedos que for­çavam passagem para dentro de si, friccionando o centro de sua feminilidade.
— Venha — disse ele, de súbito.
— Aonde?
— Você verá.
Collin a ajudou a sair da tina, espalhando pingos de água pelo chão, e fez com que se deitasse na cama, onde a enxugou afetuosamente. Beijou cada parte do corpo de Alexandra, que não resistiu a abraçá-lo com força. Após livrar-se das roupas, Collin acomodou-se entre as pernas dela, com a clara intenção de possuí-la por completo, mais uma vez.
— Diga-me que não está com medo — ele sussurrou.
— Não estou. Eu quero... Por favor.
Collin soltou seu peso sobre o ventre dela, sem se esquecer de utilizar as mãos, agora brincando de verificar quais os pontos mais sensíveis de Alexandra.
O toque nos seios e mamilos a fez delirar. Sussurrou um protesto quando Collin parou, a fim de desencadear a etapa final. O atrito constante lançara centelhas de prazer por seu organismo. A pressão era enorme, à medida que Collin arremetia em ritmo lento, disposto a não machucá-la e a completar o ato fora do corpo dela. Curvando-se um pouco, ele acelerou as investidas, e Alexandra rendeu-se ao deleite dos sentidos, que prometia um clímax próximo.
Um queixume estranho formou-se na garganta dela.
— Ah! — Collin exclamou para indicar saciedade.
Céus! Teria ele tentado parar em tempo e não conseguira? Alexandra não sentira nenhum líquido escorrendo em seu in­terior. Aliviada, deixou-se levar pelo êxtase, explodindo em espasmos de satisfação.
Parecia que o mundo girava em torno da cama. Incrédula com aquele final perfeito, Alexandra permaneceu fitando as tábuas do teto.
— Você tinha razão — ela falou por fim. — Nós dois com­binamos esplendidamente.
Ainda arfante em cima de Alexandra, Collin colocou-se de lado, apoiado no cotovelo, e beijou-lhe o ombro.
— Nunca me senti tão bem na minha vida — ele confi­denciou.
Alexandra envolveu-lhe o pescoço com os braços e riu feliz.
Quando Collin acordou, uma nesga de sol aquecia os corpos nus sobre a cama. Alexandra parecia desmaiada, com um braço pendente para fora do colchão. Partes do rosto estavam afogueadas, outras estavam estranhamente pálidas, e, ao roçar os dedos na face dela, Collin sentiu que ela ardia em febre.
Soltou uma imprecação e ergueu-se na cama.
— Alexandra? — chamou, alarmado, dando-se conta em se­guida de que ela estava desmaiada, quando não se mexeu.
Em pânico, Collin segurou a mão dela e sacudiu-a, tentando acordá-la, porém não houve nenhuma reação.
— Alexandra, acorde, por favor! Abra os olhos!
Ele prendeu a respiração e deu tapinhas no rosto dela. Nada. Então, Collin disparou pelo quarto, chutando as roupas e botas largadas pelo chão. Molhou uma toalha na tina e voltou para perto de Alexandra, umedecendo-lhe o rosto com a toalha. Só então ela se mexeu, movendo levemente a cabeça.
— Alexandra, você está bem? Eu vou procurar um médico! — avisou Collin, aflito.
Mas ela não respondeu, nem esboçou qualquer reação. Aterrorizado, Collin deduziu que não encontraria um mé­dico no povoado, que nem era tão próximo. As pessoas do lugar, quando doentes, provavelmente recorriam a uma curandeira, uma especialista em ervas. Por outro lado, ninguém mor­ria de febre num prazo de horas. Isso devia levar um dia, pelo menos.
O sinistro pensamento estimulou Collin de volta à ação. Procurou nas gavetas alguma roupa com que pudesse cobrir Alexandra. Não poderia levá-la nua até o vilarejo. Mas o que faria com ela um médico de verdade, caso o achasse? Tomaria seu pulso, examinaria os olhos, auscultaria os pulmões, depois diria aos parentes que lhe dessem um caldo e orassem. Era o que ele próprio tinha ouvido muitas vezes, durante a infância.
Não. Era necessário transportá-la até sua casa, em Somerhart. Collin vestiu-a com cuidado, percebendo um ou outro gemido fraco, enquanto o fazia. Depois a carregou nos braços escada abaixo até a sala, onde a depositou no sofá, avisando que voltaria logo, assim que selasse o cavalo.
Ao sair, olhou para dentro da cozinha, na esperança de de­parar com pelo menos uma criada que pudesse ajudá-lo. Mas não havia ninguém, e ele não tinha tempo para procurar. O estado de Alexandra era preocupante.
Collin preparou o cavalo e o levou até a porta do chalé. Le­vantou Alexandra no colo e, na segunda tentativa, conseguiu acomodá-la, vergada, no lombo da montaria.
— Nada tema querida. Estará segura comigo. — Ele nem se atrevia a pensar no contrário.
Como não podia expor Alexandra ao risco de uma queda, Collin parou o cavalo em frente à primeira casinha do povoado. Bateu palmas, e logo depois um homem em camisa de dormir veio atender.
— Por favor, conhece o caminho para Somerhart?
— Sabe que horas são? — O camponês enfureceu-se.
— Mais de meia-noite, desculpe-me. Sabe onde fica a pro­priedade do duque?
— Não sei, nem quero saber. — O homem fechou a porta, obrigando Collin a gritar.
— Onde encontro Betsy?
— Duas casas para baixo! — o sujeito gritou de volta.
Puxando o cavalo pela mão, com Alexandra dobrada sobre o lombo do animal, ele bateu à porta indicada, e a própria Betsy apareceu.
— Betsy, sua patroa está doente, com febre alta. Há algum médico nas redondezas?
— Não, infelizmente não — ela respondeu, com a voz trê­mula. — O que aconteceu?
— Não sei, mas ela está muito quente, e desfalecida.
Betsy espiou para fora e avistou o vulto de Alexandra sobre o cavalo. Mostrou-se ainda mais preocupada.
— Pode ser uma infecção de garganta — opinou.
— Onde está a carruagem que a trouxe ao chalé?
— O cocheiro foi autorizado a voltar para casa, hoje bem cedo, levando Danielle, a aia de quarto. A patroa combinou o dia de ser apanhada, na próxima semana.
— E o caminho para Somerhart? Qual é o trajeto mais rápi­do? — Collin impacientou-se.
Betsy balançou a cabeça, aparentando desconsolo.
— Há um entroncamento na estrada, depois de três quilô­metros. Tome a trilha que fica a leste. É tudo o que sei. Mas deve levar horas.
— Você pode assumir o chalé? Caso alguém procure por Alexandra, diga que eu a levei para a casa dela, está bem? In­forme também outras criadas ou o cocheiro, se ele vier.
Ao fechar a porta, Betsy murmurou consternada:
— Está bem. E que Deus o acompanhe.
As horas se passaram tão devagar que Collin pensou estar dentro de um pesadelo sem fim. Era forçado a cavalgar lenta­mente, por causa de Alexandra. Parava com regularidade du­rante o trajeto, a fim de molhar um pano em alguma fonte de água ou riacho e refrescar a testa e o pescoço.
Numa dessas pausas, ela abriu os olhos e, num fio de voz, perguntou onde estava. Collin explicou. Antes de ouvir tudo, porém, Alexandra voltou a adormecer. Ele também tratou do cavalo, dando-lhe água e aveia. Ao retomar a viagem, cruzou um vilarejo conhecido e soube assim que faltavam uns poucos quilômetros até seu destino.
Várias perguntas sem resposta assolavam sua mente. O du­que estaria em Somerhart? Teria um médico à disposição? Ou Alexandra viria a falecer, sem cuidados profissionais e sem o irmão à cabeceira, para confortá-la?
Após uma hora de estrada, Collin passou pela hospedaria Red Rose e ficou contente. Só mais trinta minutos, e poderia colocar Alexandra em sua própria cama.
Ao chegar, foi recebido pelo mordomo do duque, chamado Sims.
— A família possui um médico de confiança? — Collin in­dagou enquanto pegava Alexandra nos braços.
— Sim — respondeu o mordomo. — O Dr. Maddox já veio aqui diversas vezes.
— Então mande chamá-lo. É urgente.
A visão da jovem desfalecida não bastou a Sims.
— Para quê? — quis saber.
— Sua patroa está gravemente doente.
De imediato, o mordomo encarregou um ajudante de avisar o duque, que cavalgava em campo aberto. Também enviou um mensageiro ao médico e disse que ele já estava a caminho.
Collin subiu a escada e acomodou Alexandra na cama. Fe­lizmente, estava em Somerhart, e duas prestativas criadas se ofereceram para ajudar, trazendo bacias e jarras com água. Para ele, o surto de febre e palidez era inexplicável. Tinham feito amor menos de doze horas antes.
Em poucos minutos, o duque irrompeu no quarto e lançou um olhar furioso para Collin.
— O que você fez com minha irmã? — Sem aguardar res­posta, o fidalgo debruçou-se sobre Alexandra e esfregou-lhe a mão. — Não deixei claro que não deveria aproximar-se dela?
— Não pude evitar — murmurou Collin, preferindo não entrar em detalhes pessoais.
— Afaste-se um pouco — pediu o duque assim que um ho­mem grisalho austero, vestido de preto, entrou no quarto.
Era o médico.
O Dr. Maddox examinou Alexandra minuciosamente. Che­gou a abrir-lhe a boca para olhar a garganta e desabotoou o vestido até a altura do peito, a fim de auscultá-la com o estetoscópio.
— Escarlatina — o médico diagnosticou, dirigindo-se ao du­que. — Vê esta erupção na pele? — Apontou a mancha verme­lha na lateral do pescoço de Alexandra. — Ela precisa tomar muito líquido. Água e, se possível, chã de folhas de salgueiro, além de caldos à vontade.
O Dr. Maddox retirou de sua maleta um vidro com algo es­curo: duas sanguessugas, que colocou sobre a pele do peito de Alexandra.
Collin ficou repugnado com a idéia de os vermes sugarem o sangue dela, mas sabia que era necessário.
— Blackburn! Saia e me espere na biblioteca — pediu o du­que, sem muita gentileza.
Hesitante, Collin acedeu. Imaginara que seria o portador de explicações e dados importantes para o doutor e o duque, po­rém em Somerhart parecia impedido de expressar-se ou de per­manecer ao lado de Alexandra.
Forçando os passos, Collin entrou na biblioteca da casa. Quando o duque entrou, pouco depois, o ar impregnou-se de raiva contida.
— Então? Meses atrás, eu o proibi de ver minha irmã — ele afirmou secamente.
— Sim, na ocasião só conversamos um pouco. Aconteceu de nos encontrarmos, por acaso, na casa de seu primo George. A esposa dele, Lucy, é minha prima.
—- Fiquei sabendo dessa infeliz coincidência — comentou o duque.
— Ficamos nos conhecendo melhor e...
— Você a seduziu.
— Não, não quis dizer isso. Começamos um... Namoro.
— Ah, um flerte, ao qual você se apegou com o intuito de magoar Alexandra, por vingança.
— Claro que não. — Embora lúcido Collin sentia a mente anuviada. — Nunca a considerei responsável pela morte de meu irmão.
— Mas sempre nutriu certo desprezo por ela.
— Confesso que sim, de início. Mas Alexandra veio a Edimburgo, para a Feira Hípica, e houve um impacto estra­nho, de parte a parte. Ela me convidou para passar uma se­mana no chalé.
— Uma semana! — O duque mostrou-se incomodado. — Então, não há dúvidas sobre suas intenções. Você a seduziu!
— Talvez, na verdade, ela tenha me seduzido — corrigiu Collin. — Não que eu tenha achado isso ruim.
— Minha irmã não é nenhuma vadia de rua, Collin. É jovem e inexperiente, tanto que caiu na lábia de alguns homens.
— Alexandra era virgem, até se deitar comigo.
Collin observou a reação do duque, que arredondou a boca numa expressão de espanto.
— O quê?
— Manteve-se virgem. Quando percebi, era tarde demais.
— Está admitindo que desonrou minha irmã?
Era mais prudente não responder. Somerhart serviu-se de conhaque, sem se dar ao trabalho de oferecer um cálice a Collin.
— Suponho que, agora, tenha a intenção de se casar com ela. Alexandra é herdeira de uma fortuna duas vezes maior que a sua, imagino.
—Já fiz o pedido de casamento, mas ela recusou. Aconteceu que eu anseio em me casar com Alexandra. Não por tê-la deflorado ou por dinheiro e posição social, mas porque gosto mui­to dela.
— Alexandra tem a liberdade de decidir o que quer. Espere até que ela se cure da escarlatina, que, aliás, é uma doença de criança. — O duque deu o último gole em seu copo e atirou-o violentamente contra a parede, espatifando-o em centenas de cacos de vidro enquanto gritava: — Droga! Que inferno!
Collin havia julgado recomendável contar a verdade ao ir­mão de Alexandra. Agora era melhor ir devagar, pois o rosto do duque formava uma máscara de frustração, mas sem traço de moralismo.
— Desde quando Alexandra está inconsciente? — indagou Somerhart.
— Ela estava bem ontem à noite, antes de dormir. Hoje de manhã, quando acordei, percebi que estava desmaiada, e ar­dendo em febre. Então eu a coloquei no lombo de meu cavalo e a trouxe para cá, onde teria assistência.
Os olhos glaciais do duque estudaram a figura de Collin.
— Isso é um pretexto, aposto — ele declarou. — Alexandra é conhecida por ser implacável em seus julgamentos e decisões.
— Vou pedir a mão dela de novo, assim que se recuperar — afirmou Collin. — Talvez eu consiga fazê-la mudar de idéia quanto ao casamento.
— Não sei se isso me agrada.
— Não é de surpreender, Somerhart. Acabou de dizer que minha condição é muito inferior à dela.
— E é. — O duque tornou a avaliar Collin, parecendo reco­nhecer sua boa aparência. — Você é inteligente e trabalhador, mas não passa de um bastardo.
A palavra beirou o limite da ofensa. Collin ficou desarmado, ainda mais porque o fidalgo quis saber se, na casa de Lucy, ele havia se insinuado para Alexandra, virgem ou não.
Collin optou por calar-se.
— Seu silêncio fala por si — definiu o duque.
— E que não sei o que responder — Collin justificou-se. — Sua irmã é uma mulher admirável, maravilhosa, embora temperamental.
Na verdade, Collin havia, sim, assediado Alexandra, mas com uma ressalva: por um lado, oferecera-se a ela, ao ver-se provocado; por outro, após o primeiro contato íntimo, na cla­reira da floresta, antecipara um adeus.
— O que posso esperar de você, como marido de minha irmã? — O duque voltou à carga.
— Tudo o que se espera de um escocês: integridade e de­cência.
— Assim está insultando os ingleses, porém creio que você representa um avanço para Alexandra, em matéria de amantes — opinou Somerhart.
— Não sou amante dela — Collin atalhou.
— Bem, algo aconteceu entre vocês. E apreciei seus cuidados para com minha irmã, trazendo-a para casa. Eu o manterei in­formado sobre o estado de saúde dela.
— Eu não a trouxe para deixá-la na porta e ir embora cor­rendo. Não partirei antes de sabê-la recuperada.
— Permito que fique, até lá, mas não sob o meu teto. Vou lhe indicar uma hospedaria, perto daqui. Terá direito a visitas diárias, sempre sob a luz do sol.
— Está bem — Collin concordou, sem opção.
O duque saiu da biblioteca, deixando Collin com o coração aflito de medo por Alexandra.
A febre cedeu.
Na hospedaria, Collin releu o recado escrito até convencer-se de que as palavras eram mesmo aquelas. Por cinco dias, Alexandra sofrerá com dores e delírios. Graças a Deus, não havia morrido.
A mulher do proprietário o interrogou sobre seu estado de agitação, imaginando más notícias, mas Collin explicou que a novidade era boa e pediu que o filho dos donos selasse seu cavalo.
— Sua roupa limpa está no quarto, senhor — informou a mulher. — Quer que eu lhe prepare uma refeição, antes de partir?
Ele dispensou a gentileza e subiu ao quarto, onde se trocou, depois de lavar-se e barbear-se. Não podia dar ao duque ne­nhum pretexto para expulsá-lo.
Julgou-se apresentável no momento de subir ao cavalo, rumo a Somerhart. Durante uma das visitas, Alexandra tinha murmurado seu nome, enchendo-lhe o coração de esperança.
À medida que se aproximava da casa dela, sua angústia au­mentava. Estaria acordada? Com os olhos claros ou ainda ver­melhos? Pele macia ou ressecada? Gostaria de vê-lo ou levaria um susto com sua presença entre os familiares?
Collin foi recebido pelo mordomo, que lhe pediu para passar na biblioteca e falar com o duque, antes de tudo.
Ao entrar no recinto, ele viu Somerhart impecavelmente ves­tido, junto à janela, e com a expressão triste.
— O que houve? — perguntou da porta.
O duque piscou, em seguida franziu a testa, como se não conseguisse achar um lugar para Collin naquela casa.
— Ela piorou? — perguntou Collin, aflito.
— Não, não. Está melhor, apenas repousando. Eu é que fi­quei exausto.
— Posso vê-la?
— Acabei de sair do quarto dela — explicou o duque. — Ela adormeceu.
Collin sentiu os olhos secos, dilatados dentro das cavidades oculares. Esfregou-os diligentemente com os nós dos dedos. Com a visão ainda desfocada, viu Somerhart desabar numa poltrona próxima.
— Alexandra quase morreu, ontem à noite. Quase a perdi — ele falou, consternado.
— Mas a febre não cedeu?
— Sim, de madrugada. De um momento para outro ela ficou imóvel na cama e a pele esfriou, e eu pensei que ela tivesse morrido. Mas era somente a febre indo embora.
Condoído, embora tranqüilizado, Collin sentiu os olhos ma­rejados de lágrimas, e virou-se para a porta, para que o duque não percebesse.
— Pode pedir a mão de Alexandra, se é isso o que você quer — Somerhart anunciou repentinamente. — No entanto, não pre­tendo opinar nem influir na decisão de minha irmã. Ela está viva e livre para fazer o que bem entender. Tem a minha bênção.
— Eu não gostaria de ter uma esposa sem vontade própria... —Collin aproveitou para ironizar, experimentando um grande vazio no coração.
— Esteja seguro de que a fará feliz. Senão... — retrucou o duque, medindo Collin de alto a baixo, como se tornara seu hábito.
— Ela não aceitará nada menos do que a felicidade — pon­derou Collin. — Mas tenho um ponto a meu favor: Alexandra está fraca e fora de seu juízo normal.
Somerhart riu e acompanhou Collin para fora da biblioteca.




Capítulo V

Não se deixe enganar pelos caprichos de Collin Blackburn. Nunca o vi enamorado antes, portanto você deve ser a causa de seu mau humor. Imagine como fiquei emocionada ao saber que você é uma mulher livre, de mente e corpo.
Por favor, aceite o pedido de casamento de Collin, caso eleja o tenha feito. Ele será um ótimo marido e, com certeza, você descobrirá suas melhores qualidades.
Alexandra sorriu e guardou a carta de Jeanne Kirkland sob o travesseiro. Ela era uma pessoa especial e a amiga per­feita. A doença de Alexandra havia adiado um novo pedido de casamento, mas ela sabia que a proposta viria. Collin não es­taria rondando a casa dela se não tivesse intenções honradas. Imaginou seu irmão, o duque, perguntando se os dois deseja­vam ficar sozinhos no quarto, para praticarem jogos de amor.
Ela reprimiu o riso. Focou o pensamento na visita de Collin, para a qual se sentia despreparada. Talvez se mostrasse res­sentido pelo fato de seu irmão evitar hospedá-lo na própria casa, impondo uma distância que, para ela, ganhava ares de covardia.
No entanto, tinha consciência do que Collin fizera para so­corrê-la. Era um homem de caráter, e a recusa ao pedido de casamento não viria tão facilmente dessa vez. O irmão também deveria ser considerado. Estava com vergonha de Alexandra, que mentira para ele e jogara na lama o nome da família. Que desculpa ela teria para não desposar Collin, a não ser seu pró­prio temperamento rebelde?
Acima de tudo, Alexandra abominava a idéia de sofrer. Pen­sou na presença de Collin naquele quarto, com o charme que era só dele, a tocar-lhe o rosto e murmurar palavras de gratidão por seu restabelecimento. Ah, ela seria capaz de enlaçá-lo pelo pescoço e beijá-lo até perder o fôlego! Iria padecer, sim, se o mandasse embora para sempre. Admitia que o amava. Como poderia não amá-lo?
Mas Alexandra era pragmática, como o próprio Collin dis­sera. Ele jamais a amaria. Então, o que seria de sua inde­pendência, de sua preciosa liberdade? Ao apanhar a xícara de chá no criado-mudo, sentiu-se fraca como um passarinho caído do ninho. Provavelmente, estava se parecendo com um deles também...
Chamou Danielle por meio do cordão da campainha, e a criada entrou esbaforida, antecipando um desastre, com cacos de porcelana espalhados pelo leito.
— Mademoiselle? — Os movimentos rápidos da moça ator­doaram a vista fatigada de Alexandra.
— Fique parada um pouco. Meu irmão ainda está zangado com você?
— O duque paga meu salário, milady.
— Bem, eu mesma posso pagá-lo, se isso aumentar sua se­gurança. Não será demitida. Hart sabe que eu a considero in­dispensável.
—Pareceu pouco compreensivo, ontem-afirmou Danielle.
— Estava preocupado comigo, apenas isso.
— Como todos nós, milady.
— Por que não me contou que Collin me visitou?
— Eu não sabia. Ninguém fala comigo.
— Sinto bastante, Danielle. Meus planos deram errado, mas agora preciso de você para escovar meus cabelos e me preparar para a próxima vinda de Collin.
— Claro milady. — A criada foi empunhando a escova. — Se todos os criados escoceses se parecerem com o Sr. Blackburn, nada tenho contra acompanhá-la numa mudança para o Norte.
Foi uma pressão, indevida, mas simpática, no sentido do ca­samento.
— Como? Você também, Danielle? Ainda me falta clareza quanto à situação, mas... — Alexandra recordou as mãos de Collin deslizando por sua pele nua. — Estou tentada a aceitar.
— Ele a ama, milady. Gosta dele também?
— Collin é fácil de amar. Acho que você nunca se apai­xonou, Danielle.
— Quem sou eu? Tive interesse por um cozinheiro que o duque contratou, pouco antes de deixarmos Londres, mas ele beijava mal, com pressa.
— Ah, Collin beija devagar, como se fosse a primeira ou a última carícia... — Alexandra devaneou, enlevada.
— Pois se case com ele, mademoiselle.
— Não é tão simples assim, Danielle.
— O Sr. Blackburn tem pouco dinheiro?
— Isso não me importa. O problema é o orgulho dele. Parece que não quer verdadeiramente se casar comigo. Prometo me esforçar...
A moça acabou de amaciar os cachos escuros de Alexandra, na parte de trás da cabeça, e ofereceu-se para banhar a patroa.
— Sim, traga uma bacia com água quente, sabão e toalhas — concordou Alexandra. — Imagino que esteja quase na hora de Collin chegar. Portanto, se apresse.
Em minutos, Danielle voltou trazendo o material necessário e informou Alexandra que Collin já chegara e estava conver­sando com o duque na biblioteca.
— Está esperando, então? — perguntou Alexandra.
— É o que imagino — a criada respondeu, passando a aplicar uma toalha úmida sobre o rosto e todo o corpo dela. Imedia­tamente secava cada região com outra toalha, seca.
Quinze minutos bastaram para Alexandra ficar pronta, de camisola trocada e com um toque de batom e ruge. Ela acomo­dou-se na cama, recostada à cabeceira, enquanto Danielle saía. Mas o primeiro a entrar foi o duque, exibindo um olhar triste, apesar do sorriso nos lábios.
— Está com ótimo aspecto, Alexandra. Como se sente?
— Bem.
Somerhart inclinou-se para beijar a testa da irmã, depois ajei­tou a bandeja com alimentos que parecia prestes a cair da mesinha lateral. Sentou-se por fim no canto da cama.
— Nunca mais me dê um susto desses — ele continuou. — Sinto que perdi anos da minha vida.
— Prometo não lhe dar mais trabalho — disse Alexandra.
— O único benefício de sua febre quase fatal foi me distrair dos maus passos que deu ultimamente. Já não estou zangado com você. — A voz de Somerhart soava cansada.
— Não? — Ela teve vontade de chorar.
— E verdade, mas pergunto: você ama Collin Blackburn ou foi tudo uma brincadeira?
— Eu... Eu não tenho certeza. Creio que posso amá-lo.
— Blackburn alega que lhe propôs casamento e você recusou.
— Sim, fiz isso. — Alexandra se sentia cada vez mais arre­pendida.
— Mas diz que poderia amá-lo. Tem a ver com a condição social dele? Com a origem familiar?
— Não, não. Ele não deseja de fato casar-se comigo. Só me pediu em casamento por senso de dever, depois que... —Juntou as mãos no colo e deixou duas lágrimas produzirem sulcos no pó facial que usava.
— Depois quê? — Somerhart pressionou.
O silêncio valeu pela resposta. O que ela poderia dizer? Ja­mais havia sonhado em discutir sua castidade com o próprio irmão.
— Ele disse a verdade? Você era virgem até se deitar com ele? — O duque tomou-lhe as mãos entre as suas que estavam agradavelmente quentes. — Como pôde deixar que Blackburn pensasse o pior de você? E não só ele. Eu também, e grande parte da sociedade.
Alexandra pestanejou ansiosa por secar os olhos.
— Nunca ninguém perguntou se eu era uma prostituta ou apenas fingia ser. Bem, estava só fingindo, mas, já que fui des­mascarada, sinto um grande alívio.
— Como assim? — O duque não estava menos ansioso por entender a irmã.
— Pode imaginar uma jovem deixada livre em Londres, para dançar, beber, rir e flertar, sabendo que a qualquer momento essa boa vida terminaria num casamento de conveniência? Você nunca foi tentado a se casar, Hart, e eu também não. Quis desfrutar tudo o que me era oferecido, para não ser infeliz.
De queixo caído, ele observou a irmã como se tivesse perdi­do parte da explicação. Faltava-lhe ouvir certas palavras, e "in­feliz" era uma delas.
— Não me consta que você fosse infeliz, Alexandra.
Em termos. Talvez eu não soubesse. Desejava coisas que nem tinham nome.
— Refere-se a relações sexuais?
Uma tosse nervosa apossou-se dela.
— Não completamente. Conheci amostras de uma relação íntima, antes de Collin.
— Esses contatos preencheram suas expectativas? — inqui­riu o duque, mais preocupado do que curioso.
— Sim, por isso acho que fui feliz, por algum tempo. Não me importava a fama de decaída ou a rejeição da sociedade, mas agora...
— Blackburn parece ser um bom sujeito, ou não chegaria à minha porta, procurando socorro, com você nos braços. Não deve lembrar-se de nada, suponho.
— Apenas até certo ponto — retrucou Alexandra.
— O detalhe é que ele cavalgou quilômetros, com você do­brada no lombo do cavalo, por temer deixá-la nas mãos de uma curandeira.
— Ah, foi isso que aconteceu? — Ela se impressionou com a história. — E você permitiu que ele ficasse por aqui.
— Não sob meu teto, mas perto, numa hospedaria. Vinha visitá-la sempre, ficava horas em vigília.
— Por quanto tempo fiquei doente?
— Cinco dias e cinco noites. Hoje é domingo.
— Domingo? Oh, não! — Ela tinha compromisso com Damien St. Claire no sábado. Prometera levar-lhe mil libras. E agora? De­veria ter contado tudo a Collin, desde o princípio. Agora, ele a odiaria, além de correr perigo de vida.
— O que foi? — o duque se inquietou.
— Eu... Eu acho que Collin precisa voltar logo para a Escócia.
— Posso providenciar, mas ele disse que planejava ficar com você no chalé, por pelo menos uma semana. Não duvido que vá lhe pedir em casamento, mas me abstenho de interferir, compreende?
Alexandra fez um gesto afirmativo com a cabeça.
— Você continua sendo dona de sua vontade — completou o duque. — Só se case com ele se tiver certeza de ser feliz. A decisão é sua.
Ela confirmou de novo e surpreendeu-se quando o irmão se inclinou para abraçá-la, murmurando o quanto gostava dela, antes de deixar o quarto. Estaria Collin esperando do outro lado da porta?
A resposta veio imediatamente.
— Alexandra...
Ela percebeu nele muita tensão, mas talvez conseguisse in­fundir-lhe calma, em vez de ódio, se relatasse seu encontro com St. Claire.
— Collin... — O simples fato de pronunciar o nome já lhe trazia felicidade. Ele estava em seu quarto!
— Parece bem melhor, afortunadamente. — Collin se apro­ximou da cama, sem saber como agir.
— Sente-se na poltrona — ela pediu. — Ninguém estranhará sua presença aqui. Para começar, desculpe-me pelo trabalho que lhe dei.
Collin esticou o braço e colheu os dedos dela em sua mão, num cálido contato pele a pele. Alexandra desejou ardentemen­te receber um beijo na boca, porém vibrou emocionada, quan­do os lábios de Collin lhe pressionaram as pálpebras, as faces, o nariz.
— Você me deixou muito assustado — ele confessou.
— Está falando como meu irmão. Lamento que ele o tenha tratado mal.
Alexandra tomou a iniciativa de erguer a cabeça e beijá-lo na boca, como compensação. Ao sentir a língua quente, demo­rou-se mais do que planejara. Aquela língua lhe despertava incríveis recordações. Ansiou por experimentá-la sobre todo o seu corpo.
— Vamos nos casar, querida. — Collin mais afirmou do que sugeriu. — Assim, teremos um ao outro para sempre. Não po­derei lhe dar tantas regalias, mas possuo uma boa casa com criados e mais cavalos do que você conseguirá cavalgar.
— Sim, eu quero. — A pronta aceitação o assombrou.
— Mas não apenas por uma questão de honra familiar?
— Ora, você me conhece. Não ligo para essas coisas.
Os olhos dele se estreitaram, na busca de um motivo sério para Alexandra desposá-lo, porém ela manteve os lábios aper­tados. Amava Collin, por certo, mas seria tolice brandir tal sen­timento perante um homem que parecia não amá-la, e sim agir de acordo com as regras do cavalheirismo, casando-se com a mulher a quem havia deflorado.
No entanto, uma intensa paixão carnal os unia. Para Alexandra, isso bastava. Com o tempo, ela tinha certeza de que Collin viria a amá-la completa e irrestritamente.
Desde que fizesse tudo direito.
— Collin... Preciso lhe contar algo importante, antes que vo­cê confirme seu pedido ao duque.
— Do que se trata? — O sorriso dele esmoreceu se transfor­mando numa expressão de preocupação.
— Espero que tudo se resolva bem — ela começou, esboçan­do um sorriso. — Encontrei-me com Damien St. Claire, a cami­nho do chalé. Queria dinheiro, muito dinheiro. Convenci-o a aguardar, pensando em enviar você na data marcada, mas en­tão adoeci...
Alexandra percebeu que Collin estava chocado.
—Seria no sábado. Ontem. Agora ele deve ter partido daqui, para algum esconderijo. Além de pedir dinheiro, queria um confronto com você, portanto deve tomar cuidado.
— E por que não me contou?
— Desejava uma semana a sós com você, no chalé, lembra-se? Fui egoísta, reconheço. Perdão.
— St. Claire a ameaçou agrediu ou coisa pior? Se fez isso, eu...
— Não. Tive medo, mas ele acreditou em mim quando me comportei como se não soubesse de nada.
Collin suspirou fundo, depois brindou Alexandra com algo que ela não esperava: um sorriso.
— Talvez ele ainda esteja por perto e tenha sabido de sua doença...
— É sabido também que fui socorrida por um escocês cha­mado Blackburn.
— Talvez... — Collin inclinou-se para beijar a testa de Alexandra. — Você está viva, e St. Claire não pode ficar es­condido para sempre.
O calor do olhar tocou o coração de Alexandra e umedeceu seus olhos. Por isso, ela sentou-se na cama de modo a alcançar o peito de Collin, onde aninhou a cabeça.
— Lamento muito — disse. — Prometo ser melhor como esposa do que como amante.
A risada de Collin mexeu com o brio de Alexandra.
— Não me faça ameaças — ele retrucou. — Melhor do que estamos, posso morrer do coração.
Collin tentava vencer o sono, embalado pela tagarelice do batalhão de advogados e escrivães, reunidos na biblioteca da casa de Alexandra. Terras, jóias, móveis, ganhos financeiros, tudo era arrolado e documentado.
Mas ele não cobiçava a fortuna da noiva. O que pertencia a ela continuaria a ser dela. Já o mobiliário, por insistência de Alexandra, caberia a Collin, desde que fosse levado para a casa dele.
Collin também seria o novo dono de uma bela carruagem, algo que nunca sonhara ter, por julgar desnecessário. Em suma, perderia a liberdade de solteiro em troca de um coche, alguns móveis e uma esposa...
Só poderia estar contente. No entanto, Alexandra reservara oficialmente uma de suas propriedades à sua futura filha. Bebês e crianças constituíam termos estranhos a Collin. Não conse­guia imaginar Alexandra grávida, gorda e inchada. A expecta­tiva, porém, era positiva. Embora magra e pequena Alexandra não temeria uma gestação.
Que mãe maravilhosa ela seria!
— Acorde Collin. Eles já se foram. Alexandra os levou à saída.
Os olhos, uma vez abertos, depararam com o duque sorrindo para ele e oferecendo-lhe um dos dois copos de uísque que trazia nas mãos.
— Terminou?
— Sim. Minha irmã teve a excelente idéia de dividir seus bens em lotes ou parcelas, com destino já definido. Os docu­mentos legais serão entregues amanhã.
— Creio que se saiu bem nessa divisão, lorde Westmore.
— Como seremos parentes, pode me chamar de Somerhart — afirmou o duque. — Alexandra sabe se a iniciativa dela o deixou confortável?
— Meu patrimônio é modesto, mas vocês dois foram mais generosos comigo do que eu esperava, depois de me comportar como me comportei.
— Seguramente, está gracejando. Ninguém vai dizer que se casou por dinheiro. Diversos homens cobiçaram minha irmã, alguns piores do que St. Claire. Eu me arrependo de ter falhado em protegê-la.
Collin franziu a testa, entendendo o sentimento de culpa do duque. Adorável e inteligente como era Alexandra o havia tra­zido para perto desse mesmo sentimento.
— Ela beirou a ruína, financeira e moral — emendou Somerhart. — Não conseguia refrear seus impulsos.
— Não — Collin confirmou como testemunha do fato. Ele havia passado a semana anterior vasculhando o campo, atrás de pistas de St. Claire, mas o homem ou tinha partido da Inglaterra ou estava bem escondido. Por certo, não se arriscaria a aparecer em público, mas enviara a Alexandra um recado típico do canalha que era: "Você me traiu, vadia, e eu nunca me esquecerei disso".
— Ainda tenho uma semana, antes da cerimônia nupcial, para desentocar St. Claire. Vou achá-lo assim que der sinal de vida.
A eloqüência de Collin fez com que o duque exibisse seus punhos cerrados.
— Eu mesmo deveria ter me encarregado de St. Claire, mas Alexandra implorou piedade, assumindo toda a culpa pelos contratempos e prejuízos. Não fosse por isso, aquele bandido já estaria morto.
— Você só queria ver sua irmã a salvo — comentou Collin.
— Mas me enganei, ao julgar que depois de seduzir Alexandra e matar seu irmão num duelo, St. Claire nunca mais iria incomo­dar ninguém, mesmo porque é procurado pela polícia inglesa. Sabia que ele e seu irmão John foram colegas de classe?
— Sim, e supostamente amigos também.
— Fiz algumas pesquisas — informou Somerhart. — Em dado momento, St. Claire passou a invejar John: a fortuna, o futuro título, algo assim. Perdeu muito dinheiro para ele, no jogo, e John perdoou a dívida na mesma hora. St. Claire ficou furioso, acusando seu irmão de desrespeito e arrogância.
— Quando foi isso? — Collin ignorava aquele dado impor­tante.
— Uns cinco anos antes do duelo — esclareceu Somerhart.
— Tanto tempo alimentando vingança...
— O problema é que, na semana precedente ao duelo, St. Claire solicitou revanche nas cartas e outra vez perdeu para John. Então, tramou o flagrante dele em intimidades com Alexandra. Com­prometeu a mulher que John amava e provocou o desafio com pistolas. Atirava bem, o desgraçado!
Collin contemplava o teto, ornamentado com ricos entalhes de querubins entre nuvens. Alexandra ficaria desapontada com seu novo lar, ele pensou.
— St. Claire sabia que, naquela situação, John iria desafiá-lo prontamente — opinou. — Meus amigos na França estão vi­giando seus passos. Subornei o advogado dele. E um jogo de espera.
—Supostamente — aduziu o duque —, se pisar na Inglaterra, será preso e processado.
Somerhart também olhou para o teto, a fim de ver o que tanto interessava Collin, quando ambos foram interrompidos pelo mordomo.
— Lady Alexandra solicitou... — Prescott, sempre impecavelmente vestido, calou-se ante a visão de um vulto feminino em camisola de renda e robe de seda.
— O médico disse que não preciso mais ficar deitada — afir­mou Alexandra, encarando o irmão e o noivo. Andou pela bi­blioteca como se nunca tivesse estado doente, mas ainda não se vestira.
Collin sentiu dificuldade em levantar-se da poltrona, surpre­so com o robe semi aberto que sugeria curvas deliciosas sob a camisola pouco recatada. Mais pasmo ficou quando Alexandra sentou-se nos joelhos dele, irradiando calor para seu corpo. O duque via tudo, sem ar de reprovação.
— Faz tempo que está aqui, conversando com meu irmão? — ela interpelou, e depois se inclinou para pressionar os lábios contra a orelha de Collin.
— O duque se acha a um metro... — foi ele quem a censurou. Alexandra disparou um sorriso cúmplice ao irmão.
— O que vocês, homens, pretendem fazer? Por mim, gostaria de sair e passear um pouco.
— Estávamos discutindo seu contrato de casamento — infor­mou Somerhart. — Descobrirá que seu noivo é muito generoso.
— Claro que é. — Alexandra deslocou-se até a mesa da bi­blioteca e procurou ler os papéis em rascunho.
Situação incômoda para Collin, mas por que ele tinha de se apaixonar por uma princesa?
— O que é isso? — ela inquiriu. — MacTibbenham Collin Blackburn é seu nome completo?
Somerhart tossiu, em benefício de Collin, enquanto este for­mulava uma explicação:
— Não sei se minha mãe quis me distinguir ou me enver­gonhar. Deve continuar me chamando de Collin.
— Bem, vou lhe conceder alguns minutos de passeio a sós com sua noiva — interveio o duque, visando pôr fim ao im­passe.
— Quantos? — quis saber Alexandra.
— Cinco.
— Quinze no mínimo! — ela impôs sua vontade, como de hábito, e subiu para se arrumar.
— Esposa! — Dentro da carruagem, Alexandra testou como a palavra soava em seus lábios. — Senhora Collin Blackburn! Lady Westmore! Por que nunca usa seu título, Collin?
— Eu o uso, quando ajuda a vender cavalos.
Ele acomodou-se no assento estofado da cabine e abriu as cortinas, fechadas por Alexandra logo que a carruagem partiu de Somerhart, e acenou para o irmão e o pequeno grupo de convidados ao casamento.
— Fale-me de nossa nova casa, de sua família — ela pediu. Pensativo, Collin tardou em responder.
— Westmore é uma terra antiga. Grande e com paisagens maravilhosas, mas um lugar inóspito, selvagem como você nunca viu.
— Vou adorar, tenho certeza.
— Quanto à família, minha mãe casou-se tarde, mudou-se, e raramente a vejo. Mas ficará curiosa e virá conhecê-la.
— Eia já sabe de nós?
— Escrevi imediatamente e contei que havia encontrado uma boa noiva. Por certo, mamãe alegrou-se, mesmo você sen­do inglesa.
Alexandra experimentou alguma ansiedade, mas o olhar ter­no de Collin lhe garantiu que tudo estava bem.
— Minha mãe não se importará, pois sempre me encorajou a casar ter filhos e perpetuar a família. Já meu pai, no início, não deu muita atenção a seu filho bastardo, embora enviasse regularmente uma pensão. Ele se transformou depois que John nasceu. Eu tinha nove anos, na época, e de repente fui cercado de regalias, boas escolas e bons professores. Sofri um pouco, pois era mau estudante, mas valeu a pena.
Toda sorrisos, Alexandra perdia-se em lembranças e diva­gações.
— Minha mãe é uma mulher distinta e espirituosa — ela atalhou. — Alguém que sabe perdoar, como perdoou meu pai por tê-la abandonado. Quando solteira, era uma talentosa tecelã, mas nunca recebeu nenhum fidalgo aproveitador em sua cama. Com a fuga do marido, ela constituiu o filho mais velho, o duque de Somerhart, como meu tutor.
— Isso é esplêndido — Collin opinou. — Espero que seu pai acabe por nos visitar, assim como o meu fará, algumas vezes.
Os olhos de Alexandra marejaram ao peso de tantas recor­dações.
— No que me diz respeito — ele prosseguiu —, houve uma fase em que desejei bater em meu pai, praguejar e fugir para que nunca mais me visse.
— Por quê? — ela indagou perplexa.
— Porque eu não queria a propriedade em Westmore nem o título que ele comprou para mim. — O tom foi duro, quase raivoso. —Já era adulto e podia ganhar a vida criando cavalos, atividade que sempre adorei.
— Bem, mas você tinha direitos de nascença — comentou Alexandra.
— Engano seu. Filhos bastardos não têm direito a nada.
— Então, quer dizer que você se fez sozinho, independen­temente do título e da fazenda na Escócia? Não tem do que se envergonhar, ao contrário.
— Não sinto vergonha, porém meus brios são tão suscetíveis quanto os seus.
— Vamos parar por aqui — ela propôs. — Não quero que seu passado familiar ou o meu se interponham como barreiras entre nós.
Collin não tirava os olhos de Alexandra, causando-lhe certo nervosismo.
— Você tem razão, claro — ele concordou e deu um suspiro. — Perdoe-me por demonstrar raiva.
Um sorriso suavizou a face de Collin.
— Podemos conversar sobre qualquer assunto, a qualquer momento—ele declarou — Mas com o devido respeito mútuo. Senão, terminaremos trocando tapas e golpes de chicote...
Estremecendo, Alexandra levou o comentário negativo para um terreno bem mais agradável. Havia lido o livro ilustrado sobre sexo que ganhara de Jeanne Kirkland, como presente de casamento. Ficara conhecendo práticas inusitadas e descobrira coisas inimagináveis.
Seu convívio com Collin poderia tornar-se muito interessante...
Poucos quilômetros os separavam de Westmore, e cada me­tro mais próximo levava Collin a um novo nível de tensão. A propriedade dele era acolhedora, mas não um castelo digno de uma princesa, digno de Alexandra.
Construído séculos antes, para abrigar combatentes em guerras, o lugar resistira ao tempo, com suas paredes de pedra e telhados de ardósia, porém permanecera desabitado por cin­qüenta anos, até Collin mudar-se para lá. Ninguém se preo­cupara com reformas e melhoramentos.
Assim, o velho castelo não possuía luz a gás, nem água encanada, nem quartos elegantes. Sem vidros, as janelas eram dotadas apenas de venezianas, para proteger do vento e da chuva. Em compensação, o andar térreo consistia no amplo hall de entrada, numa espaçosa cozinha e na enorme sala de refei­ções, onde todos comiam juntos.
Collin pestanejou incapaz de visualizar lady Alexandra, agora a Sra. Blackburn, jantando em companhia do pessoal do campo e dos estábulos.
Oh, Deus! Deveria tê-la alertado, bem como esclarecido que já estava construindo uma casa nova, bonita e moderna, no alto da colina. Uma casa provida de luxos como banheiras de már­more.
Era tarde para contar. E, de qualquer modo, Collin decidira testar Alexandra, ver se o amor dela por ele era sólido a ponto de dispensar as comodidades da civilização. A primeira reação, diante da paisagem, foi positiva.
— O cheiro é tão bom! — exclamou ela. — Como se já fosse outono! Quanto tempo falta para a estação, Collin?
— Poucos minutos — ele informou.
— É bonito, aqui no alto da colina. Você vai me acompanhar na exploração do terreno?
— Creio que tenho muito trabalho esperando por mim.
Os olhos de Alexandra se sombrearam.
— Claro, não quis parecer fútil. Você ficou longe de casa por muito tempo.
— É verdade. — Collin a contemplou com o coração aper­tado.
— Acha que vão me aceitar bem, sendo inglesa?
Naquele instante, Alexandra pareceu tão frágil que ele con­teve sua urgência de tomá-la nos braços.
— Todos irão se surpreender com meu casamento — res­pondeu. — Mas Fergus, meu gerente, não se importará com sua origem inglesa. E os Kirkland são os vizinhos mais próxi­mos. Você se lembra de Jeanne, ela gosta de você. Já lhe mandou alguma carta?
— Sim. — Sem saber por que, Alexandra corou. Ia falar mais, quando Collin a impediu com a mão erguida.
— Prefiro ignorar o conteúdo da correspondência.
Um sorriso brilhante iluminou de novo o rosto de Alexandra.
— Não posso responder pelos serviçais da casa e pelos tra­balhadores — Collin acrescentou —, mas creio que não irão se importar.
— Talvez tenha uma surpresa — retrucou ela, deixando-o ensimesmado, e então olhou pela janela da carruagem. — Mas é um castelo! Você já dormiu na torre?
— Não, mas o quarto que destinei a você é adjacente a um campanário.
A expressão satisfeita esvaiu-se de repente da face de Alexandra.
— Não vamos dormir no mesmo quarto?
Por coincidência, ao aproximar-se mais, a carruagem passou por uma parte do castelo que se achava em ruínas.
—Não, não!—Collin apressou-se em desmentir. —Os quar­tos são pequenos, não comportariam dois guarda-roupas. Po­demos partilhar o dormitório maior, que será seu, e eu conser­varei o meu para me vestir e me lavar. Não imagina como chego empoeirado e cheirando a estéreo, no fim do dia.
— Está bem assim — ela aprovou a idéia. — Só não queria dormir sozinha todas as noites.
Ele sorriu debilmente e apontou a Alexandra o extenso muro dos estábulos, onde um belo cavalo negro projetava o pescoço por uma abertura. Logo em seguida, o coche parou na área de entrada. Fergus os aguardava. Abriu a porta da carruagem, ofereceu a mão a Alexandra e saudou-a enfaticamente com uma mesura.
Collin desceu preocupado e os apresentou. Tinha se esque­cido de como Fergus era educado, bonito e vestia-se com es­mero. Possuía até ascendência nobre, embora lhe faltassem bens materiais.
Alexandra trocou algumas palavras com ele, até Collin guiá-la para dentro do casarão. Ele acabou ficando um pouco para trás, o que frustrou sua vontade de ver como ela reagia ao pri­meiro contato com o novo lar. Havia desejado constatar o sen­timento dela: horror, desprezo, resignação, ou talvez alguma emoção positiva, pelo que ele não conseguia deixar de esperar.
Agora, enciumado de Fergus, Collin realmente preferia não olhar.
O cheiro que Alexandra sentiu era o mesmo da parte externa do castelo: de pedra e água. O interior da construção, porém, também cheirava a limpeza e frescor. Era frio, na verdade. Frio e escuro.
Sua visão adaptou-se e ela constatou a extraordinária altura do teto, bem como o tamanho da sala. Parecia-se com as pin­turas de castelos medievais que ela vira em quadros e em livros. Várias mesas longas de madeira se sucediam, em frente à maior lareira que Alexandra já havia visto, e luxuosos tapetes de lã cobriam o piso de pedra.
Em um dos cantos, um sofá e uma poltrona pareciam des­locados naquele ambiente antigo. Na extremidade oposta da sala, utensílios de madeira estavam arrumados sobre um aparador. Uma abertura em arco demarcava a passagem para ou­tro cômodo, certamente a cozinha, e uma porta à direita dava acesso à escada.
Não era exatamente um esplendor, mas como Collin não res­pondera às suas perguntas sobre Westmore, e ela se sentira in­segura para pressioná-lo, Alexandra chegara até ali sem nenhu­ma noção preconcebida a respeito de como seria seu novo lar.
— E então, o que achou? — quis saber ele, estudando-a aten­tamente. — Muito primitivo?
— Bem, um pouquinho — respondeu ela com sinceridade, olhando ao redor. — Quero dizer, pode ficar mais acolhedor, se dividirmos este espaço em cômodos menores. Falta um to­que feminino por aqui. Mas nada que não se solucione com uma pequena reforma.
— E de onde vou tirar o dinheiro para isso?
Oh, aquele era um assunto delicado, pensou Alexandra. Ela poderia arcar com as despesas para reformar aquele lugar, mas jamais se atreveria a sugerir tal idéia a Collin, orgulhoso do jeito que ele era.
Uma tossidela atrás de Alexandra a poupou de responder àquela pergunta constrangedora.
— Sr. MacLean! — exclamou ela, voltando-se.
— Fergus, por favor, milady — corrigiu ele.
— Então, me chame de Alexandra.
Ela ouviu Collin emitir uma espécie de resmungo sufocado, e viu Fergus desviar o olhar na direção dele, sem deixar de sorrir. Virou-se, então, para Collin, a tempo de vê-lo menear discretamente a cabeça para Fergus, em negativa, antes de pe­gar em seu braço e conduzi-la à cozinha, a fim de apresentá-la aos criados da casa.
Rebeca Burnside, a governanta, apregoava suas funções exi­bindo um molho de chaves preso à cintura. A Sra. Cook, a co­zinheira, foi mais simpática e prometeu à nova patroa fazer seus pratos prediletos, assim que ela lhe passasse uma lista.
Duas outras criadas, Bridey e Jess, se encarregavam da lim­peza. Mas havia ainda uma mocinha de seus doze anos e alguns rapazes, agregados ao castelo e disponíveis para ajudar nas tarefas pesadas.
Alexandra sorriu para todos, meneando a cabeça e obser­vando se aqueles rostos demonstravam hostilidade ou ressen­timento. Não, a criadagem estava simplesmente curiosa com relação a ela. Menos Rebeca.
A governanta sorriu estranhamente ao dispensar os outros e abordar Collin. Jovem, longe de ser feia, possuía traços gra­ciosos e gestos sedutores.
— É bom vê-lo em casa, milorde.
— É bom estar de volta, Rebeca.
Fergus colocou-se ao lado de Collin e instruiu Rebeca a mos­trar os aposentos de Alexandra.
— Com certeza, ela está cansada da longa viagem — ele disse.
— Claro. — A governanta obedeceu, não sem antes lançar a Fergus um olhar mortífero.
Alexandra suspirou, seguiu a mulher e voltou-se, hesitante, para Collin, que já entabulava uma conversação com Fergus. Acenou para ela, sem notar o esforço que fazia para manter-se empertigada e serena diante do falso sorriso de Rebeca.
Que tipo de governanta ela podia ser? Devia ter uns vinte e cinco anos e não se parecia de jeito nenhum com uma criada. A pele clara e os cabelos loiros, cuidadosamente entrelaçados no alto da cabeça, destacavam o pescoço longo. Alexandra sus­peitaria de que Rebeca Burnside fosse amante de Collin, caso não conhecesse o caráter dele.
Rebeca abriu uma porta no corredor, no topo da escada, e estendeu o braço, apontando o quarto de Alexandra. Evitava falar com a nova patroa. Por quê?
Alexandra entrou no aposento. Sua curiosidade superou a determinação de descobrir os motivos da hostilidade da go­vernanta, e ela estreitou os olhos, examinando o cômodo. Uma cama grande e alta, de casal, dominava o aposento, comple­mentada por guarda-roupa e penteadeira. As venezianas fe­chadas não ocultavam as modestas dimensões da janela. Ela pressentiu que, ali dentro, sentiria falta de luz e ar. Incomo­dou-a também o fato de as paredes serem decoradas com ex­tensas peles de marta.
De acordo com a descrição feita por Collin, uma porta se abria na parede da direita. Alexandra cruzou-a, esperançosa, e deparou com um quarto acolhedor, mobiliado com uma cama de solteiro, mesa e cadeiras. Também era um pouco escuro, mas possuía mais de uma janela. O ambiente a agradou, pois serviria como sala de vestir e de tomar o desjejum.
Um ruído atrás de si a lembrou da presença de Rebeca.
— Você é jovem demais para uma governanta — comentou, sem olhar para ela.
— Lorde Westmore e eu nos conhecemos há anos. Ele ficou feliz por poder me oferecer o cargo.
— Estou certa de que seremos boas amigas — disse Alexandra, por educação, recebendo de volta um olhar frio. — Imagino que a carta de Collin, informando sobre o casamento, tenha sido uma surpresa para todos aqui.
— Sim, foi.
— E você deve ter tido tempo suficiente de preparar o castelo para a chegada de uma esposa.
— Claro.
No entender de Alexandra, a secura da governanta aumen­tava o mistério sobre suas relações com Collin. A aparente hos­tilidade nada tinha a ver com o fato de ela ser inglesa.
— Obrigada, Rebeca. Avise-me quando chegar a carruagem com minha criada pessoal e a bagagem.
Alexandra esqueceu sua contrariedade quando, sozinha, deitou-se de costas na cama. Mas a visão daquelas pelagens de marta, um animalzinho tão inofensivo, provocou-lhe arrepios.
Por fim, a fadiga a venceu, e ela imaginou se teria tempo de tirar a roupa e rolar nua sobre a cama, antes de Danielle aparecer.
No leito, Alexandra enterrou os dedos na incrível maciez dos lençóis. Então, adormeceu.
Acordou com o estômago roncando de fome, e a primeira coisa que notou foi a nesga de luz solar que banhava o quarto. Estranho, porque imaginava ter-se deitado na hora do crepúsculo.
Ela concluiu, abismada, que havia simplesmente dormido, em sua noite de núpcias. Suspirou de frustração e sentou-se na cama, tentando entender o que via. Seus perfumes e pós-faciais, escovas e grampos encontravam-se na penteadeira. A roupa de viagem tinha sumido do chão, onde a deixara, e um robe e chinelos estavam ao pé da cama. Havia ainda uma mala aberta.
Claro, Danielle tinha chegado e cuidado de tudo. Mas o que era feito de Collin?
Provavelmente dormira sozinho, pois a outra metade da ca­ma continuava arrumada. O que pensaria dela? O que todos pensariam? Sem dúvida, a Sra. Cook devia ter preparado um jantar especial de boas-vindas, e Alexandra nem mesmo des­cera para comer. Seguramente, Collin planejara inaugurar com ela sua nova cama. Por que não a havia acordado?
Mortificada, Alexandra envergonhou-se do que tinha acon­tecido.
— Já acordou milady?
— Danielle, que horas são?
— São oito horas, ainda. Devo lhe trazer o desjejum?
— Não sei. — A fome se dissipara em meio ao malogro. — Por que não me acordou para o jantar?
— Seu marido quis deixá-la dormir, alegando que estava extremamente cansada.
Era verdade. Fazia cinco noites, entre o chalé e sua casa em Somerhart, que Alexandra passava em vigília a maior parte do tempo. No entanto, não podia arruinar seu primeiro dia com­pleto em Westmore com um argumento desses.
— O café da manhã ainda está sendo servido, na sala? — ela indagou.
— Não. Os trabalhadores e agregados se abasteceram e le­varam lanches para os locais de suas atividades.
—- Mas isso é terrível — comentou Alexandra, decepcionada. — Em todos os lares, as pessoas se reúnem em torno da mesa, para qualquer refeição.
— Talvez almocem e jantem em suas próprias casas, no vi­larejo — ponderou Danielle.
— Pois eu creio que os trabalhadores permanecem por aqui, dia e noite.
Com essas palavras, Alexandra ergueu-se da cama. Pensava na dureza do serviço braçal. Sentia que havia contribuído para aprimorar a propriedade do irmão, porém os outros podiam tê-la considerado uma intrusa, cujo trabalho nada acrescentara às terras de Somerhart.
Se fosse assim, ali em Westmore ela faria uma verdadeira diferença, ao cuidar de reformas e melhorias no castelo.
— Tomarei meu desjejum no salão, mesmo que esteja vazio — Alexandra decidiu. — Poderei pensar com calma nas provi­dências para modernizar o castelo, a começar pela ampliação das janelas.
— Por que vai se incomodar com isso, milady? — Danielle pareceu confusa.
— O calor da estrada fritou seu cérebro? Este é meu novo lar. Posso e devo investir no aprimoramento de uma construção tão especial.
— A criadagem diz que a casa nova ficará pronta no ano que vem — atalhou Danielle, ainda aturdida.
— Qual casa nova?
Alexandra teve uma horrível sensação de ter sido enganada, lembrando-se de que Fergus parecera querer dizer alguma coi­sa, na véspera, e Collin o impedira.
— Claro. A casa nova...
Todos sabiam menos ela. Era nula a probabilidade de Collin pretender fazer-lhe uma surpresa, uma atitude não condizente com sua personalidade. E então?
Então, aquilo era um julgamento, um teste. Collin escondera dela que o castelo de Westmore seria um lar temporário, inte­ressado em avaliar sua reação a uma residência fria e sombria. Talvez quisesse puni-la por um passado desregrado, impondo as próprias condições.
Não passava de um blefe, ela concluiu, terminando de ves­tir-se com a ajuda de Danielle. Iria imediatamente até o estábulo para interpelar Collin. E estapeá-lo no rosto, se fosse o caso.
Danielle empunhou uma escova a fim de alisar os cabelos de Alexandra, mas ela recusou a gentileza, pois tinha pressa. Um dia bonito a aguardava quando atravessou a porta do cas­telo. Encontrou o marido, de costas, ocupado no preparo de ferraduras. Fergus estava com ele e a avistou primeiro. Chamou Collin, avisando que tinham companhia.
— Alexandra? — Collin voltou-se para ela, enquanto Fergus recuava. — Vou lhe mostrar os cavalos, depois do almoço.
Houve um murmúrio ininteligível, e Collin perguntou ao administrador o que sua esposa estava querendo dizer.
— Falou que não veio até aqui para ver os malditos cavalos. Ele se empertigou e fez a mente trabalhar.
— Lamento muito sobre a noite passada, Alexandra. Você precisava descansar.
— Ainda bem que não acordei para ouvir mais uma de suas mentiras — ela retrucou, constrangida, mas afogueada.
Collin, ao contrário, gelou ao ouvir a acusação, que não com­preendeu.
— Danielle me informou que teremos uma casa nova, no ano que vem. Minha criada veja só.
O som das botas de Fergus indicou que ele se afastava. Collin largou a marreta e deu um passo para fora, na direção da luz. Alexandra esperava raiva ou explicações do marido, mas não indiferença.
— Eu ia lhe contar — disse ele, após um demorado silêncio.
— Se queria segredo, lembro que ficamos sozinhos por seis dias. Por que eu não deveria saber?
Collin retornou ao estábulo, seguido por Alexandra, e dis­pensou um rapaz que o ajudava e agora corria veloz pela trilha. Ao menos ali, a discussão entre marido e mulher não teria tes­temunhas.
— É que a nova residência não é grande. Pretendia mostrá-la a você quando a construção estivesse mais adiantada.
— Creio que você quis me castigar, ver se eu me comportava como a esposa de um fazendeiro pobre, um criador de cavalos. Preciso alertá-lo, Collin: qualquer dúvida ou reclamação que tiver contra mim estará vindo tarde demais.
— Não duvido — ele retorquiu.
— Caso esteja pensando em basear nosso casamento em mentiras, ficarei pouco tempo aqui.
Os cabelos de Alexandra dançaram sob o vento, quando saiu às carreiras. Alguns fios caíram em cima dos lábios e ela teve de usar a língua para removê-los. Um vulto moveu-se à porta de um segundo estábulo. Outro espião e bisbilhoteiro. Fabuloso!
— Alexandra, espere! — Collin chamou, mas ela acelerou as passadas, ainda sem destino. Voltaria a seu quarto, no estranho castelo?
Collin a alcançou, segurando-a pelos ombros.
— Sinto muito, Alexandra...
Ainda ajeitando as madeixas, ela sentiu vontade de chorar.
— O que mais lamento são as más lembranças que terei do meu primeiro dia em sua casa.
— Venha caminhar um pouco — ele propôs.
Ela hesitou. Podia sentir o corpo grande de Collin às suas costas. Ele roubou-lhe um beijo na orelha.
-— Por favor, venha comigo. Vou lhe mostrar a casa nova.
Alexandra não tinha certeza de que queria vê-la, incompleta. Caso se negasse, porém, passaria por arrogante ou incontentável.
Collin a guiou até a base da colina, em curva, lugar bem arborizado e coberto de grama. A medida que se aproximavam do topo, a vegetação rareava, mas ainda havia relva úmida e folhas de outono caídas no solo. Em cinco minutos de escalada, Alexandra finalmente viu a construção em andamento.
Pedras de rocha, arredondadas pela correnteza do rio, preenchiam as fundações já escavadas. Outras, cinzentas, ele­vavam-se em futuras paredes e chaminés, com o devido reboco. Tábuas de carvalho se empilhavam à espera de aproveitamen­to como forro do teto. Sobravam janelas na construção, que sugeria o aconchego de um chalé. Aquilo sim se parecia com um lar.
— É lindo, Collin. E bem espaçoso. Como pôde esconder tudo isso de mim? — Lágrimas brotaram nos olhos de Alexandra.
— Gostou mesmo?
— Claro que sim. Eu seria uma desalmada, se renegasse este lugar.
Ela ainda aguardava uma explicação, uma justificativa, mas Collin apenas suspirava seguidamente, alvo de teimosia ou de mero capricho, como diria Jeanne Kirkland. Por fim, ele falou:
— O fato de eu ter guardado segredo nada tem a ver com o que penso de você. É que a construção corresponde a apenas uma ala de Somerhart. Você merece mais.
— Por que é tão teimoso? — Alexandra mostrou-se ofendida, ao mesmo tempo em que fantasiava com a boca de Collin em sua pele.
Mágoa e necessidade se juntaram na certeza de que, apesar dos contratempos, aquele era o único homem que ela desejava.
— Nunca gastei um minuto — ela prosseguiu —, imaginan­do um marido ou um lar para mim. Acho que já lhe disse isso. Nunca sonhei com palácios ou com aristocratas ricos. Você é o único com quem concordei em me casar. Tudo o que diz res­peito a você me agrada.
Collin cheirava a cavalos, feno e virilidade. Quando ele se­gurou com as mãos as costas de Alexandra, o desejo premente fez com que encostasse o corpo ao do marido.
— Vamos entrar para ver a obra? — ele sugeriu, excitado.
— Não.
— Nos estábulos, então.
— Não, Collin. Leve-me para casa.
Ele se assustou, julgando que Alexandra se referia a Somerhart, mas ela logo esclareceu:
— Para o castelo de Westmore. Para a sua cama. Alexandra sentiu uma renovada firmeza muscular contra seu ventre. Uma vez no quarto, daria vazão à volúpia adiada da véspera. Teria o prazer de sentir Collin desabar entre suas pernas.


Capítulo VI

Jeanne, onde escondeu o frasco de bebida? Jeanne Kirkland colocou um dedo sobre os lábios, pedindo silêncio a Alexandra. Ambas escalavam, na penumbra e junto à parede, os degraus que levavam à torre do castelo de Westmore. Ofegantes, chegaram e deram muitas risadas.
— Não acredito que você nunca tenha subido aqui — disse Jeanne, exibindo a garrafa de bolso. — Vamos comemorar com o melhor uísque já fabricado pelo homem.
Beberam e abriram a última porta da torre, que dava para o nada. O luar amenizava a escuridão. Alexandra não tossiu ao tomar mais um gole, antes de passar a garrafa à amiga.
— Bom muito bom — disse com a voz arrastada por efeito da bebida.
Reclinaram-se no parapeito da alta torre. Queriam apenas conversar, sossegadas, mas sem dispensar um toque de aventura.
— Então, como vai seu casamento com Collin Blackburn? — indagou Jeanne. — Também está sendo muito bom?
— Nada mal.
— Sempre achei que ele seria um excelente marido.
— E é. — Além de não se ofender com a pergunta, Alexandra aproveitou a chance de matar uma antiga curiosidade. —Collin nunca cortejou você?
— O quê? — Jeanne mostrou-se surpresa. — Não, nunca. Somos amigos de infância.
— Mas quando você cresceu... Tornou-se a única vizinha jo­vem e atraente. Sempre aparentam muita proximidade.
— Meus irmãos me controlavam, porque fui exposta a ho­mens interessantes desde cedo. Mas Collin não me deixa com os joelhos bambos...
— Comigo isso acontece, confesso. Estamos casados há ape­nas um mês, e as circunstâncias de nossa união...
— Que circunstâncias? — Jeanne quis saber.
— Oh, um pouco de imprudência. Meu irmão não me forçou a casar, mas Collin insistiu que era questão de honra.
— Não se iluda com isso. Collin estava orgulhoso ao falar de você.
— Ele falou de mim? Quando?
— No baile, quando reapareceu no salão com pétalas de flo­res nos cabelos. Eu o pressionei e ele me pediu discrição, di­zendo que havia flertado com uma dama de classe.
—Normalmente, Collin vive com raiva — retrucou Alexandra, com ar contrafeito.
— Puro ciúme. Ele não aprecia as atenções que meus irmãos dedicam a você, assim como Fergus.
Fergus. Esse era um nome que Jeanne evitava pronunciar, pois lhe machucava o coração. Diante da amiga, porém, ela confidenciou:
—Vivo espiando Fergus de minha janela. Sou apaixonada por ele, desde que me beijou, um ano atrás. O que faço Alexandra?
— Um ano? Talvez Fergus não seja indiferente a você, pois vive de olho em sua casa.
Um surto de alegria aqueceu o peito de Jeanne Kirkland.
— Verdade? Ele me espia também?
— Certamente — Alexandra foi categórica.
— E por que não vai e fala com meus pais?
— Não me pergunte Jeanne. Eu tive de seduzir Collin, dei­tar-me com ele antes do pedido de casamento. Quem sabe seja esse o caminho.
— Mas Fergus é tímido. Afirmou que nunca havia se apai­xonado.
— Então, dê-lhe algum tempo. Não o assuste com seu entu­siasmo. — Alexandra riu e propôs que voltassem a se reunir aos homens, na sala principal.
* * *
Pela primeira vez, o ambiente pareceu sufocante a Collin. Seus convidados, os pais e irmãos de Jeanne Kirkland, ocupa­vam as cadeiras perto da lareira, mas ele se sentia acalorado e angustiado. Gostaria de ir lá para fora e enfrentar a noite fria. No entanto, nada o faria deixar Alexandra ao alcance daqueles rapazes que não se cansavam de sorrir para ela. Também havia Fergus, que ele resolvera vigiar de perto.
O que estava acontecendo? Collin jamais se preocupara as­sim com uma mulher. Admitiu que tinha ciúme da esposa e que isso era irracional. Fergus, por exemplo, era um bom ami­go, um homem respeitador. Os jovens da família Kirkland so­mente se exibiam e brincavam.
Porém, sempre sentia certa insegurança quanto a Alexandra. Agora que eram marido e mulher, não sabia sobre o que con­versar com ela. Cavalos? Negócios? Alexandra não lhe negava atenção, mas aparentava querer algo que ele não conseguia lhe dar. E o tédio era péssimo conselheiro.
Quando a via de longe, sem ser notado, Collin percebia a esposa triste, talvez com dificuldade de adaptar-se à vida soli­tária da fazenda. Em um mês, os Kirkland eram os primeiros visitantes que recebiam, e Collin ignorava como entreter me­lhor Alexandra, fora da cama. Sofria, também, com a crescente amizade entre ela e Fergus.
— Collin? — chamou Douglas Kirkland. — Eu me pergunto como escapou da ira mortal do duque.
— Do irmão de Alexandra? — Ele sentiu o rosto queimar.
— Sim, não estamos tão isolados do mundo para desconhe­cer os boatos. Vocês se casaram depressa a fim de encobrir um escândalo?
— Não foi tão escandaloso assim — Alexandra elevou a voz, irritada com a conduta do convidado. — Por isso, Collin não tinha do que fugir.
— Foi o que pensamos — aduziu o pai de Jeanne. — Collin não faria mal à irmã do duque, debaixo do nariz dele...
Os rapazes riram alto, sem notar o olhar trocado entre Collin e Alexandra. Ele meneou a cabeça e sorriu na direção da esposa, porém ela desviou a vista, mordiscando o lábio inferior. De­pois, sentou-se ao lado de Jeanne, com quem passou a murmu­rar segredos, talvez abrangendo a verdadeira história de seu matrimônio.
Collin pediu licença para sair. Tomou a decisão consciente de não espiar Alexandra sobre o ombro, ao cruzar a porta. Ela estaria no mesmo lugar quando voltasse.
Depois de espairecer por meia hora ao relento, Collin voltou à sala e não avistou Alexandra, Nem Fergus. Apenas Jeanne, os irmãos e os pais continuavam sentados ali. A jovem ruiva parecia amuada, e os outros a ignoravam.
Collin procurou por Alexandra na cozinha. Ninguém a tinha visto nem sabia dela. Antes de pedir ajuda a Jeanne, ele vascu­lhou o grande saguão e descobriu Rebeca, a governanta, ace­nando para ele, escondida entre as sombras do vão da escada.
— O que houve Rebeca? — Ele se aproximou.
— Não considero apropriado que sua esposa... Oh, eu devia segurar minha língua.
— Fale logo. — A própria garganta de Collin queimava.
— É que eu vejo lady Alexandra sozinha com muita freqüên­cia. Sei que ela e Fergus se tornaram amigos, mas não a ponto de escapulir juntos como fizeram agora.
Um fogo abrasador tomou conta do peito de Collin. Aquilo não podia estar acontecendo. Os pés subiram um degrau, de­pois outro.
— Não, não lá em cima — Rebeca alertou, apontando a porta estreita à esquerda. — Ali.
Collin gesticulou com a cabeça, em agradecimento, e girou a maçaneta da porta indicada, aterrorizado com o que poderia ver ou ouvir. Na verdade, a passagem dava para o pátio exter­no, perto de onde ele estivera pouco antes, sob o vento frio e as estrelas.
Uma voz de homem ressoou nas trevas.
— Não, Alexandra.
— Mas...
— É impossível.
— Oh, Fergus, por que você é tão teimoso? — Alexandra perguntou claramente. — Vi você olhando...
Collin ouviu passos se afastando rapidamente. Alexandra praguejou e ele remoeu as palavras dela.
"Vi você olhando..." O quê? "Vi você olhando para mim, sem roupa no quarto", ele completou mentalmente a frase.
Só podia ser um mal-entendido. Alexandra não era nunca tinha sido uma prostituta, e sim uma mulher livre e vibrante que resolvera descobrir os fatos da vida precocemente. Não se entregaria ao melhor amigo do próprio marido.
Bem, ela também não era inocente. "Virgem, mas não into­cada", Collin escutou novamente a intriga do monstro que lhe sufocava a alma.
Ele caminhou com cautela sobre o gramado gelado. A dis­tância, pôde ver Alexandra sozinha, sob o luar. Relembrou-a abraçada a seu corpo, de saia erguida, na clareira em que pela primeira vez haviam se tocado intimamente. Recordou tam­bém a noite de núpcias, atrasada em vinte e quatro horas, quan­do ela havia se ajoelhado diante dele para praticar a mais ou­sada das carícias.
— Collin! — O nome soou empurrado da boca de Alexandra, por conta da surpresa, e ela correu alegremente até ele.
Collin a brindou com um largo sorriso.
— Se está procurando Fergus, ele já foi para casa — esclareceu.
— Não estava, mas o encontrei assim mesmo — Collin rosnou.
— O que quer dizer?
— Quero dizer que estava procurando você e deparei com Fergus em sua companhia.
— Sim, claro. — Alexandra deu-se conta de que precisava aplacar a raiva de Collin. — Queria falar a sós com ele, sobre... Um assunto.
— Que assunto?
— Não há nada de errado, Collin.
— Como posso ter certeza?
— E daí? — Alexandra retrucou, irritada.
— Pensa que é direito fugir para o pátio, com meu gerente, e ficar cochichando com ele no escuro?
— Eu não estava cochichando...
O riso gélido de Collin feriu o coração de Alexandra. Ela não negava a fuga, apenas os cochichos. Se não cochichava, então dirigia súplicas a Fergus, ele refletiu. Pior ainda.
— Fiquei curioso sobre o seu passado, Alexandra. Por que sua família a retirou de Londres? O que fazia junto com St. Claire quando John os flagrou e desafiou aquele canalha para um duelo?
— Não compreendo o motivo das perguntas — rebateu ela, estarrecida. -— Eu não beijei Fergus, se é o que está pensando. Nunca faria isso.
— Mas beijou outros, como St. Claire, que não é melhor do que uma cobra venenosa.
— Collin, sou sua esposa! — exclamou Alexandra, como se desse uma chicotada no marido. Sentiu medo dele, porém. Ja­mais havia falado com Collin em clima de pavor. — Como pode imaginar que sou infiel a você? Parece até que me odeia.
Ele recolheu as mãos, recuou dois passos e prosseguiu im­piedoso:
— Então, por que se escondeu aqui fora, no escuro?
Alexandra foi salva do dilema por Jeanne, que apareceu no jardim e a chamou, pressentindo algo fora da rotina.
— Venha para dentro, amiga, onde está quente. O que há com você, Blackburn? Precisa esfriar a cabeça neste gelo. — Jeanne não usou um tom agressivo. Era doce até nas re­preensões.
Collin viu a porta fechar-se atrás das duas e começou a tre­mer de frio. Era um animal sem sentimentos? Ou o maior idiota em toda a Escócia?
Os olhos de Alexandra marejaram quando, na tarde seguin­te, deu adeus à família Kirkland. Esperou a carruagem desa­parecer numa curva, desejando que Jeanne permanecesse com ela no castelo, oferecendo-lhe afeto e proteção.
Collin havia se deitado tarde da noite, encolhido em seu canto da cama, fingindo acreditar que a esposa dormia. Levan­tara-se muito cedo, da mesma maneira sorrateira, e só retornara do trabalho para despedir-se dos convidados.
— Continua frio — Alexandra disse como pretexto para voltar para dentro do castelo e escapar do alcance de Collin. Mas ele a seguiu e a chamou para uma conversa a sós.
Subiram ao quarto, e ela não fazia idéia do que dizer. Ainda estava bastante ressentida.
— Ontem à noite, fui grosseiro e acusei você de uma vilania — ele começou.
— Tem razão.
Pelo olhar, Collin esperava uma confissão cabal, Alexandra imaginou. Sentiu-se tentada a mentir, assumindo uma culpa que não tinha, só para ver a reação de raiva estampada no rosto do marido. Poderia administrar bem a situação. Sentiu-se como a verdadeira Alexandra Huntington, não como lady Westmore.
— Uma criada me contou que você e Fergus costumam de­saparecer juntos, freqüentemente.
— Rebeca? É uma mulher vulgar, à caça de homens. Mas se você acredita nela mais do que em mim...
Na noite anterior, Alexandra tivera um motivo sério para discutir com Fergus: convencê-lo a formar um par romântico com Jeanne Kirkland, já que ambos se gostavam. Contudo, na­quele instante, preferiu omitir esse detalhe de Collin.
— Então, Rebeca mentiu? — ele indagou.
— Não sei o que ela lhe disse, exatamente. O que entende por sumir ao lado de Fergus? Vamos aos estábulos ou ficamos conversando na sala. Por que eu teria de informar você? Sou sua mulher.
— Nesse caso, proponho encerrarmos o assunto — ele su­geriu subitamente conciliador.
— Collin... — Alexandra sentiu as garras da dor cravadas em seu coração. Confusa até o limite da razão julgou-se prestes a enlouquecer. Lembrou-se de que os irmãos de Jeanne pode­riam tê-la visto sair. — Lamento muito. Não avaliei como mi­nha saída iria parecer aos nossos hóspedes.
— Isso é tudo? — Ele mostrou-se impaciente para encerrar a conversa.
— Nada existe de errado, Collin. Nada. — Vislumbrou a amiga pedindo-lhe para contar a verdade. Rendeu-se ao cami­nho lógico. — Eu só falava com Fergus sobre ele deixar de ro­deios e declarar-se a Jeanne. Ambos combinam em tudo, e sen­tem atração um pelo outro.
— Ridículo! — reagiu Collin. — Fergus conhece Jeanne des­de que ela era criança.
—Ela é apenas dois anos mais nova do que ele. Os dois sabem o que querem, mas relutam em assumir seus sentimentos.
— Acho melhor deixar Fergus em paz. Que decida sozi­nho. Mas, se você disse a verdade, então eu lhe peço perdão, Alexandra, por ter perdido a calma.
Ela anuiu com um gesto de cabeça, porém sentiu-se estra­nha, posta de lado, e um lampejo de raiva perpassou-lhe os pensamentos.
— Quero aquela mulher longe daqui — declarou.
— Quem? Rebeca?
— Ela não me respeita, desde o primeiro dia, e vive me es­pionando.
Pela linha contrita dos lábios de Collin, Alexandra con­cluiu que deveria ter aguardado alguns dias para fazer aque­le pedido.
— Eu também a conheço desde a infância, há quase vinte anos. A mãe dela ajudou a cuidar de mim. É difícil aceitar a idéia de demiti-la. Rebeca não tem família, nem para onde ir. Uma carta de referências não garante que ela não morra de fome ou frio.
—Por favor, Collin! Não me importa o que Rebeca fará. Caso não tenha notado, ela está interessada em você. É apaixonada e vive seguindo-o como um cachorrinho fiel. Para mim, é óbvio que deseja me ver fora daqui, longe de você.
— Mas eu a tenho na conta de uma grande amiga. Como permitir que você a despeça? Nunca viveu como ela, Alexandra, à beira da miséria. Rebeca já passou fome e frio, sim, e sinto que devo abrigá-la em minha casa. Além do quê, tornou-se uma excelente governanta.
Alexandra respirou fundo, para poder suportar mais um ca­pricho de Collin. Ele saiu, batendo a porta, sem se preocupar com a dor que tinha provocado em seu coração.
* * *
Após um dia de opressivo silêncio, Alexandra achou que não conseguiria dormir. Seria terrível, pois precisava esquecer todas as recentes decepções. Deitada, sentiu um toque cálido no ombro. Escutou mais um pedido de perdão e seus sentidos reagiram favoravelmente às carícias que Collin lhe dispensava, no escuro, correndo os dedos pelas curvas de seu corpo. Che­gou a suspirar de prazer.
— Shhh... — ele murmurou. — Durma.
Contudo, a boca dele complementou as mãos, e uma seqüên­cia de beijos abrasou Alexandra. Ela pensou estar sonhando, mas logo percebeu que não. Já podia constatar a excitação de Collin, que lhe torturava os nervos.
— Você é linda. Suave e selvagem como o verão.
O galanteio a conquistou de vez. Apertou a cabeça de Collin contra seu corpo, dirigindo-a para o vão das pernas.
— Por favor, Collin — sussurrou.
Ele compreendeu o que ela desejava e apressou-se em aten­dê-la. Alexandra arqueou-se a fim de recebê-lo. Cauteloso, em­bora motivado, Collin não a penetrou completamente, e pela primeira vez ouviu-a pedir mais.
— Assim você me mata querida. — As palavras pareceram vir de um fantasma no meio da escuridão, mas os movimentos ágeis de Collin eram reais, e Alexandra deliciou-se com eles, numa espiral ascendente de prazer.
Os gemidos finais se somaram e o quarto ficou inundado de inequívoco amor.
— Desculpe-me por tudo o que eu disse, vou me redimir — Collin falou ao ouvido de Alexandra.
Ela girou a cabeça e permitiu que o travesseiro acolhesse as lágrimas resultantes do que aparentava ser um sonho.
***
— É um grande prazer conhecer pessoalmente a bela noiva. Bem vinda à Escócia, lady Westmore.
— Obrigada, Sr. Nash. — Era um dos convidados à grande festa que a família Kirkland promovia em sua mansão.
Noiva. Alexandra não se sentia assim. Estava casada havia dois meses, e supunha ser anormal que o relacionamento com o marido piorasse, antes de melhorar. Lucy não tinha sido es­pecífica ao preveni-la, porém as coisas pareciam fora de lugar.
Collin Blackburn permanecia ao lado dela, em meio à alegria geral reinante no salão, e conversava tranqüilamente com seus conhecidos. Os Kirkland eram mais importantes, na escala so­cial, do que Alexandra havia imaginado. O pai de Jeanne não possuía o título de lorde, mas seu irmão era conde e os dois pareciam ter muito dinheiro, além de prestígio. Tanto que di­versos nobres estavam presentes ao evento, que nada ficava a dever às mais grandiosas reuniões festivas de Londres.
Também era inverno, afinal, época em que os aristocratas evitavam viajar para fora do país, tornando-se disponíveis para comparecer a jantares e bailes.
A música começou na pista de dança, mas Alexandra não se moveu do lugar. Ao receber o convite dos Kirkland, tinha pensado que Collin cumpriria sua promessa de aprender a val­sar, mas isso não ocorrera. Ela sentia medo de solicitá-lo e ouvir uma negativa como resposta. Ficaria magoada, e então poderia liberar uma agressividade que acabaria com a trégua vigente entre os dois.
Semanas haviam se passado em desconfortáveis momentos de silêncio. Quando se falavam, trocavam palavras com cautela e polidez. No castelo, ambos esvoaçavam em torno um do ou­tro, e Alexandra nunca sabia se Collin iria abraçá-la ou empur­rá-la para longe.
Sempre tensa na presença dele, Alexandra percebeu o olhar insistente do marido e fitou-o com um breve sorriso. Na ver­dade, Collin vinha se mostrando encantador naquela noite. Ha­via se empolgado com o vestido de crepe de seda prateada que ela escolhera cuidadosamente. Não se cansara de observá-la com admiração, e até se aproximara para lhe dar um beijo no pescoço. Alexandra vibrava à lembrança da cena.
Apesar de tudo, os atos de amor continuavam, com regula­ridade e crescente satisfação.
Collin ainda venerava o corpo dela, amando-a com a costu­meira habilidade. Mas sempre tarde da noite. Tão tarde que Alexandra ponderava se Collin conseguia reservar-se algumas horas de sono. Chegava a acordá-la no meio da madrugada para fazerem amor.
Às vezes, Collin falava ou entoava canções no idioma gaélico, que ela não compreendia. Um dia, Alexandra perguntara a Jeanne o significado de maüh dhomh, cujo possível sentido a enchia de pavor.
— Quer dizer "perdoe-me" — a amiga traduzira sorridente, e Alexandra nada mais quis entender.
Collin lhe pedia perdão numa língua que, sabidamente, ela desconhecia. For quê? Devia haver um motivo. Decidiu per­guntar a ele, na próxima vez. Mas já tinha reunido coragem suficiente para abordá-lo durante o trajeto da carruagem até a propriedade dos Kirkland.
No entanto, tudo havia mudado naquela mesma manhã.
Um rapaz que ela não conhecia tinha surgido entre as árvo­res, quando Alexandra passeava com Brinn na direção da flo­resta. Ele lhe entregara um pedaço de papel dobrado e, igno­rando suas perguntas, havia disparado de volta até sumir no bosque.
Com o coração apertado, Alexandra se sentira vigiada a dis­tância por Damien St. Claire, certamente o autor da mensagem, um homem capaz de segui-la até mesmo no meio de uma mul­tidão, em busca de seus perversos interesses.
Aiinha cura, você esta dormindo com o inimigo. Como pôde casar-se com a pessoa que vem caçando seu verdadeiro amante? Exijo reparação por sua inconstância.
Ela desprezaria tal bravata um ano antes, semanas antes. Se St. Claire tentasse chantageá-la durante sua primeira viagem à Escócia, Alexandra prazerosamente o denunciaria, participan­do de qualquer armadilha que Collin preparasse para pôr as mãos em St. Claire. Mas não agora. Por Deus, não agora. Porque ele sabia exatamente como ameaçá-la.
Consta que seu marido é um homem ciumento, mas que con­fia cegamente em você. Como ele reagiria a algumas histórias sobre o seu passado? Como se sentiria se eu espalhasse entre os vizinhos as artes que praticou com seus talentosos lábios? Nem sei se conseguiria descrever o doce calor de sua boca, porém gostaria de tentar.
Felizmente para você, meu silêncio é barato. Vinte mil libras. Não recuse esta proposta, pois eu daria a seu marido motivos reais para ter ciúme. Tem dois dias de prazo. Deixe a quantia no lugar em que recebeu esta nota. Jóias serão bem-vindas, caso não consiga todo o dinheiro.
Damien St. Claire não assinara o bilhete. Era desnecessário.
E assim Alexandra não podia apreciar a festa, nem os elogios de Collin, nem a maneira calorosa como ele havia segurado sua mão no percurso até a mansão dos Kirkland. Muito ao contrá­rio, seu estômago doía cada vez que olhava para o marido. Ela o havia traído, afinal. Traído no instante em que recebera o bilhete e o escondera dentro da roupa. Traído quando tinha esparramado suas jóias sobre a penteadeira e tentado calcular o valor de cada peça.
Alexandra havia perdido a autoconfiança que tanto prezava, por toda a sua vida. Já não sabia direito quem era ou como se conduzir.
Fergus, o melhor amigo de Collin, e que ela tinha tratado como tal, poderia ser consultado. Mas seria errado, impróprio, e agora até Fergus a evitava.
Impróprio. Sempre impróprio. Alexandra Huntington Blackburn destoava das outras jovens de seu tempo, pelo comportamento desregrado. Isso era óbvio para todos. Por que ela tinha demorado tanto a perceber-se como uma mulher marcada para sofrer, pa­gando um preço por suas ousadias? Um preço estimado em vinte mil libras esterlinas?
Collin interrompeu seus devaneios para mais uma apresen­tação de amigos. Ela procurava mostrar-se brilhante e adorável. Queria deixá-lo orgulhoso. Queria que a visse como uma dama, como uma esposa normal. Queria que a vida voltasse à rotina, sem percalços, desconfianças, chantagens.
Por que as coisas estavam tão tumultuadas?
Outro cavalheiro se acercou de Collin e, mesmo aflita, Alexandra o cumprimentou graciosamente quando foi apresentada. O ho­mem, lorde Waterford, tinha lágrimas nos olhos.
— Tivemos de sacrificar meu magnífico cavalo Devil, lorde Westmore — ele explicou. — Quebrou a perna num buraco, faz uma semana. Não paro de lamentar.
Enquanto Collin tocava o ombro do amigo, consolando-o, Alexandra levou a mão ao peito, angustiada.
— Era um belíssimo animal. Creio que o conheceu, lady Westmore.
Balançando a cabeça, Alexandra viu Collin afastar-se junto com lorde Waterford, atento aos detalhes do acidente. Seu co­ração oprimiu-se com a lembrança da dor que sentira quando seu primeiro pônei também fora sacrificado. O animal havia olhado para ela com tristeza, como se soubesse que logo per­deria a vida.
Sensível como se encontrava, Alexandra teve de piscar di­versas vezes para reprimir as lágrimas despertadas pela recor­dação. Ou pelo seu próprio estado interior. Em contraste, os convidados bailavam e falavam alto, ainda animados após a meia-noite. Jeanne brilhava entre os dançarinos, com sua bele­za ruiva e sua alegria.
Alexandra finalmente sorriu ao vê-la desaparecer de vista, cercada por um grupo de admiradores. A relativa calma do saguão a atraiu, e ela rumou quieta para o local. Sentiu alívio por um instante, porque ali só chegavam rumores de conversas e risadas.
Mas o momento de calma chegou ao fim quando reconheceu o homem de cabelos claros que vinha em sua direção, focalizando-a com inegável prazer. Tinha cabelos loiros e olhos frios, mas não era Damien St. Claire. Nenhuma ameaça grave se de­senhava a sua frente.
Era Robert Dixon, o homem sedutor de quem seu irmão, o duque, não gostava, mas que sempre parecia pronto a conquis­tá-la. Alexandra corou de imediato. Desconcertada, imaginou que o rubor de suas faces seria visto por Dixon como um sinal de culpa. Certamente, ele se aproveitaria de seu embaraço.
Dixon sorriu ao olhar para as sombras do decote de Alexandra. Ela ensaiou uma fuga estratégica, porém seu orgulho a paralisou.
Não havia motivo para ser indelicada, esquivando-se de um homem tão fino e elegante. Esperou que ele se aproximasse, como se lhe desse permissão para a abordagem. Seu ar apreen­sivo, porém, em nada diminuiu a satisfação estampada no rosto de Dixon.
— É um enorme prazer revê-la, senhorita... Westmore, não? Alexandra não respondeu nem ofereceu a mão para um beijo de saudação. Seu ato de dignidade serviu apenas para aumen­tar o brilho nos olhos de Dixon.
— Não está feliz por rever um velho amigo de seu tempo em Somerhart? Saiba que confirmei minha presença na festa só depois de os anfitriões terem garantido que você viria.
— Pensei ter deixado claro que você não deveria chegar per­to de mim — ela falou.
— Um mal-entendido, sem dúvida — foi a reação de Dixon.
— Como assim?
Dixon deu um passo à frente e percorreu os olhos pelo corpo de Alexandra, desfrutando uma formosura que agora lhe era mais inacessível do que nunca. Ou não?
— Imagine minha decepção ao saber que a bela e indomável lady Alexandra havia se casado com um bastardo escocês.
Num repente, ela bateu com o leque no braço de Dixon.
— Está indo longe demais — censurou, satisfeita por de­monstrar seu desagrado.
— Ao contrário — ele retrucou, apertando-lhe o braço com os dedos fortes.
Alexandra não se esquivou porque, no outro canto do sa­guão, havia dois rostos desconhecidos olhando em sua direção. Já existia falatório demais sobre a esposa de Collin Blackburn. Ela não causaria uma cena de destempero. Sorriu para a mulher que a observava e sussurrou a Dixon, por entre os dentes:
— Solte-me.
— Você se entregou àquele facínora chamado St. Claire e deitou-se com um maldito criador de cavalos. Por que me re­jeitou, deixando-me a suplicar por seus favores?
— Largue meu braço. — Alexandra elevou a voz na medida do possível.
— Ouvi dizer que o tal Blackburn está insatisfeito com você. Talvez se ressinta de pagar tão alto por material usado...
— Solte-me já, ou vai se arrepender — Alexandra insistiu chocada com o insulto. Suspirou quando sentiu a mão de Dixon relaxar a pressão e cair.
— Você tem sorte por seu irmão ser um duque. Do contrário, não seria tão...
— Pode me apresentar, lady Westmore? — A voz de Collin soou tão perto que Alexandra tomou um susto. Deparou com os olhos cinzentos do marido a menos de um metro dela.
— Collin!
— Por que a surpresa?
Alexandra imaginou se ele teria escutado a conversa, mas certamente não. Se tivesse, estaria explodindo de raiva. Collin colocou-se a seu lado e ficou olhando ressabiado para Dixon. O que ela poderia fazer ou dizer? Precisava omitir a verdade, a não ser que quisesse ver o marido condenado por assassinato.
— Claro. — Alexandra mirou a face pálida do outro. — Sr. Robert Dixon, este é meu marido, Collin Blackburn, lorde Westmore. O Sr. Dixon é um antigo amigo de meu irmão.
Collin não apertou a mão estendida de Dixon; observou com firmeza o gesto hesitante, até que ele recolhesse a mão, desse meia-volta e se afastasse, murmurando um falso cumprimento.
Os nervos de Alexandra se retesaram na expectativa de uma repreensão séria.
— Está pronta para irmos embora? — Collin sugeriu estra­nhamente calmo.
— Sim! — ela respondeu com entusiasmo.
Sem se despedirem de ninguém, atravessaram a porta, desviando-se de algumas pessoas paradas no caminho. Alexandra pensava numa maneira de aliviar a raiva contida de Collin. Desejava realmente deixar a festa. Esperava que o marido re­conhecesse seu desconforto por conversar com o outro.
Collin ajudou-a a pôr a capa sobre os ombros e chamou a carruagem. Alexandra ansiava por acomodar-se na cabine es­tofada e suspirar, com a cabeça apoiada no ombro dele.
— Pena que não me despedi de Jeanne — murmurou, já dentro do veículo.
— Quem era aquele homem? — Collin perguntou de chofre.
— O quê?
— Não se faça de tola, Alexandra.
— Você está zangado?
— Não sei ainda, mas tem algo a ver com o fato de encontrar minha mulher em conversa particular com um homem que nun­ca vi. — Ele notou, na penumbra da cabine, que Alexandra riIhava os dentes, adiando a resposta. — Foi um de seus amantes?
— Collin! — Um arrepio gelado se apossou dela, mesclado com doses de culpa e autopiedade. — Não faz sentido você me perguntar isso.
— Quero saber — ele insistiu.
— A questão é irrelevante — defendeu-se ela. — Quando me deitei com você, eu era virgem.
— Mas não inocente.
— Como pode suspeitar de mim, sabendo que foi meu pri­meiro homem de verdade?
— O primeiro a tê-la por completo. Porém, você não ignora que a inter-relação entre um homem e uma mulher comporta diversas variantes.
O olhar de Collin denotava paixão, enquanto a boca se es­treitava de raiva, renegando a idéia de um beijo conciliador. Com o coração acelerado, Alexandra precisou de esforço para falar:
— Por que... Por que está me interrogando?
— Apenas diga quem ele é sem repetir a bobagem de apre­sentá-lo como amigo do duque.
— Eu nunca tive nada com Robert Dixon. Ele é que me per­segue. Ele... Ele só me beijou, certa vez, mas foi só. Achou que eu estava lhe dando total liberdade e tentou levantar minha saia. Então eu escapei, porque não quis perder a castidade para um renomado canalha.
Collin ergueu o punho, e com horror Alexandra esperou o soco no rosto, mas ele bateu no teto da cabine, a fim de parar a carruagem.
— Tomarei satisfações com Dixon — anunciou, com a inten­ção de retornar à mansão dos Kirkland.
— Agora não preciso mais de um defensor — ela contrapôs.
Nervoso, Collin fechou os olhos.
— Senhor? — ouviu-se a voz do condutor, com o veículo parado.
— Pode seguir — Alexandra adiantou-se.
Assim foi. Ela acrescentou que, se quisesse proteção, pediria ao duque, e contra Collin, o único homem que a havia injuriado.
— Você se revelou... — Alexandra queixou-se.
— Mas é minha legítima esposa. Lamento muito. Não sei por que faço ou digo certas coisas.
— Pelo motivo de sempre. Desconfia de mim. Tem ódio, em vez de amor.
— Oh, Deus! Eu amo você! — Collin enfatizou.
— Você me ama? — A dúvida converteu-se em veneno nos lábios dela.
— Perdoe-me, às vezes perco o controle sobre minha vida.
Alexandra bendisse a própria raiva que sentia. Um turbilhão de decepções girava em seu íntimo. Algo havia se rompido no relacionamento com Collin. Por que ela nunca fazia uma esco­lha certa? Tinha se doado inteira àquele homem, e ele conti­nuava vendo-a como uma libertina infiel.
— Imploro que me desculpe pelas palavras. Ao perceber você com aquele homem, pensei que haviam tido certas intimidades.
— Devo perdoar seus pensamentos? — rebateu Alexandra, agora mais segura de si. — Eu precisaria contar com uma enor­me capacidade de perdão.
O calor familiar dos dedos de Collin pousou sobre sua mão, mas ela a retirou.
— Não me rejeite. Prometo encerrar o assunto. Não agüento mais nossas desavenças. Quero provar na cama o quanto eu amo você.
— Talvez amanhã — Alexandra esquivou-se do convite. — Depois que você finalmente abrir os olhos.
Ela concentrou-se na janela para combater a tentação. Rece­beu uma rajada de vento frio no rosto, mas sua pele queimava, assim como a vista seca, à espera das lágrimas que não vinham.
Consciente dos ganhos e perdas que teria, Alexandra trans­formou a raiva em resignação. Seu corpo, talvez a alma tam­bém, clamava por Collin. Mas não desejava que ele notasse sua complacência. Portou-se como uma estátua, fria e rígida, imune a qualquer ofensa. Mas, se a olhasse com atenção, Collin facil­mente perceberia sua vulnerabilidade.
Incomodada pelo balanço da carruagem contra as pedras do caminho, Alexandra supôs que um acidente fatal seria melhor para todos os envolvidos, sobretudo para ela. Que confusão ela criara, com tantas pessoas! Pagava agora pelos erros do pas­sado, justamente quando decidira ser digna, inatacável, e agir com total correção. Pelo menos, quando se comportara mal, já previa as conseqüências. Mas aquilo! Como superar o desprezo oculto do homem que amava?
Minutos e quilômetros se escoaram. O frio a envolvia, aca­bando com sua fantasia de ser uma estátua de pedra. Deixou que o vento lhe castigasse a pele e endureceu a mente da mesma maneira, focalizando o fascinante vapor que saía de sua boca, ao respirar.
Collin fechou as janelas com gestos bruscos, praguejou, e assim liquidou também com a diversão de Alexandra. Pegou duas mantas de lã, ajeitando uma delas sobre as pernas dela. Aproveitou para tocar a coxa com a mão e pressionar-lhe o joelho.
— Não podemos ficar mudos para sempre, Alexandra — ele disse. — Vamos resolver nossos problemas.
Ela fitou o marido, sentindo calor e gentileza no toque dele. A antiga atração latejou dentro dela, como se acordasse de sua forçada indiferença e das suspeitas de Collin. Havia tentado mascarar o próprio arrojo sob camadas de obediência e confor­mismo. Por ele.
— Não me toque — reagiu em seguida. Mas a carruagem parou na entrada do castelo e Alexandra acrescentou: — Pro­cure outra cama esta noite. Prefiro dormir sozinha.
— Droga!
Ignorando a revolta dele, Alexandra desceu e entrou na casa. Chamou Danielle, enquanto Collin retardava seus movimen­tos. A contragosto ficou admirando a altivez de Alexandra, bem como o balanço de seu corpo rumo à escada.
— Mande levar uma taça de vinho tinto ao meu quarto — ela ordenou à criada sonolenta.
O que Collin faria, tão tarde da noite? Talvez se deitasse com Rebeca, pensou. Talvez só precisasse daquela desculpa para conhecer as artes sensuais da governanta apaixonada. Mas que Deus se apiedasse dela se a própria Rebeca fosse lhe levar o vinho. Finalmente daria naquela mulher o tapa que vinha adiando por semanas.
As coisas se tornariam piores, porém, se fizesse isso. Rebeca perceberia que ela tinha falhado na tentativa de afastá-la do patrão. A governanta já não simulava consideração por ela. Dirigia-se em idioma gaélico aos outros empregados, mesmo quando Collin estava presente. E sorria cinicamente para Alexandra, quando ficavam sozinhas.
Na verdade, Alexandra torceu para que fosse Rebeca quem lhe trouxesse o vinho. A infeliz encontraria uma nova Sra. Blackburn à espera, pronta para erguer a mão e estapeá-la. A palma chegou a cocar ante essa idéia. No fim, Danielle entrou com a taça cheia, fechando a porta do quarto com os quadris.
— Como foi sua noite de festa, milady?
— Cansativa.
— Estamos todos nos recolhendo muito tarde. Melhor assim do que adotar o horário dos camponeses e fazendeiros...
O que Danielle tinha contra aquelas pessoas? Felizmente, Alexandra estava exausta demais para conversar com a criada, que começou a despi-la, abrindo os botões do vestido e depois os laços do corpete. Alexandra sentiu seu corpo livre, apesar dos arrepios. Ficar à vontade, só de camisola, assemelhava-se a uma libertação da dor que sentia por dentro.
— Vou me levantar tarde amanhã, Danielle — avisou. — Não me acorde com a bandeja do desjejum até que eu a chame.
Uma vez sozinha, fechou a tranca da porta pela primeira vez em muito tempo. Não a última vez, ela ponderou, caso continuasse morando naquela casa.
Conteve o pranto ao deitar-se. Collin não merecia suas lágrimas.


Capítulo VII

O som forte, metálico e compassado despertou Alexandra de um sono reparador. Ela abriu a janela e procurou a fonte do ruído. Avistou Adam, o ajudante dos estábulos, a for­jar ferraduras, batendo a marreta nas peças rubras de fogo. Aquelas venezianas não obstruíam nada que viesse de fora do castelo.
Aos poucos, ela reconheceu que seu coração continuava par­tido. A noite de sono não havia amenizado sua dor nem a causa dela. A fim de poupar-se, desviou o pensamento para outra preocupação: a carta de Damien St. Claire.
Não se sentia culpada por mantê-la em segredo, fora do conhecimento de Collin. Poderia até ter pressentido a ameaça que recebera. Revelá-la ao marido apenas aumentaria seus problemas.
O doce calor de sua boca... Alexandra listou na mente os diver­sos homens a quem oferecera os lábios. Sim, ela havia beijado Damien, entre outros, e permitido que a tocassem intimamente. Ingênua, na época tinha se orgulhado de ser libertina, escan­dalosa, destemida a ponto de enfrentar os comentários que fa­talmente correriam por Londres, entre a nata da sociedade. Ou­sada, também tinha explorado a virilha daqueles homens, des­frutando alguns arrepios de prazer, provocados mais pelo atre­vimento do que pela sensação do toque.
Por três vezes, Alexandra permitira que Damien lhe ensi­nasse truques eróticos. Por três vezes fora com ele a quartos alugados e experimentara a pressão de uma boca no vão de suas pernas.
Relembrando tais fatos, concluiu que eram proibidos de­mais para serem contados a um marido ciumento. Por isso, nada dissera a Collin. Mas não tinha feito idéia dos cenários negativos que teria de enfrentar, se o marido fosse mantido na ignorância. Ele seria incapaz de compreender, e perdoar, que Alexandra tivesse ido tão longe. Mas Damien St. Claire sabia disso. Era triste pensar que um assassino conhecesse tão bem seu marido. Talvez todos os homens fossem iguais no trato com as mulheres. Usar e descartar seria a norma.
Alexandra fechou as venezianas e puxou as cortinas. Des­consolada, constatou que o mundo se movia abaixo de seu quarto. Cavalos galopavam na pista de treinamento diário, mo­tivados a se aquecerem no frio da manhã.
O nublado dia de inverno intensificava sua mágoa profun­da. Parecia que ninguém precisava dela e que a vida prosseguia sem sua possível interferência. Não havia feito nada de errado ali. Nem frustrado as expectativas dos outros. Queria apenas respeito, sobretudo o de seu marido. No entanto, era ofendida por ele e desprezada pela criadagem do castelo, sob a liderança de Rebeca.
Aquelas pessoas, porém, tinham emprego e família. Por que se exporiam a falhas, lisonjeando uma mulher que não conse­guira amealhar o respeito do próprio marido?
O desejo oculto de Alexandra, cada vez mais intenso, era voltar para casa. Para seu lar, para Somerhart. Julgava não per­tencer àquele pedaço de terra dominado por um castelo me­dieval. Jamais pertenceria. Pior, já não se sentia à vontade com Collin, na cama. Fazer amor com ele vinha se tornando algo penoso.
Se, pelo menos, ele lhe permitisse financiar as reformas que ela pretendia realizar na casa, enquanto a nova residência não ficava pronta, Alexandra ocuparia seu tempo com tarefas que sabia executar muito bem.
— Bastardo!—murmurou. Repetiu o insulto de punhos cer­rados, mas os dedos que se abriam sobre seu coração possuíam garras dolorosas. — Bastardo!
A palavra se perdeu num soluço, num grito que tinha sido reprimido por toda a noite. Com dor no corpo e frio na alma, ela procurou forças para caminhar no quarto e arrumar-se. Igualmente precisava de forças para enfrentar Collin e vencê-lo.
Alexandra suprimiu qualquer idéia de uma eventual derro­ta. Empertigou-se, de ombros retesados, e abriu a porta para chamar Danielle.
— Mandem minha criada! — gritou. — Agora!
Claro que os empregados comentariam a novidade daquela conduta autoritária e caprichosa. Mas tratava-se, no entender de Alexandra, de seu presente de despedida aos serviçais do castelo: a satisfação de verem justificada sua antipatia pela pa­troa inglesa.
Ela voltou a examinar o quarto. Faltava alguma coisa de que precisaria na viagem de volta? Roupas quentes? Moedas para comida e pousada? Não, nada.
— Milady. — Danielle apresentou-se às costas dela. — Al­guma emergência?
A própria criada pessoal havia estranhado o chamado rís­pido. Alexandra passou por ela e trancou a porta que ficara aberta. Danielle alarmou-se com essa atitude, e mais ainda com a expressão severa da fisionomia da patroa. Mas Alexandra havia se olhado ao espelho, de passagem, e vira uma mulher desfigurada, com olheiras, lábios apertados, pele murcha emol­durada por cachos de cabelos emaranhados.
— O que aconteceu, milady?
— Estou indo embora, mas preciso que você permaneça aqui. Pode fazer isso por mim?
— Permanecer aqui? O que isso significa?
—Significa ter alguém de confiança para vigiar meu marido, Danielle. Ele já me chamou de rameira, compreende?
— Oui. — A moça empalideceu.
— Vou partir esta manhã. Que horas são?
— Nove.
Bom horário. Em três horas, seria servido o almoço, e Collin retornaria ao castelo, embora trabalhasse a poucos metros dali. Não, talvez deixasse como de hábito, para voltar somente à noite, para o jantar. Então, mesmo que ele notasse sua ausência, Alexandra já estaria a quilômetros de distância.
Quanto ao meio de transporte, poderia selar sozinha, sem dificuldade, a égua Brinn. Se Adam ou outra pessoa a visse, diria que desejava cavalgar um pouco.
— Antes de mais nada, traga um desjejum reforçado — ela pediu a Danielle. — Preciso de guardanapos extras, para em­brulhar uma merenda. Você pode esconder o pacote perto do portão? Não quero ouvir perguntas dos criados.
— Já vou buscar a bandeja.
— Ótimo. E fique tranqüila. Assim que chegar a Somerhart, mandarei buscá-la. Não posso levá-la agora comigo, porque daria na vista, e você detesta cavalos.
Danielle ensaiou uma aproximação, a fim de consolar a pa­troa, que já derramava lágrimas por força da emoção. Alexandra a despachou com um gesto.
— Traga a comida. Eu preparo os pacotes.
Meias de lã, cachecol, um vestido simples, um par de luvas, dinheiro. O que mais levaria? Pensou numa vela e imaginou como a acenderia, no meio da estrada. Não tinha importância. Encontraria uma pousada antes de a noite cair.
Seu canivete, porém, seria útil. Ela o recolheu debaixo da cama, onde o escondia, e guardou na valise. Estava prevendo a necessidade de cortar gravetos ou colher frutas silvestre. De repente, porém, surgiu-lhe a imagem de St. Claire. Ele a odiava, naquele momento. Já havia matado uma pessoa, antes. Caso ela fosse vigiada e seguida, tentaria defender-se do ataque. To­mara que o sangue dele escorresse primeiro que o dela.
Assim raciocinando, Alexandra tirou a faca da valise e co­locou-a na penteadeira. Ocultaria a lâmina em sua bota, depois que se calçasse. Nada mais faltava. Outro cachecol? Um cober­tor? Ela arrumou seus trajes de viagem sobre a cama, junto com o casaco de lã.
Para comer, esperava que Danielle trouxesse pão, queijo e presunto. A criada entrou no mesmo instante, com o rosto pe­saroso acima da bandeja. Os olhos dela vasculharam a cama, e mais triste ficou.
Alexandra começou a separar e empacotar os alimentos, de­pois de mastigar uma fatia de pão e engolir seu chá, apressada. Entendeu que, ofendida como estava, tinha de fugir. Contro­lou-se para não chorar. Apreciou o fato de que seus olhos agora estavam secos como areia, embora sem vivacidade.
— Vai mesmo para Somerhart, milady?
— Sim, lá é o meu verdadeiro lar.
— Por favor, tome uma carruagem.
— Não, devo sair antes que Collin perceba. Ele tentará me reter aqui, pedirá desculpas, mas não aceito mais seus pedidos de desculpas, que não substituem o amor do qual sinto falta.
— Não é seguro viajar assim... — comentou Danielle.
— É mais seguro do que ficar aqui! — Alexandra exclamou. — Collin pode me matar se achar que estou olhando demais para qualquer outro homem.
— Mas não conhece o caminho. Como irá se arranjar?
— Lembro-me bem do trajeto. Há uma hospedaria a um dia de distância, onde já pernoitamos.
Tão logo terminou de preparar os embrulhos, Alexandra fi­tou Danielle com mais atenção. As feições da criada estavam contraídas de nervosismo, os olhos inchados de medo. Medo que a patroa não conseguisse chegar ilesa à propriedade do duque.
— Tudo vai dar certo — Alexandra a confortou. — Depois de reencontrar meu irmão, enviarei transporte para buscar vo­cê, e nossa vida será como antes.
— Mas, milady, a senhora é casada!
— E daí? — Alexandra esfregou as mãos numa toalha e apontou as roupas na cama. — Vamos, ajude a me vestir.
Requisitada para uma tarefa familiar, a criada acalmou-se. De vez em quando, murmurava algo em francês. Alexandra interpretou as palavras como xingamentos a Collin Blackburn. Naquela situação, assinaria embaixo.
— Fique no quarto o máximo de tempo que puder. Assim não terá de mentir em meu favor. Collin certamente irá inter­rogá-la, se não descobrir antes que parti.
— Não é uma boa idéia partir — Danielle rebateu.
— Não estou em condições para tomar decisões sábias. Mas é impossível suportar o insuportável.
Alexandra esticou o vestido com as mãos e sentou-se para que a criada lhe calçasse as botas. Do alto, viu os cabelos loiros de Danielle tocando o couro macio. Teve um acesso de riso.
— Estou furiosa, é isso — disse após gargalhar.
— Mais uma razão para ficar aqui e pensar no que está fa­zendo!
— Collin me desrespeitou gravemente, acusou-me. Minha virgindade não foi prova de amor suficiente para ele. Não que­ro viver com uma pessoa que despreza até mesmo o prazer que lhe dou quase todas as noites. Ele me envergonha.
Os olhos de Danielle se encheram de lágrimas.
— Não deve pensar assim. Ele é um palerma. Todos os ho­mens são. Escreva ao duque e ele virá pessoalmente resgatá-la.
— Não. Sinto muito deixá-la aqui, mas não agüento nem mais um minuto neste castelo decadente. Disfarce a cesta de lanche num lençol e leve-a até o portão, onde a grama for mais alta. Eu a apanho lá. Pode ir.
Sozinha, Alexandra empunhou a valise e olhou para a cama. Omitira de Danielle detalhes importantes sobre a intimidade do casal. Mas aquele não era seu quarto nem nunca seria. Por isso, marchou firme para fora, produzindo um som gratificante com suas botas de couro.
Brinn moveu a cabeça repentinamente, em arco, e atingiu o queixo de Collin.
— Sua malcriada! — ele repreendeu a égua. — Estou lhe dando água e comida, e é assim que me agradece?
Seu corpo sentia os efeitos da exaustão. A incerteza, o re­morso e o frio o haviam mantido acordado a noite inteira, numa cama onde não estava acostumado a se deitar. Imaginou que a arrumadeira levaria uma semana até descobrir os lençóis amassados. Fixou-se numa meta: retornar à cama de casal e desfrutar a companhia de Alexandra.
Saindo dos estábulos sombrios, Collin apertou as têmporas com as mãos, recordando a maneira provocante como ela espa­nava seu peito com os cabelos. Pareciam tão envolvidos, num nível de excitação que tendia a apagar o passado de Alexandra.
No entanto, tinha visto a esposa em conversa aparentemente íntima com Robert Dixon. Na hora, havia pensado em estran­gulá-lo. Devia ter feito isso, lamentou-se.
Ele amaldiçoou Dixon, considerando-o um conquistador ba­rato. Ficara com a vista turva de ódio, ao perceber Alexandra dirigindo-lhe um olhar de censura. Em seguida, ela como que levantara um escudo contra sua raiva.
— Maldita a sua alma perversa — resmungou, referindo-se a si mesmo.
Collin parou na porta principal do castelo, para limpar os pés no tapete rústico, e apertou os dedos na base do pescoço, a fim de aliviar a tensão.
Tinha magoado Alexandra. De novo, e talvez de modo im­perdoável. Havia se deixado levar por uma raiva infantil, quan­do ela necessitava de sua proteção. Só Deus sabia o efeito que a injúria provocara na esposa: a mortal palidez que ele sur­preendera na face dela, no saguão da casa dos Kirkland, quan­do Collin abordara o suposto estuprador que atendia pelo no­me de Robert Dixon.
A cena lhe parecera intolerável, mas agora admitia que sua reação tinha sido cruel, ao acusar Alexandra de infidelidade. E daí que ela tivesse servido uma dúzia de homens? Ele também não se deitara com uma dúzia de parceiras, antes do casamen­to? E naquele momento não se vira como um libertino.
Ele a amava. Errara, tão certamente quanto se a tivesse der­rubado no chão com um soco.
Colada à parede de madeira, Alexandra esperou que Collin entrasse no castelo, e então selou a égua e partiu, parando no portão para recolher a cesta ali escondida.
Na sala, Collin notou que a mesa do almoço estava posta, mas sentiu a urgente necessidade de ver Alexandra. Subiu os degraus, disposto a repetir seu pedido de perdão, mesmo que levasse um tabefe no rosto.
A porta do quarto estava aberta. Parecia que não havia nin­guém ali.
— Alexandra? — ele chamou, e o som ecoou pelo aposento, sem resposta. Quem apareceu foi a criada. — Danielle, onde encontro sua patroa?
— Não a encontrará mais por aqui, salaud! — Ela o xingava de idiota, em francês. — Milady viajou. O senhor foi abandonado.
— Abandonado? — O cérebro dele se recusou a assimilar as palavras, em meio à tontura que se manifestou quando Collin viu o guarda-roupa aberto e parcialmente vazio. Segundos de­pois, suspirou e tocou as roupas restantes de Alexandra, cam­baleando.
Não, ela não podia ter feito aquilo. A criada estava grace­jando, numa brincadeira de mau gosto. Alexandra devia ter se escondido na torre, onde gostava de ficar.
— Danielle! — Collin se enfureceu. — Onde ela está?
A moça começou a chorar, enquanto ele verificava, com um chute na porta, se Alexandra havia se refugiado no aposento redondo da torre. Ao retornar, perguntou de novo, e de novo ouviu que ela o tinha deixado.
— Mas a maior parte dos pertences dela continua aqui. Você também. Onde Alexandra pode ter ido? A mansão dos Kirkland?
Uma suspeita terrível tomou conta de Collin. Fergus! O ad­ministrador que defendia Alexandra e se mostrava interessado nela morava a três quilômetros do castelo, porém não havia aparecido no trabalho, naquele dia.
A mão de Collin apertou o pulso de Danielle.
— Ela saiu junto com Fergus? Não minta!
O rosto da criada se contorceu num esgar de desprezo, en­quanto ela recuava para se livrar do agarrão, sem responder à pergunta. Ao contrário, foi corajosa o suficiente para cuspir no rosto de Collin.
Era uma agressão grave, inimaginável da parte de uma serviçal ou qualquer outra pessoa. Rubro de fúria vingadora, ele preparou a mão para esbofetear Danielle, mas ela escapou com mais um passo para trás.
A dor que Collin sentia no íntimo lhe rasgava os músculos, as entranhas. O insulto recebido da criada era ninharia em com­paração com sua vontade de sair à caça da esposa e do amante, a fim de castigar quem verdadeiramente merecia.
Ele tivera razão, pensou, em desconfiar da proximidade en­tre seu melhor amigo e Alexandra. Por outro lado, seu coração parecia gritar que devia haver algum engano. Collin nunca sen­tira de fato que a esposa pudesse traí-lo. Apenas tinha medo disso.
A visão dele escureceu ante as sombras do estábulo princi­pal. Adam estava ali e o observava com espanto. Interrogado se vira a Sra. Blackburn, o jovem ajudante confirmou, acrescen­tando que ela havia selado sua égua e partido na direção da estrada.
— Quando? — Collin pressionou. — Por volta das dez horas?
— Ah, sim.
— Apronte meu melhor cavalo. Depressa!
A mente de Collin parecia funcionar aos saltos enquanto ele esperava, examinando as possibilidades. Primeiro, iria à casa de Fergus, só para ter certeza. Alexandra poderia estar ali, contando com o hábito dele de voltar apenas de noite, após trabalhar nos estábulos, nas plantações e na obra da casa nova. Ela teria algumas horas adicionais de secreta intimidade com Fergus. Ou então havia um mal-entendido. Sua esposa estaria com Jeanne Kirkland, conversando. Não fosse assim, ele me­recia a dor de flagrar Alexandra com um amante, por tudo o que fizera de errado.
Piscou com força antes de montar o cavalo Thor. Dez minu­tos de deslocamento, e afinal saberia a verdade.
A terra batida da trilha passava velozmente sob as patas do animal. Por favor, Alexandra, Collin suplicou não me apareça nos braços de Fergus!
A velocidade que imprimia a Thor representava certo perigo, mas ele tinha pressa. O vento forte da colina diminuiu quando Collin alcançou o vale e viu de longe a casa de seu administra­dor, com fumaça saindo da chaminé. Reconheceu a cadeira de balanço na varanda, onde tinha passado muitas tardes, desfru­tando uma boa conversa e um excelente uísque. Pena que uma amizade tão gratificante pudesse estar prestes a acabar.
Collin desmontou e rodeou a casa de Fergus, procurando a janela do quarto. Estava fechada. Seus receios aumentaram.
Não esteja aqui, Alexandra...
Os joelhos fraquejaram quando ele abriu a porta da residên­cia. Mais uma porta no mesmo dia, atrás da qual esperava en­contrar a amada. Com a boca seca, caminhou até o quarto, que ficava perto da sala, uma vez que a casa era pequena. E estava aberto, já que Fergus não contava com a chegada de uma visita.
A primeira coisa que Collin viu foi o braço de Fergus sobre as costas de uma mulher miúda, deitada na cama. Ambos es­tavam semicobertos por uma manta curta, que deixava à mos­tra os pés do casal. Os dela atritavam os dele amorosamente.
— Traidor maldito! — A imprecação e uma pancada nas costas assustaram Fergus, que se levantou, quase nu, enquanto a amante se cobria inteira com o lençol.
— Você pode ficar com essa rameira, se a quiser — comple­tou Collin. — Mas não dentro de minhas terras!
— Por Deus, o que está fazendo aqui? — Fergus não com­preendia nada, mas defendeu a companheira. — Ela não é ra­meira, e eu o matarei se insultá-la de novo.
Em vez de agredir o gerente, Collin puxou a borda do lençol. A mulher virou-se, e ele se deparou com Jeanne Kirkland.
— Onde está Alexandra?! — vociferou incrédulo.
— Sei lá! Como ousa invadir minha privacidade? — Fergus continuava vermelho de raiva, porém seus ombros se curva­ram, sob o peso da situação.
Acalmou-se quando Collin cruzou a porta e foi respirar ar puro na varanda. Voltou em cinco minutos, menos alte­rado, e encontrou o casal já vestido. Fergus parecia disposto a conversar.
— O que houve com você? — ele perguntou.
— Fui abandonado por minha mulher.
— E esperava encontrá-la aqui?
Um tanto chocado, Collin olhou para Jeanne, também sua amiga. Ela resmungou e colheu o braço protetor de Fergus, sem demonstrar vergonha.
—Jeanne e eu nos amamos — explicou Fergus. — Pretendo falar com o pai dela dentro de poucos dias e pedi-la em casa­mento.
— O Sr. Kirkland não aprovará a idéia — Collin disse com inesperado sarcasmo.
— Fale diretamente comigo — pediu Jeanne. — Estou pre­sente e sei que ele aceitará a proposta.
— Não se souber que se deitou com Fergus, antes de ter a bênção de um padre. — Collin notou a irritação da jovem que podia considerar como irmã. — Se for preciso, convencerei o pai de Jeanne.
— Em vez de se meter em nossos assuntos, por que não resolve os seus? — atacou Fergus. — Já percebeu que partiu o coração de Alexandra? Quando viu pela última vez um brilho de alegria nos olhos dela? Procure redimir-se antes que ela se deite realmente com outro. Alexandra ama você!
Os olhos de Jeanne ficaram úmidos, pela amiga que tanto sofrerá com as suspeitas do marido e sua intolerável teimosia. Envergonhado, Collin suspirou, invejando o bom entendi­mento do casal que se abraçava à sua frente. Tinha sido fraco, imbecil, por não se arriscar a uma cumplicidade total com a esposa.
— Com licença. — Ele saiu e desamarrou o cavalo. Antes de montar, sentiu uma mão no ombro. Fergus o havia seguido.
Da porta, Jeanne viu Collin baixar a cabeça, imensamente triste e arrependido. Gostaria de juntar-se a Fergus, mas ainda estava sensível demais para prestar consolo.
— Quer que eu o acompanhe? — Fergus se ofereceu, porém o velho amigo só levantou o rosto quando Jeanne se aproxi­mou, após vencer a resistência inicial.
— Não, é assunto meu como você bem lembrou.
— Vai nos apoiar, mesmo que não tenhamos a bênção nupcial? — indagou Jeanne.
— Sim, claro. Você é como uma irmã para mim, e Fergus, um irmão. Peço perdão por minhas trapalhadas. Vou encontrar Alexandra e me retratarei com ela. Desejo aos dois muita feli­cidade, a mesma que ainda espero ter com a mulher que amo.
— Boa sorte — Jeanne murmurou, ao receber um beijo na testa.
— O mesmo — disse Fergus.
Ambos contemplaram longamente a colina por onde Collin se afastava.
— Eu deveria ter ido com ele. Está arrasado — avaliou Fergus.
— Collin ficará bem, e você tem seu próprio peso a carregar — Jeanne ponderou, sorrindo.
— Não poderei lhe dar mais do que uma casa simples, uma cama quente e muito amor, querida.
— Está bom para mim — ela retrucou, antes de ceder a um pranto convulsivo.
Tudo era diferente para Collin, quando reentrou no castelo de Westmore. A ausência de Alexandra afetava o aconchego de seu próprio lar. Ela não estava ali, como não se encontrava na casa dos Kirkland. Também não havia corrido até a morada de um amigo, para chorar e lamentar-se, nem tinha um amante a quem recorrer. Simplesmente fora embora para seu lar de ori­gem, cansada de lutar por um cantinho no coração do marido.
Ele praguejou contra si mesmo, liberando a autoflagelação, mas sabia que o remorso não traria Alexandra de volta a seus braços. Precisava mudar de atitude, redimir-se por meio do perdão e do amor.
Ah, ele a amava! Admirava e temia Alexandra, porém nunca desejara, conscientemente, magoá-la ou afastá-la de si. Admitia a culpa pelo fim da boa sorte que tivera. Ela fora embora. O suspense terminara.
Os serviçais da casa se perfilaram diante de Collin, curiosos para ouvir uma explicação da parte dele. Sem atinar com o que dizer, ele se manteve em silêncio.
— Milorde! — Rebeca exclamou, colocando-se à frente de uma arrumadeira. — Não sofra por uma pessoa como ela.
Uma vibração negativa contaminou os nervos de Collin, mas ele apenas repreendeu a governanta com o olhar.
— Alguém viu minha esposa sair? — indagou finalmente, com a voz embargada.
Adam, o rapaz dos estábulos, ergueu as sobrancelhas e nada disse, por timidez.
— Eu vi — Rebeca voltou à carga, quebrando o silêncio na sala. Collin nem olhou. — Ela foi ao estábulo maior, de manhã, enquanto o senhor estava na obra, e cavalgou na direção norte. Sempre passeia por ali, mas sem ultrapassar a colina, como hoje.
— Norte. E o que tem a dizer, Adam?
O rapaz engoliu em seco, à procura de coragem para res­ponder.
— Vi aquela francesa, criada de sua esposa, esconder um embrulho na grama, perto do portão. Parecia ser uma cesta de piquenique, mas não tenho certeza porque estava coberta por um pano branco. Rumou sobre a égua Brinn para a campina.
— Sul, então — Collin declarou.
Todos os criados tiveram a sabedoria de ficar quietos, menos Rebeca, que murmurou algo contra Fergus.
— Ele não tomou conta de sua esposa, milorde, porque não veio trabalhar hoje.
— Quero Thor preparado para uma viagem de seis dias. E você... — Collin encarou Rebeca com desdém —... Esteja fora desta casa quando eu regressar.
Uma sonora comoção perpassou pelo grupo de empregados, e aumentou quando Collin recolheu o molho de chaves da cin­tura da governanta e colocou-o na mão da Sra. Cook.
— Receberá uma quinzena de pagamento e nada mais — avisou ao recuar.
— O senhor é um tolo! — Rebeca investiu. — Fergus não é o único com quem sua esposa se encontrava. Vi outro homem espiando a casa a partir do bosque. Ele aproximou-se e pediu que eu avisasse lady Westmore para ir ao encontro dele, em determinado local.
— Qual o nome dessa pessoa? — Collin inquiriu.
— John — respondeu Rebeca sem titubear.
John? O John que ele conhecera era seu meio-irmão, pratica­mente assassinado num duelo desigual com Damien St. Claire. Este sim poderia estar rondando o castelo.
— Meu Deus! Você enviou Alexandra para um assassino e estuprador!
— Não fiz isso — a governanta contestou. — John é um cavalheiro. E também mais uma evidência da infidelidade de sua esposa.
Embora furioso com tanto atrevimento, Collin não quis dis­cutir com Rebeca, já demitida. Apenas a alertou para que fosse embora da casa, ou iria se arrepender.
O grupo de empregados se desfez quando escalou os de­graus, de dois em dois, a fim de pegar em seu quarto roupas quentes, cobertores, uma bolsa com ouro e... uma pistola devi­damente carregada.
Alguma coisa caiu da ponta do nariz de Alexandra em sua capa. Lágrimas ou neve derretida, ela não sabia definir. O surto de autopiedade crescia na mesma medida da queda dos flocos brancos. Chegava ao fundo obscuro de sua alma de uma ma­neira que ela nunca imaginara que pudesse acontecer.
Por que não havia parado na hospedaria? Por que não dera meia-volta, de regresso ao castelo de Westmore e aos braços de Collin Blackburn?
A égua ofegava, cansada. Alexandra não vira nenhuma casa habitada pelo caminho, e somente um cavaleiro a tinha ultra­passado, em busca de um abrigo contra a tempestade de inver­no. Nem avistara os olhos dele, quanto mais pedir-lhe ajuda.
A lua rasgou um espaço prateado entre as nuvens, forne­cendo um pouco de claridade para quem viajava. O gelo, po­rém, entorpecia seus pés.
Alexandra gritou no ar seu desespero. Teria sido a fuga um equívoco, um mau passo? Quantas decisões erradas já havia tomado na vida?
Receou morrer congelada na estrada, lembrando que só ti­nha vinte anos. Quando, e se, chegasse a Somerhart, mudaria suas atitudes. Permaneceria a maior parte do tempo trancada em seu quarto, longe de festas, de homens sedutores e das mal­dades do mundo. Visitaria asilos ou hospitais aos domingos, a fim de exercer seu senso de caridade.
A imagem de Collin formou-se sob seus olhos momentanea­mente fechados. Relembrou o chalé no qual sentira tanto pra­zer. Nunca mais ele a teria. Nunca mais no chalé, um dos pou­cos refúgios que lhe restavam, onde podia dispensar a presença de qualquer criada e ficar sozinha com seu drama pessoal.
De repente, Alexandra ouviu um ruído de patas em sua re­taguarda. Um cavaleiro. Havia mais alguém na estrada. Ater­rorizada, ela julgou que poderia ser St. Claire, disposto a esganá-la pelo descumprimento do acordo sobre as vinte mil libras. O medo cresceu porque a égua, exausta, diminuía o ritmo, qua­se entrando em trote lento.
— Não, Brinn. Força! Mexa-se, por favor!
Ela retesou as rédeas e, sentindo os pés reviverem, esporeou o animal, gesto que raramente praticava, por considerá-lo uma crueldade. Mas ainda bem que Danielle tinha insistido em atar as esporas a suas botas, para qualquer eventualidade.
Ganhou alguns metros de estrada em segundos, quando o solo barrento deu lugar a um tapete de grama. No entanto, o ruído feito por seu perseguidor aumentou. Ele não desacelerou ao passar por Alexandra. Não a tinha visto na escuridão nem emparelhou seu cavalo com Brinn. Vendo-se salva, ela suspi­rou profundamente.
Assustou-se, porém, com o relincho de Brinn, que, tal como ela, também ouvira o som de ferraduras batendo no chão, cada vez mais próximo. O cavaleiro apressado estava de volta!
— Alexandra, querida, está tudo bem? — Era Collin, e não St. Claire, o que para ela não fazia muita diferença.
— Estou bem, mas não ponha as mãos em mim! — protestou enquanto a égua parava.
— O que faz aqui, então, longe de casa?
Ele desmontou, posicionou as mãos sob os braços de Alexandra e a fez apear. Imediatamente abraçou-a, pressionando-a contra seu peito. Ela tentou resistir, mas estava frágil e enregelada demais para isso.
— Meu amor, o que está fazendo consigo mesma?
Os músculos fortes de Collin a envolveram num calor pre­cioso, capaz de afastar seu ódio. As lágrimas correram profu­samente pelo rosto de Alexandra.
— Você está ensopada. — Ele fez menção de tirar-lhe a capa.
— Não — ela protestou trêmula. — Deixe assim.
 Collin respeitou a vontade dela.
— Brinn está lenta?
— Sim.
— Thor também. Precisamos todos descansar, num lugar seco e quente. A pousada fica aqui perto, a cerca de um quilô­metro.
Tornaram a montar e cavalgaram por alguns minutos, até avistarem a hospedaria por entre as árvores. Alexandra respi­rou aliviada, e Collin apressou-se a ajudá-la a desmontar.
— Não precisa, posso desmontar sozinha. — Assim que pi­sou no solo, ela recuperou a valise, presa às costas da égua. — Tente negociar um bom preço pelo quarto.
Collin riu, apanhou seus pertences e o pacote de cobertores, a fim de garantir maior conforto, e acompanhou Alexandra sem tocá-la.
— Tenho sido um idiota — ele reconheceu. — Um marido horroroso.
— Já conversamos sobre isso, antes. — Ela então silenciou por alguns segundos, ao sentir as pernas doloridas começando a aquecer-se com a breve caminhada.
— É verdade — Collin admitiu com pesar.
— Estou voltando para minha casa, Collin. Acredito que as­sim nós dois seremos mais felizes.
— Agora é mentira — ele contrapôs. — Caso você escute o que tenho a lhe dizer, esta noite, eu a deixarei partir em paz, de manhã. Se ainda quiser.
— Jura? — Alexandra não pôde evitar o tom de ironia na voz, embora a raiva anterior tivesse se esvaído. Era difícil ima­ginar que Collin a liberasse, não obstante a desrespeitasse como esposa e companheira. — Concordo em conversarmos, mas só esta noite.
Ela se sentiu melhor ao entrar no quarto e repreendeu-se por ainda desejar Collin, apesar de tudo.
As sólidas janelas barravam o vento. A lareira foi acesa, e Alexandra observou Collin, que recendia a umidade, como ela própria. Aos poucos, percebeu o aroma viril que lhe fragilizava o corpo e os sentidos, enquanto o coração latejava de ansiedade.
Por que ele não conseguia amá-la irrestritamente?
— Brinn feriu a pata? — Collin indagou à falta de outro pretexto.
— Não, eu apenas exigi muito dela. E o tempo não colaborou.
 Alexandra tirou a capa encharcada e pediu a Collin um dos cobertores. Ele veio cobri-la, e Alexandra permitiu que se apro­ximasse. Só mais uma vez, pensou. Sentia tanta falta do calor dele!
Enlaçando-a pelas costas, Collin pousou os lábios na nuca de Alexandra e esfregou o queixo nos cabelos molhados. Os braços em torno da cintura eram firmes, aliciadores. O desejo despertou poderoso.
Um minuto se passou, antes que Alexandra juntasse forças para escapar do abraço, voltar-se para ele e partilhar o beijo que marcou a retomada de uma bem vinda intimidade.
Na hospedaria simples, pareceu demorar uma eternidade para que servissem comida e chá quente. A chuva parou e Collin saiu para o galpão anexo, a fim de verificar se os cavalos tinham sido alimentados por um funcionário e enrolar as patas de Brinn em ataduras.
Quando voltou para o quarto, olhou para Alexandra, ador­mecida na cama, os cachos já secos caindo em ondas sedutoras sobre o lençol. Era um alívio estar no mesmo quarto com ela. Mas isso também o assustava; temia que a presença de Alexandra o emocionasse como uma bênção divina.
Como conseguiria conviver com uma pessoa tão livre, im­previsível e intempestiva, capaz de cansar-se dele e deixá-lo? Ou de ficar doente outra vez e morrer? Sua felicidade estava condenada a ser breve.
Contudo, não havia alternativa. Ele precisava dar vazão a seu amor por Alexandra. A simples necessidade de admitir essa paixão o tranqüilizou.
Uma batida à porta a acordou. Arregalou os olhos diante da empregada que lhe trazia as roupas passadas e puxou as co­bertas até o nariz, mostrando que queria privacidade.
— Eu tinha um vestido seco na valise — murmurou, contra­riada.
A saída da serviçal, que também recolhera a bandeja com pratos e xícaras vazias, Alexandra levantou-se, envolvida num lençol. Sentia vergonha de Collin?
—Rebeca saiu do castelo—ele informou de cenho franzido.
— Fugiu?
— Não, eu a despachei. Finalmente compreendi os seus mo­tivos.
— E como ela vai sobreviver?
— Dei-lhe algum dinheiro e uma carta de referências. En­contrará um lugar em que não cause problemas. — Collin ca­lou-se, pensativo. — Quero ser franco com você.
— Por favor, seja — disse Alexandra, sem mover um dedo.
— Eu iria até o inferno para encontrá-la, pedir desculpas e me explicar. Confesso que, por fim, me dei conta de estar sendo um mau companheiro. Egoísta, intolerante...
— E ciumento — ela arrematou.
— Mais que isso, fui covarde e grosseiro com você. Escondi meus medos atrás da desconfiança, e preciso esclarecer por quê.
— Por quê? — Alexandra ecoou, agora fitando-o nos olhos.
— Meu amor por você me assustava. Vou lhe contar tudo, antes de pedir seu perdão. Eu a procurei no castelo, disposto a mudar meu comportamento. Quando Danielle disse que você havia partido, meu primeiro impulso foi suspeitar que o pior acontecera.
— O pior? Quer dizer, Fergus?
—Sim. —Collin tentou desviar a vista, mas Alexandra como que o hipnotizava. — Eu já havia me determinado a confiar em você, porém, na primeira oportunidade, o ciúme voltou. No fundo, eu não acreditava que você estivesse na casa dele. Mas, enquanto não vi Fergus na cama com Jeanne, enfrentei um ver­dadeiro terror.
— Acho que você acreditou, sim. — Alexandra foi até a ja­nela.
— Não, não de verdade. Eu só abafava meus sentimentos por você com atitudes errôneas.
— Por que, Collin? Meu passado o perturbava? Não me en­treguei a você, ainda virgem? Não nos casamos e fomos felizes juntos?
— É que... Você não me escolheu de livre vontade, Alexandra. — Collin gostaria de dizer que a via como uma pessoa melhor do que ele. — Era o casamento ou o escândalo.
— Isso é ridículo! — Os lábios dela se curvaram num esgar. — Eu o aceitei. Até planejei uma lua-de-mel em meu chalé na floresta...
— Dormir comigo foi uma coisa, outra foi dizer que não se dignaria a casar-se com um bastardo.
— Eu nunca disse isso! — ela protestou revoltada.
— Disse, sim, quando eu a acusei de me induzir ao casamen­to por meio de uma armadilha.
— Por Deus! Você estava gritando e eu perdi a calma. Que escolha tinha? Casar-se ou levar uma bala na cabeça? Mas eu gostava muito de você, Collin. Tanto que me casei com você sabendo que não me queria de verdade.
Ele arregalou os olhos, nervoso, abatido pela perda das der­radeiras esperanças.
— Eu amo você, seu tolo. Eu amo você — declarou Alexandra em tom meigo.
— Mas... Por que nunca me disse? — Collin pareceu surpreso.
— Por que você nunca disse claramente que me amava? — Os olhos dela brilharam úmidos.
— Você já exercia poder demais sobre mim — ele justificou-se, sorrindo discretamente.
— Que poder?
— Sobre meu corpo e minha alma.
— E apesar disso, mal me dirigia a palavra!
— Sinto muito, Alexandra. De verdade. Nunca pretendi tra­tá-la mal.
— Eu não era feliz como pensava, antes de você entrar na minha vida. Foi algo mágico. Ardia de expectativa para lhe contar, mas você parecia integrado em seu próprio mundo, dei­xando-me sem nada. Procurei apenas manter meu orgulho, pois meu coração já era seu.
Collin suspirou certo de que nunca tinha ouvido nada mais bonito ou visto traços tão doces quanto os de Alexandra.
— Eu adoro você, Collin. Fui embora porque você me pro­vocou. Pensei que poderia fazê-lo me amar, mas falhei.
Ele pressionou o dorso da mão dela contra os lábios. — Venha para casa, querida. Venha comigo. Não houve resposta.
— Quero que me ajude em tudo — acrescentou Collin, sen­tindo os dedos de ela deslizar por seu queixo. — Com dinheiro, com a casa. Você e Fergus poderão dividir um escritório para administrar a propriedade.
— Tem certeza? — Alexandra riu, satisfeita. — Não me dei­xará sozinha?
— Nunca mais.
— E também me permitirá trabalhar nos estábulos? Usar minha calça comprida?
— Sim, sim!
— Então, está perdoado.
Collin arrebatou Alexandra num beijo apaixonado, afugen­tando todos os seus temores e necessidades.


Capítulo VIII

Alexandra sentiu-se radiante, feliz como nunca, mesmo depois de entregar para Collin a carta ameaçadora de St. Claire. Ouviu-o praguejar e resmungar promessas de reta­liação, mas ela conservou seu estado de graça. Vivia um mo­mento especial de plena satisfação.
Alegrou-se ainda mais quando, após a terceira leitura da car­ta, Collin a contemplou, com olhos gentis, e desculpou-se por tê-la colocado em posição de risco. Em suma, finalmente ele a compreendia, de verdade. Seu coração saltou de felicidade.
Agora, apesar de ter se acalmado, cavalgando ao lado de Alexandra, Collin vasculhava as árvores à frente dela e manti­nha a mão próxima da pistola. Ele e Alexandra falavam pouco, porém trocavam inúmeros sorrisos; Alexandra refletiu que, fi­nalmente, desfrutava a sensação de ser uma noiva, uma jovem inocente que acabasse de ser possuída pela primeira vez. Che­gou a corar ante a idéia.
A sua esquerda, Collin murmurou:
— Está pensando na noite passada ou na próxima? — Am­bos riram alto e bastante, selando a cumplicidade entre os dois.
— Nas duas — ela respondeu, com bom humor.
— E que tal hoje à tarde?
— À tarde? Hum...
Collin sorriu quando parou, desmontou e estendeu os braços para tirar Alexandra de sua égua e acomodá-la na sela de Thor. Então montou novamente, abraçando-a por trás e puxando-a para si. Voltaram a cavalgar, seguidos alegremente por Brinn.
—Vamos parar na clareira ali adiante — sugeriu Collin, após alguns minutos. — Os animais poderão beber água no riacho e nós abriremos nossa cesta de piquenique.
— Perfeito — aprovou Alexandra, antecipando o momento em que se deitariam na relva, depois de comer.
Collin e Alexandra estavam a cinco quilômetros do castelo de Westmore, de volta à estrada, quando ela balançou a cabeça, para clarear a bruma de sua lânguida satisfação.
— Espero que tenha sido Jeanne Kirkland quem estava na cama com Fergus— murmurou.
— O que a leva a imaginar isso?
Alexandra deu de ombros.
— Intuição.
— Fergus disse que vai pedi-la em casamento.
— Oh, Collin! Que coisa maravi...
Nesse instante, o mundo pareceu girar e em um segundo Alexandra viu-se com o rosto contra o chão, sem conseguir respirar por causa do peso de Brinn relinchando e escoiceando no ar, em cima de suas costas.
— Alexandra!
Ela então ouviu um estampido e conseguiu espiar pelo canto do olho para ver Collin também cair do cavalo e um filete de sangue escorrer pela anca do animal. No instante seguinte uma misteriosa mão empunhando uma pistola surgiu em seu cam­po de visão, e Collin desapareceu repentinamente de sua vista.
—Collin... —balbuciou Alexandra, lutando para virar o cor­po e respirar.
— Saudações, lady Westmore. É um prazer revê-la.
Ela finalmente conseguiu erguer o rosto para se deparar com a figura sinistra de Damien St. Claire.
— Não gosto de ser ignorado, minha cara — disse ele. — Não gosto que mintam para mim. Mas talvez isso tenha acon­tecido para o meu próprio bem. Seu marido é um trunfo melhor do que uma ameaça. Caso se recuse a me entregar o dinheiro, vou me livrar dele.
— Damien...
— Ah, ainda se lembra do meu nome! Gosto de ouvi-lo, vindo de seus lábios.
Alexandra vasculhou os arredores até que por fim avistou Collin, caído no chão, desacordado e sangrando.
— O que você fez? — gritou, aflita.
— Ele está apenas inconsciente.
— Mas... Por quê?
— Eu preveni você para me entregar o dinheiro. Imagine meu desapontamento quando descobri que você tinha ido em­bora sem me pagar.
— Eu não... Eu ia voltar com o dinheiro...
— Mentirosa! Você pretendia ir embora com seu marido, isso sim! Mas, sabe, eu não me preocupei, porque sabia que ele farejaria seu paradeiro.
— Eu tenho o dinheiro e as jóias. Vou entregar tudo a você!
— É bom que faça isso. Senão, corto a garganta de Blackburn.
— Não! Você não pode...
— Venha, vamos sair do caminho. Tenho uma barraca mon­tada aqui perto. Pena que seu marido seja pesado demais para carregar.
Damien virou-se e ocupou-se em puxar os cavalos com uma corda. Alexandra tentou se levantar.
— Que pena... O seu rosto vai inchar. Teremos de dizer que seu marido lhe bateu. Mas não seria de admirar, não? É bem a natureza dele...
— Não, não é... — murmurou Alexandra, finalmente sentan­do-se sobre as pernas. Se ao menos conseguisse se pôr de pé...
St. Claire inclinou-se, pegou os pulsos de Alexandra e atou-os com um pedaço da corda, imobilizando-a.
— Vou ajudá-la a montar a égua. Se tentar fugir, seu marido sofrerá as conseqüências — preveniu St. Claire.
Alexandra percebeu, com horror, onde o facínora amarrava a outra ponta da corda: na sela de Thor. Collin estava no solo, desfalecido, com as mãos erguidas e atadas acima da cabeça.
Seria arrastado!
— Não! — ela suplicou. — Por favor, não faça isso! Você irá matá-lo...
— Ora, não é muito longe. De qualquer modo, é impossível levantá-lo. Ou prefere que o deixe morrer aqui no meio da estrada?
Uma forte onda de náusea atacou o estômago de Alexandra. St. Claire a jogou sobre o lombo de Thor, que já estava amarrado a Brinn, e começou a puxá-lo, montado em seu cavalo. Naquele momento, Alexandra deixou o orgulho de lado e passou a im­plorar. Tudo que desejava era que Collin não morresse.
— Por favor, não faça isso!
— Cale a boca! Você sempre falou demais — resmungou St. Claire.
Alexandra estremeceu ao sentir a mão asquerosa de St. Claire se introduzindo sob sua saia e deslizando por sua coxa.
— Collin castigou você por fugir de casa? Hum? Fez sexo selvagem com você? Mas talvez você goste de sexo selvagem. Eu não ficaria surpreso...
—Tire essa mão imunda de minha mulher, seu filho da mãe!
Um grito escapou da garganta de Alexandra, em parte por constatar que Collin estava vivo e consciente, e em parte pelo horror de imaginar que ele poderia querer enfrentar St. Claire.
— Ah, Blackburn — ironizou St. Claire. — Bem vindo de volta à nossa companhia...
Alexandra e Collin se entreolharam em silêncio por um mo­mento, e Alexandra não desviou o olhar, como se, observando-o, pudesse protegê-lo.
Por sorte, a trilha se estreitava por um matagal adentro, e a vegetação cerrada obrigou St. Claire e os cavalos a diminuir o ritmo. Graças a isso, em pouco tempo Collin conseguiu se pôr de pé, e seguir atrás andando, sem esfolar a pele no chão.
— Estamos perto — anunciou St. Claire, num tom de voz que não escondia seu absoluto contentamento com a situação.
O sol brilhava no céu, iluminando uma clareira em meio à floresta. Alexandra levantou o rosto e olhou ao redor, sentindo vontade de chorar. O lugar era pitoresco, lindo e terrível, ao mesmo tempo.
Aquele era o local que St. Claire escolhera para acampar, à margem de um riacho e ao lado de uma árvore frondosa. O desgraçado soubera escolher bem o próprio refúgio: sol e som­bra, água e privacidade.
Ele atravessou a clareira, levando Alexandra e Collin, e as­sim que apeou tratou de amarrar os cavalos, parecendo à von­tade com o olhar fuzilante que Collin lhe lançava. À vontade, porém não desatento. O clique do gatilho de uma arma rompeu a quietude.
— Não se mexa Alexandra — ele ordenou. — Blackburn, você vem comigo.
Collin proferiu um impropério em gaélico, resistindo quan­do St. Claire puxou a corda que lhe amarrava as mãos.
— Sua mulher está à minha mercê, bastardo idiota! Collin deu um safanão na corda e suas mãos se libertaram, para espanto de Alexandra. Ele conseguira se desamarrar ao longo do caminho!
— Nós dois sabemos que você não pretende libertá-la.
— Au contraire... — O cano da arma tocou o peito de Collin. — Ela voltará a Westmore para pegar as jóias. Se ela não for, ou se trouxer alguém com ela, eu mato você.
— Não lhe dê ouvidos, Alexandra. Ele vai me matar de qual­quer jeito.
— Calado! Ande até aquela árvore, já, ou sua mulherzinha vai perder uma orelha! — St. Claire fez um movimento ágil, e uma faca apareceu em sua mão. — Para mim, não vai fazer diferença nenhuma, ela continuará apetitosa mesmo sem uma orelha, não acha?
O riso baixo de St. Claire mexeu com os nervos de Alexandra.
Collin olhou para ela e em seguida caminhou até a árvore, onde St. Claire o obrigou a pôr os braços ao redor do tronco, para amarrar-lhe as mãos.
— Não volte Alexandra — ordenou Collin.
— Muito bem — investiu St. Claire, impaciente, tirando um lenço do bolso com um gesto floreado e dando a volta à árvore para encarar Collin. — Você não me deixa alternativa, já que se recusa a fechar essa matraca. Vocês dois falam demais para o meu gosto, sabia?
Com um sorriso malévolo, ele enfiou parte do lenço dentro da boca de Collin, e em seguida esticou um pedaço de corda para amordaçá-lo, puxando bruscamente a corda ao redor do tronco para dar um intrincado nó atrás.
— Você não se parece nada com seu irmão, sabe? Deve ser o sangue camponês que fez você sair assim avantajado, em vez de um magricela franzino como ele.
— Por que está fazendo isso, Damien? — Alexandra pergun­tou, numa tentativa de distrair St. Claire.
— Por quê? Porque preciso do dinheiro, ora!
— Mas por que você começou tudo isto? Por que matou John?
— Eu não tinha intenção de matá-lo. Eu só queria que ele fosse à falência. Mas me deixei levar pelo impulso... Não resisti.
— Mas por quê? — insistiu Alexandra.
— Ora, por vários motivos. John tinha tudo o que eu queria: dinheiro, um título de nobreza, a amizade de todo mundo na escola. E ainda assim, ele me roubou. Primeiro, foi àquela rameira loira em quem eu estava interessado. Ele sabia que eu estava de olho nela, e mesmo assim foi lá e arrebatou a fulana, debaixo do meu nariz. Depois roubou meu dinheiro, apesar de ter muito mais do que eu. Fez-me apostar o que eu não podia e depois jogou as notas de volta na minha cara, para todo mun­do saber que eu não podia pagar.
— Ele só estava sendo generoso! Queria ajudar...
— E o que você sabe sobre isso, sua pirralha? — explodiu St. Claire, furioso. — Não foi melhor do que se ele me tivesse esbofeteado, na frente de todo mundo. E depois ele fez tudo de novo, o imbecil! Estendeu a mão para mim, com o dinheiro, com aquele ar de dó. Você precisava ter visto as caras de todos, olhando para mim. Ah, eles se refestelaram com isso... Naquela hora, eu tive vontade de matar o infeliz, mas não tive coragem. Só que todo mundo sabia que ele gostava de você, por isso eu roubei você dele, debaixo do nariz dele! Uma rameira por uma vagabunda!
A indignação explodiu dentro de Alexandra, sobrepondo-se ao medo e à dor. St. Claire a atraíra até aquele quarto e fizera-a sentar-se em cima da escrivaninha, de frente para a porta, de tal modo que John visse apenas suas pernas nuas e seus braços ao redor dele, assim que girasse a maçaneta e entreabrisse a porta.
— Seu covarde! — ela gritou, arrependendo-se quase ins­tantaneamente, ao ver St. Claire se afastar de Collin e aproxi­mar-se dela, ameaçador.
Não podia continuar a provocar a ira daquele homem, não podia dar a chance que ele queria, de feri-los. Se St. Claire acre­ditasse que ela iria buscar o que ele estava exigindo, talvez ela pudesse fazer alguma coisa...
— Eu não me vejo como um covarde — respondeu St. Claire, com inesperada calma. — Cauteloso, talvez. Por exemplo, teria sido muito fácil levar você para a cama, para arruinar de uma vez a sua reputação. Sem dúvida, você teria cedido bem depressa.
Alexandra teve de se controlar para não cuspir na cara dele.
— Mas eu não queria despertar a fúria do duque. Do jeito que estava já era suficiente para eu contar com você para me proteger. Todo mundo sabe que seu irmão lhe faz todas as von­tades. Talvez até tenha sido ele quem lhe ensinou a ser tão experiente, hum?
— Você é mais que desprezível — sibilou Alexandra por entre os dentes, sem se conter.
— Hum.
St. Claire agarrou o braço de Alexandra e arrastou-a para perto de Collin, colocando-a cara a cara com o marido e pressionando-se atrás dela. Com uma das mãos ele a imobilizava contra seu corpo e com a outra lhe ergueu o queixo, forçando-a a olhar para Collin.
— E eu ainda sou cauteloso, portanto nós vamos fazer o seguinte: quando sairmos daqui amanhã de manhã... Amanhã... eu vou deixar que você vá a Westmore. Seu querido maridinho e eu iremos para algum outro lugar. Afinal, não queremos que você retorne com uma equipe de resgate, queremos? — A mão de St. Claire desceu do queixo para o pescoço de Alexandra, e ele o acariciou libidinosamente com os dedos. — Você vai dei­xar o dinheiro e as jóias em algum lugar conveniente para mim, o qual ainda vamos combinar... Mas ouça bem! Blackburn não estará comigo quando eu for buscar meu prêmio. Nem pense em me emboscar, porque se fizer isso, você nunca saberá que fim ele levou!
— Você... Promete que não vai machucá-lo? — Alexandra sentiu sua voz tremer sob o toque dos dedos de St. Claire.
— Oh, não. Eu lhe dou minha palavra, como o cavalheiro que sou. — Os dedos dele desceram para o colo de Alexandra. — Contanto que você seja boazinha e coopere...
Alexandra meneou a cabeça e engoliu em seco, quando a mão de St. Claire se apossou de um seio e começou a estimular o mamilo, por sobre o tecido da roupa. Ela desviou imediatamente o olhar do rosto rubro de Collin, que rosnou por sob a mordaça.
Alexandra fechou os olhos, e uma lágrima rolou por sua face quando a mão de Damien desceu ainda mais.
— Temos a noite inteira para compensar o atraso, doçura. Vamos continuar de onde paramos aquela vez, tanto tempo atrás? Responda!
— S... Sim... Vamos — ela balbuciou.
— Relaxe, doçura... Não reprima o prazer que eu sei que meu toque lhe proporciona... — Damien espalmou a mão sobre a virilha de Alexandra. — E então? Não a excita fazer isto na frente dele? Hum? Estou vendo que sim...
Alexandra não conseguia se mexer. Se abrisse os olhos e a boca, iria gritar sem parar, não só de medo e indignação, mas de terror por ver a ira e a decepção estampadas no rosto de Collin, a dor da traição e a certeza de que ela era uma mulher sem decência.
Então, uma idéia começou a se formar em sua mente. Era um fio de esperança. Seria a coisa mais difícil que ela já fizera na vida, mas era a única maneira de salvar Collin e a si mesma, se é que existia uma.
Com os olhos ainda fechados, Alexandra arqueou o pescoço para trás, deixando a cabeça pender sobre o ombro de St. Claire, e suspirou alto, começando a mover os quadris contra a rigidez do corpo dele. O incentivo foi suficiente para que Damien se en­tusiasmasse e começasse a massagear os seios dela com volúpia.
Amarrado ao tronco da árvore, Collin se debatia e grunhia desesperadamente por sob a mordaça, mas Alexandra concen­trou o pensamento em pedir a Deus que lhe desse forças para levar aquela farsa adiante, para que Damien caísse na armadilha.
— Podemos deitar dentro da barraca? — sussurrou ela, num fio de voz.
Damien vacilou por um instante, dividido entre a tentação de ceder ao pedido dela e a intenção de ferir a hombridade de Collin.
— Está frio, aqui fora — acrescentou Alexandra, virando-se de frente para Damien, no círculo formado pelos braços dele, e começando a lamber-lhe o pescoço e a mordiscar-lhe o lóbulo da orelha, representando à perfeição o papel de mulher exci­tada, levada pelo desejo.
Rendendo-se ao instinto primitivo, e com a auto-estima ele­vada, St. Claire lançou um olhar zombeteiro na direção de Collin e, com um esgar lascivo, arrastou Alexandra consigo para den­tro da barraca.
Impotente para reagir, Collin não conseguia parar de se de­bater e grunhir, enquanto as lágrimas lhe escorriam copiosa-mente pelo rosto. A menos de um metro de distância da bar­raca, ele podia ouvir os gemidos roucos e os sons da luxúria que se desenrolava ali dentro.
Collin perdeu a noção de quanto tempo se passara. Podia ser uma hora, ou um minuto, quando finalmente ouviu St. Claire soltar um grito abafado. O som se confundiu com os soluços de Alexandra, certamente provocados pelos espasmos de prazer do clímax a que os dois haviam chegado juntos.
Incapaz de suportar tamanha agonia, Collin pensou que fos­se perder os sentidos, mas alguns segundos se passaram até que ele viu horrorizado, Alexandra sair de dentro da barraca, sozinha, e com o vestido todo ensangüentado.
O rosto dela estava mortalmente pálido, e foi então que Collin avistou, na mão dela, a faca que St. Claire empunhara pouco antes, com a lâmina também empapada de sangue. Com passos trôpegos, Alexandra se aproximou de Collin e sussurrou, sem forças:
— Eu o matei... Eu o matei...
Então, num repentino arroubo de energia, ela passou a lâ­mina afiada pela corda que amarrava os pulsos de Collin e pela que o amordaçava, libertando-o. Os dois se abraçaram, trêmu­los, e desabaram juntos para o chão, desfalecidos.



Epílogo

A noiva enrubesceu como uma virgem, a face rosada con­trastou com os bonitos cabelos avermelhados. — Não acredito que estou casada! — exclamou Jeanne Kirkland, diante de sua madrinha, Alexandra, pouco antes de o noivo tomar-lhe a mão a fim de fazerem o percurso de volta, do altar à porta da igreja.
Os numerosos convidados se aglomeraram perto do corre­dor para admirar o novo casal, sobretudo a noiva. Fergus, o noivo, ainda ostentava os vestígios de um olho roxo. O pai de Jeanne não havia concedido sua mão pacificamente.
Alexandra ficou para trás nesse trajeto. Sentiu os dedos for­tes de Collin em seu braço e temeu explodir de tanto amor. Ele também não saíra incólume. Exibia uma atadura larga na testa, e Alexandra tocou ternamente o local do mais extenso ferimen­to do marido.
Previsivelmente, todos os olhares migraram dos noivos para o casal que quase sucumbira ao rancor de Damien St. Claire. A história circulava na sociedade, ora em rumores, ora em re­latos detalhados. Uma pessoa havia morrido apunhalada, afi­nal, e autoridades policiais tinham ido ao castelo de Westmore com o intuito de esclarecer o caso. O inquérito prosseguia, po­rém Alexandra não fora acusada de cometer um crime.
Assim, graciosa e altiva, ela caminhou indiferente à curiosi­dade geral, refletindo que seu casamento com Collin agora po­deria desabrochar como uma flor na primavera. Ambos riram com emoção ao pisar na escadaria externa do templo, banhada pelo sol, aguardando que a multidão se dispersasse.
— Acha que alguém vai reparar se fizermos uma curta via­gem pelo campo? — ele inquiriu. — Por causa do ar puro, claro.
— Claro — ela ecoou sorridente. — Seremos notados, sim, mas quem se importa?
— Senti sua falta, ontem à noite — Collin queixou-se.
— Igualmente — confessou Alexandra. — Não deveria ter passado tantas horas na casa de Jeanne, ajudando a preparar a noiva. Sabia que falamos até sobre sexo?
—Mas ela não é virgem. Será que tem medo do leito nupcial?
Alexandra havia contado à amiga sua própria experiência com homens, incluindo Damien St. Claire. Essa era a única nódoa em seu manto de bem-aventurança. Sentia culpa e remorso por ter causado o fim dele, ainda que em legítima defesa.
— Mais algumas horas, e estaremos em casa — disse ela. — Prometo fazer você esquecer sua noite de solidão.
—Sim... —Collin vibrou de expectativa e soube que Westmore se tornara o verdadeiro lar de Alexandra.
Ela jamais seria uma dama, seguidora das regras e conven­ções. Por isso, quando a carruagem deles passou, algumas pes­soas gritaram termos como "pecadora", "libertina", "escandalosa”, felizmente abafada pelo ruído das rodas do veículo.
Abrigada no peito de Collin, Alexandra planejou o que fazer a fim de agradar o marido naquela noite, depois da festa de casamento. Talvez algumas práticas não convencionais sacias­sem sua fantasia e coroassem sua felicidade.



Fim