Herdeira Pecadora
Victoria Dahl
Inglaterra e Escócia,
1844.
Ela não tinha nada a
perder... Somente o coração!
Depois de ser pivô de um
escândalo que terminou com a morte de um homem, Alexandra se refugia na casa de
campo do irmão, onde o ajuda a administrar os negócios. Mas a chegada do
atraente escocês Collin Blackburn desperta sua curiosidade e seu desejo... E
nesse momento Alexandra compreende que existem certas vantagens em ter a
reputação arruinada...
Para cumprir uma
promessa feita ao pai, Collin está disposto a aceitar a ajuda da mulher que
levou seu irmão a perder a vida num absurdo duelo. No entanto, Alexandra não é
a mulher fatal e desavergonhada que ele esperava encontrar. Na verdade, Collin
suspeita que a única culpa de Alexandra fosse o anseio de experimentar uma
grande paixão, e ele está mais que disposto a colaborar. Só que, quando se
trata de amor e sedução, Alexandra tem muito mais a ensinar do que a
aprender...
Título Original: “To Tempt a Scotsman”
Disponibilização: Vania
Digitalização: Marina
Revisão: Rosimeire Ramos
Formatação: Edina
Nota
da Revisora:
Tenho
quatro palavrinhas pra tentar descrever à lady Alexandra:
Impertinência, vontade própria, imaturidade e liberalidade...talvez caiba
também vanguardismo. Vejo essa pequena, muito a frente de seu tempo.
O Collin, mesmo sendo um homem de princípios
ainda é um homem, por conta disso sofreu a peja de amar e de se tornar o marido
de uma mulher de tanta liberalidade, mas não conseguiu se safar de tudo isso
sem alguns pensamentos um tanto machistas de ciúmes, afinal a pequena é uma
verdadeira pimenta (ardida e difícil de engolir).
O livro aparentemente poderia ter rendido mais,
porém a meu ver ficou devendo. Vale como uma diversão no que se refere a uma
relação conturbada e estranha: começa por uma investigação de assassinato,
passa por perseguições, chantagens, por suspeitas mil de traição, têm vilões e
uma vilãzinha de cabelos loiros apaixonada por seu patrão, um irmão rabugento e
presunçoso com ares de lorde inglês e pasmem até escarlatina a pimentinha teve
ao longo do enredo, por fim se sucede outro assassinato e acaba com o
casal todo risos, carinhos e amor entre promessas de uma vida a dois
muito quente...enfim o que posso dizer: se vc se arriscar vale a pena tentar se
enredar em toda essa informação, o máximo que pode dizer é que não lhe agradou.
Nota sobre a autora:
Victoria Dahl começou a ler
romance ainda muito jovem e nunca mais parou. Daí para escrever histórias
românticas foi um passo, sobretudo depois que conheceu seu príncipe encantado e
casou-se, indo viver com ele nas montanhas, em companhia de dois filhos.
Capítulo
I
Yorkshire,
julho de 1844.
Ela
revirou os olhos diante da fatura comercial que examinava e rogou uma praga.
Nada digno de uma dama como Alexandra Huntington. No entanto, estava sentada à
mesa de um escritório masculino, vestindo calça de montaria e fazendo trabalho
de homem. Seu xingamento não podia ser considerado chocante.
—
Bi... Bin... — Ela tentou decifrar a caligrafia tortuosa do proprietário de um
moinho local. Sabia que a conta tinha algo a ver com grãos, provavelmente de
aveia, triturados para o abastecimento de estábulos.
Educado,
o moleiro tratava Alexandra como era devido. Afinal, tratava-se da irmã do
duque. Mas, no fundo, desejava que ela desistisse logo daquela brincadeira de
gerenciar a propriedade rural do irmão.
Ela
levantou-se, carregando consigo o papel. O ruído de suas botas foi absorvido
pelo grosso tapete que se estendia até o corredor. Ali, ouviu o som de uma voz
pouco familiar.
—
Você deve ter se enganado — dizia um homem, enquanto Alexandra se detinha nas
proximidades da porta. — O duque me assegurou de que a irmã dele estaria em
casa.
Alexandra
pestanejou um tanto alarmada. Seu irmão havia enviado algum amigo de Londres
para vê-la? Era improvável, contudo...
O
visitante permanecia a alguns passos dela, porta adentro o que também era
estranho. Poucos venciam a barreira representada por Prescott, o mordomo, que
controlava o acesso das pessoas ao jovem e poderoso duque.
Curiosa,
Alexandra avançou mais um metro e espiou pela porta.
—
Se puder deixar um cartão, senhor... — disse Prescott.
—
Não tenho cartão — o homem retrucou com firmeza, girando a cabeça
instintivamente até deparar com Alexandra.
Ele
não podia atinar sobre quem ela era fora de seu traje normal e com os cabelos
presos num coque atrás da cabeça. O casaco de montaria lhe escondia as curvas.
Mas Alexandra sentiu o olhar ferino sobre ela, antes do estranho voltar-se
para o mordomo. Prescott pareceu incólume à frieza daqueles olhos. Deixou
passar dez segundos em silêncio, depois vinte.
Com
um encolher de ombros, o visitante aceitou, por fim, a impossibilidade de
intimidar o mordomo.
—
Por favor, diga-lhe que preciso falar com ela. Estou na hospedaria Red Rose.
Alexandra
observou o homem girar rumo à saída. Foi atingida pela vibração de sua
natureza impetuosa. Quem seria? Ele podia ter se irritado com a indiferença de
Prescott, mas parecia autoconfiante até a última fibra de seu ser.
Os
cabelos castanhos necessitavam de um corte, e ele esquecera a gravata, assim
como seu cartão de visitas, porém a elegância do casaco marrom que vestia
atestava riqueza. E um sotaque escocês suavizava a voz grave... E acelerava o
pulso de Alexandra.
Seguramente,
o irmão dela nunca a exporia a uma pessoa na qual não confiasse.
—
Prescott... — sussurrou.
O
mordomo colocou-se de lado e o visitante retornou da soleira da porta.
—
Senhora, o Sr. Collin Blackburn está aqui para vê-la.
—
Obrigada, Prescott.
Collin
gelou ao som da voz feminina. Não esperava que aquela figura fosse quem
procurava, e as sobrancelhas erguidas traíram seu espanto.
—
Lady Alexandra...
Ela
deixou-se contemplar por um momento, permitindo ao homem assimilar sua
aparência estranha, em roupas masculinas de montaria. Nem mesmo o irmão a vira
assim, mas isso não lhe importava, porque era uma mulher liberada, inclusive
sexualmente. Conquistara a liberdade de agir como quisesse, por isso deixou
Collin examiná-la à vontade, enquanto o estudava também.
O
estranho era tão alto quanto o irmão dela, porém mais largo de ombros e tórax.
Transmitia força, virilidade e, numa palavra, solidez. O rosto com o nariz
torto, talvez quebrado numa briga, não se mostrava exatamente bonito, mas
sóbrio e instigante.
—
Obrigado por me receber — ele murmurou.
—
Prescott, pode pedir chá para dois na biblioteca? — ela requisitou, guiando o
visitante pelo corredor.
O
casaco longo e vermelho abriu-se na altura dos quadris quando Alexandra se
moveu, e Collin, sem dúvida, chegou a desfrutar a visão parcial suas formas.
Novamente, não se importou. Apenas abotoou a roupa e pensou que a sala de
visitas seria o lugar ideal para atendê-lo. Desistiu da idéia por julgar que
não estava vestida adequadamente para uma recepção formal.
—
Vim lhe pedir ajuda a fim de decifrar algumas questões, milady — Collin
anunciou depois de instalado numa poltrona da biblioteca. — Sobre Damien St.
Claire.
O
nome provocou tensão em
Alexandra. Ela respirou fundo de modo a poder articular uma
resposta.
—
Penso que deve sair — disse cautelosamente, e Collin meneou a cabeça em
protesto. — É óbvio que meu irmão, o duque, não o enviou aqui. Saberá encontrar
o caminho da saída.
Alexandra
passou pela poltrona dele e sentou-se à escrivaninha, disfarçando sua aflição ao
mexer nos papéis. Sentia mágoa no peito, causada pelo intruso. Por que Collin
seria diferente de outros homens?
Erguendo-se,
ele se acercou da mesa e exibiu feições mais duras do que antes.
—
Lady Alexandra preciso saber o que aconteceu entre a senhorita e St. Claire, e
ainda John Tibbenham.
—
Mesmo? Como essa história o envolve? — Ela arregalou os olhos, consternada. —
Ah, sim, o senhor deve ter sido um de meus amantes, quando eu estava embriagada
demais para me lembrar.
—
Acredite-me, milady — ele ironizou de leve. — Se eu fosse um de seus amantes,
não se esqueceria.
—
Verdade? — Alexandra apreciou a resposta espirituosa e pousou os olhos na parte
frontal da calça de Collin. — O senhor não é o primeiro homem a sentir em mim o
cheiro de uma presa fácil. Sou uma mulher mal-afamada, que por acaso é uma herdeira.
Pouco original Sr. Blackburn. Por favor, saia de minha casa.
—
John Tibbenham era meu irmão — ele falou de supetão, com os punhos cerrados.
Alexandra
o encarou por um instante, depois voltou a remexer nos papéis para escapar do
olhar de ódio de Collin.
O
irmão de John! Ele havia mencionado um meio-irmão, não na noite em que tinha
morrido. Talvez no dia anterior.
—
Sinto muito — foi só o que ela conseguiu dizer.
—
Estou à procura de St. Claire. Quero levá-lo ao tribunal.
—
Desconheço onde se encontra.
—
Esse homem matou meu irmão — enfatizou o visitante, enquanto Alexandra
recobrava a coragem de enfrentá-lo.
—
Foi uma morte terrível, em conseqüência de um duelo ridículo — ela declarou. —
E foi seu irmão quem desafiou St. Claire.
—
St. Claire é um assassino. Matar alguém em duelo ainda constitui assassinato.
—
Não posso ajudá-lo. Não sei onde... Já faz mais de um ano.
Uma
criada abriu a porta do escritório e, com a cabeça, apontou a bandeja que segurava.
A interrupção até podia representar um alívio para Alexandra, mas de qualquer
modo ela se determinara a não estender a visita um minuto além do necessário.
Mostrou o lugar onde deveria ficar a bandeja e, fechando a porta, restaurou o
silêncio que prevalecia no ambiente.
—
Está confessando que esse homem foi seu... Amigo íntimo, e duelou por sua
causa, tornando-se um fugitivo da lei, mas nunca mais entrou em contato?
—
Sim — confirmou Alexandra, com o coração disparado.
—
St. Claire tramou para que meu irmão o visse em sua companhia, numa posição... Indecente.
—
O quê? — Alexandra piscou seguidamente. — Isso é absurdo.
—
Meu irmão John se achava em meio a um jogo de cartas, quando recebeu um recado
e saiu, afirmando que precisava se reunir com St. Claire. Foi direto ao quarto
indicado por ele, sem imaginar que veria a senhorita ali. St. Claire a usou de
maneira vil.
—
Mas... Não pode ser verdade. — Alexandra apertou a borda da mesa.
—
Ele desejava ser flagrado com as mãos em seu corpo. Isso é real, o pai de John
investigou. Deve abster-se de St. Claire, que é uma pessoa sem escrúpulos.
Era
fácil acreditar nisso. Muito jovem, com apenas dezessete anos, conhecera St.
Claire e ficara empolgada com o ritmo ansioso com que ele queria obter as
coisas, incluindo os favores dela. Um cavalheiro de verdade nunca a forçaria,
mas St. Claire atuava no limite da respeitabilidade.
—
Não pretendia envolvê-la nisso — declarou Collin. — O duque e o pai de John
deixaram claro que a senhorita deveria ser poupada. Todavia, faz nove meses que
procuro St. Claire e esgotei todas as pistas.
Alexandra
meneou a cabeça. Como aquele homem podia plantar idéias tolas em sua mente e
ainda contar com sua ajuda?
—
Sinto muito — ela desculpou-se e evitou fitar o visitante, focalizando o brilho
do sol na janela.
Um
minuto inteiro escoou-se antes que Collin suspirasse.
—
Bem, ficarei na hospedaria Red Rose, esta noite. Teria muito prazer em receber
sua visita, caso queira ajudar.
Alexandra
levantou-se e acompanhou Collin à porta, cuja maçaneta ele tocou com força na
mão e um pouco de raiva no olhar.
—
Meu irmão tinha apenas vinte anos quando St. Claire lhe acertou um tiro na
cabeça — ele completou.
A
imagem de John Tibbenham rindo à sua maneira encantadora trouxe lágrimas aos
olhos de Alexandra. Ela os fechou.
—Lamento
Sr. Blackburn. John foi um jovem generoso, cheio de bondade.
Assim
dizendo, trancou a porta suavemente às costas de Collin. O bule de chá e as
duas xícaras de porcelana permaneceram intocados.
O
cavalo disparou pelo caminho de terra batida e esburacada, ansioso por vencer
os três quilômetros de distância até a hospedaria. Em seu lombo, Collin também
tinha pressa de chegar e espairecer, certo de que Alexandra Huntington lhe
escondia algum pormenor. A jovem tola provavelmente tinha acreditado nas
baboseiras que St. Claire soprara ao ouvido dela, enquanto lhe levantava a
saia.
Ainda
assim, a irmã do duque não era ingênua. Tudo indicava que havia colocado um
homem contra o outro, num jogo que custara a vida de John Tibbenham. Só porque
possuía belos olhos azuis, não significava que não se comportasse como uma
meretriz.
John
havia se apaixonado por ela, a ponto de perdoar que levasse outros homens para
sua cama. Ninguém sabia quem ou quantos tinham desfrutado o corpo atraente de
Alexandra.
Collin
esboçou um sorriso amargo. Se tivesse conhecido Alexandra aos vinte anos, ele
próprio estaria vulnerável aos grandes olhos brilhantes, cabelos negros, curvas
provocadoras e jeito inocente de ser. John tinha sido tolo, mas o pai deles igualmente,
por extrair de Collin a promessa de destrinchar o caso. Quem negaria o desejo
de um homem agonizante?
Ele
deveria estar na Escócia, cuidando de sua fazenda, fiscalizando a construção
da casa nova, adestrando cavalos para uma venda lucrativa. Reunir informações e
caçar um criminoso lhe contrariava a vontade, e Alexandra Huntington, santa ou
pecadora, era a responsável por isso.
*
* *
Empunhando
um maço de cartas, Alexandra encostou a testa no vidro úmido da janela de seu
quarto. Seu primeiro impulso fora jogar fora a correspondência, que não era
nova, porém a letra de Damien St. Claire a paralisava. Tinha chorado sobre
aquelas cartas, desde a primeira, em que St. Claire pedia que ela fosse à França e se
casasse com ele. Mais adiante, enviara dinheiro ao namorado, que perdera o
orgulho e solicitara ajuda para sobreviver no exílio, fugindo da polícia.
O
pedido se repetira e ela o atendera, dessa vez vacilante, porque sentia falta
de John. Após as palavras de Collin, as histórias que St. Claire contava sobre
suas privações pareciam moldadas para inspirar sentimento de culpa. A culpa
dela.
Ninguém
de sua família pensou Alexandra, e muito menos Collin Blackburn, escreveria a
uma mulher pedindo dinheiro. Impossível. No entanto, mesmo que St. Claire não
fosse boa pessoa, também não era um assassino desalmado. Estava apenas frágil
e assustado.
Com
as mãos trêmulas, Alexandra lançou o pacote de cartas na mesa e, ainda vestida
como um rapaz desistiu de ir ao estábulo e exercitar os cavalos. Visitaria Collin
na estalagem, tinha decidido. Contaria a ele o que pedira, não por causa da
culpa, mas porque sabia algo. Algo que havia tentado apagar da mente desde a
manhã em que John
morrera.
St.
Claire odiava John. Ela não percebera isso até a véspera do duelo entre os dois
homens que a disputavam. Havia considerado tudo como expressão de ciúme,
embora costumasse dizer a St. Claire que John era um simples amigo.
Mas
quando John abrira a porta do quarto, vendo Alexandra nos braços de St. Claire,
ela tinha notado uma dor profunda nos olhos dele. Desafiara o rival para um
duelo de honra, e misteriosamente St. Claire exibira satisfação.
Todos
haviam colaborado para a tragédia, ela dissera a si mesma. Agora, porém, graças
a Collin, Alexandra achava que tudo fora planejado, por Damien St. Claire. O
episódio representara sua ruína como mulher, a humilhação da família e a morte
premeditada do querido John Tibbenham. E se não fosse verdade?
Lembrou-se
da expressão de Damien ao aceitar tão prontamente o desafio para um embate
pessoal. Agora fazia sentido. Ele havia induzido John a travá-lo, e o motivo
para se esconder e escapar do país por certo não era amor.
Alexandra
pressionou as têmporas e dirigiu-se ao quarto para trocar de roupa. Poderia
enviar à hospedaria uma mensagem escrita, mas ansiava por confrontar Collin
pessoalmente, provar-lhe que não era covarde. Iria ao encontro de um homem
cujos olhos faiscavam de honestidade e desprezo.
Ao
desmontar do cavalo que havia mandado selar, Alexandra suspirou fundo e
anunciou-se ao recepcionista do Red Rose. Foi desnecessário avisar Collin
Blackburn, pois ele ocupava uma mesa no saguão, compulsando cartas com gestos
incisivos, confiantes. Bastante diferente da atitude dela na mesma situação,
horas antes.
O
funcionário apontou o hóspede, depois de perguntar se Alexandra, bem conhecida
por ali, jantaria na pousada. Ela murmurou uma resposta negativa e observou
Collin de longe. Além dos gestos, existia algo nos olhos dele que falavam de
nobreza e honra. Algo sem preço.
Os
mesmos olhos a identificaram em seguida, e Alexandra acercou-se dele,
preferindo entregar-lhe uma nota escrita a sentar-se e conversar.
—Este
endereço de St. Claire é de dois meses atrás — avisou.
—
Obrigado. — Collin ergueu-se e tocou-lhe o braço.
—
É tudo terrivelmente lamentável.
—
Entendo que foi um choque para a senhorita. Perdoe meu temperamento rude.
—
Você tem direito de sentir raiva.
—
Mesmo assim. Fui grosseiro esta tarde.
—
Imagino o que pensa de mim. — Alexandra esboçou um sorriso triste. — Agradeço
por não ter me envolvido, enquanto foi possível, e desejo-lhe sorte.
O
que mais? Nada. Ela já poderia partir, não fosse o estranho poder de atração
que Collin exercia, pelos olhos, gestos e envergadura do corpo. Sem mencionar a
voz grave e calorosa com a qual ele perguntou:
—
O que devo pensar da senhorita?
—
Bem, é melhor me chamar de você, como eu o trato, sem maiores formalidades. Não
vim aqui para me explicar. Pediu uma informação e eu a forneci. Só isso.
—Pode
entrar em contato comigo, caso St. Claire lhe escreva outra vez?
—
Por que ele escreveria? — Alexandra inquietou-se e corou ligeiramente.
—
A senhorita... Você lhe mandou dinheiro. E dinheiro acaba. — O olhar de Collin
faiscava.
—
Se eu confirmar esse seu palpite, continuará me odiando? Ele a guiou pelo braço
até a porta do saguão, alegando que diversas pessoas poderiam ouvi-los.
Alexandra deixou-se conduzir, porque realmente pretendia sair dali e voltar
para casa. Ultrapassou os degraus da entrada e agradeceu ao rapazinho que lhe
trouxe o cavalo. Seus pés pisaram de novo na terra nua.
—
Obrigada por me acompanhar à saída e tenha uma boa estada na Inglaterra. — Pôde
observar o semblante duro de Collin, agora que havia certa distância entre
eles.
—
Você não é o que eu pensava ser, Alexandra. — O tom foi de desculpas, mas ela
avaliou que nem por isso o cavalheiro em questão gostava dela. Ou que a
desejava como mulher, a exemplo de todos os homens dos quais se aproximara.
—
Creio que sabe pouco sobre mim — ela contrapôs, com um peso no coração. Subiu
ao cavalo, que graças a um tapa do ajudante, disparou pela estrada.
—
Patife — murmurou para si mesma, sem olhar para trás.
Alexandra
reprimiu o pranto. Aquele homem era um estranho. Não importava o que pensasse
dela. Collin não tinha sido o primeiro, nem o último, a fitá-la com evidente
menosprezo. Tudo aquilo parecia absurdo. Seu irmão, o duque, estava em Londres,
flanando por bares, teatros e outros lugares à cata de mulheres fáceis, e
ninguém ousava chamá-lo de devasso. Ao contrário, era tido como pessoa fina e
altamente respeitável, enquanto ela, Alexandra, sofria difamações e injúrias
por, antes dos vinte anos e solteira, ter desistido de manter o recato e a
virgindade.
O
galope não evitou as lágrimas. Restava-lhe conviver com a situação. Um homem
bom e honesto tinha morrido, e de algum modo Alexandra desempenhara um papel
nesse desastre. Mas, contando somente dezenove anos de idade, a vida ainda se
oferecia inteira para ela. Não fizera mais, nem pior, do que os homens
praticavam todos os dias, todas as horas.
Um
banho quente e uma taça de vinho, antes do jantar solitário em sua casa,
certamente iriam reconfortá-la. Podia ser uma mulher decaída, uma quase
prostituta que levava os amantes à morte, porém continuava viva e capaz de
trabalhar.
No
dia seguinte, pretendia esgotar-se na lida do campo, até ficar cansada demais
para pensar ou sentir.
Collin
Blackburn resolveu deixar Alexandra em paz por uma semana ou mais. Seus
auxiliares na França haviam conseguido espantar St. Claire do ninho. Na pressa
de fugir, ele abandonara roupas e pertences, bem como um maço de cartas de certa
lady Alexandra.
Como
ficara sem nada, logo escreveria de novo, solicitando dinheiro. Então, Collin
descobriria o esconderijo de St. Claire sem maiores problemas. Com isso,
perderia de vez o contato com Alexandra Huntington.
A
contragosto, ele não cessava de pensar nela. A fragilidade daquela mulher, que
antes o enfurecia, agora o excitava, porque pressentia que ambos não haviam se
contentado com um encontro formal no saguão de uma pousada.
O
fato de passar-lhe uma informação preciosa tinha sido surpreendente. A sedutora
jovem se mostrara honesta, sensível a uma causa justa. St. Claire se refugiara
em três endereços sucessivamente, em Paris, incluindo o último do qual escapara
como alguém consciente de sua dívida para com a sociedade.
Por
que tanta consideração com ele, da parte de Alexandra? Remorso? Bem, Collin não
havia armado aquela confusão. Ela é que tinha determinado a própria queda.
Após
o desjejum, ele fechou sua mala, disposto a alcançar a casa dos primos Lucy e
George antes do anoitecer. Os parentes ficariam felizes por tê-lo entre si, e
se tudo corresse bem, dentro de um mês ele estaria de volta ao lar, na Escócia.
Chegaria atrasado para a venda anual do gado criado em sua fazenda, mas contava
com funcionários competentes e prestativos. Se Alexandra lhe fornecesse novos
dados sobre St. Claire teria de passar mais tempo longe de casa. Um desvio de
rota até a França levaria semanas.
Na
estrada, cavalgando em ritmo constante, Collin deparou com uma encosta a oeste
na qual trabalhadores assentavam pedras. Entre eles, uma figura esbelta, de
casaco vermelho, gesticulava e dava ordens.
Ele
parou e permaneceu olhando. Sabia que Alexandra Huntington ajudava o irmão no
trato com os camponeses e com a vasta propriedade rural da família. Era
incomum, sobretudo naquele meio social. Por isso, Collin sentiu admiração pelo
duque e sua irmã. Mas não deixou de julgar escandaloso que Alexandra usasse
roupas de homem, como se desejasse parecer mais ligada ao trabalho do que os
próprios capatazes.
Para
ele, tal expediente a tornava ainda mais vulnerável a comentários maldosos.
Assim refletindo, percebeu que um trabalhador o apontava, ao longe,
denunciando sua presença a Alexandra. Começou a erguer o braço, num aceno,
porém desistiu. Ela permanecia como uma estátua, firme e orgulhosa, sem parar
de dar instruções.
Caso
tivesse acenado, com certeza Alexandra não iria retribuir. Ficaria infeliz com
a aparição dele, provavelmente em busca de mais informações. Collin dispôs-se a
controlar suas emoções com fria eficiência. Aquela mulher era tentadora, perigosa
e nem um pouco adequada a seus sonhos de amor ou ao tipo de esposa que
prometera ao pai encontrar.
A
atração física, porém, não valeria o risco?
—
Collin, você está descendo?
A
voz do primo ecoou até o topo da escada e depois para dentro da biblioteca onde
Collin folheava um livro. Ele curvou os lábios num sorriso complacente.
—
Já vou.
Colocou
o livro na poltrona onde o havia encontrado e alcançou os degraus de pedra,
após estudar bem qual dos arcos deveria atravessar no corredor. A casa de Lucy
era assim: toda maciça e desconexa, reformada várias vezes para ganhos de área
útil. Os visitantes freqüentemente se confundiam. Nos três dias em que ali estava
Collin ainda não entendera a geografia do casarão.
—
Oh, não posso acreditar! — Agora o som vinha da sala térrea e pertencia a tia
Lucy, numa exclamação corriqueira para aquela mulher de pouca instrução. — O
que está fazendo aqui, sua maluca?
Um
riso alegre acompanhou o comentário de Lucy, fazendo balançar seus cachos
avermelhados. A "maluca" em questão era ninguém menos do que lady
Alexandra Huntington, e o próprio Collin duvidou do que via. Esperou as duas
mulheres se abraçarem e então murmurou:
—
Lady Alexandra...
—
Blackburn! — O espanto dela não foi menor.
—
Mas... — Lucy empolgou-se. — Vocês se conhecem?
—
Sim — disse Collin, enquanto a visitante meneava a cabeça negativamente.
—
"Conhecer" é um termo forte demais — ela opinou, levando Lucy a franzir
a testa.
George,
seu robusto marido, levantou Alexandra nos braços e girou-a no ar, no meio da
sala.
—
Ponha-me no chão! — ela ordenou, entre aflita e divertida.
—
Perdão, esqueci-me de que minha esposa não gosta disso. — George obedeceu e
depois se sentou, com uma expressão entre cômica e libidinosa.
—
Você soa convincente para alguém que não olhou para outra mulher nos últimos
dez anos — brincou a recém-chegada.
—
Alexandra, este é Collin Blackburn — indicou George. — Sobrinho de Lucy por
meio de casamento.
—
Já nos conhecemos. Não pretendia atrapalhar uma visita familiar.
—
Não, não — Lucy insistiu, com as bochechas rubras. — Os dois são da família.
George
sorriu, erguendo-se a fim de colher a mão da esposa.
—
Alexandra é minha prima em segundo grau, Collin — explicou.
—
Ah!
O
que mais ele poderia dizer?
Apesar
de tudo, prevalecia um clima de tensão na sala. Por carta, George havia
pranteado a morte infausta de John Tibbenham, mas jamais confessara a Collin
sua conexão com Alexandra. Muito menos, claro, havia esmiuçado o papel dela no
terrível incidente.
—
Bem... — George bateu palmas para chamar a atenção e fitou Alexandra. — Eu ia
levar Collin para um passeio no vilarejo. Gostaria de nos acompanhar?
—
Acho que ela deve ficar, pois temos muito a conversar. Vocês homens só falam de
cavalos, caçadas e pescarias. Além disso, pretendo instalar Alexandra e fazê-la
repousar, antes do jantar.
Contrariado,
George meneou a cabeça vigorosamente e dirigiu-se à porta. Ao segui-lo, Collin
lançou um olhar insistente a Alexandra. Só para entendê-la, refletiu, não para
tranqüilizá-la. Nada lhe devia.
Sem
fitar Collin, ela deixou-se conduzir por Lucy rumo à escada. Ele admirou suas
costas bem proporcionadas, ponderando se estava ressentida. Mas Collin nada
havia feito de errado, nem imaginava que Alexandra poderia aparecer ali. Agora,
teria forçosamente de trocar algumas palavras com ela e instaurar a paz, já que
ambos eram hóspedes na mesma casa. No fundo, não desejava manter amizade com
aquela mulher, e sim dar-lhe um safanão.
—
Collin, vamos? — chamou George, e logo foi atendido.
—
Senti certo nervosismo no ar — disse Lucy, fechando a porta do quarto destinado
a Alexandra.
—
O que ele veio fazer aqui?
—
É meu sobrinho, amiga. Não de sangue, mas... — Lucy foi interrompida quando
começou a relatar a história de um casamento entre tios.
—
Por que nunca contou Lucy, que tinha parentesco com John? — Ela pareceu
frustrada e infeliz.
—
Não tinha. Ele e Collin eram meios-irmãos. Mães diferentes. Jamais conheci
John.
—
Isto é desagradável. Voltarei para casa amanhã mesmo.
—
Eu a proíbo — a anfitriã firmou posição.
Alexandra
desabou na cama e cobriu o rosto com as mãos. Havia viajado em busca de
consolo, companhia e distração, qualquer coisa capaz de obstruir o pesar que caíra
sobre ela, após a visita de Collin.
—
O que houve querida? — Lucy indagou. — Ele foi grosseiro com você? Eu
precisaria subir numa banqueta para dar um tapa nele, mas juro que faria isso.
—
Mesmo? — Alexandra não conteve um riso breve e reconfortante.
—
Explique-me o que está acontecendo.
—
Nada de muito especial. Eu é que estava alterada. Conheci Collin há três dias,
quando me procurou para falar da morte do irmão dele.
—
Por quê? — Lucy não entendeu.
Suspirando,
Alexandra ergueu-se e recuperou a compostura, pois temia parecer-se com uma
marionete melodramática.
—
Ele está à procura de Damien St. Claire. Ajudei-o no que podia, e fim da
história.
—
Ignorava que Collin viria aqui?
—
Sim, e ele também desconhecia minha visita a você.
—
Nunca mencionamos... Quero dizer... Posso pedir a Collin que se vá — Lucy
propôs, atrapalhada.
—
Não é necessário. Ele nada fez de errado. Se for para alguém sair daqui, eu
vou.
—
Claro que não! — Lucy elevou a voz. — Nem pense nisso. Os homens são
responsáveis pelos tolos jogos de honra que praticam. Um duelo de pistolas!
Faça-me o favor! Quem poderia afirmar, em sã consciência, que você teve algo a
ver com isso?
Aquilo
acalmou a mente atormentada de Alexandra.
—
Não se preocupe Lucy. — Ela sorriu. — Apenas me surpreendi ao ver Collin.
Ficarei bem, ainda mais sob os seus cuidados.
Ela
abraçou a anfitriã e tomou para si a tarefa de liberá-la, pois queria dormir um
pouco.
—
Eu a verei de novo no jantar...
Estreitando
os olhos, Lucy saiu do quarto e praticamente acompanhou o criado. Sozinha,
Alexandra esmurrou o colchão, descarregando a raiva. Conseguira simular calma,
mas o que de fato desejava era voltar para casa o quanto antes. Collin
Blackburn não se atreveria a segui-la.
Maldição!
Por que ele tinha de ser tão atraente? Tentaria descansar um pouco e depois se
prepararia para jantar com o primeiro homem que chegara a interessá-la, em
muitos meses. O homem que a olhava como culpada pela morte do irmão.
Casualmente,
na hora do jantar, Collin viu Alexandra sair do quarto e franzir o cenho ao
deparar com ele, desviando o olhar para os degraus.
—
O que deseja? — ela o desafiou.
—
Pensei que poderíamos falar em particular, antes da refeição.
—
E por que pensou isso?
No
fim do corredor, a poucas portas dali, a empregada que acabara de arrumar um
cômodo os fitou com um misto de desconfiança e malícia. Alexandra a contemplou
sonhadoramente, como se quisesse estar na pele dela, a fim de escapar depressa
pela escada. Na verdade, o corpo grande e másculo de Collin a impedia de fazê-lo.
—Não
estou aqui para atormentá-la — ele disse — O último desejo de meu pai foi que
eu localizasse St. Claire e o trouxesse à Inglaterra, para ser julgado por
assassinato. É impossível esquecer isso, por mais que eu quisesse.
Finalmente
Alexandra encarou os olhos indecifráveis.
—
Não me incomoda o que você tem feito — falou com calma. — Por certo, eu faria
o mesmo caso meu irmão tivesse morrido em tais condições. No entanto, Sr.
Blackburn, isso não significa que aprecio sua companhia. Não consigo fingir que
estou à vontade, apenas porque compreendo sua missão.
Collin
ficou dividido entre a suavidade da voz e a raiva que Alexandra tentava
esconder.
—
Meu irmão John era apaixonado por você — declarou. — E seu desprezo pelos
sentimentos dele o levou à morte.
Alexandra
estremeceu, horrorizada com uma lógica que não podia aceitar.
—
Isso não é verdade — protestou.
—
Ora, por favor! — Collin lutou contra a simpatia que ela despertava.
—
John e eu éramos amigos. Ele não estava apaixonado por mim.
Os
olhos de Alexandra transmitiam confusão e inocência. Por todos os santos,
aquela mulher era uma consumada atriz. Como podia negar um relacionamento
amoroso que a cidade inteira reconhecia, apostando num rápido matrimônio?
—
Ele me escreveu pouco antes do malfadado duelo. Confessou que amava você e
ansiava por pedir sua mão, ainda nesta temporada social. Chamava-a de
"anjo", o que prova que você era uma pessoa bondosa e decente, apesar
dos boatos em
contrário. Recebi essa carta um dia depois de saber que John
tinha morrido num duelo por sua duvidosa honra, após flagrar você em ato íntimo
com Damien St. Claire.
Alexandra
olhava para ele, emudecida e boquiaberta. Collin rilhou os dentes, ante a
expressão de dor no rosto dela. Não podia ser inocente como dava a entender, não
podia ter sido tão cega aos sentimentos de John.
Duas
lágrimas tremularam nos longos cílios. Collin ouviu o som da respiração
cortante que parecia vir da garganta de Alexandra. Melhor que continuasse
representando, ele pensou, fechando os olhos para poupar-se da cena triste.
Ao
reabri-los, notou que Alexandra se tornara dura e impassível, sem expressão,
apenas mortalmente pálida. As mãos, voltadas para trás, procuravam a maçaneta
da porta. Tentava voltar para dentro de seu quarto, fugindo à pressão.
—
Lady Alexandra... —ele murmurou, ensaiando acercar-se a fim de tocá-la.
—
Deixe-me em paz! — exigiu ela, antes de emitir um alarmante suspiro.
Conseguira abrir a porta, mas as pernas se recusavam a obedecê-la.
Collin
observou a luta dela por mover-se e escapar. Mas antes que pudesse segurá-la,
Alexandra experimentou uma sensação de desmaio e desabou no chão do corredor,
de joelhos. Ele agachou-se e esticou as mãos em auxílio, ignorando a resistência
que Alexandra lhe opunha. Tomou-a nos braços e conseguiu estendê-la em cima da
cama. Aos poucos, ela percebeu o que acontecera, amassou a colcha branca com os
dedos em garra e olhou furiosamente para Collin.
—
Não me toque de novo! — rosnou por entre os dentes. — Você veio à minha casa,
me contou que Damien tinha me usado como instrumento para eliminar John. Agora
me diz que seu irmão me amava? Fui jogada num inferno!
Alexandra
começou a chorar, e Collin sentiu-se consternado.
—
Eu estava nervoso — ele tentou justificar-se. — Não devia ter sido tão direto.
Ela
prendeu a respiração, na tentativa de controlar o pranto.
—
Precisava saber o que havia acontecido — Collin prosseguiu. Por que John
recebera uma bala? Por que Damien St. Claire o queria morto?
Alexandra
ofegava, em sua luta contra o desespero.
—
Posso compreender sua atitude — ela falou, com a voz entrecortada e uma palidez
preocupante. — John não me deu nenhum sinal de seus sentimentos. Éramos amigos.
Por vezes, ele me criticava por dançar com muitos homens e provocá-los.
Certamente ouviu rumores sórdidos sobre meu comportamento. — Alexandra
conseguiu respirar fundo e recompor-se. — Mas nunca, em momento algum, deu a
entender que estivesse apaixonado. Talvez eu o desestimulasse, não sei, porém
certamente ele continuaria vivo. John deixou-me pensar que gostava de Beatrice
Wimbledon e que queria se casar com ela.
Com
esforço, Alexandra sentou-se na cama, os pés apoiados no chão e o pescoço
denotando muita tensão muscular. Collin ponderou que não havia motivo para
duvidar dela. Jovem demais, John talvez não tivesse autoconfiança suficiente para
declarar seu amor a uma mulher livre e dinâmica como Alexandra. Por certo,
numerosos pretendentes não tinham.
Collin
arriscou-se a pousar a mão direita no ombro dela e sentiu-a estremecer, mas sem
esquivar-se.
—
Admito que pensei o pior de você — ele afirmou. — Não me cabia esse direito.
—
Vá embora e não fale mais comigo. Será sua penitência. -— Errei e lamento
muito.
O
corpo miúdo de Alexandra continuou trêmulo, enquanto ela desdenhava das
palavras dele. Ergueu-se sem ajuda e colou o rosto à janela. Collin ardia por
dentro, com sincero arrependimento. Havia magoado uma pessoa frágil,
imaginando que ela merecia isso, recusando-se a enxergá-la como vítima. Talvez,
efetivamente, ela só fosse culpada de excessiva liberalidade quanto a flertes e
namoros, na vivência voluptuosa da própria juventude.
Agora,
Collin pretendia consolar Alexandra, porém não ousava tocá-la e abraçá-la,
temendo a reação. Criou coragem e, pelas costas, afagou com os dedos as sedosas
ondas negras dos cabelos macios. Notou que o corpo de Alexandra se distendia
numa insinuação de entrega ou rendição.
—
Sinto muito sobre John — ela murmurou.
—
Acredito em você.
—Mesmo?—Alexandra
voltou-se para ele, surpresa e agradecida.
Collin
confirmou, mas agora era ele que sentia desconforto. A sensação de calor no
baixo-ventre o castigava, e a figura sedutora de Alexandra, com os seios
pressionando-lhe a roupa justa, cristalizou na mente masculina cenas de
absoluto destempero dos sentidos. Recuou preventivamente.
—Podemos
esquecer tudo e recomeçar? — ela propôs a voz rouca denotando certa dose de
comoção.
Estaria
Collin pronto para tratar Alexandra como amiga, e não como o pivô de um crime?
Ela era muito jovem, afinal. Não seria de espantar que tivesse sido apenas
usada no planejamento de um crime, caso em que também seria uma vítima de St.
Claire.
—
Concordo, pela paz de nossos anfitriões — ele declarou, despertando um
inesperado sorriso nela.
—
Você é um homem duro, Collin Blackburn.
Para
assombro dele, o rubor nas faces de Alexandra aumentou-lhe a excitação, porque
ela parecia totalmente disponível, tentada a seduzi-lo até que voltassem juntos
à cama.
—
Hora de jantar — ele reprimiu-se. — Já devem estar nos esperando.
Após
a refeição, George puxou Collin para um canto da varanda. O que poderia
querer? Era-lhe impossível conhecer os eventos no corredor e no quarto de
Alexandra, a não ser que a empregada o tivesse alertado.
—
Não me expressei bem a respeito de Alexandra — disse George.
—
Mas... — Collin preferiria dispensar explicações.
—
Fiquei surpreso com a chegada dela, e assim... Você disse estar convencido de
que St. Claire premeditou a morte de seu irmão. Quero defender minha parenta.
Você tem motivos para não gostar dela, porém leve em conta a tenra idade de
Alexandra.
—
Realmente...
George
ergueu a mão, com um olhar incisivo, e calou Collin.
—
Peço-lhe somente um pouco de compaixão, neste caso. Se St. Claire tramou o
duelo, pense no choque de minha prima ao ser usada de forma tão vil.
Provavelmente, por amar aquele homem, ela foi enganada com facilidade.
—
Compreendo isso — afirmou Collin com franqueza, ouvindo George suspirar.
—
Fico contente em saber. Não
duvido que ela lhe pareça libertina... Ela cresceu praticamente sem mãe, depois
sem pai. Foi criada pelo duque, que poderia tê-la enviado a outro parente ou a
um internato, mas optou por mantê-la perto de si e da fazenda.
—
O irmão ideal... — ironizou Collin.
—
Talvez não — George admitiu —, mas aconteceu. — Mesmo um fidalgo como
Somerhart não conseguiu mudar o temperamento de Alexandra, sempre arrojada e
livre como raras mulheres. Claro, era antinatural que ela trabalhasse feito um peão
na fazenda e depois, moça feita, atraísse escândalos como um ímã.
—
Não precisa defendê-la, George. Assumo que me irritei ao vê-la aqui, porém você
tem razão: ela é jovem e não teve o intuito de machucar John.
—
Uma criança estragada, uma jovem estigmatizada pela sociedade...
—
Também compreendo não se preocupe. Gostaria de ver um retrato dela quando
criança.
—
Devo ter um, não sei onde. Vou procurar. O duque nos mandava uma nova imagem de
Alexandra todos os anos.
Collin
sorriu à lembrança do frio, inteligente e voluntarioso duque de Somerhart. Quem
o imaginaria criando uma menina órfã, na propriedade rural de mesmo nome em
Yorkshire?
Reunindo-se
aos outros para tomar o tradicional licor subseqüente ao jantar, Collin
admirou a exuberância de Alexandra, que lhe valera o sucesso em sociedade,
antes de cair em desgraça por não resguardar sua castidade para um futuro
marido.
Alexandra
corou diante do olhar dele. Não aparentava ser devassa, nem egoísta, nem uma
menina mimada. Tinha sardas quase invisíveis perto do nariz, que Collin notou
pela primeira vez, ponderando que aquela jovem não poderia ser uma espécie de
prostituta. A idéia era ridícula. Alexandra tinha somente dezenove anos, era
inglesa de boa estirpe, irmã de um duque. Estava mais perto de ser uma princesa
do que uma rameira. Tinha o porte de um membro da nobreza.
—
Francamente, quando as mulheres conversam sobre dinheiro, minha cabeça dói — George
interrompeu os pensamentos tortuosos de Collin.
Alexandra
parou de falar a respeito de suas despesas pessoais e da fazenda.
—
Somerhart me deu permissão para expandir os estábulos e a criação de cavalos de
raça — ela explicou, finalizando o assunto.
—
Talvez Collin possa ajudá-la nisso — comentou George, plantando mais confusão
em seu íntimo.
—
Ele também cria cavalos, na Escócia — interveio Lucy.
—
Acho que não ouvi falar deles — observou Alexandra sem ênfase.
—
É que Collin esconde seu título de barão de Westmore — Lucy acrescentou.
—
Ah, claro! — exclamou Alexandra. — Os animais dos estábulos de Westmore são
muito cobiçados.
—
Obrigado. São bons cavalos — ele disse, sorrindo.
Ela
refletiu um pouco e enrugou a fronte, incomodada por um detalhe.
—
Seu sobrenome é diferente do de John. Presumi que tivessem pais diferentes,
mas você disse algo que...
—
Sim, John era o filho legítimo. Eu, o bastardo.
Alexandra
arregalou os olhos ante a indelicadeza da expressão, e até George se
ressentiu. Mas, se o próprio Collin a assumia...
—
Céus! Como bastardo, de que modo se tornou um barão? — ela indagou.
—
Meu pai comprou o título, num acesso de arrependimento. Queria me ver
respeitado socialmente.
—
Então, está em boa companhia — Alexandra permitiu-se brincar com a situação. —
Um bastardo, uma meretriz e uma bruxa. — Olhou para Lucy. — George é o único
que se salva, aqui.
Lucy
deu início a uma risada, que se transformou em resmungo sob o olhar severo do
marido.
—
Prima, não fazia idéia de que fosse uma feiticeira — Collin comentou,
calando-se ao ver George balançar a cabeça em desconsolo.
—
Mas quem disse que, neste trio, sou eu a meretriz? — Alexandra riu alto,
impondo sua aparente inocência.
—
Realmente — Lucy protestou —, a conversa está se tornando cruel. Você já não
se vingou o suficiente de mim?
—
Por quê? Quero ouvir toda a história — pediu Collin.
—
Quando George e eu nos casamos, Alexandra tinha apenas oito anos.
—
Nove — ela corrigiu.
—
Um projeto de mulher, com nove anos, e já deslumbrante!
—
Lucy elogiou. — Tinha uma forte queda por George, imagine! Precisei tomar
providências e satisfações. Felizmente, nos casamos antes de ela crescer.
—
E o que fez lady Alexandra? — quis saber Collin.
—
Fiz uma travessura, mas Lucy não a achou divertida.
—
Ela colocou um rato vivo no meu leito nupcial! — Lucy exclamou, escandalizada,
enquanto George e Alexandra explodiam numa gargalhada.
—
Não foi por maldade. — George novamente assumiu o papel de defensor da prima. —
Ela imaginou que Lucy fugiria correndo, para nunca mais voltar, e eu ficaria
disponível para suas prematuras pretensões...
—
Não demonstrava medo de nada, por isso lhe disse que eu era uma bruxa, capaz de
transformá-la em estátua de pedra. Com meus dezenove anos, também tinha direito
a uma brincadeira.
—
Ficaram dois anos sem se falar — interveio George, empenhado em encerrar um
assunto que poderia terminar mal.
—
Quem diria? Agora se dão maravilhosamente bem.
Collin levantou seu cálice e depois sorriu
para Alexandra, que apenas o contemplou com os cintilantes olhos azuis. A
atenção dele se concentrou nas faces coradas e nos lábios polpudos. Vibrou, sob
um fluxo aumentado de sangue quando Alexandra pousou o olhar em sua boca,
adocicada pelo licor. Pensaria num beijo? Não era nada bom.
Perspicaz,
George tossiu e alcançou seu objetivo de romper a perigosa conexão.
—
Quando pretende partir? — perguntou Lucy, sem segundas intenções.
—
Dentro de algumas semanas. — Collin sentiu-se inseguro na resposta. — Ainda tenho
negócios a resolver na Inglaterra.
—
Que tipo de negócios? — quis saber Alexandra.
—
Diversas pendências. Na condição de gerente de confiança do duque de
Somerhart, você deve saber como tudo isso é tedioso.
—
Sei. — Ela tomou cuidado para não se trair pelo olhar. — Mas não considero o
trabalho tedioso, e sim estimulante.
Collin
resmungou desgostoso.
—Preferiria
como você, trabalhar diretamente com cavalos.
—
Todos temos nossas paixões — sentenciou Alexandra, desviando o olhar do
visitante.
Na
manhã seguinte, Alexandra anunciou sua chegada à mesa do desjejum com um
suspiro de melancolia. Os outros já haviam se servido e estavam dispersos pela
casa. Ela demorou uma hora para alimentar-se, entre olhares à porta e ao
saguão, a fim de ver se Collin Blackbum aparecia. Mas ele tinha sumido em seus
aposentos, desde a noite anterior, quando se despedira com um murmúrio após a
rodada de licor e conversa.
Ao
ser consultada, Lucy disse que não vira Collin, e que ele gostava de
esconder-se.
Diante
disso, Alexandra decidiu inspecionar os estábulos da propriedade. Ao menos
serviria para amenizar a tensão. E, com sorte, depararia por acaso com o
meio-irmão de John Tibbenham.
No
trajeto, ela se repreendeu pelo surto de ternura que começava a experimentar
por um homem que mal conhecia. Encontrou Collin, de peito nu, olhando os
animais de baia em baia.
Eram fortes, saudáveis, bonitos.
Alexandra
focalizou as costas suadas dele, por efeito dos pingos que caíam de seu
pescoço. Depois, observou os músculos bem definidos, ponderando que nunca vira
nada tão fascinante. Por certo, ela já havia visto muitos homens, nobres ou
não, tirar a camisa e exibir o tórax. Não era hora nem lugar para fantasias
eróticas, mas Alexandra admitiu que jamais tivesse contemplado um torso tão
belo.
—
O que faz aqui? — indagou Collin, surpreso. Apanhou a camisa pendurada na
portinhola de uma baia e abotoou-a rapidamente, como se sentisse vergonha. — O
que deseja?
Alexandra
deu várias piscadelas, como acontecia sempre que ficava tensa.
—Eu...
—Não pôde completar a frase, mesmo porque Collin resmungou e praguejou,
vestindo também seu casaco. — Vim trazer uma maçã para minha égua Brinn.
Ela
apalpou o vestido, onde supostamente guardava a fruta. Calado, Collin verificou
se as baias estavam fechadas e foi saindo do estábulo.
—
Preciso enviar uma carta ao meu capataz — justificou-se.
—
É tão urgente assim?
—
É — ele confirmou secamente, olhando para Alexandra sobre o ombro.
—
Pensei que tínhamos chegado a uma trégua...
—
Desculpe-me, senhorita...
—
Trate-me apenas por Alexandra. Somos quase primos.
—
Decerto que sim. Minha rispidez não tem nada a ver com você. Apenas me lembrei
de algo importante.
—
Parece que não gosta de mim... — ela alfinetou, procurando decifrar a
expressão dura que ele exibia.
—
Nada disso. — Collin posicionou-se a fim de admirar a figura de Alexandra. —Você
é uma mulher muito interessante.
Ela
suspirou, só porque Collin Blackburn gostava dela. Ele podia ser rude quando
cismava, mas Alexandra estava longe de ser uma jovem ingênua, incapaz de
perceber quando um homem a desejava. No dia anterior, Collin quase a beijara no
quarto, e agora ela se surpreendia com sua própria e desesperada atração por
ele.
O
devaneio passou, deixando, porém um rastro de perturbação. Talvez Collin
estivesse tão excitado quanto ela. Queria aquele homem, e ele também a
desejava. Então, por que não aceitá-lo como amante?
Seria
maravilhoso, pensou, mas estrategicamente incorreto.
Depois
de tudo o que lhe acontecera, Alexandra empenhava-se em restaurar sua imagem.
Não queria mais perder tantos amigos e até pretendentes à sua mão.
Tinha
recebido, nos meios sociais, o apelido de "herdeira pecadora". Não
podia continuar ofendendo o irmão duque, bem como George e Lucy. A grande
vantagem de arruinar-se moralmente consistia em aprender a não decair ainda
mais.
No
entanto, Alexandra era livre para correr riscos. E Collin constituía um risco
que valia a pena correr.
Capítulo
II
O
dia seguinte amanheceu ensolarado. Collin vinha se habituando a visitar o
estábulo, em busca de paz de espírito. Enquanto selava seu cavalo, Thor, e
prendia a correia, fracassava em tirar Alexandra do pensamento.
Thor
ergueu as orelhas, acusando a presença de alguém estranho.
—
Collin! — Alexandra o chamou da porta, e a muito custo ele evitou praguejar,
mantendo o autocontrole. —Posso acompanhá-lo no passeio desta manhã?
Ele
tentou neutralizar Alexandra com o olhar de contrariedade, mas ela sorria, sem
intimidar-se, e impunha a quem quisesse ver, sua beleza.
—Não
é propriamente um passeio. Thor precisa se exercitar com um bom galope.
—
Ótimo. Também preciso.
—
Terá de seguir meu ritmo, sem ficar para trás — Collin a preveniu.
—
Minha égua Brinn é rápida. — Feliz Alexandra chamou o jovem ajudante da
estrebaria e o instruiu para selar seu animal.
Na
opinião de Collin, a roupa de montaria pouco prejudicava a feminilidade de
Alexandra. Ele admitiu que vê-la de outra forma, como sucedera no primeiro
encontro, era uma questão de preconceito.
Esse
não tinha sido o único motivo para Collin tratá-la com frieza ou hostilidade,
mas também não queria magoá-la. Desejava somente evitar a tentação que
Alexandra encarnava, e era maduro o suficiente para não sucumbir ao apelo dos
sentidos.
Por
sorte, ela havia anunciado a todos que partiria de volta ao lar no dia
seguinte.
Aquela
manhã, no campo, lembrava um sonho: céu limpo, luminosidade intensa, brisa
suave e perfumada. Eles avançaram por uma trilha tortuosa, em fila, pois o
terreno desaconselhava o galope veloz.
Alguns
quilômetros foram percorridos em silêncio, outros tantos no galope, quando o
solo se tornou mais firme.
—
Mais adiante, há uma clareira sombreada por árvores altas — disse Collin,
quebrando o silêncio enquanto deixava Alexandra emparelhar com ele. — É uma
espécie de oásis no meio deste deserto de terra e poeira. Gostaria de parar e
refrescar-se?
Aliviada,
ela respondeu que sim.
No
descampado, desmontaram e os animais beberam da água de um riacho próximo.
Collin os amarrou com folga a um tronco e tirou do alforje dois cantis de água.
Alexandra
bebeu com prazer, enquanto Collin fixava o olhar na boca ávida de líquido.
Céus! O que fazer com aquele desejo crescente que o consumia?
Alexandra
avançou um passo e projetou a mão para que ele a colhesse. Intimidado, Collin
poupou-se desse gesto, mas seguiu com o olhar o caminho da mão dela até seu
pescoço.
—Já
reparei no modo como me olha — murmurou ela, antes de roçar os dedos na mão de
Collin.
Ele
sentiu as pálpebras se fecharem, desobedientes, e emitiu um gemido suave, mas
revelador.
—
Você não me quer? — Alexandra sussurrou-lhe ao ouvido.
Não
responda. Apenas esquive-se. Porém os lábios formularam uma frase decisiva:
—
Todos os homens a desejam, Alexandra.
—
Não é verdade — ela retrucou sem demora. — Ainda que fosse eles não me
interessam. Mas você... Você é encantador.
Collin
abriu os olhos e admirou aquele monumento de volúpia e ousadia. Mesmo em seus
eventuais contatos com mulheres da vida, não conhecera nenhuma que lhe
prometesse, implicitamente, tantos prazeres. Num gesto instintivo, enlaçou a
nuca de Alexandra, sentiu o arco do osso maxilar e, sobretudo, a pele macia e
cálida.
—
Isto é um erro — murmurou ao mesmo tempo em que baixava os olhos até os lábios
dela.
O
sopro de um suspiro escapou dos lábios quentes que Collin decidira desfrutar. Ele
percorreu com a língua a superfície dos lábios de Alexandra, cuja reação foi
entreabri-los, arrepiada. Então, recebeu e retribuiu o beijo esmagador de
Collin.
De
imediato, Collin sentiu um incômodo na virilha. Aquilo era loucura... Deveria
interromper o beijo, mas não conseguiu parar de estreitar Alexandra contra si,
pressionando-a contra seu corpo, fazendo-a sentir sua rigidez.
A
evidente predisposição dela de aceitar as carícias estimulou ainda mais o
desejo de Collin, que começou a lhe desabotoar a blusa. Dois botões abertos
foram suficientes para que ele alcançasse o vão entre os seios.
Com o corpo colado ao dele, Alexandra arqueou
as costas para trás e gemeu baixinho, enfraquecendo de uma vez o pouco controle
que restava a Collin. Ele abriu mais dois botões da blusa e expôs os seios
túrgidos de desejo, acariciando-os gentilmente, fazendo com que Alexandra se
arqueasse ainda mais para trás, num sensual convite ao prazer.
Com
a mão nas costas dela, Collin deitou-a com vagar e cuidado na relva, sem
interromper o beijo.
Alexandra,
entre as pernas apartadas, sentia a pressão viril de Collin, num contato
abrasador. Collin afastou os lábios por um instante, para livrar-se do casaco e
da camisa já aberta. Alexandra o ajudou na tarefa, apressando-o, e em seguida
desfez-se da maior parte dos trajes que a cobriam. Era tão participativa que
Collin voltou a beijá-la, dessa vez com suavidade, mantendo os olhos no corpo
fascinante que ia se revelando.
O
gesto gentil adiou por instantes a urgência da posse e da entrega. Seminus,
recorrendo aos lábios e mãos, ambos trocaram carícias lentas, e nem por isso
menos extasiantes, até o momento em que os dedos de Collin descobriram o úmido
centro da feminilidade de Alexandra. Ali demorou-se em toques progressivamente
ousados, que logo desvendaram o botão mais secreto da mulher. Ela arqueou as
costas, sem afrouxar o abraço, e emitiu um grito abafado, sinal de que a
antecipação do prazer se transformara em tormento.
Rígido
e motivado, Collin completou as carícias com um afago na penugem macia do
baixo-ventre de Alexandra. Logo se posicionou e ergueu um pouco os quadris
dela, disposto a finalmente possuí-la. Mas ela começou a gemer o corpo se
contorcendo nos espasmos do clímax, e a união física não se concretizou.
Era
uma pena que Collin não a tivesse acompanhado no clímax, mas a alma dele estava
apaziguada.
Nesse
instante, um som inoportuno chegou aos ouvidos de ambos. Não era o relincho dos
cavalos nem o marulho do oceano próximo. Enquanto Alexandra se cobria, Collin
levantou-se, vasculhando os arredores com o olhar.
—
Collin, o que foi isso?
Ele
ergueu a mão, pedindo silêncio, mas resmungou gravemente quando identificou, a
oeste, o tilintar do sininho que muitos cavaleiros penduravam nos arreios da
montaria.
—
Um viajante — sussurrou. — Fique aqui enquanto vou verificar.
Collin
desapareceu entre as árvores, notando que o ruído aumentava a cada passo que
dava. No momento em que alcançou seu cavalo, Thor, pôde ver sulcos de rodas na
trilha que cruzava a floresta.
Permaneceu
na sombra, escondido, até que avistou a carroça de um funileiro, que parecia
cochilar na ponta das rédeas. O veículo distanciou-se pela vereda. O cavalo que
o puxava trazia um pequeno sino na correia. Sem dúvida, a carroça era responsável
pelas marcas no solo.
Esperou
dez minutos, vigilante; quando viu o veículo se distanciar e finalmente
desaparecer, ele voltou para a clareira.
Encontrou-a
no mesmo lugar onde a deixara deitada na relva. Relaxado, sentou-se na grama e
aninhou a cabeça dela em seu colo, a despeito do perigo de serem flagrados por
algum outro viajante. Beijou-lhe a testa e, depois, encostou gentilmente sua
boca na dela.
—
Collin... — murmurou Alexandra, como se num segundo recordasse a troca de
carícias e o êxtase que a havia convulsionado.
Sorrindo,
Collin levou os dedos à blusa solta no corpo dela.
—
O que está fazendo?
Ele
riu. Continuou abotoando a peça de roupa, em vez de removê-la como parecia ser
do agrado de Alexandra.
—
Pare. Estávamos prontos para... Repetir, quando fomos interrompidos.
—
Não podemos Alexandra. — A declaração soou quase insultante. — É impossível
ignorar sua condição social.
—
Se você vai se referir ao meu irmão duque sou capaz de dar-lhe um tapa.
—
Eu ia dizer que você é prima de George e amiga de Lucy. Incomoda-me tirar
vantagem disso, aproveitar-me de você...
A
boca sensual de Alexandra estreitou-se numa dura linha de contrariedade.
—
Não planejava anunciar a todo mundo o que aconteceu entre nós. E que história é
essa de tirar vantagem de mim, se eu mesma...
—
Sinto muito. — Collin percebeu que, ao contrário de Alexandra, não lidava bem
com as palavras. Suas faces arderam. — Pode acreditar. Estou confuso, não sei
se aprecio ou lamento um flerte que começou pelo fim.
—
Muito bem, Blackburn. Obviamente, você tem suas razões. — Ela ergueu-se,
esticou a saia e só focalizou Collin quando procurou pelo casaco. Comovida,
tinha os olhos marejados.
—
Assim não, Alexandra — ele implorou. — Tudo se resolverá naturalmente.
—
Situação desconfortável para você, não?
—
Em parte. Foi
uma manhã maravilhosa. — Collin reconheceu.
—
Eu gostei muito... — ela emendou tão maliciosa quanto distante das preocupações
de Collin. — Vamos voltar, para não atrasarmos o almoço de Lucy e George.
Quando
Collin afastou-se, em busca de seu cavalo, Alexandra cobriu o rosto com as
mãos. Sentia agora o mesmo embaraço que ele demonstrara. Não era a primeira vez
que suas necessidades instintivas lhe causavam humilhação. Claro, não tinha
sido bem assim. Collin, além de bom amante, era uma pessoa justa e confiável.
Devia estar frustrado, só isso.
Alexandra
levou alguns minutos até concluir que ele a estava rejeitando. Havia
praticamente se oferecido e, com gentileza, Collin a deitara na grama. Ela
chegara a pensar que aquele homem não faria isso.
Mas
fizera, e a ligação entre ambos se consolidara por meio de um contato
inesquecível, apesar de incompleto.
Sem
esperar que Collin voltasse para ajudá-la, Alexandra montou em sua égua e
contemplou o mar ondulante lá embaixo. Ao virar-se, deparou com ele, montado
em Thor, olhando-a fixamente. Julgou desnecessário fazê-lo sentir culpa por
algo que ela mesma havia forçado a acontecer.
—
Alexandra, você vai me avisar se St. Claire lhe escrever de novo? — ele
indagou, cheio de esperança.
—
Eu... — Ela franziu o cenho. Na verdade, não esperava aquela pergunta. — E
quanto à informação que já lhe passei?
—
Superada.
—
Oh. — Mais uma pontada de humilhação. — Você não me disse.
—
Pensei em procurá-la em casa, dentro de duas semanas, para saber se havia
recebido notícias do fugitivo. Considerando as circunstâncias atuais, talvez
seja melhor você se comunicar pelo correio.
Circunstâncias
atuais? Aquilo chegava a ser quase ofensivo. Como Collin se atrevia a contar
com a ajuda dela na caça a um ex-amante e provável assassino?
—
Mandarei o novo endereço de St. Claire, caso o obtenha — declarou em tom seco.
Ele
se empertigou e esporeou o cavalo. Calada e infeliz, Alexandra o seguiu, mas
seus olhos não se despregavam da figura de Collin. Ele cavalgava como um nobre.
Não, não podia tê-la usado simplesmente para fins pessoais. Também não a desprezara
como chegara a pensar, já que a fama de vilã e libertina lhe pertencia.
De
qualquer modo, ao chegarem, Alexandra trancou-se em seu quarto com uma firme
batida de porta. Gratidão a Collin era o mais raro de seus sentimentos naquele
instante.
Na
manhã seguinte, ela iria embora. A idéia reconfortou Collin ao deparar com
Alexandra na mesa de refeições, pronta para o lanche. Estava linda num vestido
vermelho que lhe realçava a pele alva e a cintura estreita.
O
decote, mais generoso que de costume, atraía a atenção para a suave curva dos
seios. Não chegava a ser um desafio às regras sociais, mas quantas mulheres
teriam a coragem de expor seus atributos à vista dos homens?
Fascinado,
Collin julgou difícil parar de observar aquela elevação estonteante no busto
de Alexandra. Mais enervante era notar como ela desviava o olhar sempre que o
dele a alcançava.
—
Você melhorou? — Collin inquiriu de repente.
—
Perdão? — Ela como que emergiu de profundas divagações.
—
Sua dor de cabeça. Não foi por isso que dispensou o jantar?
—
Ah, sim. Estou melhor, obrigada, e o apetite voltou.
—
A cavalgada a cansou?
—
Não, não foi a cavalgada. Sou uma amazona experiente, afinal.
—
Claro. — Nem assim Collin começou a servir-se.
Lucy
surgiu na sala e reclamou que seus dois hóspedes ainda não tinham tocado o chá,
o café, o bolo e outras iguarias que costumava deixar na mesa para quem
quisesse.
—
Vocês discutiram? — Lucy presumiu. — Collin, voltou a perturbar Alexandra com
aquela história de seu irmão morto em Londres?
—
Claro que não — ela atalhou. — Talvez tenhamos ido longe demais, na cavalgada.
Estou exausta.
Longe
demais! Naquele momento, Collin só pensava nas coxas roliças de Alexandra
debaixo de seus dedos. Teria sido respeitoso ou ingênuo em excesso, ao desistir
de seu prazer, depois que ela tinha atingido o auge e o abandonara junto com
suas vontades e fantasias?
Uma
fatia pequena de bolo, meia xícara de chá, e Alexandra fez menção de
retirar-se.
—
Não quero parecer mal-educada, mas...
—
É sua última noite aqui! — Lucy protestou.
—
Vou sair cedo e estou com sono — ela contrapôs.
—
Pode dormir na carruagem — a anfitriã sugeriu.
—
Não. Pretendo cavalgar Brinn, à frente da carruagem. É mais divertido.
—
É uma loucura, isso sim.
—
Pare com isso, Lucy. Eu a verei logo, dentro de um mês, antes de sua viagem ao
continente.
Lucy
soluçou dramaticamente, em
vão. Collin também se recolheu pouco depois.
Alexandra
deparou-se com sua criada, Danielle, cochilando numa cadeira ao lado do baú
ainda aberto, já repleto de roupas e objetos. Devia estar cansada por causa da
arrumação, porém certamente não sofrerá o desprezo de um homem naquela mesma
manhã.
—
Danielle, acorde e vá comer alguma coisa — ordenou.
—
Obrigada, milady. Desculpe-me por ter adormecido, mas a bagagem está pronta.
—
Eu lhe agradeço. Agora se alimente e durma bem.
Encantadoramente
francesa Danielle se tornara uma boa companheira. Não se ressentira do
escândalo que envolvera a patroa. Dera de ombros e apenas perguntara se tinha
valido a pena.
Alexandra
sentia-se mentalmente exausta, e não só pela suposta rejeição sofrida. Sabia
que em seu quarto havia uma carta à espera, dentro de um segundo envelope.
Teria sido melhor que o mordomo Prescott ignorasse suas instruções para
enviar-lhe correspondência pessoal recebida em Somerhart.
Ela
reagiu com conformismo à delicada batida na porta que se seguiu. Esperava a
visita de Collin Blackburn. Mas, teoricamente, já haviam se despedido. O que
mais ele desejava dela? Preferiu recuar, sem abrir a porta.
—
Alexandra... — a voz soou desconfiada. — Posso falar com você?
—
Pode. O que é?
—
Por favor, abra — pediu Collin.
Após
fitar demoradamente a porta, para deixar clara a sua contrariedade, Alexandra ascendeu.
—
O que você quer?
—
Por que está agindo assim? — ele rebateu, vendo que ela se afastava até o canto
oposto do aposento. — Como se eu tivesse feito algo de terrível?
—
Estou me comportando normalmente, nas circunstâncias atuais — Alexandra
ironizou, com um toque de crueldade.
—
Parece que não quer falar comigo nem me ver. Vai viajar amanhã, e tudo o que me
oferece é o próprio distanciamento?
—Não
sei por que se incomoda. —No entender de Alexandra, aquela situação era
ridícula.
—
Acha que eu não me preocuparia em lhe dar um adeus mais apropriado?
Movida
por seu temperamento, ela não conseguia manter a lucidez.
—
Você não gostou de mim antes, e não gosta agora — retrucou Alexandra,
frustrada. —Quando me ofereci a você, como se fosse uma... — ela fechou os
olhos e meneou a cabeça —... você me desprezou.
—
Isso não é verdade — Collin defendeu-se.
—
Não. — Ela focalizou o chão e depois o homem que parecia compreensivo. —
Simplesmente, você é educado demais para assumir os fatos.
—
Venha aqui. — O tom dele não foi tão educado.
—
Não!
Alexandra
balançou a cabeça, desejando que Collin fosse embora e ela se sentisse menos
insegura. Voltou a baixar o olhar e viu as botas dele se aproximando.
—
Querida... — Collin disse com inesperada ternura. — Você sabe quando um homem
a deseja...
Sentiu
a mão dele em seu queixo e, logo em seguida, a respiração masculina junto aos
lábios. As bocas se encontraram num beijo caloroso, mas hesitante. Alexandra
suspirou e, agora disponível a Collin, repetiu a carícia.
Confirmava-se
o que ela vinha pressentindo. Collin não a beijava com firmeza e calor. Não a
desejava com a mesma força com que ela o queria. Não a empurrava até a cama e
lhe arrancava as roupas, manifestando sua vontade viril. Tão somente a
abraçava, atritando gentilmente seus lábios nos dela.
Alexandra
desvencilhou-se do abraço e apanhou na mesa a carta de Damien St. Claire.
—
Aqui está o que de fato quer. Pegue e saia, por favor. Collin desdobrou
rapidamente o papel, enquanto Alexandra se posicionava junto ao baú, próxima da
porta. Tinha entregado a carta com raiva, antegozando a reação de Collin aos
elogios maliciosos do outro. Quisera mostrar que existia alguém que a desejava
mais do que ele. Agora, sentia-se uma tola.
—
Chegou esta tarde — ela avisou, enquanto Collin relia a folha escrita,
conferindo se continha o endereço do fugitivo.
—
Obrigado pelas informações. — De braço esticado, ele tentava devolver o papel.
—
Não vai guardar a carta? Não é útil para suas investigações? — Alexandra inquiriu
surpresa.
—
Bem, não quero privá-la de uma lembrança tão especial. Obviamente, vocês dois
ainda têm impressas na memória e na pele aquela intimidade que antecedeu a
morte de meu irmão John num duelo de honra.
Alexandra
quase arrancou a carta da mão dele. Empurrou-o para fora do quarto e postou-se
na soleira da porta.
—
Adeus, Sr. Blackburn. Se eu puder ser-lhe útil no futuro, me avise.
Collin
permaneceu no corredor, em silêncio, talvez procurando o que dizer a fim de
encerrar o episódio.
—
Eu não tentei fazer amor com você, Alexandra, como meio para obter informações.
—
Não?
Ele
praguejou.
Alexandra
não acreditava, seriamente, que tivesse sido usada, mas era melhor deixá-lo
pensar que sua raiva se devia ao orgulho e aos sentimentos feridos.
—
Você não me conhece bem — ele murmurou. — Eu nunca faria isso, por princípio.
Teria preferido não tocá-la, mas não resisti à tentação.
Um
arrepio de satisfação percorreu a espinha de Alexandra.
—
Não sou de perder o controle com freqüência — completou ele.
—
Eu sei. Não o perdeu, na clareira, naquela que seria a segunda vez.
—
Preocupei-me com o funileiro e outro viajante qualquer que encontrasse você
seminua na relva. Não fosse por isso, eu teria mergulhado de cabeça entre as
suas pernas.
Ele
exibia um brilho sincero e selvagem nos olhos. Alexandra sentiu o arrepio
transformar-se em desejo. A
cena que Collin desenhara, com uma só frase, tinha abrasado seus sentidos, deixando-a
evidentemente excitada.
—
Parece que você gosta de colecionar confissões libidinosas dos homens que não
podem tê-la — Collin expressou-se com ousadia. — Mas lembre-se: você pode ter a
mim.
—
Sou exatamente esse tipo de mulher... — ela zombou de si própria.
—
Não fale assim de você — Collin a repreendeu. — Todos nós cometemos erros e
tolices na juventude. Você é corajosa e adorável.
—
Sim, por isso me chamam de "herdeira pecadora".
—Justamente
por ser rica e bonita — ele rebateu. — Duvido que não tenha recebido pedidos de
casamento, mesmo depois de ocorrências escandalosas.
Alexandra
deu de ombros, mas ficou abalada diante da verdade.
—
Não de homens que me interessassem.
—
Bem, um dia...
Era
quase cômica aquela conversa no corredor. Collin aparentava descartá-la como
esposa, em nome da moralidade. Alexandra não queria ser distinta ou honesta
apenas feliz.
—
Foi um prazer, Alexandra — ele por fim despediu-se.
—
Um beijo de despedida? — Ela colocou de lado o amor-próprio.
—
Claro. — O sorriso de Collin ocultou sua hesitação. Erguendo-se na ponta dos
pés, Alexandra pressionou sua boca contra a dele, antes que a resistência se
confirmasse. Suave, o beijo manteve os corpos a um centímetro de distância,
até que Alexandra se soltasse nos braços de Collin e fosse estreitada no peito
dele, com decisão.
Ela
fracassou em conter o gemido de prazer quando o espaço entre os dois se fechou.
Dois pares de mãos iniciaram uma exploração mútua e excitante, mas tão
perigosa que ambos se separaram, como se levassem um choque, e cada qual tomou
sua direção.
Collin
Blackburn acabava de sair da vida dela.
***
—
Julia vai mesmo debutar em sociedade, na próxima temporada?
—
Oh, sim, querida Alexandra. — Tia Augusta vibrou de emoção. — Finalmente perdeu
os traços e modos de criança. Não imagina como está empolgada com a festa.
Alexandra
forçou um sorriso. Claro que imaginava. Havia experimentado igual agitação, poucos
anos antes.
—
É maravilhoso, tia. E Justine? Completou treze anos?
—
Sim, e continua tão traquina quanto o irmão menor.
—
Vai passar. — Alexandra sorriu agora de maneira mais ampla. — Ela se tornará
uma jovem encantadora.
—
Talvez. Mas é hora de pensar na festa de Julia. Ela não perdoará você, se não
comparecer.
No
fundo, Alexandra detestava a idéia de ir a Londres, enfrentar tantas
desavenças em seu meio social.
Quando
Augusta girou a cabeça para falar com o Sr. Covington, o olhar de Alexandra
percorreu toda a mesa. Seu irmão, o duque de Somerhart, levava uma torrada à
boca, piscando para ela. Tinha sorte por possuir um parente próximo que lhe
tornava a vida o mais confortável e segura possível. Não fosse por ele e seu
alto grau de compreensão, Alexandra talvez já estivesse casada com um caçador
de dotes qualquer, apenas para salvar a reputação.
Não
era o caso de Robert Dixon, que, de uma cadeira na parte central da mesa,
sorria para ela.
Alexandra
devolveu-lhe o sorriso, pois se tratava de um homem fino e bonito, além de
sutil no flerte, desde o início do jantar. George e Lucy tinham embarcado para
a França uma semana antes, porém deixaram preparada a reunião comemorativa dos
vinte anos de Alexandra, para não mais de uma dúzia de convidados: as pessoas
que continuavam tratando-a bem, mesmo depois da vergonha em que ela se
envolvera.
Estava
sendo um período infeliz e sufocante, não só pela falta que sentia de Collin
Blackburn, mas porque se achava irremediavelmente sozinha. Não existiam
mulheres como ela, mulheres que trabalhavam na fazenda e que se interessavam
por livros, mulheres com uma visão e um comportamento à frente do seu tempo.
Uma
gargalhada soou à mesa, coroando uma conversa em alto volume da qual ela não
participou. Seu irmão duque se levantou.
—
Senhoras e senhores — disse ele. — Façamos um brinde a Alexandra com um bom
vinho do Porto.
Todos
se ergueram com um farfalhar de casacos e saias, e murmuraram felicitações à
aniversariante. Alexandra agradeceu com um gesto de cabeça, ciente de que os
olhos de Robert Dixon estavam cravados nela.
Depois
de mais meia hora de torturante conversa sobre problemas domésticos, os homens
saíram para a biblioteca, a fim de fumar charutos. Dixon, que herdaria o título
de visconde, parou a meio caminho e falou com Alexandra, quando ela já julgava
que Collin a havia anestesiado contra outros pretendentes.
—
A senhorita parece bastante feliz, esta noite.
—
Esperava que eu estivesse no exílio, chorando, como tantos membros da elite
gostariam de me ver? — Ela riu, mas um segundo depois reconheceu que suas
palavras tinham sido pouco amistosas.
Embaraçado,
Dixon reafirmou que Alexandra aparentava alegria e ouviu que ele também exibia
boa disposição.
—
Deve ter a ver com o fato de morar em Londres — ela emendou. — Oh, perdão. Não
sei o que há comigo. Estou parecendo uma tola, embora uma tola contente... —Alexandra
tocou o braço dele e logo recolheu a mão. Não queria animá-lo, iludi-lo e
decepcioná-lo caso pedisse um encontro a sós. Apenas precisava saber se ainda
despertava o interesse dos homens.
—
Vossa Graça! — Dixon exclamou, aliviado, quando o duque se acercou. — Veio
resgatar sua irmã de minha companhia?
O
fidalgo beijou a face dela e fez menção de puxá-la pelo braço.
—
Costumo resgatá-la de qualquer companhia enfadonha... — sentenciou.
Dixon
baixou os olhos, embaraçado.
—
Não seja tão cruel comigo. — Conseguiu sorrir, constrangido, para Alexandra. —
Vou deixá-la sob os cuidados do duque. Posso ver que ele quer falar com a
senhorita.
Assim
que o outro se afastou, Alexandra fez o comentário que vinha guardando:
—
Dixon é um bom sujeito. Simpático.
—
Simpático demais — rebateu o duque. — Quis constatar como você estava se saindo
com um eventual pretendente.
Ela
arregalou os olhos ante a superproteção demonstrada pelo irmão.
—
Estou bem, Hart. — Usou o diminutivo de Somerhart, pelo qual o duque era mais
conhecido.
—
Tem certeza?
—
Conversar com as pessoas nunca foi um problema para mim, apesar de minha
limitada inteligência e saúde precária.
Hart
exibiu um sorriso cativante, do tipo que muitas mulheres gostariam de ver
dirigido a elas.
—
Não existe nada com que se preocupar, meu irmão.
—
Você tem estado quieta, nas últimas semanas.
—
É que tenho bastante no que pensar — ela retrucou, lutando contra a urgência
de confessar sua obsessão por Collin Blackburn.
—
Querida, você sabe que é livre para se casar quando quiser. Apenas me informe
o nome dos pretendentes, porque há uma fortuna em jogo e muitos aventureiros à
solta.
—
De novo, não se aflija.
—
Mas você é uma bela mulher e logo encontrará alguém digno. Preocupa-me que
esteja sozinha. Quero vê-la realmente feliz.
Verdade?
O duque não lhe havia enviado um escocês irresistível, seu amante por um dia?
—
Já sou feliz — Alexandra mentiu. — Ao menos por ter um irmão amoroso como você.
Sabe que eu o adoro. Mas agora vamos nos reunir aos demais convidados.
Ele
reservou mais um minuto para examinar a irmã e beijá-la na testa, antes de
suspirar. No instante em que o duque deu o primeiro passo rumo à biblioteca,
Alexandra observou sua mudança para o perfil do anfitrião perfeito. Hart era
bonito e elegante. Ninguém suspeitaria que, por trás das maneiras altivas,
escondia-se um homem carinhoso.
No
segundo dia, a festa seguiu movimentada: desjejum, cavalgada, almoço, passeio
nos jardins e jantar formal, com bolo de aniversário e uma desafinada entoação
de Parabéns a Você. Em todas essas atividades, Alexandra evitava Robert Dixon,
embora este tratasse de colocar-se sempre à mostra. Ela não compreendia o
porquê do próprio comportamento.
Afinal,
não tinha flertado bastante e beijado homens que mal conhecia? Não vibrava com
as peripécias de um namoro, principalmente no início? Bem, além do cansaço,
Alexandra estranhava a presença de tanta gente ao seu redor. Havia se acostumado
com a vida solitária do campo, que ano a ano se tornava mais agradável.
Confusa,
ela ponderou se existia outra causa para seu desencanto. Ocorreu-lhe um nome:
Collin Blackburn.
Tinha
atribuído sua reação a ele aos mistérios do sexo, a seu próprio corpo, a certa
maturidade que a fazia sentir um prazer maior na companhia masculina. Mas era
mais que isso. Estar perto ou ao lado de Collin lhe trazia uma sensação diferente
da que experimentara com outros homens. Ele deixara uma marca profunda em seu
coração e sua alma, algo que poderia ser definido como paixão. Ou amor.
Robert
Dixon também era atraente, apaixonante até. Mas não para ela. Tudo que
Alexandra queria era Collin de volta. Precisava de seus afagos, de sua força
máscula, naquele instante. Mas isso era impossível, pois ele se encontrava
longe, em local ignorado.
Somente
uma vez Collin lhe escrevera. Não uma carta, mas um bilhete impessoal:
Por
questão de minutos, perdi novamente o rastro de Damien St. Claire. Se ele
suspeitar de você, não escreverá mais. Obrigado pela ajuda.
Havia
assinado "Blackburn", reforçando o distanciamento. Por certo, não
sofria por ela. Mas, se Alexandra passava normalmente o dia, de noite ansiava
pelos lábios, mãos e músculos poderosos de Collin. Sonhava com as emoções gloriosas
que ele lhe proporcionava.
Rolar
sozinha na cama, irrequieta, já começava a entediá-la. Por que tinha de ser
Collin?
Alexandra
afofou o travesseiro, gemendo de frustração. Então levantou-se e tirou do
guarda-roupa seu velho traje de montaria. Um galope noturno seria o lenitivo
que buscava. Ao menos em sua noite de aniversário, não pensaria em Collin Blackburn.
Na
varanda escura, Alexandra divisou a brasa e a fumaça de um charuto, empunhado
por um vulto que não reconheceu. O pequeno círculo vermelho moveu-se.
—
Quem está aí? — ela indagou. — Um fantasma?
—
Um fantasma que pode ouvir sua respiração, milady. — Robert Dixon deixou-se
ver, ainda vestido de preto para o jantar. — O que faz aqui fora, tarde da
noite?
—
Tenho negócios a resolver — ela respondeu ríspida.
—
Negócios?
Alexandra
comprimiu seu casaco longo junto ao peito e foi andando em direção ao estábulo.
—
Não quis interferir em algum encontro particular. Perdão.
Ela
poderia dispensá-lo ou seduzi-lo naquele momento. Mas o próprio Dixon tomou a
iniciativa de afastar-se.
—
Não, claro que não — Alexandra o deteve. — Vou ver se minha égua predileta já
sarou e, nesse caso, pretendo montá-la por meia hora ou mais.
Dixon
se aproximou após uma baforada.
—
Não tem medo de andar sozinha no escuro?
—
Esta é a minha casa, o meu território.
—
Sim, entendo. Permite-me acompanhá-la?
—
Oh, não sei. Suponho que...
Ela
hesitou, preparando a desculpa de que aquilo não seria conveniente. Mas também
não o seria sair sozinha e cavalgar até o bosque, àquela hora.
Assim,
ela aceitou o braço que Dixon lhe ofereceu, refletindo que o leve contato
físico era agradável. Admitiu que sua escapada noturna iria contrariar o duque
e aborrecer o guardador do estábulo, que devia estar dormindo.
—
Como sempre faço prevalecer minha vontade — confessou —, nada disto será
surpresa para eles.
—
Alguns homens gostam de mulheres arrojadas — comentou o futuro visconde.
—
Fala por você?
—
Sim. — Dixon parou no caminho, causando tensão em Alexandra.
Em
Londres, ela aprendera a ler no rosto de um homem os sinais do desejo. Esse era
o caso. Mesmo sem resolver até que ponto deixaria seu acompanhante agir,
impressionava-se com o desenho e a firmeza dos lábios de Dixon, com seus modos
sedutores e sua hábil técnica de conquista.
Não
chegou, porém, a vibrar quando ele a beijou, primeiro com certo recato, depois
com progressiva intensidade, até abrir-lhe a boca para introduzir a língua.
Alexandra
ignorou o gosto de charuto e tentou dosar seu beijo de retribuição. Achava
justo dar uma chance a Dixon. Gostava de atiçar um homem, de acender-lhe a
virilidade. E o braço dele, que a prendia pela cintura, pressionava-a contra
si, levando-a a constatar uma firme excitação. Para ela, isso já constituía uma
satisfação, uma prova do poder de sua feminilidade.
—
Tire o corpete, Alexandra — Dixon sussurrou, com voz rouca. — E o calção...
Ela
se afastou abruptamente.
—
Você ficou louco! — ela acusou, dando meia-volta e começando a caminhar
apressada para longe dele.
—
Aonde pensa que vai? — gritou Dixon, com os dedos na braguilha, aparentando
realmente ser alvo de um distúrbio mental.
—
Voltar para casa e falar com meu irmão — respondeu ela, sem olhar para trás.
—
Seu irmão? E pretende me deixar neste estado? — desafiou ele, andando atrás de
Alexandra.
—
Você estava pronto para me atacar, a pretexto de um simples beijo — acusou
ela, mais tristonha do que revoltada.
—
Pois então, trate de se cuidar melhor, no futuro — ele zombou. — Não ofereça os
lábios a qualquer um, no meio da noite.
—
Um cavalheiro não me mandaria tirar a roupa. Por isso, Sr. Dixon, não o quero
perto de mim, nem desta casa. Se não partir daqui ao amanhecer, contarei tudo a
meu irmão, e ele saberá o que fazer com sua grosseria.
—
Você parece estar falando com uma criança.
—
Uma criança que logo encontrará o que merece — ela emendou. — Sem dúvida
nenhuma.
Ante
o insulto e o perigo, Dixon disparou casa adentro, provavelmente para acordar
seu criado e preparar as malas. No jardim, Alexandra rezou para que ele
passasse muitos anos temendo uma intervenção do duque.
Não
havia termo de comparação entre a selvageria de Dixon e a delicadeza de Collin.
Que os arrogantes membros da elite se danassem! Alexandra sairia à caça de certo
bastardo escocês!
Capítulo
III
As
mãos de Alexandra tremeram quando a carruagem alcançou a larga estrada de
Edimburgo, a capital da Escócia. O ar perfumado e a paisagem bonita não a
comoveram, sob o peso da preocupação.
Grande
parte de seu plano se baseava na sorte. A sorte de que Collin participasse da
Feira Hípica anual, a sorte de que ainda estivesse com o coração livre e
pensasse nela com carinho.
Danielle,
a criada, alertou Alexandra para a carranca que lhe distorcia o rosto.
—
Mude de expressão. Não irá conquistar seu homem com uma careta.
Era
verdade. Mas não haviam chegado ao local da feira, e dificilmente Collin
estaria parado numa esquina, de olho na carruagem.
Alexandra
procurou relaxar e sorrir, no momento em que o condutor dobrou uma rua e
alcançou o amplo parque repleto de estábulos e baias, com espaços reservados ao
desfile de animais. Cavalos, montados ou não, estavam por toda parte, e o
movimento de pessoas era intenso.
Seu
plano beirava o desatino. Não pretendia atirar-se de pronto nos braços de
Collin nem dar a impressão de que tinha vindo à procura dele. A feira lhe
fornecera um pretexto convincente para viajar à Escócia, após duas semanas de
preparativos e coleta de informações. Agora, esperava ver Collin tão ansioso
quanto ela própria. Bastava que ele a olhasse.
O
coche não tinha percorrido mais de um terço da rua interna do parque, quando
Alexandra avistou Collin de pé junto a uma barraca, conversando com um amigo.
Nem precisaria descer da carruagem.
—
Ali está ele — apontou.
—
Onde? — Danielle projetou a cabeça para fora da janela.
—
Não faça isso! Ele vai nos ver!
—
Com esse tumulto, não verá nada — rebateu a criada, com sabedoria.
—
Está ao lado da barraca azul. Observe discretamente — pediu Alexandra.
—
Oui. É um belo homem.
Vestido
informalmente, sem paletó nem gravata, com um pulôver de gola em "V"
sobre a pele bronzeada e um charmoso cachecol vermelho, Collin impunha-se pela
estatura e pelo aspecto viril, capaz de despertar em Alexandra a lembrança de
momentos felizes. Ela não podia fracassar, pagando o preço de uma definitiva
humilhação.
A
carruagem avançou devagar, abrindo caminho entre a multidão. Alexandra contava
com bastante tempo. Poderia descansar por um dia e enfeitar-se para o almejado
reencontro. Naquele momento, desejou apenas que ele a visse de relance,
ponderando o que viera fazer em Edimburgo. Supondo-se ,
naturalmente, que Collin não fugisse dela ou se escondesse.
A
carruagem parou a poucos metros da barraca azul.
—
Vai se mostrar a ele ou não? — Danielle riu da nervosa indecisão da patroa.
Collin
prosseguia na conversa com outra pessoa e não percebeu a presença de
Alexandra, que decidira tornar-se visível. Ela suspirou fundo ao olhar pela
janela.
—
Resolveu descer e entrar na barraca para admirar os cavalos em exposição? —
Danielle divertiu-se. — Só não coloque o Sr. Blackburn entre eles...
A
criada riu sonoramente. A angústia, mais que a alegria, apossou-se de
Alexandra.
—
Não poderei me arruinar mais do que já estou — foi sua maneira de repreender
Danielle.
—
Tem razão, milady. Mas o Sr. Blackburn está vindo para cá
O pulso de Alexandra acelerou, já a teria
visto e reconhecido? Ela deixara à criada encarregada de vigiar os passos de
Collin, enquanto torcia para que a carruagem da frente andasse, liberando a via.
Foi o que aconteceu, para alívio dela, e o cocheiro logo ultrapassou os limites
do parque e chegou aos arredores da cidade, numa espécie de hotel-fazenda aonde
Alexandra iria se hospedar.
Era
como se estivesse no campo, e por isso ela inalou fundo, soltando o ar aos
poucos.
—
Oh, Danielle... — murmurou trêmula. — Acha que conseguimos?
—
Claro milady. Ele olhou várias vezes para dentro da carruagem. Parecia pálido
e abatido.
Alexandra
intuiu que Collin não estava doente, apenas surpreso com a presença dela ali,
talvez imaginando uma cálida noite de amor e frenesi.
—
Ele não resistirá — declarou à criada.
—
É fácil seduzir um homem, principalmente em se tratando de milady.
—
Mas ele resistiu a mim, há poucas semanas.
—
Mesmo? — A criada arregalou os olhos.
—
Foi como se eu o aborrecesse e ele quisesse livrar-se. Até agora não entendi
essa atitude.
—
Logo desvendará o mistério, milady — disse Danielle, com um toque francês de
desdém.
Em
sua casa em Westmore, próximo da capital, Collin tirou o cachecol e atirou-o no
chão, com raiva. Havia identificado a carruagem de Alexandra como familiar. Mas
o veículo podia estar emprestado ao gerente da propriedade de Somerhart, onde
o duque também criava e negociava cavalos. Num vislumbre da cabine, ele pensou
ter visto Alexandra, mas não tinha certeza.
—
Precisa de mim? — Fergus, seu administrador, entrou cautelosamente no quarto.
—
Onde você estava?
—
Cumprindo suas instruções, vendendo cavalos na feira. O alazão Devil, do qual
cuidamos por três anos, foi reservado por uma boa soma. — Fergus notou que
Collin não se alegrou com a notícia. — Você está aborrecido com a visita da
jovem inglesa a Edimburgo? Eu a reconheci, por sua descrição.
—
Modere suas palavras, Fergus. Caso se trate realmente de Alexandra Huntington,
ela não veio me visitar, e sim conhecer a Feira Hípica. — Com gestos rápidos e
decididos, ele trocou o pulôver por uma camisa de colarinho e pegou uma gravata
na gaveta.
—
Deixe-me fazer o laço. — O administrador adiantou-se.
—
Você é mesmo um especialista em dar nós, Fergus — ironizou Collin. — Pode me
ajudar, porém calado.
Naquele
instante, ele não queria ouvir nada sobre cavalos, feiras e Alexandra.
Como
sempre, o nó ficou perfeito. Fergus era um homem grisalho, distinto e elegante,
além de bom negociador. Vestia-se com roupas bem-talhadas, geralmente trazidas
de Paris. Por isso, tinha sido cumprimentado por jovens francesas na feira, as
mesmas que olhavam reprovadoramente para Collin, em trajes informais, até
descobrirem que se tratava de lorde Westmore.
—
O que está brilhando em meu peito? — ele perguntou, mirando-se ao espelho.
—
Coloquei um alfinete de gravata, com um ponto de diamante na extremidade. É
uma bela criação da melhor joalheria francesa...
—
Fergus, você sabe que eu...
—
Boa noite, Collin. Tenho um encontro. — Ele bateu a porta. Avesso a jóias e
adornos, Collin não podia retirar o alfinete sem arruinar o nó feito pelo
administrador. Resignado, vestiu o casaco e tomou a carruagem que o aguardava
na frente da casa. Por seu gosto, iria a cavalo até o baile comemorativo da
Feira Hípica. Mas, num assomo de preocupação com a aparência, preferiu não
amassar o vinco da calça.
Claro,
Alexandra tinha a ver com isso. Ultimamente, evitava comparecer a festas e
bailes, onde era visada por falsos moralistas. No entanto, fora da Inglaterra,
talvez viesse ao importante evento social, até mesmo por interesses
profissionais.
Não,
ela não estará no clube, pensou Collin, já no interior do veículo. Lembrava-se
em pormenores do encontro íntimo que, por dias e semanas, alimentara seus mais
vividos sonhos.
Céus!
O corpo, a pele, os cabelos, os lábios de Alexandra! Lábios que havia saboreado
em meio a uma intensa atração. Collin pensara em voltar a Somerhart, com a
desculpa de falar sobre St. Claire, mas Alexandra poderia tomar sua presença
ali como um insulto. Afinal, prometera passar-lhe qualquer nova informação.
A
luxúria aos poucos se dissiparia, acreditava, e tudo voltaria ao normal, sem
ilusões. Agora, porém, descobrira um traço dela em Edimburgo. Precisava
encontrá-la. Fora preconceituoso ao avaliar Alexandra por seus amantes
anteriores. Ela pertencia a um padrão diferente, embora sofresse difamações
por causa de seu comportamento liberal. Tudo se complicara graças a um duelo
de honra e à morte de seu meio-irmão.
No
enorme salão circular do clube, iluminado por possantes velas encaixadas em
candelabros de cristal, Alexandra admirou-se com o fato de que os bailes em
Edimburgo pareciam planejados para serem mágicos. O lugar era um palácio de
luz, e nada como chamas de velas para impregnar de romantismo e fantasia o
ambiente.
Estava
determinada a relaxar e aproveitar a festa. Por certo, nem todos os convidados
eram escoceses. Todavia, como não se achava em Londres, poucas pessoas ali a
conheciam, de vista ou de fama.
Uma
delas era lady Drummond, que lhe conseguira o convite e agora a abordava com
elogios ao vestido azul de talhe francês.
—
Apesar de inglesa, você sabe se vestir bem ao estilo de Paris — observou a
amiga.
—
Minha mãe era francesa. Devo ter aprendido alguma coisa com ela — respondeu
Alexandra.
—
Então, não deixe que o sangue francês lhe cause mais problemas — comentou lady
Drummond, provocando surpresa. — Sei das indiscrições que correm em Londres,
querida, mas todos nós temos nossos pecados, públicos ou privados, e eu nunca
os levantaria contra você.
Alexandra
pestanejou com força, fiando-se na palavra da maternal senhora.
—
Só vou lhe dizer mais uma coisa. Se você estivesse com um amante escocês, ele
teria trancado a porta do quarto.
—Oh!—Alexandra
teve de sorrir, embora perplexa. —Com certeza.
Conforme
a mulher mais velha se afastou, ela teve a chance de examinar o salão repleto.
Subiu ao mezanino que proporcionava uma visão total do ambiente. Por meia
hora, tentou avistar Collin Blackburn, em vão. Sorriu para um
homem que a assediou, meneando negativamente a cabeça. Era melhor que Collin a
visse sozinha. No entanto, se quisesse encontrar-se com ela, teria vindo ao
baile, ao menos para tirar a dúvida quanto à sua presença na Escócia.
A
ansiedade levou Alexandra, por mais meia hora, à porta do salão, como se tal
atitude cristalizasse a aparição de Collin fora de sua mente. Já havia
retornado ao mezanino quando ele surgiu na entrada, vestido formalmente com
terno e gravata.
Um
delicado suspiro cruzou o ar à frente dela. Só não se arrepiou porque a mulher
ruiva e esguia a seu lado, que a andara observando, puxou conversa.
—
Já não nos conhecemos de algum lugar? — indagou a ruiva.
—
Creio que não... — De relance, Alexandra seguiu os movimentos de Collin.
—
Tenho certeza. Vou me lembrar.
—
Desculpe-me pelo equívoco. Sou Alexandra Huntington — apresentou-se,
rendendo-se à simpatia da outra. — Muito prazer.
—
Jeanne Kirkland, a seu dispor. — A voz suave acalmou Alexandra.
—
Não sei como não a reconheci. Você tem os cabelos mais lindos que já vi.
A
ruiva ficou corada, o que lhe acentuou as sardas. Alexandra riu, enquanto
Jeanne lhe tocava o braço nu com a mão e espiava, por sobre seu ombro, a
confusão reinante no salão, lá embaixo.
—
Um homem está vindo em sua direção, com olhar feroz. Quer que eu o intercepte?
—
Não! — Alexandra quase gritou. — Deixe que venha.
Rindo,
Jeanne passou a acenar alegremente à pessoa em questão. Restou a
Alexandra virar a cabeça e olhar no mesmo sentido, a fim de ver de quem se
tratava. Seu pressentimento se confirmou: era Collin Blackburn.
Nunca
o havia visto tão impecavelmente vestido, com um diamante cintilando na
gravata. A compleição atlética lembrava o modelo de uma escultura, e os olhos
escuros a envolveram, sugerindo tantas dúvidas que Alexandra quase abandonou
seu plano de demonstrar recato. Rapidamente, obrigou-se a relaxar e sorrir, e
deu um passo à frente.
—
Lorde Westmore! Que prazer inesperado! — ela entoou no timbre mais sedutor que
pôde encontrar.
A
caçada havia se iniciado.
Lá
estava ela, afinal, a mulher que o fizera sentir-se tão infeliz. E agora, como
agir? Alexandra veio para perto dele, proporcionando-lhe a visão da pele
aveludada. Mais dois passos e Collin poderia inclinar-se e beijá-la.
—
Vejo que sabe quem é minha amiga, lorde Westmore — disse Jeanne Kirkland, a
jovem ruiva que, esta sim, Collin conhecia desde a infância.
—
Amiga? — ele estranhou.
—
Uma nova amizade, a bem dizer. Muito simpática.
—
Sem dúvida. — Collin voltou o olhar caloroso para Alexandra. — O que veio fazer
aqui?
—
Vim comprar cavalos para meu irmão, ou pelo menos averiguar as cotações do mercado.
— Os lábios rosados, movendo-se durante a fala, despertaram em Collin a vontade
de senti-los em sua pele. — Mas é maravilhoso revê-lo.
Ele
engoliu em seco, admirando o vestido, o semblante, o brilho de Alexandra, até
que Jeanne deu uma tossidela.
—
Nos falaremos mais tarde, Collin — disse ela, sorrindo. — Alexandra, foi um
prazer conhecê-la.
Afastou-se
sem ser notada, pois Collin e Alexandra só tinham olhos um para o outro.
Com
uma das mãos no cotovelo de Alexandra, Collin a conduziu até o jardim dos
fundos, onde o vento frio instigava a um abraço apertado. Ele fez menção de
tirar o casaco, mas Alexandra o demoveu da idéia.
—
Não tire — ela pediu. — Você está lindo, assim.
—
Lindo?
O
elogio o fez empertigar-se e sentir o sangue correr mais rápido nas veias. Confundia-o
fato de uma mulher como Alexandra estar obviamente atraída por ele. Não era
cego. Ela o devorava com os olhos. E quando a viu remover a luva para ajeitar
um cacho de cabelos atrás da orelha dele, Collin a puxou para si e beijou-a com
todo o poder da necessidade que experimentava reprimida por meses. Um
delicioso calor os aproximou e os uniu ainda mais.
Alexandra
fez os dedos dançarem na nuca de Collin, mas não era uma provocação vazia. Ela
se entregava aos lábios dele com paixão, sugando-os até abri-los e introduzir a
língua. Adorava sentir o gosto daquela boca perfeita.
Collin
chegou a levantá-la do chão, a fim de alinhar melhor os corpos e sentir tanto o
volume dos seios quanto o baixo-ventre pressionado contra o músculo rijo em
sua virilha.
Subitamente,
as vozes de outro casal, próximo dali, arrefeceram o entusiasmo de ambos. Eles
se afastaram para mais longe, em meio às sombras e plantas perfumadas.
—
Por que veio, afinal? — Collin tornou a perguntar.
—
Senti sua falta.
—
Pensei que já tivesse me esquecido.
—
Oh, Collin... Quisera poder esquecê-lo.
—
Entendo perfeitamente. — Ele tentou fazer graça, porém Alexandra prosseguiu
séria:
—
Você mexe comigo, Collin Blackburn. Sabe disso. Mas preciso viajar de volta
amanhã cedo.
—
Como? Por quê? — Um traço de pânico distorceu a voz dele.
—
Quero ir para casa. Não vamos fingir que você me convidaria a ficar.
—
Não... — Collin disse sem pensar, praguejando em seguida contra si próprio.
—
Você me procurou no salão, trouxe-me ao jardim, me agarrou e me beijou com
voracidade. O que deseja da vida, Collin? Certamente, não uma companhia para
passear.
—
Não. Você sabe o que eu quero.
—
Costumo assumir minhas vontades. Eu o quero na minha cama, sim. Se você tivesse
o mesmo objetivo, nós já estaríamos deitados nela.
—
Céus! Quer que eu durma com você esta noite, sacie o meu desejo e depois pule a
janela antes do amanhecer?
—
Não. — Taxativa Alexandra mostrava que tinha brio.
—
Então, talvez seja melhor eu deitá-la aqui no chão ou apertá-la contra o muro.
—
Não — ela repetiu, admitindo que era um pouco cruel, com Collin e consigo mesma.
—Quero que você volte à Inglaterra.
Ele
resmungou mais uma praga, frustrado. Ponderou como Alexandra tinha o dom de
decepcioná-lo.
—
Ouça Collin. Dentro de uma semana, vou para longe dos limites da propriedade de
Somerhart. Tenho uma pequena casa, um chalé isolado, herança de minha mãe. Por
que não me encontra lá?
—
Encontrar-me com você? — Ele a fitou, incrédulo.
—
Sim, fique comigo. Uma semana ou duas. O tempo necessário para matarmos a
saudade.
A
memória de Collin lhe trouxe imagens do corpo nu de Alexandra e dos gloriosos
momentos de intimidade. Ficar com Alexandra! Era um pensamento maravilhoso, mas
também absurdo. Todas as razões para evitar fazer amor com ela lhe voltaram à
mente. Já não se incomodava em frustrá-la. Porém.. .
—
Onde fica o chalé?
Alexandra
sorriu, gratificada, deu gritinhos, abriu os braços e estreitou Collin contra
si, cobrindo-lhe o rosto de beijos.
—
Calma. Ainda não disse que vou.
Em
seu íntimo, contudo, avaliou que a sorte estava lançada. Ele a teria de um modo
ou de outro. Ou ela teria a ele.
—
Esta noite — Collin sussurrou —, fique em Edimburgo e durma em minha casa.
—
Não — Alexandra o surpreendeu. — Quero estar sozinha com você. Sem criados, sem
vizinhos, apenas você. — Ela suspirou. — Meu chalé na floresta é perfeito.
Ninguém saberá.
Uma
indesejável ponta de ciúme perturbou Collin.
—
Você já esteve lá antes, com outro homem?
—
Não! — ela rebateu, em tom escandalizado. — Claro que não! Fui somente uma vez,
com minha família.
Collin
gostaria de acreditar nela. Desejava ser uma exceção na vida de Alexandra,
alguém especial, não apenas mais uma aventura da mulher livre que mostrava
tanto pendor para a paixão. Não havia sido o primeiro amante dela, mas o quarto
ou o quinto. Não importava. Ou, por outra, não deveria importar.
—
Desculpe-me. Sou mesmo desastrado com as palavras. Foi ciúme. Não acontecerá de
novo, porque também não sou virgem. — Collin adotou um esgar estranho. — Se eu
lhe contasse meus pecados...
—
Conte apenas um, pequeno ou grande. — Alexandra riu novamente feliz, enquanto
Collin continuava carrancudo.
—
Nunca confessei a ninguém...
—
Um pecado secreto!
Ele
julgou que uma inconfidência daquele porte o redimiria perante Alexandra.
Pensou bem antes de falar, para não causar um novo desastre.
—
Minha primeira vez — Collin disse pausadamente — foi com uma mulher casada.
—
Para a Igreja Católica, o adultério não é um pecado mortal? — Alexandra
comentou, sem assombro, mas com humor.
—
Não sou católico — ele atalhou.
—
Bem...
—
De todo modo, foi uma atitude errada e senti vergonha, depois.
—
Bem, é natural.
—
Em minha defesa, posso dizer que eu era muito jovem, ansioso por aprender os fatos
da vida.
—
E eu só posso dizer que você aprendeu muito bem. — Alexandra riu de novo e, a
cada vez que isso acontecia, ela se tornava mais encantadora e desejável.
Pacificado,
Collin entrelaçou os dedos com os dela, como namorados cheios de pudor. Retomaram
a caminhada pela trilha do jardim, entre canteiros floridos. Não notaram a
presença de ninguém. No interior do clube, a festa devia estar no auge, por
isso ninguém trocava o baile por um passeio ao ar livre.
—
Alguma novidade sobre Damien St. Claire? — ela perguntou com cautela.
—
Não. Nem mesmo sei se continua na França. Ele fugiu pela porta dos fundos,
quando invadi seu apartamento, no endereço que você me deu.
—
Você foi até lá sozinho?
—
Achei melhor — Collin esclareceu. — Creio que nunca mais ouviremos falar dele.
St. Claire sabe que você me passava informações.
Entre
as sombras, sensível ao estilo provocante de Alexandra andar, ele não resistiu
a uma nova proposta:
—
Podemos ir até o portão, e depois eu a levo para casa.
—
Não, obrigada. Minha carruagem está à espera. — Ela suspirou, parecendo
aborrecida. — Gostaria mesmo é de dançar com você.
—
Eu não danço — Collin respondeu, despertando surpresa. — Como filho ilegítimo,
vivi segregado da sociedade até à idade adulta. Então, perdi o interesse por
aprender.
—
Posso ensiná-lo.
—
Seria ótimo, mas não esta noite. Talvez em seu chalé, na Inglaterra.
—
Adorei ouvir isso. — Ela se empolgou ainda mais, e seu olhar malicioso levou
Collin a fantasiar com os momentos deliciosos que não tardariam.
Rendendo-se
ao inevitável, ele parou, olhou para ela e beijou-a no rosto.
*
* *
Jeanne
Kirkland reuniu toda a paciência do mundo para esperar, na porta do saguão.
Vira Collin e Alexandra afastarem-se juntos pelo jardim, provavelmente à
procura de um local ermo nos fundos do terreno. Quase uma hora depois, Collin
voltou ao salão de baile.
Era
um homem mudado, sem irradiar tensão nervosa, agora substituída por uma
visível alegria, talvez um estado de felicidade mesclado ao cansaço. Para
Jeanne, era certo que ele e Alexandra...
Collin
se aproximava depressa e Jeanne saiu de trás da coluna que a ocultava. Avançou
pelo saguão ao encontro dele, mas não foi percebida até tocar-lhe o braço.
Estavam junto a uma sucessão de portas, num corredor deserto. O lugar perfeito
para seu propósito.
Ele
a olhou com certa estranheza, pois Jeanne o examinava da cabeça aos pés, com ar
de deslumbramento.
—-
Collin Blackburn, o que são essas pequenas pétalas de flor em seus cabelos? —
ela o interpelou sem cerimônia.
—-
O quê? — Por via das dúvidas, Collin espanou a cabeça com os dedos. — Ora,
Jeanne...
—
Você me espanta com suas travessuras. — Ela imitou o sotaque pesado da avó,
mulher que havia enterrado três maridos. — Com quem estava? Conte-me tudo.
—
Ela é sua amiga, não?
—
Oh, esqueça. Devo alertá-lo de que, no caso de um encontro no jardim, o homem
tem de aguardar a mulher entrar primeiro e vir depois, para não dar na vista.
Alexandra perdeu-se no pátio?
—
Não, já foi embora.
—
Para esperá-lo dentro de um quarto? Você me envergonha lorde Westmore.
—
Somos amigos — ele tentou iludi-la.
—
Vejo paixão em seus olhos, Collin. Nunca esteve tão perturbado por causa de
uma mulher. E já usa um diamante na gravata, coisa que jamais fez por mim.
Claro,
tratava-se de ciúme. Dele, de Alexandra ou de ambos.
—
Jeanne, ela é irmã de um duque. Não fizemos amor no jardim e com certeza não a
pedirei em casamento.
—
Muito bem. Quero o endereço dela.
—
Vou providenciar. Alexandra mora em Somerhart, em Yorkshire. Mas , por
favor, não tente fazer o papel de casamenteira.
—
Nem sonhando... — retrucou Jeanne antes de correr para o salão, sem um pingo de
piedade de seu amigo favorito.
Quatro
horas de viagem, e ela chegaria ao chalé no meio da floresta. Collin viria logo
depois. Irrequieta, Alexandra afundou na cabine da carruagem, apertando as
mãos, incapaz sequer de imaginar sua primeira noite na casa sem a companhia
dele.
O
bom humor da criada Danielle não a acalmou. Só mesmo cavalgando um pouco.
Alexandra bateu no teto da cabine, sinal para o cocheiro parar, e ordenou-lhe
que desengatasse a égua Brinn dos tirantes. O veículo poderia perfeitamente
prosseguir tracionado por um só cavalo, embora com perda de velocidade.
O
galope à frente da carruagem e o vento no rosto funcionaram como
tranqüilizantes para Alexandra. Numa curva da estrada, Alexandra avistou um
cavaleiro solitário entre as árvores, que parecia aproximar-se rapidamente.
Talvez fosse Collin, que, tendo chegado mais cedo, decidira seguir a carruagem
em nome da segurança da viajante.
Quando
a distância se reduziu, ela reconheceu quem era: Damien St. Claire! Ali, na
Inglaterra! Devia tê-la seguido desde a residência em Somerhart. E agora?
Alexandra
estava sozinha, e St. Claire já havia provado ter boa pontaria com a pistola.
Collin tinha dito que ele sabia de sua traição, ao dar-lhe o endereço. Talvez
tramasse vingança. Suspirando, ela puxou as rédeas de Brinn e gritou:
—
Damien! — A surpresa pelo chamado talvez o demovesse de suas intenções. De
qualquer maneira, Alexandra ganharia um tempo precioso, até ser alcançada pela
carruagem.
—
Minha cara lady Alexandra! — exclamou St. Claire em tom irônico, que ela
preferiu ignorar, quando emparelhou seu animal com o dela.
—
Não acredito que esteja aqui! O que veio fazer? As coisas não deram certo? — Alexandra
procurou mostrar-se calma. — Se voltou à Inglaterra, é porque tudo anda bem.
—
Tudo? — ele ironizou mais uma vez, apertando os olhos hostis.
De
ombros estreitos e queixo fino, Damien não era atraente como um dia tinha
parecido a Alexandra. Ademais, mostrava-se despreocupado em disfarçar a própria
raiva ou frustração.
—
Sua ingenuidade é um bálsamo — ele acrescentou, e Alexandra realmente temeu por
sua vida ou a de Collin. — Não, nem tudo anda bem.
—
Então, por que veio? Sabe que corre o risco de ser preso. —Justamente, você é
minha única esperança de ficar seguro.
—
Ora, Damien!
—
Verdade. Não conhece Collin Blackburn?
—
Collin... — Ela fingiu pensar. — Acho que não, mas já ouvi o nome.
—
Ainda bem, pois esse homem é um facínora, um escocês abrutalhado que não sabe
se comportar.
—
Não me diga que ele está atrás de você.
—
Sim, está. E o meio-irmão de John Tibbenham.
—
Nesse caso, você pode ser agredido ou...
—
Ou morto. Sei me defender de inimigos igualmente honrados, mas desse homem...
Receio ser assassinado enquanto durmo. Preciso de sua ajuda, Alexandra.
—
Claro. — Ela torceu-se por dentro a fim de soar convincente.
Damien
St. Claire exibiu algum alívio, mas não enganou Alexandra. Ela sabia que ele a
considerava uma pessoa simplória, além de uma decaída, de moral duvidosa. Por
isso, surpreendeu-se com o que St. Claire disse em seguida:
—
Sempre almejei que, uma vez assentada a poeira, eu pudesse pedir sua mão. De
uma maneira gentil, civilizada, sem levar em conta o passado.
Felizmente,
naquele instante, a égua agitou-se e, lidando com as rédeas, Alexandra não
precisou responder de imediato.
—
Quero levar uma vida nova com você, na América — ele completou. — Uma vida boa.
—
Na América? É tão longe!
—
Sim, mas se exigir que eu peça de joelhos, não me incomodo em fazê-lo. Você será
recompensada, claro, assim que nos estabelecermos.
A
mente de Alexandra disparou em busca de uma solução. Ela não podia dar as
costas a St. Claire e voltar para casa. O duque se encontrava em Londres e não
retornaria tão cedo. Collin devia estar a caminho da floresta. Quem a
defenderia do maluco que, na prática, tinha assassinado John?
O
juiz local, homem pacato, seguramente não enfrentaria St. Claire. Alexandra
dependia mesmo de Collin. Para facilitar a perseguição do escocês a St. Claire
resolvera não dar a este mais nenhum dinheiro. As circunstâncias, porém,
impunham medida diferente.
—
Tenho vinte e cinco libras na minha bolsa. Seria o suficiente para você fugir
e se esconder? — Como ela previa, o rosto dele distorceu-se numa careta.
—Vinte
e cinco libras? Isso não pagaria nem uma cama num porão.
—
Imagino — retrucou Alexandra, agora um pouco mais serena. — Meu irmão, o duque,
descobriu, não sei como, que eu lhe dava dinheiro. Cortou minha verba.
—
Entendo. Ele deve tê-la visto saindo de casa para algum encontro. Aliás, onde
está indo agora?
—
Eu? — Ela hesitou antes de formular outra mentira. — A Greendale, fazer
compras. Há uma excelente loja de tecidos, na qual o duque tem conta aberta.
—
Suponho que você não possa sacar mil libras em espécie.
—
Não, mas... — Alexandra captou o que St. Claire tinha em mente. — Mandarei de
Greendale um recado a meu irmão, e no sábado virei entregar-lhe o dinheiro,
neste mesmo local.
—
Quase uma semana! — St. Claire queixou-se.
—
É o tempo que demora. Enquanto isso permaneça escondido. — Ela criou coragem
para acrescentar: — Meu irmão me disse que você queria matar John, e eu
respondi que não podia ser verdade.
—
Claro que não. Foi um mal-entendido. Se eu conseguisse voltar no tempo...
—
Sei. — Alexandra meneou a cabeça, pensando em como gostaria de oferecer a
Collin a cabeça de St. Claire numa bandeja.
Uma
semana com Collin era o que ela mais ambicionava. Depois, porém, lhe daria o
que ele mais queria: pôr as mãos em St. Claire.
Alexandra
se levantou da cadeira de balanço, de pés descalços, e olhou o horizonte.
Abriu os braços e respirou na varanda o aroma de madeira velha que já vinha
inalando por duas horas de espera.
Collin
não dera sinal de vida. Mas ele haveria de chegar.
Qual
uma camponesa, Alexandra trajava o mínimo possível de roupa. Ficara pronta para
as mãos de Collin, que teria pouco trabalho em tirar-lhe o vestido e acessar
seu corpo fremente de paixão. Se fosse para viver uma fantasia, daria o melhor
de si para seduzir Collin. Imaginou que toda jovem camponesa, pelo menos uma
vez, teria feito amor sobre a palha de um estábulo.
Seus
sentidos precisavam ser apaziguados, e com urgência.
Finalmente,
para seu alívio, Collin surgiu ao longe, trotando em seu cavalo. Com um largo
sorriso no rosto, e cantarolando baixinho, Alexandra contou até vinte e correu
para fora, a fim de encurralar sua presa.
Pela
fachada, a casa pareceu sólida e limpa, mas Collin foi levado por Alexandra
diretamente ao pequeno estábulo, onde poderia deixar o cavalo. E também onde
poderiam ficar à vontade.
—
Apresento-lhe nosso ninho de amor — disse ela, indicando um monturo de feno e
palha, com a altura de uma cama.
Collin
riu, mas respeitou a fantasia bucólica de Alexandra, que já oferecia os lábios.
Ele a tomou nos braços e beijou-a, ao que ela reagiu freneticamente,
transpirando desejo por todos os poros.
Ao
primeiro movimento de Collin no sentido de remover o casaco empoeirado,
Alexandra o ajudou, aproveitando para deslizar as mãos pelo peito musculoso e,
depois, pelo abdômen de Collin, até alcançar a parte mais sensível de seu
corpo. Não demonstrava a menor vergonha.
—
Não lhe prometo delicadeza desta vez, Alexandra. Talvez amanhã.
Ela
meneou a cabeça, assimilando o conceito, e nesse balanço roçou seus lábios
ardentes nos de Collin. Era uma mulher incrivelmente provocante, ansiosa por
ser saciada.
Collin
tirou a camisa, afrouxou a calça e contemplou deslumbrado, o corpo nu de
Alexandra, de pé diante dele, terminando de soltar o vestido que parecia
escorregar por suas curvas.
—
Vai acabar comigo antes mesmo de começarmos... — ele murmurou, ponderando que o
caçador havia se tornado a caça.
Sentado,
Collin pressionou a cabeça na cintura de Alexandra, que a agasalhou contra si.
Em movimento ascendente, ele alcançou os seios com a boca. Na seqüência,
desceu e vibrou a língua no ventre dela, continuando até o portal oculto da
feminilidade que o arrebatava.
—
Não imagina o quanto sonhei com isso, Collin — ela sussurrou. — Desde aquele
dia, no estábulo...
Ele
sorriu, satisfeito por dar prazer àquela mulher ardorosa, mas sua excitação
também demandava carícias igualmente ousadas. Alexandra as ofereceu de bom
grado, após inverter as posições e livrar-se da roupa que ainda cobria aquele
corpo tão desejado.
Com
um gesto impaciente, Collin deitou-a para trás e começou a penetrá-la. Ambos
arfaram já na primeira investida, pressionando os corpos um contra o outro,
vivenciando aquela conjunção plena. Alexandra arqueou as costas, como que numa
súplica silenciosa, e gritou quando ele a invadiu por completo.
Sentindo
o corpo feminino se contorcer de prazer sob o seu, Collin acelerou os
movimentos, enquanto deslizava as mãos pelo corpo de Alexandra e a beijava
apaixonadamente na boca.
De
repente, Collin percebeu algo estranho, como se, em meio aos gritos de êxtase,
encontrasse uma espécie de tensão e resistência por parte de Alexandra.
Aturdido,
suspeitou que alguma coisa estava errada. Só se deu conta do que era quando,
depois que sua seiva jorrou para dentro do corpo dela, ela o empurrou pelos
ombros, na tentativa de se libertar, e ele viu que um filete de sangue havia
vertido do corpo de Alexandra.
À
medida que retornava bruscamente à realidade, Collin recuava sobre o monte de
palha e feno, fitando Alexandra com perplexidade.
Não
era possível que tivesse lhe tirado a virgindade! O sangue devia ser uma
decorrência do fluxo mensal, era a única explicação. Mas, e a barreira que ele
sentira vividamente romper-se dentro dela, e os choramingos e contrações de
dor misturados aos gemidos de prazer?
Com
o rosto pálido, Alexandra ainda tremia nua sobre o feno, apertando as mãos no
ventre. Eram desnecessárias quaisquer palavras. Agora, querendo ou não, teria
de se casar com ela.
Era
o tipo da novidade que Jeanne Kirkland gostaria de saber.
Capítulo
IV
Eu
não o enganei para forçá-lo a se casar comigo — declarou Alexandra mais tarde,
já dentro do chalé, ambos recompostos e sentados diante da acolhedora lareira
acesa na sala. — Você sabe muito bem que não foi o primeiro.
—O
que você fez com os outros, Alexandra? Apenas brincou, sem consumar a relação?
— Collin continuou a questioná-la.
—
Não é nada disso, Collin. Escute, não quero me casar com você, apenas...
—
É tarde demais — ele atalhou, revendo mentalmente o filete de sangue que era a
prova da trapaça. — Céus! É deprimente, forçar um casamento que eu nunca
encorajei. Você é inglesa, irmã de um duque e dama da corte, embora desprezada
por seu comportamento libertino. Mas o que vou fazer com você numa fazenda de
criação de cavalos?
Uma
pequena banqueta voou rente ao chão, impelida por um chute de Collin. Alexandra
suspirou, alarmada e ferida por dentro. Pressentia que Collin estava infeliz,
mas não imaginava que pudesse ficar com tanta raiva. Bem, o que isso importava,
naquele momento?
—
Você era virgem, até hoje. Poderia ter se casado com qualquer um. Por que
preparou esta armadilha?
Ela
conteve as lágrimas, assim como o impulso de esbofetear Collin.
—
Não seja tonto! — gritou, em vez de agredi-lo. — Por que eu iria querer me casar
com você? Isso nunca fez parte dos meus planos.
Ele
continuou circulando pela sala, de um lado para o outro.
—
Sou rica, Collin Blackburn. Mais do que você conseguiria ser com seus cavalos.
Levo a vida que escolhi para mim. Por que pensa que eu sonharia em me casar com
um bastardo escocês?
A
expressão, partindo de Alexandra, surpreendeu Collin, que parou de andar e
fixou nela um olhar sombrio.
—
Não procuro casamento, seu tolo. Procuro satisfação sexual, como já deve ter
percebido. Realmente, qual a vantagem de ser chamada de rameira, se não puder
aproveitar isso de vez em quando?
—
Você é uma egoísta, isso sim — rebateu Collin, ainda exaltado. — Sempre
manipulou os homens. Arruinou a vida do duque e a sua própria, a de meu irmão e
agora a minha.
Ele
respirou fundo. Não tinha terminado de falar.
—
Fui mais um de seus brinquedos eróticos, não? Alguém para entreter você e
satisfazê-la. Pelo menos foi bom entregar-se a um bastardo escocês?
—
Não, nem perto do que eu esperava.
O
tom neutro de Alexandra mascarou a verdade, ou a mentira. Ela também se
enfurecera com a situação, mas suas palavras irrefletidas fizeram Collin
perder a cabeça. Alexandra recuou preventivamente ao vê-lo levantar o braço
para desferir-lhe um tapa. Olhou-o com tamanho desprezo que ele desistiu e
simplesmente correu a mão pelos cabelos.
—
Pensa que sou um animal, Alexandra? Por isso me desejou? Para sentir a emoção
de ser atacada?
—
Não, eu... — À medida que se acalmava ela sentiu um nó na garganta e deu vazão
às lágrimas. — Queria apenas estar com você.
—
Sabia que eu não iria querer deflorar você, que nunca teria me deitado com você
se soubesse...
—
Nunca menti para você. Está somente supondo coisas.
—
Admito você tem razão. — Collin se sentiu tocado pela tristeza de Alexandra. — E
vai se casar comigo, quer queira, quer não.
—
Não vou.
—
Contarei a seu irmão tudo o que aconteceu.
—
E eu negarei tudo... Direi que era virgem quando me possuiu. O duque sabe de
minha vida. Acreditará que você está atrás de minha fortuna.
Ele
afastou-se um pouco, com os olhos claros e frios medindo Alexandra até concluir
que a beleza dela era mais perigosa do que havia imaginado.
—
Jura que fará isso? — Collin quis certificar-se.
—
Juro.
—
Veja que absurdo. Não quis desonrar você quando tinha fama de vadia. Agora me
causou profunda mágoa.
—
Sinto muito. Não pretendo me casar nunca. Sou uma mulher livre e tenho orgulho
disso.
—
Não seja infantil — ele sentenciou, no mesmo tom zangado. — Você não é livre.
Onde estão seus amigos, seus pretendentes? É livre para vestir-se de rapaz e
escandalizar os camponeses. Mas, e quanto a um marido e filhos?
—
Já disse que...
—
Seu irmão vai se casar um dia terá família própria. Que tal se a esposa do
duque não aceitar sua presença na casa ou na administração da propriedade?
Alexandra
sorriu, procurando não parecer cínica.
—
Meu irmão jamais teria uma mulher que me hostilizasse.
—
Desse modo, você só está limitando a escolha dele.
Quando
ela ajeitou os cabelos com a mão, deduziu que sua aparência era péssima.
Franziu o cenho. Felizmente, Collin não percebeu sua fútil preocupação, pois
continuava focalizando o chão da sala. Além de não olhar para ela, também nada
disse ao sair e bater a porta.
Alexandra
sentiu fraqueza nos joelhos e se sentou no sofá. Não imaginara que Collin
ficaria tão furioso. Pelo que sabia todo homem se orgulhava de deflorar uma
mulher. Seguramente, a situação tinha intrigado e assustado Collin.
Sob
o peso da culpa, ela recostou-se e socou o estofamento.
—
Estúpida! Idiota!
Seu
plano não tivera êxito. Tinha se libertado da maldita virgindade, mas agora
estava ali sozinha, cheia de remorso.
Collin
agora a odiava. Havia baseado sua censura e rejeição em princípios morais que
ela não imaginava que ele tivesse.
Mas,
desde Adão e Eva, não era sempre a mulher que levava a culpa?
Depois
da primeira experiência com ele, meses antes, Alexandra ficara ansiosa por
completar o ato de amor, certa de que, após aquele prelúdio, tudo ocorreria em
grande estilo. Talvez, ela ponderava, ele nem notasse que ainda era virgem,
após contatos íntimos com Damien St. Claire e outros.
Sabia,
por conversas com Danielle, que a condição de donzela nem sempre ficava
evidente. No entanto, sua anatomia a havia traído, por meio de um sangramento
indisfarçável. Ela examinou o pano úmido que mantinha entre as pernas e atirou-o
longe.
Curioso.
Agora Alexandra estava convencida de que a relação carnal existia para o
prazer do homem. Ao menos para ela, as preliminares do ato eram tão intensas
que valia a pena suportar a penetração, menos prazerosa. Lamentava, contudo,
ter magoado Collin, declarando que não tinha gostado.
Ele
a chamara de egoísta e a abandonara, mas ainda devia estar por perto.
Alexandra
saiu do chalé, rumo ao pequeno estábulo, e esperou que sua vista se adaptasse
ao escuro. A porta estava aberta, mas não havia nenhuma luz nem som, exceto a
respiração dos cavalos sonolentos.
Praguejou
baixinho e logo em seguida orou para que Collin estivesse deitado ali, sobre o
monte de feno e palha que ela própria havia preparado com carinho. O que lhe
diria? Ê se ele gritasse impropérios contra ela?
Não,
Collin não estava dentro do estábulo, mas seu cavalo sim, o que significava que
não havia tomado a estrada de volta. Além disso, o vilarejo mais próximo ficava
a alguns quilômetros de distância. Onde ele estaria?
Sem
opção, Alexandra retornou ao aconchego do chalé. Pensou em preparar alguma
coisa para comer, mas não sentia fome. Era melhor dormir, esquecer aquela
noite horrível. Apagou os lampiões e subiu a escada, levando uma lamparina.
No
quarto, despiu-se lentamente e banhou-se com uma esponja. Sentiria falta do
calor másculo de Collin junto a seu corpo.
Deitaria
numa cama fria e solitária.
*
* *
Ao
raiar do dia, Collin acordou e esfregou o rosto com as mãos. Havia se
embriagado com o conhaque que trouxera na bagagem e adormecera ao relento,
perto de uma árvore. A lembrança dos fatos da véspera retornou aos poucos, mas
sua única alternativa era retornar ao chalé de Alexandra.
—Uma
xícara de chá, senhor?—Ele ouviu assim que cruzou a porta.
—
Não — resmungou. — Quero dizer, sim.
Uma
mulher estranha, de meia-idade, ocupava a sala em meio às sombras que ainda
resistiam ao sol.
—
Seu quarto está arrumado, senhor, e se quiser refrescar-se há uma bica d'água
logo depois do estábulo.
—
Obrigado. — Examinou a figura, sem dúvida a de uma criada da casa, mas que não
pousava ali. Espanou sua roupa empoeirada, e só depois teve pena do trabalho
que daria à empregada.
—
O senhor também pode apanhar toalhas no quarto — disse ela, conciliadora.
Collin
olhou com nervosismo para os degraus. Descartou a possibilidade de subir
naquele momento e deparar com Alexandra.
—
Ela não está — informou a mulher, como se lhe adivinhasse o pensamento. — Saiu
para cavalgar, antes de o sol aparecer.
Um
frio intenso envolveu o coração de Collin. Com raiva, Alexandra o abandonara à
própria sorte, desaparecendo de sua vista tão subitamente quanto havia surgido.
Foi à cozinha em busca do chá que a criada oferecera. Quando a empregada retomou
suas tarefas, Collin subiu ao andar superior e descobriu que ali havia dois
quartos, além de um banheiro estreito no fim do corredor. A porta do aposento
maior estava aberta e revelava uma cama de madeira maciça, com dossel, além de
grandes armários para roupas e objetos pessoais.
Ele
não resistiu ao impulso de entrar e inspecionar o guarda-roupa. Observou os
vestidos coloridos e corpetes bordados. Algumas peças ele já vira no corpo de
Alexandra.
Em
seguida, explorou as gavetas. A primeira estava vazia. Na outra, havia toalhas
de linho e pedaços de sabão embrulhados. Pensou em demorar-se mais ali, até
encontrar as meias, ligas e calções íntimos de Alexandra, mas seria uma atitude
arriscada, além de indigna.
Ele
recolheu uma toalha e um sabão, fechou o quarto com pressa e correu escada
abaixo, sem espiar o aposento de hóspedes que lhe era destinado.
A
criada, vigilante, o aguardava embaixo. Verificou o que Collin carregava e
desejou-lhe um bom banho.
—
Obrigado, senhora...
—
Betsy é o meu nome.
—
Então, obrigado, Betsy.
Limpo
e com o raciocínio claro graças à água fria, Collin só voltou ao chalé porque
não havia outra opção. Preferiria estar em qualquer outro lugar, menos ali. A
ira lhe esgarçava os nervos, mas agora sentia raiva de si mesmo, por ter ido
ao encontro de uma mulher conhecida por causar confusões.
Passando
pelo estábulo, espiou lá dentro e ficou aliviado ao ver que a égua de Alexandra
não se achava na baia. Ela voltaria logo, pensou, e tão esfaimada quanto ele.
Na
cozinha do chalé, a mesa estava posta com pão, manteiga, queijo, mel, leite e
café fresco. Collin preparou um sanduíche para si, relutante em ir até à janela
para verificar se Alexandra já vinha chegando. Em poucos minutos, o silêncio da
casa foi quebrado pelo relincho de um cavalo que não era o seu.
A
porta foi empurrada com força e, por segundos, Collin sentiu o coração
acelerado. Um vulto feminino apareceu recortado contra a luz externa.
—
Alexandra? — ele perguntou, após domar a ansiedade.
—
Sim, e estou faminta. — Foi até a mesa, sem vacilação, e sentou-se na cadeira
vaga. Elogiou a arrumação da mesa, mesmo sabendo que Betsy, e não Collin era a
autora da gentileza. — Desculpe-me por ter saído tão cedo. Precisava ficar
sozinha.
—
Claro. Eu também peço desculpas por ter decepcionado você.
Alexandra
se concentrava no pão com manteiga que mordia, não em Collin.
—
Eu nada lamento. Você ficou sentido quando perdeu sua virgindade?
Sem
contestar, ele ergueu as sobrancelhas e meneou a cabeça.
—
Realmente, renego a idéia de me casar, Collin. Não é nada contra você. Sempre
ouvi falarem que meu futuro estava num bom casamento, mas não vivo sonhando com
um marido, um lar e filhos. O que desejo é experimentar de tudo: bebidas, charutos,
bordéis, cassinos... — Ela fez uma pausa em seu incisivo discurso. — Talvez um
dia...
—
Talvez um dia resolva casar-se, ter filhos e um lar — emendou ele.
—
Exatamente. Sem previsão de época.
—
Só espero que, quando decidir, não esteja velha demais.
—
Cuidarei disso. Creio que você não é muito diferente de mim. Acha que poderia
suportar uma esposa que pensasse apenas em passear, ir às compras e aos
bailes?
—
Creio que não — murmurou Collin.
—
Sei planejar um jantar para trinta pessoas, de olhos fechados, mas o que me
deixa feliz é gerenciar a propriedade de meu irmão. Seria difícil passar dessa
condição para a de uma esposa tradicional.
—
Eu também levo a vida que desejo, com apenas um senão: às vezes, ela é
solitária demais. E é aí que você entra.
Alexandra
espantou-se com a declaração, seguida de um sorriso.
—
Só não devia ter me iludido — Collin completou, admitindo que a repreensão era
leve demais. — Vou embora, mas preferiria ficar.
Alexandra
piscou duas vezes, então fitou Collin com olhos brilhantes e ergueu a mão, num
gesto para detê-lo.
—
Por que não caminhamos um pouco pela trilha da floresta? Será um meio de nos
acalmarmos.
—
Está bem.
—
Só preciso trocar de roupa antes, se não se importar. — Ela deu-lhe um sorriso
nervoso e disparou escada acima.
Atordoado,
Collin já não sabia o que estava fazendo.
Ele
preferiria ficar?
Alexandra
despiu-se depressa. Era seu hábito mudar de roupa para galopar, mas também
para passear ao ar livre seria mais confortável usar um dos três vestidos
soltos e simples que poderia usar diretamente sobre o corpete. Escolheu o de
cor lilás, evitando imaginar o que Collin planejava fazer com ela.
Apreensão
e excitamento fervilhavam juntos em seu íntimo. Como não havia contado com a
permanência de Collin no chalé, agora ponderava se de fato desejava isso.
Conseguiria dizer-lhe que não queria outro contato físico e não o levaria para
seu quarto?
Confusa,
ela emitiu um suspiro de frustração. Tinha perdido o viço, parecia cansada e
pálida. Soltou os cabelos após calçar as botas. Os cachos lhe emolduraram o
rosto, mas ainda estavam ressecados, como sua pele.
Ao
descer, Alexandra deparou com Collin já do lado de fora, os cabelos castanhos
dourados pelo sol. Sentiu um aperto no peito, em parte aliviada pelo
encerramento das discussões, em parte carente de amor. Reprimiu a vontade de
chorar e recorreu ao bom senso. Se ele não a amava, pensou, ela não tinha por
que amá-lo.
Ambos
percorreram a trilha da floresta, rumando para o arco formado pelas árvores
atrás do estábulo. Alexandra estava consciente do reduzido espaço que os
separava. Se fossem namorados de verdade, estariam de mãos dadas, andando tão
próximos um do outro que os corpos se tocariam.
O
silêncio a incomodava, mas o que poderia falar? "Fique e faça amor comigo,
mas guarde para si o segredo de minha castidade"?
Não,
isso só reacenderia a briga, e o momento era de trégua. Quem iria imaginar que
se separariam no segundo dia juntos?
—
Realmente, devo ir embora — disse Collin subitamente. — Creio que um pouco de
seu pragmatismo está passando para mim.
—
Meu pragmatismo? — Distraída, Alexandra assustou-se com a gravidade da voz e o
conteúdo da frase.
—
Ainda estou furioso por um lado, mas por outro... Um murmúrio constante na
minha cabeça diz que agora está feito e, portanto, onde reside o mal?
—
O que você responde, mentalmente?
—
Nada. Estremeço antes de dar a resposta.
—
Collin, eu... — Alexandra escondeu as mãos trêmulas atrás do vestido. — Acho
que nós... Nós não combinamos.
—
O quê? Significa que não podemos viver bem, juntos?
—
Não, é que... — Deus! Ela daria tudo para não ter reiniciado aquela conversa.
—
Então, o quê? — ele contestou de novo, parando de andar para fitá-la nos olhos.
— Fale Alexandra.
—
Você é forte e corpulento, e eu sou miúda... — murmurou ela, reconhecendo que
era um argumento tolo.
—
A verdadeira questão é que você era virgem, e eu não sabia.
—
Collin, entendo que haja dor na primeira vez, mas não tenho prazer nem vejo
graça numa relação completa.
—
Não pode julgar o ato pelo prazer ou desprazer que lhe traz. Só garanto que, na
segunda vez, fica bem melhor.
—
Não conseguirei repetir, Collin. Por favor...
Ele
praguejou em dialeto escocês, e ela retomou a caminhada. Ao segui-la, Collin
olhou para o céu e moveu os lábios como se rezasse.
—
Vou ficar, mesmo assim — ele anunciou.
—
Para não perder o talento de sedutor? — Alexandra provocou.
—
Como uma mulher inteligente e passional como você pode cair tão depressa no
ridículo? Todo homem se adapta à parceira e vice-versa, para juntos
conquistarem a maior satisfação possível em seu contato.
—
Mas eu sinto prazer nas preliminares.
Collin
perdeu a fala. Além de ouvir mais um conceito infantil, incongruente, ele
nunca recebera queixas por seu desempenho. Alexandra estava se tornando um
peso estranho.
—
Não há com que se afligir Collin. Foi tudo adorável, maravilhoso. Não é culpa
sua se nós... Se não combinamos um com o outro.
—
Confie em mim, Alexandra — ele pediu, esperando uma segunda oportunidade.
Ela
não via motivo para desconfiar, apenas...
—
Não sei por que, mas não quero tentar de novo. — Estudando a figura dele,
Alexandra sentiu intensa vontade de tocá-lo e estimular seus sentidos. — Bem...
Está certo. Aceito tentar, mas só mais uma vez.
Collin
deu meia-volta e encerrou ali o passeio. Ela precisou correr para alcançá-lo.
—
Entenda que, se houver uma gravidez, teremos de nos casar. — Por fim ele colheu
a mão dela na sua. — Isso deveria ter ficado claro em Edimburgo. Não
quero ter um filho bastardo.
—
Compreendo — retrucou Alexandra, preocupada. — Mas será que já existe um bebê
dentro de mim?
—
Ainda que mal pergunte, você sabe que o ato praticado... A parte da qual você
não gosta... É a maneira pela qual a mulher concebe uma criança?
—
Claro que sei. Minha criada, porém, prometeu me ensinar um modo de reduzir as
chances. Ontem, não houve tempo de falar com ela.
—
Também conheço um método de prevenção: parar antes de terminar.
—
Como? Calculando o tempo?
—
Sim, mais ou menos — ele respondeu solenemente.
—
Oh! — Admirada, Alexandra corou, enquanto Collin exibia os dentes num sorriso
que ela considerou um tanto selvagem.
Alexandra
não protestou quando, no chalé, Collin insistiu em dar-lhe um banho de tina.
Alegou que seria trabalho demais, mas ele entrou no quarto carregando dois
grandes baldes de água aquecida. Pediu que ela verificasse a temperatura e
verteu o líquido no tonel de madeira. Depois começou a tirar o vestido de
Alexandra, pelas costas.
—
Obrigada, Collin — ela murmurou. — Deixe-me ajudar. — A sensualidade da
situação a empolgava, mais do que constrangia.
—
Não, eu faço isso.
A
pele de Alexandra estava ligeiramente bronzeada, embora com pontos de
ressecamento. O vestido veio abaixo e Collin a virou de frente. Um corpete rosado
lhe comprimia os seios, ressaltando-os, mas ela também usava um pedaço de gaze
entre as pernas, que cobria pouca coisa. Assemelhava-se a uma fralda.
—
Você está embrulhada como um bebê — Collin comentou.
Apesar
do choque causado pelo comentário, Alexandra soltou os ganchos do corpete e
mostrou-se a Collin na plenitude de sua beleza. O véu de gaze não escondia o
triângulo escuro na junção das pernas, sobretudo quando molhado pela água da
tina.
Antes
de esfregá-la com esponja e sabão, Collin a acariciou com os olhos. Como não
tinha suspeitado de que Alexandra fosse virgem, na hora da posse total? Por que
ela deixara que descobrisse isso por si mesmo?
Alexandra
adorava o efeito que provocava em Collin, adorava o poder de controlar sua
excitação, até seu fôlego. E ele a contemplava, fascinado, até começar a
ensaboá-la com a esponja, diretamente em torno dos mamilos.
Nunca
ela vira olhos como os dele, de um tom entre o cinza e o negro, calorosos e
gelados ao mesmo tempo. A mão de Collin deslizava por todo o seu corpo sob a
água, e logo Alexandra sentiu o perigo de ter-lhe concedido aquele novo momento
de intimidade.
Tinha
sido fraca, afinal. Por mais terno que se mostrasse, Collin era homem, e ela o
empurrava para os limites da capacidade de contenção. No entanto, isso a
tornava deliciosamente tensa, à espera do toque seguinte.
Os
dedos dele lhe pressionaram os ombros e buscaram a nuca.
—
Incline-se para frente — Collin pediu.
Ele
ensaboou o pescoço delicado, ora com as mãos nuas, ora com a esponja cheia de
espuma. Dali desviou-se para os seios formosos, de mamilos rosados, que atritou
debaixo do sabão.
—
Collin! — Ela acusou a intensidade da carícia, mas não se esquivou. Deu um
suspiro e recostou a cabeça no peito dele.
As
palmas de Collin então migraram do busto para a cintura e as coxas de
Alexandra. Apertando a esponja sobre a virilha,
Collin
pediu-lhe para abrir as pernas. Os dedos estavam tão perto...
Alexandra
obedeceu, abrindo-se para Collin, e logo sentiu o movimento dos dedos dele
afundando na água e em sua secreta intimidade. Gemeu alto, mas não de prazer,
pois o local ainda estava dolorido. Depois de uma pausa, durante a qual Collin
contentou-se em afagar o ventre e a penugem macia, ela experimentou todas as
sensações que antecipara, graças à mão experiente de Collin.
Naquele
momento, desejou gritar "Eu te amo!". Mas emitiu apenas sons
guturais, porque não confundia volúpia com amor, apesar de Collin aplicar
beijos ternos em sua pele úmida. Sob intenso prazer, mantinha o olhar num ponto
indefinido, por não querer avistar nem o rosto dele nem os dedos que forçavam
passagem para dentro de si, friccionando o centro de sua feminilidade.
—
Venha — disse ele, de súbito.
—
Aonde?
—
Você verá.
Collin
a ajudou a sair da tina, espalhando pingos de água pelo chão, e fez com que se
deitasse na cama, onde a enxugou afetuosamente. Beijou cada parte do corpo de
Alexandra, que não resistiu a abraçá-lo com força. Após livrar-se das roupas,
Collin acomodou-se entre as pernas dela, com a clara intenção de possuí-la por
completo, mais uma vez.
—
Diga-me que não está com medo — ele sussurrou.
—
Não estou. Eu quero... Por favor.
Collin
soltou seu peso sobre o ventre dela, sem se esquecer de utilizar as mãos, agora
brincando de verificar quais os pontos mais sensíveis de Alexandra.
O
toque nos seios e mamilos a fez delirar. Sussurrou um protesto quando Collin
parou, a fim de desencadear a etapa final. O atrito constante lançara centelhas
de prazer por seu organismo. A pressão era enorme, à medida que Collin arremetia
em ritmo lento, disposto a não machucá-la e a completar o ato fora do corpo
dela. Curvando-se um pouco, ele acelerou as investidas, e Alexandra rendeu-se
ao deleite dos sentidos, que prometia um clímax próximo.
Um
queixume estranho formou-se na garganta dela.
—
Ah! — Collin exclamou para indicar saciedade.
Céus!
Teria ele tentado parar em tempo e não conseguira? Alexandra não sentira nenhum
líquido escorrendo em seu interior. Aliviada, deixou-se levar pelo êxtase,
explodindo em espasmos de satisfação.
Parecia
que o mundo girava em torno da cama. Incrédula com aquele final perfeito,
Alexandra permaneceu fitando as tábuas do teto.
—
Você tinha razão — ela falou por fim. — Nós dois combinamos esplendidamente.
Ainda
arfante em cima de Alexandra, Collin colocou-se de lado, apoiado no cotovelo, e
beijou-lhe o ombro.
—
Nunca me senti tão bem na minha vida — ele confidenciou.
Alexandra
envolveu-lhe o pescoço com os braços e riu feliz.
Quando
Collin acordou, uma nesga de sol aquecia os corpos nus sobre a cama. Alexandra
parecia desmaiada, com um braço pendente para fora do colchão. Partes do rosto
estavam afogueadas, outras estavam estranhamente pálidas, e, ao roçar os dedos
na face dela, Collin sentiu que ela ardia em febre.
Soltou
uma imprecação e ergueu-se na cama.
—
Alexandra? — chamou, alarmado, dando-se conta em seguida de que ela estava
desmaiada, quando não se mexeu.
Em
pânico, Collin segurou a mão dela e sacudiu-a, tentando acordá-la, porém não
houve nenhuma reação.
—
Alexandra, acorde, por favor! Abra os olhos!
Ele
prendeu a respiração e deu tapinhas no rosto dela. Nada. Então, Collin disparou
pelo quarto, chutando as roupas e botas largadas pelo chão. Molhou uma toalha
na tina e voltou para perto de Alexandra, umedecendo-lhe o rosto com a toalha.
Só então ela se mexeu, movendo levemente a cabeça.
—
Alexandra, você está bem? Eu vou procurar um médico! — avisou Collin, aflito.
Mas
ela não respondeu, nem esboçou qualquer reação. Aterrorizado, Collin deduziu
que não encontraria um médico no povoado, que nem era tão próximo. As pessoas
do lugar, quando doentes, provavelmente recorriam a uma curandeira, uma
especialista em ervas. Por
outro lado, ninguém morria de febre num prazo de horas. Isso devia levar um
dia, pelo menos.
O
sinistro pensamento estimulou Collin de volta à ação. Procurou nas gavetas
alguma roupa com que pudesse cobrir Alexandra. Não poderia levá-la nua até o
vilarejo. Mas o que faria com ela um médico de verdade, caso o achasse? Tomaria
seu pulso, examinaria os olhos, auscultaria os pulmões, depois diria aos
parentes que lhe dessem um caldo e orassem. Era o que ele próprio tinha ouvido
muitas vezes, durante a infância.
Não.
Era necessário transportá-la até sua casa, em Somerhart. Collin
vestiu-a com cuidado, percebendo um ou outro gemido fraco, enquanto o fazia.
Depois a carregou nos braços escada abaixo até a sala, onde a depositou no
sofá, avisando que voltaria logo, assim que selasse o cavalo.
Ao
sair, olhou para dentro da cozinha, na esperança de deparar com pelo menos uma
criada que pudesse ajudá-lo. Mas não havia ninguém, e ele não tinha tempo para
procurar. O estado de Alexandra era preocupante.
Collin
preparou o cavalo e o levou até a porta do chalé. Levantou Alexandra no colo
e, na segunda tentativa, conseguiu acomodá-la, vergada, no lombo da montaria.
—
Nada tema querida. Estará segura comigo. — Ele nem se atrevia a pensar no
contrário.
Como
não podia expor Alexandra ao risco de uma queda, Collin parou o cavalo em
frente à primeira casinha do povoado. Bateu palmas, e logo depois um homem em
camisa de dormir veio atender.
—
Por favor, conhece o caminho para Somerhart?
—
Sabe que horas são? — O camponês enfureceu-se.
—
Mais de meia-noite, desculpe-me. Sabe onde fica a propriedade do duque?
—
Não sei, nem quero saber. — O homem fechou a porta, obrigando Collin a gritar.
—
Onde encontro Betsy?
—
Duas casas para baixo! — o sujeito gritou de volta.
Puxando
o cavalo pela mão, com Alexandra dobrada sobre o lombo do animal, ele bateu à
porta indicada, e a própria Betsy apareceu.
—
Betsy, sua patroa está doente, com febre alta. Há algum médico nas redondezas?
—
Não, infelizmente não — ela respondeu, com a voz trêmula. — O que aconteceu?
—
Não sei, mas ela está muito quente, e desfalecida.
Betsy
espiou para fora e avistou o vulto de Alexandra sobre o cavalo. Mostrou-se
ainda mais preocupada.
—
Pode ser uma infecção de garganta — opinou.
—
Onde está a carruagem que a trouxe ao chalé?
—
O cocheiro foi autorizado a voltar para casa, hoje bem cedo, levando Danielle,
a aia de quarto. A patroa combinou o dia de ser apanhada, na próxima semana.
—
E o caminho para Somerhart? Qual é o trajeto mais rápido? — Collin
impacientou-se.
Betsy
balançou a cabeça, aparentando desconsolo.
—
Há um entroncamento na estrada, depois de três quilômetros. Tome a trilha que
fica a leste. É tudo o que sei. Mas deve levar horas.
—
Você pode assumir o chalé? Caso alguém procure por Alexandra, diga que eu a
levei para a casa dela, está bem? Informe também outras criadas ou o cocheiro,
se ele vier.
Ao
fechar a porta, Betsy murmurou consternada:
—
Está bem. E que Deus o acompanhe.
As
horas se passaram tão devagar que Collin pensou estar dentro de um pesadelo sem
fim. Era forçado a cavalgar lentamente, por causa de Alexandra. Parava com
regularidade durante o trajeto, a fim de molhar um pano em alguma fonte de
água ou riacho e refrescar a testa e o pescoço.
Numa
dessas pausas, ela abriu os olhos e, num fio de voz, perguntou onde estava. Collin
explicou. Antes de ouvir tudo, porém, Alexandra voltou a adormecer. Ele também
tratou do cavalo, dando-lhe água e aveia. Ao retomar a viagem, cruzou um
vilarejo conhecido e soube assim que faltavam uns poucos quilômetros até seu
destino.
Várias
perguntas sem resposta assolavam sua mente. O duque estaria em Somerhart?
Teria um médico à disposição? Ou Alexandra viria a falecer, sem cuidados
profissionais e sem o irmão à cabeceira, para confortá-la?
Após
uma hora de estrada, Collin passou pela hospedaria Red Rose e ficou contente.
Só mais trinta minutos, e poderia colocar Alexandra em sua própria cama.
Ao
chegar, foi recebido pelo mordomo do duque, chamado Sims.
—
A família possui um médico de confiança? — Collin indagou enquanto pegava
Alexandra nos braços.
—
Sim — respondeu o mordomo. — O Dr. Maddox já veio aqui diversas vezes.
—
Então mande chamá-lo. É urgente.
A
visão da jovem desfalecida não bastou a Sims.
—
Para quê? — quis saber.
—
Sua patroa está gravemente doente.
De
imediato, o mordomo encarregou um ajudante de avisar o duque, que cavalgava em
campo aberto. Também enviou um mensageiro ao médico e disse que ele já estava a
caminho.
Collin
subiu a escada e acomodou Alexandra na cama. Felizmente, estava em Somerhart,
e duas prestativas criadas se ofereceram para ajudar, trazendo bacias e jarras
com água. Para ele, o surto de febre e palidez era inexplicável. Tinham feito
amor menos de doze horas antes.
Em
poucos minutos, o duque irrompeu no quarto e lançou um olhar furioso para
Collin.
—
O que você fez com minha irmã? — Sem aguardar resposta, o fidalgo debruçou-se
sobre Alexandra e esfregou-lhe a mão. — Não deixei claro que não deveria
aproximar-se dela?
—
Não pude evitar — murmurou Collin, preferindo não entrar em detalhes pessoais.
—
Afaste-se um pouco — pediu o duque assim que um homem grisalho austero,
vestido de preto, entrou no quarto.
Era
o médico.
O
Dr. Maddox examinou Alexandra minuciosamente. Chegou a abrir-lhe a boca para
olhar a garganta e desabotoou o vestido até a altura do peito, a fim de
auscultá-la com o estetoscópio.
—
Escarlatina — o médico diagnosticou, dirigindo-se ao duque. — Vê esta erupção
na pele? — Apontou a mancha vermelha na lateral do pescoço de Alexandra. — Ela
precisa tomar muito líquido. Água e, se possível, chã de folhas de salgueiro,
além de caldos à vontade.
O
Dr. Maddox retirou de sua maleta um vidro com algo escuro: duas sanguessugas,
que colocou sobre a pele do peito de Alexandra.
Collin
ficou repugnado com a idéia de os vermes sugarem o sangue dela, mas sabia que
era necessário.
—
Blackburn! Saia e me espere na biblioteca — pediu o duque, sem muita
gentileza.
Hesitante,
Collin acedeu. Imaginara que seria o portador de explicações e dados
importantes para o doutor e o duque, porém em Somerhart parecia impedido de
expressar-se ou de permanecer ao lado de Alexandra.
Forçando
os passos, Collin entrou na biblioteca da casa. Quando o duque entrou, pouco
depois, o ar impregnou-se de raiva contida.
—
Então? Meses atrás, eu o proibi de ver minha irmã — ele afirmou secamente.
—
Sim, na ocasião só conversamos um pouco. Aconteceu de nos encontrarmos, por
acaso, na casa de seu primo George. A esposa dele, Lucy, é minha prima.
—-
Fiquei sabendo dessa infeliz coincidência — comentou o duque.
—
Ficamos nos conhecendo melhor e...
—
Você a seduziu.
—
Não, não quis dizer isso. Começamos um... Namoro.
—
Ah, um flerte, ao qual você se apegou com o intuito de magoar Alexandra, por
vingança.
—
Claro que não. — Embora lúcido Collin sentia a mente anuviada. — Nunca a
considerei responsável pela morte de meu irmão.
—
Mas sempre nutriu certo desprezo por ela.
—
Confesso que sim, de início. Mas Alexandra veio a Edimburgo, para a Feira
Hípica, e houve um impacto estranho, de parte a parte. Ela me convidou para
passar uma semana no chalé.
—
Uma semana! — O duque mostrou-se incomodado. — Então, não há dúvidas sobre suas
intenções. Você a seduziu!
—
Talvez, na verdade, ela tenha me seduzido — corrigiu Collin. — Não que eu tenha
achado isso ruim.
—
Minha irmã não é nenhuma vadia de rua, Collin. É jovem e inexperiente, tanto
que caiu na lábia de alguns homens.
—
Alexandra era virgem, até se deitar comigo.
Collin
observou a reação do duque, que arredondou a boca numa expressão de espanto.
—
O quê?
—
Manteve-se virgem. Quando percebi, era tarde demais.
—
Está admitindo que desonrou minha irmã?
Era
mais prudente não responder. Somerhart serviu-se de conhaque, sem se dar ao
trabalho de oferecer um cálice a Collin.
—
Suponho que, agora, tenha a intenção de se casar com ela. Alexandra é herdeira
de uma fortuna duas vezes maior que a sua, imagino.
—Já
fiz o pedido de casamento, mas ela recusou. Aconteceu que eu anseio em me casar
com Alexandra. Não por tê-la deflorado ou por dinheiro e posição social, mas
porque gosto muito dela.
—
Alexandra tem a liberdade de decidir o que quer. Espere até que ela se cure da
escarlatina, que, aliás, é uma doença de criança. — O duque deu o último gole
em seu copo e atirou-o violentamente contra a parede, espatifando-o em centenas
de cacos de vidro enquanto gritava: — Droga! Que inferno!
Collin
havia julgado recomendável contar a verdade ao irmão de Alexandra. Agora era
melhor ir devagar, pois o rosto do duque formava uma máscara de frustração, mas
sem traço de moralismo.
—
Desde quando Alexandra está inconsciente? — indagou Somerhart.
—
Ela estava bem ontem à noite, antes de dormir. Hoje de manhã, quando acordei,
percebi que estava desmaiada, e ardendo em febre. Então eu a
coloquei no lombo de meu cavalo e a trouxe para cá, onde teria assistência.
Os
olhos glaciais do duque estudaram a figura de Collin.
—
Isso é um pretexto, aposto — ele declarou. — Alexandra é conhecida por ser
implacável em seus julgamentos e decisões.
—
Vou pedir a mão dela de novo, assim que se recuperar — afirmou Collin. — Talvez
eu consiga fazê-la mudar de idéia quanto ao casamento.
—
Não sei se isso me agrada.
—
Não é de surpreender, Somerhart. Acabou de dizer que minha condição é muito
inferior à dela.
—
E é. — O duque tornou a avaliar Collin, parecendo reconhecer sua boa
aparência. — Você é inteligente e trabalhador, mas não passa de um bastardo.
A
palavra beirou o limite da ofensa. Collin ficou desarmado, ainda mais porque o
fidalgo quis saber se, na casa de Lucy, ele havia se insinuado para Alexandra,
virgem ou não.
Collin
optou por calar-se.
—
Seu silêncio fala por si — definiu o duque.
—
E que não sei o que responder — Collin justificou-se. — Sua irmã é uma mulher
admirável, maravilhosa, embora temperamental.
Na
verdade, Collin havia, sim, assediado Alexandra, mas com uma ressalva: por um
lado, oferecera-se a ela, ao ver-se provocado; por outro, após o primeiro
contato íntimo, na clareira da floresta, antecipara um adeus.
—
O que posso esperar de você, como marido de minha irmã? — O duque voltou à
carga.
—
Tudo o que se espera de um escocês: integridade e decência.
—
Assim está insultando os ingleses, porém creio que você representa um avanço
para Alexandra, em matéria de amantes — opinou Somerhart.
—
Não sou amante dela — Collin atalhou.
—
Bem, algo aconteceu entre vocês. E apreciei seus cuidados para com minha irmã,
trazendo-a para casa. Eu o manterei informado sobre o estado de saúde dela.
—
Eu não a trouxe para deixá-la na porta e ir embora correndo. Não partirei
antes de sabê-la recuperada.
—
Permito que fique, até lá, mas não sob o meu teto. Vou lhe indicar uma
hospedaria, perto daqui. Terá direito a visitas diárias, sempre sob a luz do
sol.
—
Está bem — Collin concordou, sem opção.
O
duque saiu da biblioteca, deixando Collin com o coração aflito de medo por
Alexandra.
A
febre cedeu.
Na
hospedaria, Collin releu o recado escrito até convencer-se de que as palavras
eram mesmo aquelas. Por cinco dias, Alexandra sofrerá com dores e delírios.
Graças a Deus, não havia morrido.
A
mulher do proprietário o interrogou sobre seu estado de agitação, imaginando
más notícias, mas Collin explicou que a novidade era boa e pediu que o filho
dos donos selasse seu cavalo.
—
Sua roupa limpa está no quarto, senhor — informou a mulher. — Quer que eu lhe
prepare uma refeição, antes de partir?
Ele
dispensou a gentileza e subiu ao quarto, onde se trocou, depois de lavar-se e
barbear-se. Não podia dar ao duque nenhum pretexto para expulsá-lo.
Julgou-se
apresentável no momento de subir ao cavalo, rumo a Somerhart. Durante uma das
visitas, Alexandra tinha murmurado seu nome, enchendo-lhe o coração de
esperança.
À
medida que se aproximava da casa dela, sua angústia aumentava. Estaria
acordada? Com os olhos claros ou ainda vermelhos? Pele macia ou ressecada?
Gostaria de vê-lo ou levaria um susto com sua presença entre os familiares?
Collin
foi recebido pelo mordomo, que lhe pediu para passar na biblioteca e falar com
o duque, antes de tudo.
Ao
entrar no recinto, ele viu Somerhart impecavelmente vestido, junto à janela, e
com a expressão triste.
—
O que houve? — perguntou da porta.
O
duque piscou, em seguida franziu a testa, como se não conseguisse achar um
lugar para Collin naquela casa.
—
Ela piorou? — perguntou Collin, aflito.
—
Não, não. Está melhor, apenas repousando. Eu é que fiquei exausto.
—
Posso vê-la?
—
Acabei de sair do quarto dela — explicou o duque. — Ela adormeceu.
Collin
sentiu os olhos secos, dilatados dentro das cavidades oculares. Esfregou-os
diligentemente com os nós dos dedos. Com a visão ainda desfocada, viu Somerhart
desabar numa poltrona próxima.
—
Alexandra quase morreu, ontem à noite. Quase a perdi — ele falou, consternado.
—
Mas a febre não cedeu?
—
Sim, de madrugada. De um momento para outro ela ficou imóvel na cama e a pele
esfriou, e eu pensei que ela tivesse morrido. Mas era somente a febre indo
embora.
Condoído,
embora tranqüilizado, Collin sentiu os olhos marejados de lágrimas, e virou-se
para a porta, para que o duque não percebesse.
—
Pode pedir a mão de Alexandra, se é isso o que você quer — Somerhart anunciou
repentinamente. — No entanto, não pretendo opinar nem influir na decisão de
minha irmã. Ela está viva e livre para fazer o que bem entender. Tem a minha
bênção.
—
Eu não gostaria de ter uma esposa sem vontade própria... —Collin aproveitou
para ironizar, experimentando um grande vazio no coração.
—
Esteja seguro de que a fará feliz. Senão... — retrucou o duque, medindo Collin
de alto a baixo, como se tornara seu hábito.
—
Ela não aceitará nada menos do que a felicidade — ponderou Collin. — Mas tenho
um ponto a meu favor: Alexandra está fraca e fora de seu juízo normal.
Somerhart
riu e acompanhou Collin para fora da biblioteca.
Capítulo
V
Não
se deixe enganar pelos caprichos de Collin Blackburn. Nunca o vi enamorado
antes, portanto você deve ser a causa de seu mau humor. Imagine como fiquei
emocionada ao saber que você é uma mulher livre, de mente e corpo.
Por
favor, aceite o pedido de casamento de Collin, caso eleja o tenha feito. Ele
será um ótimo marido e, com certeza, você descobrirá suas melhores qualidades.
Alexandra
sorriu e guardou a carta de Jeanne Kirkland sob o travesseiro. Ela era uma
pessoa especial e a amiga perfeita. A doença de Alexandra havia adiado um novo
pedido de casamento, mas ela sabia que a proposta viria. Collin não estaria
rondando a casa dela se não tivesse intenções honradas. Imaginou seu irmão, o
duque, perguntando se os dois desejavam ficar sozinhos no quarto, para
praticarem jogos de amor.
Ela
reprimiu o riso. Focou o pensamento na visita de Collin, para a qual se sentia
despreparada. Talvez se mostrasse ressentido pelo fato de seu irmão evitar
hospedá-lo na própria casa, impondo uma distância que, para ela, ganhava ares
de covardia.
No
entanto, tinha consciência do que Collin fizera para socorrê-la. Era um homem
de caráter, e a recusa ao pedido de casamento não viria tão facilmente dessa
vez. O irmão também deveria ser considerado. Estava com vergonha de Alexandra,
que mentira para ele e jogara na lama o nome da família. Que desculpa ela teria
para não desposar Collin, a não ser seu próprio temperamento rebelde?
Acima
de tudo, Alexandra abominava a idéia de sofrer. Pensou na presença de Collin
naquele quarto, com o charme que era só dele, a tocar-lhe o rosto e murmurar
palavras de gratidão por seu restabelecimento. Ah, ela seria capaz de enlaçá-lo
pelo pescoço e beijá-lo até perder o fôlego! Iria padecer, sim, se o mandasse
embora para sempre. Admitia que o amava. Como poderia não amá-lo?
Mas
Alexandra era pragmática, como o próprio Collin dissera. Ele jamais a amaria.
Então, o que seria de sua independência, de sua preciosa liberdade? Ao apanhar
a xícara de chá no criado-mudo, sentiu-se fraca como um passarinho caído do
ninho. Provavelmente, estava se parecendo com um deles também...
Chamou
Danielle por meio do cordão da campainha, e a criada entrou esbaforida,
antecipando um desastre, com cacos de porcelana espalhados pelo leito.
—
Mademoiselle? — Os movimentos rápidos da moça atordoaram a vista fatigada de
Alexandra.
—
Fique parada um pouco. Meu irmão ainda está zangado com você?
—
O duque paga meu salário, milady.
—
Bem, eu mesma posso pagá-lo, se isso aumentar sua segurança. Não será
demitida. Hart sabe que eu a considero indispensável.
—Pareceu
pouco compreensivo, ontem-afirmou Danielle.
—
Estava preocupado comigo, apenas isso.
—
Como todos nós, milady.
—
Por que não me contou que Collin me visitou?
—
Eu não sabia. Ninguém fala comigo.
—
Sinto bastante, Danielle. Meus planos deram errado, mas agora preciso de você
para escovar meus cabelos e me preparar para a próxima vinda de Collin.
—
Claro milady. — A criada foi empunhando a escova. — Se todos os criados
escoceses se parecerem com o Sr. Blackburn, nada tenho contra acompanhá-la numa
mudança para o Norte.
Foi
uma pressão, indevida, mas simpática, no sentido do casamento.
—
Como? Você também, Danielle? Ainda me falta clareza quanto à situação, mas... —
Alexandra recordou as mãos de Collin deslizando por sua pele nua. — Estou
tentada a aceitar.
—
Ele a ama, milady. Gosta dele também?
—
Collin é fácil de amar. Acho que você nunca se apaixonou, Danielle.
—
Quem sou eu? Tive interesse por um cozinheiro que o duque contratou, pouco
antes de deixarmos Londres, mas ele beijava mal, com pressa.
—
Ah, Collin beija devagar, como se fosse a primeira ou a última carícia... —
Alexandra devaneou, enlevada.
—
Pois se case com ele, mademoiselle.
—
Não é tão simples assim, Danielle.
—
O Sr. Blackburn tem pouco dinheiro?
—
Isso não me importa. O problema é o orgulho dele. Parece que não quer
verdadeiramente se casar comigo. Prometo me esforçar...
A
moça acabou de amaciar os cachos escuros de Alexandra, na parte de trás da
cabeça, e ofereceu-se para banhar a patroa.
—
Sim, traga uma bacia com água quente, sabão e toalhas — concordou Alexandra. —
Imagino que esteja quase na hora de Collin chegar. Portanto, se apresse.
Em
minutos, Danielle voltou trazendo o material necessário e informou Alexandra
que Collin já chegara e estava conversando com o duque na biblioteca.
—
Está esperando, então? — perguntou Alexandra.
—
É o que imagino — a criada respondeu, passando a aplicar uma toalha úmida sobre
o rosto e todo o corpo dela. Imediatamente secava cada região com outra
toalha, seca.
Quinze
minutos bastaram para Alexandra ficar pronta, de camisola trocada e com um
toque de batom e ruge. Ela acomodou-se na cama, recostada à cabeceira,
enquanto Danielle saía. Mas o primeiro a entrar foi o duque, exibindo um olhar
triste, apesar do sorriso nos lábios.
—
Está com ótimo aspecto, Alexandra. Como se sente?
—
Bem.
Somerhart
inclinou-se para beijar a testa da irmã, depois ajeitou a bandeja com
alimentos que parecia prestes a cair da mesinha lateral. Sentou-se por fim no
canto da cama.
—
Nunca mais me dê um susto desses — ele continuou. — Sinto que perdi anos da
minha vida.
—
Prometo não lhe dar mais trabalho — disse Alexandra.
—
O único benefício de sua febre quase fatal foi me distrair dos maus passos que
deu ultimamente. Já não estou zangado com você. — A voz de Somerhart soava
cansada.
—
Não? — Ela teve vontade de chorar.
—
E verdade, mas pergunto: você ama Collin Blackburn ou foi tudo uma brincadeira?
—
Eu... Eu não tenho certeza. Creio que posso amá-lo.
—
Blackburn alega que lhe propôs casamento e você recusou.
—
Sim, fiz isso. — Alexandra se sentia cada vez mais arrependida.
—
Mas diz que poderia amá-lo. Tem a ver com a condição social dele? Com a origem
familiar?
—
Não, não. Ele não deseja de fato casar-se comigo. Só me pediu em casamento por
senso de dever, depois que... —Juntou as mãos no colo e deixou duas lágrimas
produzirem sulcos no pó facial que usava.
—
Depois quê? — Somerhart pressionou.
O
silêncio valeu pela resposta. O que ela poderia dizer? Jamais havia sonhado em
discutir sua castidade com o próprio irmão.
—
Ele disse a verdade? Você era virgem até se deitar com ele? — O duque tomou-lhe
as mãos entre as suas que estavam agradavelmente quentes. — Como pôde deixar
que Blackburn pensasse o pior de você? E não só ele. Eu também, e grande parte
da sociedade.
Alexandra
pestanejou ansiosa por secar os olhos.
—
Nunca ninguém perguntou se eu era uma prostituta ou apenas fingia ser. Bem,
estava só fingindo, mas, já que fui desmascarada, sinto um grande alívio.
—
Como assim? — O duque não estava menos ansioso por entender a irmã.
—
Pode imaginar uma jovem deixada livre em Londres, para dançar, beber, rir e
flertar, sabendo que a qualquer momento essa boa vida terminaria num casamento
de conveniência? Você nunca foi tentado a se casar, Hart, e eu também não. Quis
desfrutar tudo o que me era oferecido, para não ser infeliz.
De
queixo caído, ele observou a irmã como se tivesse perdido parte da explicação.
Faltava-lhe ouvir certas palavras, e "infeliz" era uma delas.
—
Não me consta que você fosse infeliz, Alexandra.
—
Em termos. Talvez
eu não soubesse. Desejava coisas que nem tinham nome.
—
Refere-se a relações sexuais?
Uma
tosse nervosa apossou-se dela.
—
Não completamente. Conheci amostras de uma relação íntima, antes de Collin.
—
Esses contatos preencheram suas expectativas? — inquiriu o duque, mais
preocupado do que curioso.
—
Sim, por isso acho que fui feliz, por algum tempo. Não me importava a fama de
decaída ou a rejeição da sociedade, mas agora...
—
Blackburn parece ser um bom sujeito, ou não chegaria à minha porta, procurando
socorro, com você nos braços. Não deve lembrar-se de nada, suponho.
—
Apenas até certo ponto — retrucou Alexandra.
—
O detalhe é que ele cavalgou quilômetros, com você dobrada no lombo do cavalo,
por temer deixá-la nas mãos de uma curandeira.
—
Ah, foi isso que aconteceu? — Ela se impressionou com a história. — E você
permitiu que ele ficasse por aqui.
—
Não sob meu teto, mas perto, numa hospedaria. Vinha visitá-la sempre, ficava
horas em vigília.
—
Por quanto tempo fiquei doente?
—
Cinco dias e cinco noites. Hoje é domingo.
—
Domingo? Oh, não! — Ela tinha compromisso com Damien St. Claire no sábado.
Prometera levar-lhe mil libras. E agora? Deveria ter contado tudo a Collin,
desde o princípio. Agora, ele a odiaria, além de correr perigo de vida.
—
O que foi? — o duque se inquietou.
—
Eu... Eu acho que Collin precisa voltar logo para a Escócia.
—
Posso providenciar, mas ele disse que planejava ficar com você no chalé, por
pelo menos uma semana. Não duvido que vá lhe pedir em casamento, mas me
abstenho de interferir, compreende?
Alexandra
fez um gesto afirmativo com a cabeça.
—
Você continua sendo dona de sua vontade — completou o duque. — Só se case com
ele se tiver certeza de ser feliz. A decisão é sua.
Ela
confirmou de novo e surpreendeu-se quando o irmão se inclinou para abraçá-la,
murmurando o quanto gostava dela, antes de deixar o quarto. Estaria Collin
esperando do outro lado da porta?
A
resposta veio imediatamente.
—
Alexandra...
Ela
percebeu nele muita tensão, mas talvez conseguisse infundir-lhe calma, em vez
de ódio, se relatasse seu encontro com St. Claire.
—
Collin... — O simples fato de pronunciar o nome já lhe trazia felicidade. Ele
estava em seu quarto!
—
Parece bem melhor, afortunadamente. — Collin se aproximou da cama, sem saber
como agir.
—
Sente-se na poltrona — ela pediu. — Ninguém estranhará sua presença aqui. Para
começar, desculpe-me pelo trabalho que lhe dei.
Collin
esticou o braço e colheu os dedos dela em sua mão, num cálido contato pele a
pele. Alexandra desejou ardentemente receber um beijo na boca, porém vibrou
emocionada, quando os lábios de Collin lhe pressionaram as pálpebras, as
faces, o nariz.
—
Você me deixou muito assustado — ele confessou.
—
Está falando como meu irmão. Lamento que ele o tenha tratado mal.
Alexandra
tomou a iniciativa de erguer a cabeça e beijá-lo na boca, como compensação. Ao
sentir a língua quente, demorou-se mais do que planejara. Aquela língua lhe
despertava incríveis recordações. Ansiou por experimentá-la sobre todo o seu
corpo.
—
Vamos nos casar, querida. — Collin mais afirmou do que sugeriu. — Assim,
teremos um ao outro para sempre. Não poderei lhe dar tantas regalias, mas
possuo uma boa casa com criados e mais cavalos do que você conseguirá cavalgar.
—
Sim, eu quero. — A pronta aceitação o assombrou.
—
Mas não apenas por uma questão de honra familiar?
—
Ora, você me conhece. Não ligo para essas coisas.
Os
olhos dele se estreitaram, na busca de um motivo sério para Alexandra
desposá-lo, porém ela manteve os lábios apertados. Amava Collin, por certo,
mas seria tolice brandir tal sentimento perante um homem que parecia não
amá-la, e sim agir de acordo com as regras do cavalheirismo, casando-se com a
mulher a quem havia deflorado.
No
entanto, uma intensa paixão carnal os unia. Para Alexandra, isso bastava. Com o
tempo, ela tinha certeza de que Collin viria a amá-la completa e
irrestritamente.
Desde
que fizesse tudo direito.
—
Collin... Preciso lhe contar algo importante, antes que você confirme seu
pedido ao duque.
—
Do que se trata? — O sorriso dele esmoreceu se transformando numa expressão de
preocupação.
—
Espero que tudo se resolva bem — ela começou, esboçando um sorriso. —
Encontrei-me com Damien St. Claire, a caminho do chalé. Queria dinheiro, muito
dinheiro. Convenci-o a aguardar, pensando em enviar você na data marcada, mas
então adoeci...
Alexandra
percebeu que Collin estava chocado.
—Seria
no sábado. Ontem. Agora ele deve ter partido daqui, para algum esconderijo.
Além de pedir dinheiro, queria um confronto com você, portanto deve tomar
cuidado.
—
E por que não me contou?
—
Desejava uma semana a sós com você, no chalé, lembra-se? Fui egoísta,
reconheço. Perdão.
—
St. Claire a ameaçou agrediu ou coisa pior? Se fez isso, eu...
—
Não. Tive medo, mas ele acreditou em mim quando me comportei como se não
soubesse de nada.
Collin
suspirou fundo, depois brindou Alexandra com algo que ela não esperava: um
sorriso.
—
Talvez ele ainda esteja por perto e tenha sabido de sua doença...
—
É sabido também que fui socorrida por um escocês chamado Blackburn.
—
Talvez... — Collin inclinou-se para beijar a testa de Alexandra. — Você está
viva, e St. Claire não pode ficar escondido para sempre.
O
calor do olhar tocou o coração de Alexandra e umedeceu seus olhos. Por isso,
ela sentou-se na cama de modo a alcançar o peito de Collin, onde aninhou a
cabeça.
—
Lamento muito — disse. — Prometo ser melhor como esposa do que como amante.
A
risada de Collin mexeu com o brio de Alexandra.
—
Não me faça ameaças — ele retrucou. — Melhor do que estamos, posso morrer do
coração.
Collin
tentava vencer o sono, embalado pela tagarelice do batalhão de advogados e
escrivães, reunidos na biblioteca da casa de Alexandra. Terras, jóias, móveis,
ganhos financeiros, tudo era arrolado e documentado.
Mas
ele não cobiçava a fortuna da noiva. O que pertencia a ela continuaria a ser
dela. Já o mobiliário, por insistência de Alexandra, caberia a Collin, desde
que fosse levado para a casa dele.
Collin
também seria o novo dono de uma bela carruagem, algo que nunca sonhara ter, por
julgar desnecessário. Em suma, perderia a liberdade de solteiro em troca de um
coche, alguns móveis e uma esposa...
Só
poderia estar contente. No entanto, Alexandra reservara oficialmente uma de
suas propriedades à sua futura filha. Bebês e crianças constituíam termos
estranhos a Collin. Não conseguia imaginar Alexandra grávida, gorda e inchada.
A expectativa, porém, era positiva. Embora magra e pequena Alexandra não
temeria uma gestação.
Que
mãe maravilhosa ela seria!
—
Acorde Collin. Eles já se foram. Alexandra os levou à saída.
Os
olhos, uma vez abertos, depararam com o duque sorrindo para ele e oferecendo-lhe
um dos dois copos de uísque que trazia nas mãos.
—
Terminou?
—
Sim. Minha irmã teve a excelente idéia de dividir seus bens em lotes ou
parcelas, com destino já definido. Os documentos legais serão entregues
amanhã.
—
Creio que se saiu bem nessa divisão, lorde Westmore.
—
Como seremos parentes, pode me chamar de Somerhart — afirmou o duque. —
Alexandra sabe se a iniciativa dela o deixou confortável?
—
Meu patrimônio é modesto, mas vocês dois foram mais generosos comigo do que eu
esperava, depois de me comportar como me comportei.
—
Seguramente, está gracejando. Ninguém vai dizer que se casou por dinheiro.
Diversos homens cobiçaram minha irmã, alguns piores do que St. Claire. Eu me
arrependo de ter falhado em protegê-la.
Collin
franziu a testa, entendendo o sentimento de culpa do duque. Adorável e
inteligente como era Alexandra o havia trazido para perto desse mesmo
sentimento.
—
Ela beirou a ruína, financeira e moral — emendou Somerhart. — Não conseguia
refrear seus impulsos.
—
Não — Collin confirmou como testemunha do fato. Ele havia passado a semana
anterior vasculhando o campo, atrás de pistas de St. Claire, mas o homem ou
tinha partido da Inglaterra ou estava bem escondido. Por certo, não se
arriscaria a aparecer em público, mas enviara a Alexandra um recado típico do
canalha que era: "Você me traiu, vadia, e eu nunca me esquecerei
disso".
—
Ainda tenho uma semana, antes da cerimônia nupcial, para desentocar St. Claire.
Vou achá-lo assim que der sinal de vida.
A
eloqüência de Collin fez com que o duque exibisse seus punhos cerrados.
—
Eu mesmo deveria ter me encarregado de St. Claire, mas Alexandra implorou
piedade, assumindo toda a culpa pelos contratempos e prejuízos. Não fosse por
isso, aquele bandido já estaria morto.
—
Você só queria ver sua irmã a salvo — comentou Collin.
—
Mas me enganei, ao julgar que depois de seduzir Alexandra e matar seu irmão num
duelo, St. Claire nunca mais iria incomodar ninguém, mesmo porque é procurado
pela polícia inglesa. Sabia que ele e seu irmão John foram colegas de classe?
—
Sim, e supostamente amigos também.
—
Fiz algumas pesquisas — informou Somerhart. — Em dado momento, St. Claire
passou a invejar John: a fortuna, o futuro título, algo assim. Perdeu muito
dinheiro para ele, no jogo, e John perdoou a dívida na mesma hora. St. Claire
ficou furioso, acusando seu irmão de desrespeito e arrogância.
—
Quando foi isso? — Collin ignorava aquele dado importante.
—
Uns cinco anos antes do duelo — esclareceu Somerhart.
—
Tanto tempo alimentando vingança...
—
O problema é que, na semana precedente ao duelo, St. Claire solicitou revanche
nas cartas e outra vez perdeu para John. Então, tramou o flagrante dele em
intimidades com Alexandra. Comprometeu a mulher que John amava e provocou o
desafio com pistolas. Atirava bem, o desgraçado!
Collin
contemplava o teto, ornamentado com ricos entalhes de querubins entre nuvens.
Alexandra ficaria desapontada com seu novo lar, ele pensou.
—
St. Claire sabia que, naquela situação, John iria desafiá-lo prontamente —
opinou. — Meus amigos na França estão vigiando seus passos. Subornei o
advogado dele. E um jogo de espera.
—Supostamente
— aduziu o duque —, se pisar na Inglaterra, será preso e processado.
Somerhart
também olhou para o teto, a fim de ver o que tanto interessava Collin, quando ambos
foram interrompidos pelo mordomo.
—
Lady Alexandra solicitou... — Prescott, sempre impecavelmente vestido, calou-se
ante a visão de um vulto feminino em camisola de renda e robe de seda.
—
O médico disse que não preciso mais ficar deitada — afirmou Alexandra,
encarando o irmão e o noivo. Andou pela biblioteca como se nunca tivesse
estado doente, mas ainda não se vestira.
Collin
sentiu dificuldade em levantar-se da poltrona, surpreso com o robe semi aberto
que sugeria curvas deliciosas sob a camisola pouco recatada. Mais pasmo ficou
quando Alexandra sentou-se nos joelhos dele, irradiando calor para seu corpo. O
duque via tudo, sem ar de reprovação.
—
Faz tempo que está aqui, conversando com meu irmão? — ela interpelou, e depois se
inclinou para pressionar os lábios contra a orelha de Collin.
—
O duque se acha a um metro... — foi ele quem a censurou. Alexandra disparou um
sorriso cúmplice ao irmão.
—
O que vocês, homens, pretendem fazer? Por mim, gostaria de sair e passear um
pouco.
—
Estávamos discutindo seu contrato de casamento — informou Somerhart. —
Descobrirá que seu noivo é muito generoso.
—
Claro que é. — Alexandra deslocou-se até a mesa da biblioteca e procurou ler
os papéis em rascunho.
Situação
incômoda para Collin, mas por que ele tinha de se apaixonar por uma princesa?
—
O que é isso? — ela inquiriu. — MacTibbenham Collin Blackburn é seu nome
completo?
Somerhart
tossiu, em benefício de Collin, enquanto este formulava uma explicação:
—
Não sei se minha mãe quis me distinguir ou me envergonhar. Deve continuar me
chamando de Collin.
—
Bem, vou lhe conceder alguns minutos de passeio a sós com sua noiva — interveio
o duque, visando pôr fim ao impasse.
—
Quantos? — quis saber Alexandra.
—
Cinco.
—
Quinze no mínimo! — ela impôs sua vontade, como de hábito, e subiu para se
arrumar.
—
Esposa! — Dentro da carruagem, Alexandra testou como a palavra soava em seus
lábios. — Senhora Collin Blackburn! Lady Westmore! Por que nunca usa seu
título, Collin?
—
Eu o uso, quando ajuda a vender cavalos.
Ele
acomodou-se no assento estofado da cabine e abriu as cortinas, fechadas por
Alexandra logo que a carruagem partiu de Somerhart, e acenou para o irmão e o
pequeno grupo de convidados ao casamento.
—
Fale-me de nossa nova casa, de sua família — ela pediu. Pensativo, Collin
tardou em responder.
—
Westmore é uma terra antiga. Grande e com paisagens maravilhosas, mas um lugar
inóspito, selvagem como você nunca viu.
—
Vou adorar, tenho certeza.
—
Quanto à família, minha mãe casou-se tarde, mudou-se, e raramente a vejo. Mas
ficará curiosa e virá conhecê-la.
—
Eia já sabe de nós?
—
Escrevi imediatamente e contei que havia encontrado uma boa noiva. Por certo,
mamãe alegrou-se, mesmo você sendo inglesa.
Alexandra
experimentou alguma ansiedade, mas o olhar terno de Collin lhe garantiu que
tudo estava bem.
—
Minha mãe não se importará, pois sempre me encorajou a casar ter filhos e
perpetuar a família. Já meu pai, no início, não deu muita atenção a seu filho
bastardo, embora enviasse regularmente uma pensão. Ele se transformou depois
que John nasceu. Eu tinha nove anos, na época, e de repente fui cercado de
regalias, boas escolas e bons professores. Sofri um pouco, pois era mau
estudante, mas valeu a pena.
Toda
sorrisos, Alexandra perdia-se em lembranças e divagações.
—
Minha mãe é uma mulher distinta e espirituosa — ela atalhou. — Alguém que sabe
perdoar, como perdoou meu pai por tê-la abandonado. Quando solteira, era uma
talentosa tecelã, mas nunca recebeu nenhum fidalgo aproveitador em sua cama.
Com a fuga do marido, ela constituiu o filho mais velho, o duque de Somerhart,
como meu tutor.
—
Isso é esplêndido — Collin opinou. — Espero que seu pai acabe por nos visitar,
assim como o meu fará, algumas vezes.
Os
olhos de Alexandra marejaram ao peso de tantas recordações.
—
No que me diz respeito — ele prosseguiu —, houve uma fase em que desejei bater
em meu pai, praguejar e fugir para que nunca mais me visse.
—
Por quê? — ela indagou perplexa.
—
Porque eu não queria a propriedade em Westmore nem o título que ele comprou
para mim. — O tom foi duro, quase raivoso. —Já era adulto e podia ganhar a vida
criando cavalos, atividade que sempre adorei.
—
Bem, mas você tinha direitos de nascença — comentou Alexandra.
—
Engano seu. Filhos bastardos não têm direito a nada.
—
Então, quer dizer que você se fez sozinho, independentemente do título e da
fazenda na Escócia? Não tem do que se envergonhar, ao contrário.
—
Não sinto vergonha, porém meus brios são tão suscetíveis quanto os seus.
—
Vamos parar por aqui — ela propôs. — Não quero que seu passado familiar ou o
meu se interponham como barreiras entre nós.
Collin
não tirava os olhos de Alexandra, causando-lhe certo nervosismo.
—
Você tem razão, claro — ele concordou e deu um suspiro. — Perdoe-me por
demonstrar raiva.
Um
sorriso suavizou a face de Collin.
—
Podemos conversar sobre qualquer assunto, a qualquer momento—ele declarou — Mas
com o devido respeito mútuo. Senão, terminaremos trocando tapas e golpes de
chicote...
Estremecendo,
Alexandra levou o comentário negativo para um terreno bem mais agradável. Havia
lido o livro ilustrado sobre sexo que ganhara de Jeanne Kirkland, como presente
de casamento. Ficara conhecendo práticas inusitadas e descobrira coisas
inimagináveis.
Seu
convívio com Collin poderia tornar-se muito interessante...
Poucos
quilômetros os separavam de Westmore, e cada metro mais próximo levava Collin
a um novo nível de tensão. A propriedade dele era acolhedora, mas não um
castelo digno de uma princesa, digno de Alexandra.
Construído
séculos antes, para abrigar combatentes em guerras, o lugar resistira ao tempo,
com suas paredes de pedra e telhados de ardósia, porém permanecera desabitado
por cinqüenta anos, até Collin mudar-se para lá. Ninguém se preocupara com
reformas e melhoramentos.
Assim,
o velho castelo não possuía luz a gás, nem água encanada, nem quartos
elegantes. Sem vidros, as janelas eram dotadas apenas de venezianas, para
proteger do vento e da chuva. Em compensação, o andar térreo consistia no amplo
hall de entrada, numa espaçosa cozinha e na enorme sala de refeições, onde
todos comiam juntos.
Collin
pestanejou incapaz de visualizar lady Alexandra, agora a Sra. Blackburn,
jantando em companhia do pessoal do campo e dos estábulos.
Oh,
Deus! Deveria tê-la alertado, bem como esclarecido que já estava construindo
uma casa nova, bonita e moderna, no alto da colina. Uma casa provida de luxos
como banheiras de mármore.
Era
tarde para contar. E, de qualquer modo, Collin decidira testar Alexandra, ver
se o amor dela por ele era sólido a ponto de dispensar as comodidades da
civilização. A primeira reação, diante da paisagem, foi positiva.
—
O cheiro é tão bom! — exclamou ela. — Como se já fosse outono! Quanto tempo
falta para a estação, Collin?
—
Poucos minutos — ele informou.
—
É bonito, aqui no alto da colina. Você vai me acompanhar na exploração do
terreno?
—
Creio que tenho muito trabalho esperando por mim.
Os
olhos de Alexandra se sombrearam.
—
Claro, não quis parecer fútil. Você ficou longe de casa por muito tempo.
—
É verdade. — Collin a contemplou com o coração apertado.
—
Acha que vão me aceitar bem, sendo inglesa?
Naquele
instante, Alexandra pareceu tão frágil que ele conteve sua urgência de tomá-la
nos braços.
—
Todos irão se surpreender com meu casamento — respondeu. — Mas Fergus, meu
gerente, não se importará com sua origem inglesa. E os Kirkland são os vizinhos
mais próximos. Você se lembra de Jeanne, ela gosta de você. Já lhe mandou
alguma carta?
—
Sim. — Sem saber por que, Alexandra corou. Ia falar mais, quando Collin a
impediu com a mão erguida.
—
Prefiro ignorar o conteúdo da correspondência.
Um
sorriso brilhante iluminou de novo o rosto de Alexandra.
—
Não posso responder pelos serviçais da casa e pelos trabalhadores — Collin
acrescentou —, mas creio que não irão se importar.
—
Talvez tenha uma surpresa — retrucou ela, deixando-o ensimesmado, e então olhou
pela janela da carruagem. — Mas é um castelo! Você já dormiu na torre?
—
Não, mas o quarto que destinei a você é adjacente a um campanário.
A
expressão satisfeita esvaiu-se de repente da face de Alexandra.
—
Não vamos dormir no mesmo quarto?
Por
coincidência, ao aproximar-se mais, a carruagem passou por uma parte do castelo
que se achava em ruínas.
—Não,
não!—Collin apressou-se em desmentir. —Os quartos são pequenos, não
comportariam dois guarda-roupas. Podemos partilhar o dormitório maior, que
será seu, e eu conservarei o meu para me vestir e me lavar. Não imagina como
chego empoeirado e cheirando a estéreo, no fim do dia.
—
Está bem assim — ela aprovou a idéia. — Só não queria dormir sozinha todas as
noites.
Ele
sorriu debilmente e apontou a Alexandra o extenso muro dos estábulos, onde um
belo cavalo negro projetava o pescoço por uma abertura. Logo em seguida, o
coche parou na área de entrada. Fergus os aguardava. Abriu a porta da
carruagem, ofereceu a mão a Alexandra e saudou-a enfaticamente com uma mesura.
Collin
desceu preocupado e os apresentou. Tinha se esquecido de como Fergus era
educado, bonito e vestia-se com esmero. Possuía até ascendência nobre, embora
lhe faltassem bens materiais.
Alexandra
trocou algumas palavras com ele, até Collin guiá-la para dentro do casarão. Ele
acabou ficando um pouco para trás, o que frustrou sua vontade de ver como ela
reagia ao primeiro contato com o novo lar. Havia desejado constatar o sentimento
dela: horror, desprezo, resignação, ou talvez alguma emoção positiva, pelo que
ele não conseguia deixar de esperar.
Agora,
enciumado de Fergus, Collin realmente preferia não olhar.
O
cheiro que Alexandra sentiu era o mesmo da parte externa do castelo: de pedra e
água. O interior da construção, porém, também cheirava a limpeza e frescor. Era
frio, na verdade. Frio e escuro.
Sua
visão adaptou-se e ela constatou a extraordinária altura do teto, bem como o
tamanho da sala. Parecia-se com as pinturas de castelos medievais que ela vira
em quadros e em livros.
Várias mesas longas de madeira se sucediam, em frente à maior
lareira que Alexandra já havia visto, e luxuosos tapetes de lã cobriam o piso
de pedra.
Em
um dos cantos, um sofá e uma poltrona pareciam deslocados naquele ambiente
antigo. Na extremidade oposta da sala, utensílios de madeira estavam arrumados
sobre um aparador. Uma abertura em arco demarcava a passagem para outro
cômodo, certamente a cozinha, e uma porta à direita dava acesso à escada.
Não
era exatamente um esplendor, mas como Collin não respondera às suas perguntas
sobre Westmore, e ela se sentira insegura para pressioná-lo, Alexandra chegara
até ali sem nenhuma noção preconcebida a respeito de como seria seu novo lar.
—
E então, o que achou? — quis saber ele, estudando-a atentamente. — Muito
primitivo?
—
Bem, um pouquinho — respondeu ela com sinceridade, olhando ao redor. — Quero
dizer, pode ficar mais acolhedor, se dividirmos este espaço em cômodos menores.
Falta um toque feminino por aqui. Mas nada que não se solucione com uma
pequena reforma.
—
E de onde vou tirar o dinheiro para isso?
Oh,
aquele era um assunto delicado, pensou Alexandra. Ela poderia arcar com as
despesas para reformar aquele lugar, mas jamais se atreveria a sugerir tal idéia
a Collin, orgulhoso do jeito que ele era.
Uma
tossidela atrás de Alexandra a poupou de responder àquela pergunta
constrangedora.
—
Sr. MacLean! — exclamou ela, voltando-se.
—
Fergus, por favor, milady — corrigiu ele.
—
Então, me chame de Alexandra.
Ela
ouviu Collin emitir uma espécie de resmungo sufocado, e viu Fergus desviar o
olhar na direção dele, sem deixar de sorrir. Virou-se, então, para Collin, a
tempo de vê-lo menear discretamente a cabeça para Fergus, em negativa, antes de
pegar em seu braço e conduzi-la à cozinha, a fim de apresentá-la aos criados
da casa.
Rebeca
Burnside, a governanta, apregoava suas funções exibindo um molho de chaves
preso à cintura. A Sra. Cook, a cozinheira, foi mais simpática e prometeu à
nova patroa fazer seus pratos prediletos, assim que ela lhe passasse uma lista.
Duas
outras criadas, Bridey e Jess, se encarregavam da limpeza. Mas havia ainda uma
mocinha de seus doze anos e alguns rapazes, agregados ao castelo e disponíveis
para ajudar nas tarefas pesadas.
Alexandra
sorriu para todos, meneando a cabeça e observando se aqueles rostos
demonstravam hostilidade ou ressentimento. Não, a criadagem estava
simplesmente curiosa com relação a ela. Menos Rebeca.
A
governanta sorriu estranhamente ao dispensar os outros e abordar Collin. Jovem,
longe de ser feia, possuía traços graciosos e gestos sedutores.
—
É bom vê-lo em casa, milorde.
—
É bom estar de volta, Rebeca.
Fergus
colocou-se ao lado de Collin e instruiu Rebeca a mostrar os aposentos de
Alexandra.
—
Com certeza, ela está cansada da longa viagem — ele disse.
—
Claro. — A governanta obedeceu, não sem antes lançar a Fergus um olhar
mortífero.
Alexandra
suspirou, seguiu a mulher e voltou-se, hesitante, para Collin, que já
entabulava uma conversação com Fergus. Acenou para ela, sem notar o esforço que
fazia para manter-se empertigada e serena diante do falso sorriso de Rebeca.
Que
tipo de governanta ela podia ser? Devia ter uns vinte e cinco anos e não se
parecia de jeito nenhum com uma criada. A pele clara e os cabelos loiros,
cuidadosamente entrelaçados no alto da cabeça, destacavam o pescoço longo.
Alexandra suspeitaria de que Rebeca Burnside fosse amante de Collin, caso não
conhecesse o caráter dele.
Rebeca
abriu uma porta no corredor, no topo da escada, e estendeu o braço, apontando o
quarto de Alexandra. Evitava falar com a nova patroa. Por quê?
Alexandra
entrou no aposento. Sua curiosidade superou a determinação de descobrir os
motivos da hostilidade da governanta, e ela estreitou os olhos, examinando o
cômodo. Uma cama grande e alta, de casal, dominava o aposento, complementada
por guarda-roupa e penteadeira. As venezianas fechadas não ocultavam as
modestas dimensões da janela. Ela pressentiu que, ali dentro, sentiria falta de
luz e ar. Incomodou-a também o fato de as paredes serem decoradas com extensas
peles de marta.
De
acordo com a descrição feita por Collin, uma porta se abria na parede da
direita. Alexandra cruzou-a, esperançosa, e deparou com um quarto acolhedor,
mobiliado com uma cama de solteiro, mesa e cadeiras. Também era um pouco
escuro, mas possuía mais de uma janela. O ambiente a agradou, pois serviria
como sala de vestir e de tomar o desjejum.
Um
ruído atrás de si a lembrou da presença de Rebeca.
—
Você é jovem demais para uma governanta — comentou, sem olhar para ela.
—
Lorde Westmore e eu nos conhecemos há anos. Ele ficou feliz por poder me
oferecer o cargo.
—
Estou certa de que seremos boas amigas — disse Alexandra, por educação,
recebendo de volta um olhar frio. — Imagino que a carta de Collin, informando
sobre o casamento, tenha sido uma surpresa para todos aqui.
—
Sim, foi.
—
E você deve ter tido tempo suficiente de preparar o castelo para a chegada de
uma esposa.
—
Claro.
No
entender de Alexandra, a secura da governanta aumentava o mistério sobre suas
relações com Collin. A aparente hostilidade nada tinha a ver com o fato de ela
ser inglesa.
—
Obrigada, Rebeca. Avise-me quando chegar a carruagem com minha criada pessoal e
a bagagem.
Alexandra
esqueceu sua contrariedade quando, sozinha, deitou-se de costas na cama. Mas a
visão daquelas pelagens de marta, um animalzinho tão inofensivo, provocou-lhe
arrepios.
Por
fim, a fadiga a venceu, e ela imaginou se teria tempo de tirar a roupa e rolar
nua sobre a cama, antes de Danielle aparecer.
No
leito, Alexandra enterrou os dedos na incrível maciez dos lençóis. Então,
adormeceu.
Acordou
com o estômago roncando de fome, e a primeira coisa que notou foi a nesga de
luz solar que banhava o quarto. Estranho, porque imaginava ter-se deitado na
hora do crepúsculo.
Ela
concluiu, abismada, que havia simplesmente dormido, em sua noite de núpcias.
Suspirou de frustração e sentou-se na cama, tentando entender o que via. Seus
perfumes e pós-faciais, escovas e grampos encontravam-se na penteadeira. A
roupa de viagem tinha sumido do chão, onde a deixara, e um robe e chinelos
estavam ao pé da cama. Havia ainda uma mala aberta.
Claro,
Danielle tinha chegado e cuidado de tudo. Mas o que era feito de Collin?
Provavelmente
dormira sozinho, pois a outra metade da cama continuava arrumada. O que
pensaria dela? O que todos pensariam? Sem dúvida, a Sra. Cook devia ter
preparado um jantar especial de boas-vindas, e Alexandra nem mesmo descera
para comer. Seguramente, Collin planejara inaugurar com ela sua nova cama. Por
que não a havia acordado?
Mortificada,
Alexandra envergonhou-se do que tinha acontecido.
—
Já acordou milady?
—
Danielle, que horas são?
—
São oito horas, ainda. Devo lhe trazer o desjejum?
—
Não sei. — A fome se dissipara em meio ao malogro. — Por que não me acordou
para o jantar?
—
Seu marido quis deixá-la dormir, alegando que estava extremamente cansada.
Era
verdade. Fazia cinco noites, entre o chalé e sua casa em Somerhart, que
Alexandra passava em vigília a maior parte do tempo. No entanto, não podia
arruinar seu primeiro dia completo em Westmore com um argumento desses.
—
O café da manhã ainda está sendo servido, na sala? — ela indagou.
—
Não. Os trabalhadores e agregados se abasteceram e levaram lanches para os
locais de suas atividades.
—-
Mas isso é terrível — comentou Alexandra, decepcionada. — Em todos os lares, as
pessoas se reúnem em torno da mesa, para qualquer refeição.
—
Talvez almocem e jantem em suas próprias casas, no vilarejo — ponderou
Danielle.
—
Pois eu creio que os trabalhadores permanecem por aqui, dia e noite.
Com
essas palavras, Alexandra ergueu-se da cama. Pensava na dureza do serviço
braçal. Sentia que havia contribuído para aprimorar a propriedade do irmão,
porém os outros podiam tê-la considerado uma intrusa, cujo trabalho nada acrescentara
às terras de Somerhart.
Se
fosse assim, ali em Westmore ela faria uma verdadeira diferença, ao cuidar de
reformas e melhorias no castelo.
—
Tomarei meu desjejum no salão, mesmo que esteja vazio — Alexandra decidiu. —
Poderei pensar com calma nas providências para modernizar o castelo, a começar
pela ampliação das janelas.
—
Por que vai se incomodar com isso, milady? — Danielle pareceu confusa.
—
O calor da estrada fritou seu cérebro? Este é meu novo lar. Posso e devo
investir no aprimoramento de uma construção tão especial.
—
A criadagem diz que a casa nova ficará pronta no ano que vem — atalhou
Danielle, ainda aturdida.
—
Qual casa nova?
Alexandra
teve uma horrível sensação de ter sido enganada, lembrando-se de que Fergus
parecera querer dizer alguma coisa, na véspera, e Collin o impedira.
—
Claro. A casa nova...
Todos
sabiam menos ela. Era nula a probabilidade de Collin pretender fazer-lhe uma
surpresa, uma atitude não condizente com sua personalidade. E então?
Então,
aquilo era um julgamento, um teste. Collin escondera dela que o castelo de
Westmore seria um lar temporário, interessado em avaliar sua reação a uma
residência fria e sombria. Talvez quisesse puni-la por um passado desregrado,
impondo as próprias condições.
Não
passava de um blefe, ela concluiu, terminando de vestir-se com a ajuda de
Danielle. Iria imediatamente até o estábulo para interpelar Collin. E
estapeá-lo no rosto, se fosse o caso.
Danielle
empunhou uma escova a fim de alisar os cabelos de Alexandra, mas ela recusou a
gentileza, pois tinha pressa. Um dia bonito a aguardava quando atravessou a
porta do castelo. Encontrou o marido, de costas, ocupado no preparo de ferraduras.
Fergus estava com ele e a avistou primeiro. Chamou Collin, avisando que tinham
companhia.
—
Alexandra? — Collin voltou-se para ela, enquanto Fergus recuava. — Vou lhe
mostrar os cavalos, depois do almoço.
Houve
um murmúrio ininteligível, e Collin perguntou ao administrador o que sua esposa
estava querendo dizer.
—
Falou que não veio até aqui para ver os malditos cavalos. Ele se empertigou e
fez a mente trabalhar.
—
Lamento muito sobre a noite passada, Alexandra. Você precisava descansar.
—
Ainda bem que não acordei para ouvir mais uma de suas mentiras — ela retrucou,
constrangida, mas afogueada.
Collin,
ao contrário, gelou ao ouvir a acusação, que não compreendeu.
—
Danielle me informou que teremos uma casa nova, no ano que vem. Minha criada
veja só.
O
som das botas de Fergus indicou que ele se afastava. Collin largou a marreta e
deu um passo para fora, na direção da luz. Alexandra esperava raiva ou
explicações do marido, mas não indiferença.
—
Eu ia lhe contar — disse ele, após um demorado silêncio.
—
Se queria segredo, lembro que ficamos sozinhos por seis dias. Por que eu não
deveria saber?
Collin
retornou ao estábulo, seguido por Alexandra, e dispensou um rapaz que o
ajudava e agora corria veloz pela trilha. Ao menos ali, a discussão entre
marido e mulher não teria testemunhas.
—
É que a nova residência não é grande. Pretendia mostrá-la a você quando a construção
estivesse mais adiantada.
—
Creio que você quis me castigar, ver se eu me comportava como a esposa de um
fazendeiro pobre, um criador de cavalos. Preciso alertá-lo, Collin: qualquer
dúvida ou reclamação que tiver contra mim estará vindo tarde demais.
—
Não duvido — ele retorquiu.
—
Caso esteja pensando em basear nosso casamento em mentiras, ficarei pouco tempo
aqui.
Os
cabelos de Alexandra dançaram sob o vento, quando saiu às carreiras. Alguns
fios caíram em cima dos lábios e ela teve de usar a língua para removê-los. Um
vulto moveu-se à porta de um segundo estábulo. Outro espião e bisbilhoteiro.
Fabuloso!
—
Alexandra, espere! — Collin chamou, mas ela acelerou as passadas, ainda sem
destino. Voltaria a seu quarto, no estranho castelo?
Collin
a alcançou, segurando-a pelos ombros.
—
Sinto muito, Alexandra...
Ainda
ajeitando as madeixas, ela sentiu vontade de chorar.
—
O que mais lamento são as más lembranças que terei do meu primeiro dia em sua
casa.
—
Venha caminhar um pouco — ele propôs.
Ela
hesitou. Podia sentir o corpo grande de Collin às suas costas. Ele roubou-lhe
um beijo na orelha.
-—
Por favor, venha comigo. Vou lhe mostrar a casa nova.
Alexandra
não tinha certeza de que queria vê-la, incompleta. Caso se negasse, porém,
passaria por arrogante ou incontentável.
Collin
a guiou até a base da colina, em curva, lugar bem arborizado e coberto de
grama. A medida que se aproximavam do topo, a vegetação rareava, mas ainda
havia relva úmida e folhas de outono caídas no solo. Em cinco minutos de
escalada, Alexandra finalmente viu a construção em andamento.
Pedras
de rocha, arredondadas pela correnteza do rio, preenchiam as fundações já
escavadas. Outras, cinzentas, elevavam-se em futuras paredes e chaminés, com o
devido reboco. Tábuas de carvalho se empilhavam à espera de aproveitamento
como forro do teto. Sobravam janelas na construção, que sugeria o aconchego de
um chalé. Aquilo sim se parecia com um lar.
—
É lindo, Collin. E bem espaçoso. Como pôde esconder tudo isso de mim? —
Lágrimas brotaram nos olhos de Alexandra.
—
Gostou mesmo?
—
Claro que sim. Eu seria uma desalmada, se renegasse este lugar.
Ela
ainda aguardava uma explicação, uma justificativa, mas Collin apenas suspirava
seguidamente, alvo de teimosia ou de mero capricho, como diria Jeanne Kirkland.
Por fim, ele falou:
—
O fato de eu ter guardado segredo nada tem a ver com o que penso de você. É que
a construção corresponde a apenas uma ala de Somerhart. Você merece mais.
—
Por que é tão teimoso? — Alexandra mostrou-se ofendida, ao mesmo tempo em que
fantasiava com a boca de Collin em sua pele.
Mágoa
e necessidade se juntaram na certeza de que, apesar dos contratempos, aquele
era o único homem que ela desejava.
—
Nunca gastei um minuto — ela prosseguiu —, imaginando um marido ou um lar para
mim. Acho que já lhe disse isso. Nunca sonhei com palácios ou com aristocratas
ricos. Você é o único com quem concordei em me casar. Tudo o que diz respeito
a você me agrada.
Collin
cheirava a cavalos, feno e virilidade. Quando ele segurou com as mãos as costas
de Alexandra, o desejo premente fez com que encostasse o corpo ao do marido.
—
Vamos entrar para ver a obra? — ele sugeriu, excitado.
—
Não.
—
Nos estábulos, então.
—
Não, Collin. Leve-me para casa.
Ele
se assustou, julgando que Alexandra se referia a Somerhart, mas ela logo
esclareceu:
—
Para o castelo de Westmore. Para a sua cama. Alexandra sentiu uma renovada
firmeza muscular contra seu ventre. Uma vez no quarto, daria vazão à volúpia
adiada da véspera. Teria o prazer de sentir Collin desabar entre suas pernas.
Capítulo
VI
Jeanne,
onde escondeu o frasco de bebida? Jeanne Kirkland colocou um dedo sobre os
lábios, pedindo silêncio a Alexandra. Ambas escalavam, na penumbra e junto à
parede, os degraus que levavam à torre do castelo de Westmore. Ofegantes,
chegaram e deram muitas risadas.
—
Não acredito que você nunca tenha subido aqui — disse Jeanne, exibindo a
garrafa de bolso. — Vamos comemorar com o melhor uísque já fabricado pelo
homem.
Beberam
e abriram a última porta da torre, que dava para o nada. O luar amenizava a
escuridão. Alexandra não tossiu ao tomar mais um gole, antes de passar a
garrafa à amiga.
—
Bom muito bom — disse com a voz arrastada por efeito da bebida.
Reclinaram-se
no parapeito da alta torre. Queriam apenas conversar, sossegadas, mas sem
dispensar um toque de aventura.
—
Então, como vai seu casamento com Collin Blackburn? — indagou Jeanne. — Também
está sendo muito bom?
—
Nada mal.
—
Sempre achei que ele seria um excelente marido.
—
E é. — Além de não se ofender com a pergunta, Alexandra aproveitou a chance de
matar uma antiga curiosidade. —Collin nunca cortejou você?
—
O quê? — Jeanne mostrou-se surpresa. — Não, nunca. Somos amigos de infância.
—
Mas quando você cresceu... Tornou-se a única vizinha jovem e atraente. Sempre
aparentam muita proximidade.
—
Meus irmãos me controlavam, porque fui exposta a homens interessantes desde
cedo. Mas Collin não me deixa com os joelhos bambos...
—
Comigo isso acontece, confesso. Estamos casados há apenas um mês, e as
circunstâncias de nossa união...
—
Que circunstâncias? — Jeanne quis saber.
—
Oh, um pouco de imprudência. Meu irmão não me forçou a casar, mas Collin
insistiu que era questão de honra.
—
Não se iluda com isso. Collin estava orgulhoso ao falar de você.
—
Ele falou de mim? Quando?
—
No baile, quando reapareceu no salão com pétalas de flores nos cabelos. Eu o
pressionei e ele me pediu discrição, dizendo que havia flertado com uma dama
de classe.
—Normalmente,
Collin vive com raiva — retrucou Alexandra, com ar contrafeito.
—
Puro ciúme. Ele não aprecia as atenções que meus irmãos dedicam a você, assim
como Fergus.
Fergus.
Esse era um nome que Jeanne evitava pronunciar, pois lhe machucava o coração.
Diante da amiga, porém, ela confidenciou:
—Vivo
espiando Fergus de minha janela. Sou apaixonada por ele, desde que me beijou,
um ano atrás. O que faço Alexandra?
—
Um ano? Talvez Fergus não seja indiferente a você, pois vive de olho em sua
casa.
Um
surto de alegria aqueceu o peito de Jeanne Kirkland.
—
Verdade? Ele me espia também?
—
Certamente — Alexandra foi categórica.
—
E por que não vai e fala com meus pais?
—
Não me pergunte Jeanne. Eu tive de seduzir Collin, deitar-me com ele antes do
pedido de casamento. Quem sabe seja esse o caminho.
—
Mas Fergus é tímido. Afirmou que nunca havia se apaixonado.
—
Então, dê-lhe algum tempo. Não o assuste com seu entusiasmo. — Alexandra riu e
propôs que voltassem a se reunir aos homens, na sala principal.
*
* *
Pela
primeira vez, o ambiente pareceu sufocante a Collin. Seus convidados, os pais e
irmãos de Jeanne Kirkland, ocupavam as cadeiras perto da lareira, mas ele se
sentia acalorado e angustiado. Gostaria de ir lá para fora e enfrentar a noite
fria. No entanto, nada o faria deixar Alexandra ao alcance daqueles rapazes que
não se cansavam de sorrir para ela. Também havia Fergus, que ele resolvera
vigiar de perto.
O
que estava acontecendo? Collin jamais se preocupara assim com uma mulher.
Admitiu que tinha ciúme da esposa e que isso era irracional. Fergus, por
exemplo, era um bom amigo, um homem respeitador. Os jovens da família Kirkland
somente se exibiam e brincavam.
Porém,
sempre sentia certa insegurança quanto a Alexandra. Agora que eram marido e
mulher, não sabia sobre o que conversar com ela. Cavalos? Negócios? Alexandra
não lhe negava atenção, mas aparentava querer algo que ele não conseguia lhe
dar. E o tédio era péssimo conselheiro.
Quando
a via de longe, sem ser notado, Collin percebia a esposa triste, talvez com
dificuldade de adaptar-se à vida solitária da fazenda. Em um mês, os Kirkland
eram os primeiros visitantes que recebiam, e Collin ignorava como entreter melhor
Alexandra, fora da cama. Sofria, também, com a crescente amizade entre ela e
Fergus.
—
Collin? — chamou Douglas Kirkland. — Eu me pergunto como escapou da ira mortal
do duque.
—
Do irmão de Alexandra? — Ele sentiu o rosto queimar.
—
Sim, não estamos tão isolados do mundo para desconhecer os boatos. Vocês se
casaram depressa a fim de encobrir um escândalo?
—
Não foi tão escandaloso assim — Alexandra elevou a voz, irritada com a conduta
do convidado. — Por isso, Collin não tinha do que fugir.
—
Foi o que pensamos — aduziu o pai de Jeanne. — Collin não faria mal à irmã do
duque, debaixo do nariz dele...
Os
rapazes riram alto, sem notar o olhar trocado entre Collin e Alexandra. Ele
meneou a cabeça e sorriu na direção da esposa, porém ela desviou a vista,
mordiscando o lábio inferior. Depois, sentou-se ao lado de Jeanne, com quem
passou a murmurar segredos, talvez abrangendo a verdadeira história de seu
matrimônio.
Collin
pediu licença para sair. Tomou a decisão consciente de não espiar Alexandra
sobre o ombro, ao cruzar a porta. Ela estaria no mesmo lugar quando voltasse.
Depois
de espairecer por meia hora ao relento, Collin voltou à sala e não avistou
Alexandra, Nem Fergus. Apenas Jeanne, os irmãos e os pais continuavam sentados
ali. A jovem ruiva parecia amuada, e os outros a ignoravam.
Collin
procurou por Alexandra na cozinha. Ninguém a tinha visto nem sabia dela. Antes
de pedir ajuda a Jeanne, ele vasculhou o grande saguão e descobriu Rebeca, a
governanta, acenando para ele, escondida entre as sombras do vão da escada.
—
O que houve Rebeca? — Ele se aproximou.
—
Não considero apropriado que sua esposa... Oh, eu devia segurar minha língua.
—
Fale logo. — A própria garganta de Collin queimava.
—
É que eu vejo lady Alexandra sozinha com muita freqüência. Sei que ela e
Fergus se tornaram amigos, mas não a ponto de escapulir juntos como fizeram
agora.
Um
fogo abrasador tomou conta do peito de Collin. Aquilo não podia estar acontecendo.
Os pés subiram um degrau, depois outro.
—
Não, não lá em cima — Rebeca alertou, apontando a porta estreita à esquerda. —
Ali.
Collin
gesticulou com a cabeça, em agradecimento, e girou a maçaneta da porta
indicada, aterrorizado com o que poderia ver ou ouvir. Na verdade, a passagem
dava para o pátio externo, perto de onde ele estivera pouco antes, sob o vento
frio e as estrelas.
Uma
voz de homem ressoou nas trevas.
—
Não, Alexandra.
—
Mas...
—
É impossível.
—
Oh, Fergus, por que você é tão teimoso? — Alexandra perguntou claramente. — Vi
você olhando...
Collin
ouviu passos se afastando rapidamente. Alexandra praguejou e ele remoeu as
palavras dela.
"Vi
você olhando..." O quê? "Vi você olhando para mim, sem roupa no
quarto", ele completou mentalmente a frase.
Só
podia ser um mal-entendido. Alexandra não era nunca tinha sido uma prostituta,
e sim uma mulher livre e vibrante que resolvera descobrir os fatos da vida
precocemente. Não se entregaria ao melhor amigo do próprio marido.
Bem,
ela também não era inocente. "Virgem, mas não intocada", Collin
escutou novamente a intriga do monstro que lhe sufocava a alma.
Ele
caminhou com cautela sobre o gramado gelado. A distância, pôde ver Alexandra
sozinha, sob o luar. Relembrou-a abraçada a seu corpo, de saia erguida, na
clareira em que pela primeira vez haviam se tocado intimamente. Recordou também
a noite de núpcias, atrasada em vinte e quatro horas, quando ela havia se
ajoelhado diante dele para praticar a mais ousada das carícias.
—
Collin! — O nome soou empurrado da boca de Alexandra, por conta da surpresa, e
ela correu alegremente até ele.
Collin
a brindou com um largo sorriso.
—
Se está procurando Fergus, ele já foi para casa — esclareceu.
—
Não estava, mas o encontrei assim mesmo — Collin rosnou.
—
O que quer dizer?
—
Quero dizer que estava procurando você e deparei com Fergus em sua companhia.
—
Sim, claro. — Alexandra deu-se conta de que precisava aplacar a raiva de
Collin. — Queria falar a sós com ele, sobre... Um assunto.
—
Que assunto?
—
Não há nada de errado, Collin.
—
Como posso ter certeza?
—
E daí? — Alexandra retrucou, irritada.
—
Pensa que é direito fugir para o pátio, com meu gerente, e ficar cochichando
com ele no escuro?
—
Eu não estava cochichando...
O
riso gélido de Collin feriu o coração de Alexandra. Ela não negava a fuga,
apenas os cochichos. Se não cochichava, então dirigia súplicas a Fergus, ele
refletiu. Pior ainda.
—
Fiquei curioso sobre o seu passado, Alexandra. Por que sua família a retirou de
Londres? O que fazia junto com St. Claire quando John os flagrou e desafiou
aquele canalha para um duelo?
—
Não compreendo o motivo das perguntas — rebateu ela, estarrecida. -— Eu não
beijei Fergus, se é o que está pensando. Nunca faria isso.
—
Mas beijou outros, como St. Claire, que não é melhor do que uma cobra venenosa.
—
Collin, sou sua esposa! — exclamou Alexandra, como se desse uma chicotada no
marido. Sentiu medo dele, porém. Jamais havia falado com Collin em clima de
pavor. — Como pode imaginar que sou infiel a você? Parece até que me odeia.
Ele
recolheu as mãos, recuou dois passos e prosseguiu impiedoso:
—
Então, por que se escondeu aqui fora, no escuro?
Alexandra
foi salva do dilema por Jeanne, que apareceu no jardim e a chamou, pressentindo
algo fora da rotina.
—
Venha para dentro, amiga, onde está quente. O que há com você, Blackburn?
Precisa esfriar a cabeça neste gelo. — Jeanne não usou um tom agressivo. Era
doce até nas repreensões.
Collin
viu a porta fechar-se atrás das duas e começou a tremer de frio. Era um animal
sem sentimentos? Ou o maior idiota em toda a Escócia?
Os
olhos de Alexandra marejaram quando, na tarde seguinte, deu adeus à família
Kirkland. Esperou a carruagem desaparecer numa curva, desejando que Jeanne
permanecesse com ela no castelo, oferecendo-lhe afeto e proteção.
Collin
havia se deitado tarde da noite, encolhido em seu canto da cama, fingindo
acreditar que a esposa dormia. Levantara-se muito cedo, da mesma maneira
sorrateira, e só retornara do trabalho para despedir-se dos convidados.
—
Continua frio — Alexandra disse como pretexto para voltar para dentro do
castelo e escapar do alcance de Collin. Mas ele a seguiu e a chamou para uma
conversa a sós.
Subiram
ao quarto, e ela não fazia idéia do que dizer. Ainda estava bastante
ressentida.
—
Ontem à noite, fui grosseiro e acusei você de uma vilania — ele começou.
—
Tem razão.
Pelo
olhar, Collin esperava uma confissão cabal, Alexandra imaginou. Sentiu-se
tentada a mentir, assumindo uma culpa que não tinha, só para ver a reação de
raiva estampada no rosto do marido. Poderia administrar bem a situação.
Sentiu-se como a verdadeira Alexandra Huntington, não como lady Westmore.
—
Uma criada me contou que você e Fergus costumam desaparecer juntos,
freqüentemente.
—
Rebeca? É uma mulher vulgar, à caça de homens. Mas se você acredita nela mais
do que em mim...
Na
noite anterior, Alexandra tivera um motivo sério para discutir com Fergus:
convencê-lo a formar um par romântico com Jeanne Kirkland, já que ambos se
gostavam. Contudo, naquele instante, preferiu omitir esse detalhe de Collin.
—
Então, Rebeca mentiu? — ele indagou.
—
Não sei o que ela lhe disse, exatamente. O que entende por sumir ao lado de
Fergus? Vamos aos estábulos ou ficamos conversando na sala. Por que eu teria de
informar você? Sou sua mulher.
—
Nesse caso, proponho encerrarmos o assunto — ele sugeriu subitamente
conciliador.
—
Collin... — Alexandra sentiu as garras da dor cravadas em seu coração. Confusa
até o limite da razão julgou-se prestes a enlouquecer. Lembrou-se de que os
irmãos de Jeanne poderiam tê-la visto sair. — Lamento muito. Não avaliei como
minha saída iria parecer aos nossos hóspedes.
—
Isso é tudo? — Ele mostrou-se impaciente para encerrar a conversa.
—
Nada existe de errado, Collin. Nada. — Vislumbrou a amiga pedindo-lhe para contar
a verdade. Rendeu-se ao caminho lógico. — Eu só falava com Fergus sobre ele
deixar de rodeios e declarar-se a Jeanne. Ambos combinam em tudo, e sentem
atração um pelo outro.
—
Ridículo! — reagiu Collin. — Fergus conhece Jeanne desde que ela era criança.
—Ela
é apenas dois anos mais nova do que ele. Os dois sabem o que querem, mas
relutam em assumir seus sentimentos.
—
Acho melhor deixar Fergus em
paz. Que decida sozinho. Mas, se você disse a verdade, então
eu lhe peço perdão, Alexandra, por ter perdido a calma.
Ela
anuiu com um gesto de cabeça, porém sentiu-se estranha, posta de lado, e um
lampejo de raiva perpassou-lhe os pensamentos.
—
Quero aquela mulher longe daqui — declarou.
—
Quem? Rebeca?
—
Ela não me respeita, desde o primeiro dia, e vive me espionando.
Pela
linha contrita dos lábios de Collin, Alexandra concluiu que deveria ter
aguardado alguns dias para fazer aquele pedido.
—
Eu também a conheço desde a infância, há quase vinte anos. A mãe dela ajudou a
cuidar de mim. É difícil aceitar a idéia de demiti-la. Rebeca não tem família,
nem para onde ir. Uma carta de referências não garante que ela não morra de
fome ou frio.
—Por
favor, Collin! Não me importa o que Rebeca fará. Caso não tenha notado, ela
está interessada em você. É apaixonada e vive seguindo-o como um cachorrinho
fiel. Para mim, é óbvio que deseja me ver fora daqui, longe de você.
—
Mas eu a tenho na conta de uma grande amiga. Como permitir que você a despeça?
Nunca viveu como ela, Alexandra, à beira da miséria. Rebeca já passou fome e
frio, sim, e sinto que devo abrigá-la em minha casa. Além do quê, tornou-se uma
excelente governanta.
Alexandra
respirou fundo, para poder suportar mais um capricho de Collin. Ele saiu,
batendo a porta, sem se preocupar com a dor que tinha provocado em seu coração.
*
* *
Após
um dia de opressivo silêncio, Alexandra achou que não conseguiria dormir. Seria
terrível, pois precisava esquecer todas as recentes decepções. Deitada, sentiu
um toque cálido no ombro. Escutou mais um pedido de perdão e seus sentidos
reagiram favoravelmente às carícias que Collin lhe dispensava, no escuro,
correndo os dedos pelas curvas de seu corpo. Chegou a suspirar de prazer.
—
Shhh... — ele murmurou. — Durma.
Contudo,
a boca dele complementou as mãos, e uma seqüência de beijos abrasou Alexandra.
Ela pensou estar sonhando, mas logo percebeu que não. Já podia constatar a
excitação de Collin, que lhe torturava os nervos.
—
Você é linda. Suave e selvagem como o verão.
O
galanteio a conquistou de vez. Apertou a cabeça de Collin contra seu corpo,
dirigindo-a para o vão das pernas.
—
Por favor, Collin — sussurrou.
Ele
compreendeu o que ela desejava e apressou-se em atendê-la. Alexandra
arqueou-se a fim de recebê-lo. Cauteloso, embora motivado, Collin não a
penetrou completamente, e pela primeira vez ouviu-a pedir mais.
—
Assim você me mata querida. — As palavras pareceram vir de um fantasma no meio
da escuridão, mas os movimentos ágeis de Collin eram reais, e Alexandra
deliciou-se com eles, numa espiral ascendente de prazer.
Os
gemidos finais se somaram e o quarto ficou inundado de inequívoco amor.
—
Desculpe-me por tudo o que eu disse, vou me redimir — Collin falou ao ouvido de
Alexandra.
Ela
girou a cabeça e permitiu que o travesseiro acolhesse as lágrimas resultantes
do que aparentava ser um sonho.
***
—
É um grande prazer conhecer pessoalmente a bela noiva. Bem vinda à Escócia,
lady Westmore.
—
Obrigada, Sr. Nash. — Era um dos convidados à grande festa que a família
Kirkland promovia em sua mansão.
Noiva.
Alexandra não se sentia assim. Estava casada havia dois meses, e supunha ser
anormal que o relacionamento com o marido piorasse, antes de melhorar. Lucy não
tinha sido específica ao preveni-la, porém as coisas pareciam fora de lugar.
Collin
Blackburn permanecia ao lado dela, em meio à alegria geral reinante no salão, e
conversava tranqüilamente com seus conhecidos. Os Kirkland eram mais
importantes, na escala social, do que Alexandra havia imaginado. O pai de
Jeanne não possuía o título de lorde, mas seu irmão era conde e os dois
pareciam ter muito dinheiro, além de prestígio. Tanto que diversos nobres
estavam presentes ao evento, que nada ficava a dever às mais grandiosas
reuniões festivas de Londres.
Também
era inverno, afinal, época em que os aristocratas evitavam viajar para fora do
país, tornando-se disponíveis para comparecer a jantares e bailes.
A
música começou na pista de dança, mas Alexandra não se moveu do lugar. Ao
receber o convite dos Kirkland, tinha pensado que Collin cumpriria sua promessa
de aprender a valsar, mas isso não ocorrera. Ela sentia medo de solicitá-lo e
ouvir uma negativa como resposta. Ficaria magoada, e então poderia liberar uma
agressividade que acabaria com a trégua vigente entre os dois.
Semanas
haviam se passado em desconfortáveis momentos de silêncio. Quando se falavam,
trocavam palavras com cautela e polidez. No castelo, ambos esvoaçavam em torno
um do outro, e Alexandra nunca sabia se Collin iria abraçá-la ou empurrá-la
para longe.
Sempre
tensa na presença dele, Alexandra percebeu o olhar insistente do marido e
fitou-o com um breve sorriso. Na verdade, Collin vinha se mostrando encantador
naquela noite. Havia se empolgado com o vestido de crepe de seda prateada que
ela escolhera cuidadosamente. Não se cansara de observá-la com admiração, e até
se aproximara para lhe dar um beijo no pescoço. Alexandra vibrava à lembrança
da cena.
Apesar
de tudo, os atos de amor continuavam, com regularidade e crescente satisfação.
Collin
ainda venerava o corpo dela, amando-a com a costumeira habilidade. Mas sempre
tarde da noite. Tão tarde que Alexandra ponderava se Collin conseguia
reservar-se algumas horas de sono. Chegava a acordá-la no meio da madrugada
para fazerem amor.
Às
vezes, Collin falava ou entoava canções no idioma gaélico, que ela não compreendia.
Um dia, Alexandra perguntara a Jeanne o significado de maüh dhomh, cujo
possível sentido a enchia de pavor.
—
Quer dizer "perdoe-me" — a amiga traduzira sorridente, e Alexandra
nada mais quis entender.
Collin
lhe pedia perdão numa língua que, sabidamente, ela desconhecia. For quê? Devia
haver um motivo. Decidiu perguntar a ele, na próxima vez. Mas já tinha reunido
coragem suficiente para abordá-lo durante o trajeto da carruagem até a
propriedade dos Kirkland.
No
entanto, tudo havia mudado naquela mesma manhã.
Um
rapaz que ela não conhecia tinha surgido entre as árvores, quando Alexandra
passeava com Brinn na direção da floresta. Ele lhe entregara um pedaço de
papel dobrado e, ignorando suas perguntas, havia disparado de volta até sumir
no bosque.
Com
o coração apertado, Alexandra se sentira vigiada a distância por Damien St.
Claire, certamente o autor da mensagem, um homem capaz de segui-la até mesmo no
meio de uma multidão, em busca de seus perversos interesses.
Aiinha
cura, você esta dormindo com o inimigo. Como pôde casar-se com a pessoa que vem
caçando seu verdadeiro amante? Exijo reparação por sua inconstância.
Ela
desprezaria tal bravata um ano antes, semanas antes. Se St. Claire tentasse
chantageá-la durante sua primeira viagem à Escócia, Alexandra prazerosamente o
denunciaria, participando de qualquer armadilha que Collin preparasse para pôr
as mãos em St. Claire.
Mas não agora. Por Deus, não agora. Porque ele sabia
exatamente como ameaçá-la.
Consta
que seu marido é um homem ciumento, mas que confia cegamente em você. Como ele reagiria
a algumas histórias sobre o seu passado? Como se sentiria se eu espalhasse
entre os vizinhos as artes que praticou com seus talentosos lábios? Nem sei se
conseguiria descrever o doce calor de sua boca, porém gostaria de tentar.
Felizmente
para você, meu silêncio é barato. Vinte mil libras. Não recuse esta proposta,
pois eu daria a seu marido motivos reais para ter ciúme. Tem dois dias de
prazo. Deixe a quantia no lugar em que recebeu esta nota. Jóias serão bem-vindas,
caso não consiga todo o dinheiro.
Damien
St. Claire não assinara o bilhete. Era desnecessário.
E
assim Alexandra não podia apreciar a festa, nem os elogios de Collin, nem a
maneira calorosa como ele havia segurado sua mão no percurso até a mansão dos
Kirkland. Muito ao contrário, seu estômago doía cada vez que olhava para o
marido. Ela o havia traído, afinal. Traído no instante em que recebera o
bilhete e o escondera dentro da roupa. Traído quando tinha esparramado suas
jóias sobre a penteadeira e tentado calcular o valor de cada peça.
Alexandra
havia perdido a autoconfiança que tanto prezava, por toda a sua vida. Já não
sabia direito quem era ou como se conduzir.
Fergus,
o melhor amigo de Collin, e que ela tinha tratado como tal, poderia ser consultado.
Mas seria errado, impróprio, e agora até Fergus a evitava.
Impróprio.
Sempre impróprio. Alexandra Huntington Blackburn destoava das outras jovens de
seu tempo, pelo comportamento desregrado. Isso era óbvio para todos. Por que
ela tinha demorado tanto a perceber-se como uma mulher marcada para sofrer, pagando
um preço por suas ousadias? Um preço estimado em vinte mil libras esterlinas?
Collin
interrompeu seus devaneios para mais uma apresentação de amigos. Ela procurava
mostrar-se brilhante e adorável. Queria deixá-lo orgulhoso. Queria que a visse
como uma dama, como uma esposa normal. Queria que a vida voltasse à rotina, sem
percalços, desconfianças, chantagens.
Por
que as coisas estavam tão tumultuadas?
Outro
cavalheiro se acercou de Collin e, mesmo aflita, Alexandra o cumprimentou
graciosamente quando foi apresentada. O homem, lorde Waterford, tinha lágrimas
nos olhos.
—
Tivemos de sacrificar meu magnífico cavalo Devil, lorde Westmore — ele
explicou. — Quebrou a perna num buraco, faz uma semana. Não paro de lamentar.
Enquanto
Collin tocava o ombro do amigo, consolando-o, Alexandra levou a mão ao peito,
angustiada.
—
Era um belíssimo animal. Creio que o conheceu, lady Westmore.
Balançando
a cabeça, Alexandra viu Collin afastar-se junto com lorde Waterford, atento aos
detalhes do acidente. Seu coração oprimiu-se com a lembrança da dor que
sentira quando seu primeiro pônei também fora sacrificado. O animal havia
olhado para ela com tristeza, como se soubesse que logo perderia a vida.
Sensível
como se encontrava, Alexandra teve de piscar diversas vezes para reprimir as
lágrimas despertadas pela recordação. Ou pelo seu próprio estado interior. Em
contraste, os convidados bailavam e falavam alto, ainda animados após a
meia-noite. Jeanne brilhava entre os dançarinos, com sua beleza ruiva e sua
alegria.
Alexandra
finalmente sorriu ao vê-la desaparecer de vista, cercada por um grupo de
admiradores. A relativa calma do saguão a atraiu, e ela rumou quieta para o
local. Sentiu alívio por um instante, porque ali só chegavam rumores de
conversas e risadas.
Mas
o momento de calma chegou ao fim quando reconheceu o homem de cabelos claros
que vinha em sua direção, focalizando-a com inegável prazer. Tinha cabelos
loiros e olhos frios, mas não era Damien St. Claire. Nenhuma ameaça grave se desenhava
a sua frente.
Era
Robert Dixon, o homem sedutor de quem seu irmão, o duque, não gostava, mas que
sempre parecia pronto a conquistá-la. Alexandra corou de imediato.
Desconcertada, imaginou que o rubor de suas faces seria visto por Dixon como um
sinal de culpa. Certamente, ele se aproveitaria de seu embaraço.
Dixon
sorriu ao olhar para as sombras do decote de Alexandra. Ela ensaiou uma fuga
estratégica, porém seu orgulho a paralisou.
Não
havia motivo para ser indelicada, esquivando-se de um homem tão fino e
elegante. Esperou que ele se aproximasse, como se lhe desse permissão para a
abordagem. Seu ar apreensivo, porém, em nada diminuiu a satisfação estampada
no rosto de Dixon.
—
É um enorme prazer revê-la, senhorita... Westmore, não? Alexandra não respondeu
nem ofereceu a mão para um beijo de saudação. Seu ato de dignidade serviu
apenas para aumentar o brilho nos olhos de Dixon.
—
Não está feliz por rever um velho amigo de seu tempo em Somerhart? Saiba que
confirmei minha presença na festa só depois de os anfitriões terem garantido
que você viria.
—
Pensei ter deixado claro que você não deveria chegar perto de mim — ela falou.
—
Um mal-entendido, sem dúvida — foi a reação de Dixon.
—
Como assim?
Dixon
deu um passo à frente e percorreu os olhos pelo corpo de Alexandra, desfrutando
uma formosura que agora lhe era mais inacessível do que nunca. Ou não?
—
Imagine minha decepção ao saber que a bela e indomável lady Alexandra havia se
casado com um bastardo escocês.
Num
repente, ela bateu com o leque no braço de Dixon.
—
Está indo longe demais — censurou, satisfeita por demonstrar seu desagrado.
—
Ao contrário — ele retrucou, apertando-lhe o braço com os dedos fortes.
Alexandra
não se esquivou porque, no outro canto do saguão, havia dois rostos
desconhecidos olhando em sua direção. Já existia falatório demais sobre a
esposa de Collin Blackburn. Ela não causaria uma cena de destempero. Sorriu
para a mulher que a observava e sussurrou a Dixon, por entre os dentes:
—
Solte-me.
—
Você se entregou àquele facínora chamado St. Claire e deitou-se com um maldito
criador de cavalos. Por que me rejeitou, deixando-me a suplicar por seus
favores?
—
Largue meu braço. — Alexandra elevou a voz na medida do possível.
—
Ouvi dizer que o tal Blackburn está insatisfeito com você. Talvez se ressinta
de pagar tão alto por material usado...
—
Solte-me já, ou vai se arrepender — Alexandra insistiu chocada com o insulto.
Suspirou quando sentiu a mão de Dixon relaxar a pressão e cair.
—
Você tem sorte por seu irmão ser um duque. Do contrário, não seria tão...
—
Pode me apresentar, lady Westmore? — A voz de Collin soou tão perto que
Alexandra tomou um susto. Deparou com os olhos cinzentos do marido a menos de
um metro dela.
—
Collin!
—
Por que a surpresa?
Alexandra
imaginou se ele teria escutado a conversa, mas certamente não. Se tivesse,
estaria explodindo de raiva. Collin colocou-se a seu lado e ficou olhando
ressabiado para Dixon. O que ela poderia fazer ou dizer? Precisava omitir a
verdade, a não ser que quisesse ver o marido condenado por assassinato.
—
Claro. — Alexandra mirou a face pálida do outro. — Sr. Robert Dixon, este é meu
marido, Collin Blackburn, lorde Westmore. O Sr. Dixon é um antigo amigo de meu
irmão.
Collin
não apertou a mão estendida de Dixon; observou com firmeza o gesto hesitante,
até que ele recolhesse a mão, desse meia-volta e se afastasse, murmurando um
falso cumprimento.
Os
nervos de Alexandra se retesaram na expectativa de uma repreensão séria.
—
Está pronta para irmos embora? — Collin sugeriu estranhamente calmo.
—
Sim! — ela respondeu com entusiasmo.
Sem
se despedirem de ninguém, atravessaram a porta, desviando-se de algumas pessoas
paradas no caminho. Alexandra pensava numa maneira de aliviar a raiva contida
de Collin. Desejava realmente deixar a festa. Esperava que o marido reconhecesse
seu desconforto por conversar com o outro.
Collin
ajudou-a a pôr a capa sobre os ombros e chamou a carruagem. Alexandra ansiava
por acomodar-se na cabine estofada e suspirar, com a cabeça apoiada no ombro
dele.
—
Pena que não me despedi de Jeanne — murmurou, já dentro do veículo.
—
Quem era aquele homem? — Collin perguntou de chofre.
—
O quê?
—
Não se faça de tola, Alexandra.
—
Você está zangado?
—
Não sei ainda, mas tem algo a ver com o fato de encontrar minha mulher em
conversa particular com um homem que nunca vi. — Ele notou, na penumbra da
cabine, que Alexandra riIhava os dentes, adiando a resposta. — Foi um de seus
amantes?
—
Collin! — Um arrepio gelado se apossou dela, mesclado com doses de culpa e
autopiedade. — Não faz sentido você me perguntar isso.
—
Quero saber — ele insistiu.
—
A questão é irrelevante — defendeu-se ela. — Quando me deitei com você, eu era
virgem.
—
Mas não inocente.
—
Como pode suspeitar de mim, sabendo que foi meu primeiro homem de verdade?
—
O primeiro a tê-la por completo. Porém, você não ignora que a inter-relação
entre um homem e uma mulher comporta diversas variantes.
O
olhar de Collin denotava paixão, enquanto a boca se estreitava de raiva,
renegando a idéia de um beijo conciliador. Com o coração acelerado, Alexandra
precisou de esforço para falar:
—
Por que... Por que está me interrogando?
—
Apenas diga quem ele é sem repetir a bobagem de apresentá-lo como amigo do
duque.
—
Eu nunca tive nada com Robert Dixon. Ele é que me persegue. Ele... Ele só me
beijou, certa vez, mas foi só. Achou que eu estava lhe dando total liberdade e
tentou levantar minha saia. Então eu escapei, porque não quis perder a
castidade para um renomado canalha.
Collin
ergueu o punho, e com horror Alexandra esperou o soco no rosto, mas ele bateu
no teto da cabine, a fim de parar a carruagem.
—
Tomarei satisfações com Dixon — anunciou, com a intenção de retornar à mansão
dos Kirkland.
—
Agora não preciso mais de um defensor — ela contrapôs.
Nervoso,
Collin fechou os olhos.
—
Senhor? — ouviu-se a voz do condutor, com o veículo parado.
—
Pode seguir — Alexandra adiantou-se.
Assim
foi. Ela acrescentou que, se quisesse proteção, pediria ao duque, e contra
Collin, o único homem que a havia injuriado.
—
Você se revelou... — Alexandra queixou-se.
—
Mas é minha legítima esposa. Lamento muito. Não sei por que faço ou digo certas
coisas.
—
Pelo motivo de sempre. Desconfia de mim. Tem ódio, em vez de amor.
—
Oh, Deus! Eu amo você! — Collin enfatizou.
—
Você me ama? — A dúvida converteu-se em veneno nos lábios dela.
—
Perdoe-me, às vezes perco o controle sobre minha vida.
Alexandra
bendisse a própria raiva que sentia. Um turbilhão de decepções girava em seu
íntimo. Algo havia se rompido no relacionamento com Collin. Por que ela nunca
fazia uma escolha certa? Tinha se doado inteira àquele homem, e ele continuava
vendo-a como uma libertina infiel.
—
Imploro que me desculpe pelas palavras. Ao perceber você com aquele homem, pensei
que haviam tido certas intimidades.
—
Devo perdoar seus pensamentos? — rebateu Alexandra, agora mais segura de si. —
Eu precisaria contar com uma enorme capacidade de perdão.
O
calor familiar dos dedos de Collin pousou sobre sua mão, mas ela a retirou.
—
Não me rejeite. Prometo encerrar o assunto. Não agüento mais nossas desavenças.
Quero provar na cama o quanto eu amo você.
—
Talvez amanhã — Alexandra esquivou-se do convite. — Depois que você finalmente
abrir os olhos.
Ela
concentrou-se na janela para combater a tentação. Recebeu uma rajada de vento
frio no rosto, mas sua pele queimava, assim como a vista seca, à espera das
lágrimas que não vinham.
Consciente
dos ganhos e perdas que teria, Alexandra transformou a raiva em resignação. Seu
corpo, talvez a alma também, clamava por Collin. Mas não desejava que ele
notasse sua complacência. Portou-se como uma estátua, fria e rígida, imune a
qualquer ofensa. Mas, se a olhasse com atenção, Collin facilmente perceberia
sua vulnerabilidade.
Incomodada
pelo balanço da carruagem contra as pedras do caminho, Alexandra supôs que um
acidente fatal seria melhor para todos os envolvidos, sobretudo para ela. Que
confusão ela criara, com tantas pessoas! Pagava agora pelos erros do passado,
justamente quando decidira ser digna, inatacável, e agir com total correção.
Pelo menos, quando se comportara mal, já previa as conseqüências. Mas aquilo!
Como superar o desprezo oculto do homem que amava?
Minutos
e quilômetros se escoaram. O frio a envolvia, acabando com sua fantasia de ser
uma estátua de pedra. Deixou que o vento lhe castigasse a pele e endureceu a
mente da mesma maneira, focalizando o fascinante vapor que saía de sua boca, ao
respirar.
Collin
fechou as janelas com gestos bruscos, praguejou, e assim liquidou também com a
diversão de Alexandra. Pegou duas mantas de lã, ajeitando uma delas sobre as
pernas dela. Aproveitou para tocar a coxa com a mão e pressionar-lhe o joelho.
—
Não podemos ficar mudos para sempre, Alexandra — ele disse. — Vamos resolver
nossos problemas.
Ela
fitou o marido, sentindo calor e gentileza no toque dele. A antiga atração
latejou dentro dela, como se acordasse de sua forçada indiferença e das
suspeitas de Collin. Havia tentado mascarar o próprio arrojo sob camadas de
obediência e conformismo. Por ele.
—
Não me toque — reagiu em
seguida. Mas a carruagem parou na entrada do castelo e
Alexandra acrescentou: — Procure outra cama esta noite. Prefiro dormir
sozinha.
—
Droga!
Ignorando
a revolta dele, Alexandra desceu e entrou na casa. Chamou Danielle, enquanto
Collin retardava seus movimentos. A contragosto ficou admirando a altivez de
Alexandra, bem como o balanço de seu corpo rumo à escada.
—
Mande levar uma taça de vinho tinto ao meu quarto — ela ordenou à criada
sonolenta.
O
que Collin faria, tão tarde da noite? Talvez se deitasse com Rebeca, pensou.
Talvez só precisasse daquela desculpa para conhecer as artes sensuais da
governanta apaixonada. Mas que Deus se apiedasse dela se a própria Rebeca fosse
lhe levar o vinho. Finalmente daria naquela mulher o tapa que vinha adiando por
semanas.
As
coisas se tornariam piores, porém, se fizesse isso. Rebeca perceberia que ela
tinha falhado na tentativa de afastá-la do patrão. A governanta já não simulava
consideração por ela. Dirigia-se em idioma gaélico aos outros empregados, mesmo
quando Collin estava presente. E sorria cinicamente para Alexandra, quando
ficavam sozinhas.
Na
verdade, Alexandra torceu para que fosse Rebeca quem lhe trouxesse o vinho. A
infeliz encontraria uma nova Sra. Blackburn à espera, pronta para erguer a mão
e estapeá-la. A palma chegou a cocar ante essa idéia. No fim, Danielle entrou
com a taça cheia, fechando a porta do quarto com os quadris.
—
Como foi sua noite de festa, milady?
—
Cansativa.
—
Estamos todos nos recolhendo muito tarde. Melhor assim do que adotar o horário
dos camponeses e fazendeiros...
O
que Danielle tinha contra aquelas pessoas? Felizmente, Alexandra estava exausta
demais para conversar com a criada, que começou a despi-la, abrindo os botões
do vestido e depois os laços do corpete. Alexandra sentiu seu corpo livre,
apesar dos arrepios. Ficar à vontade, só de camisola, assemelhava-se a uma
libertação da dor que sentia por dentro.
—
Vou me levantar tarde amanhã, Danielle — avisou. — Não me acorde com a bandeja
do desjejum até que eu a chame.
Uma
vez sozinha, fechou a tranca da porta pela primeira vez em muito tempo. Não a
última vez, ela ponderou, caso continuasse morando naquela casa.
Conteve
o pranto ao deitar-se. Collin não merecia suas lágrimas.
Capítulo
VII
O
som forte, metálico e compassado despertou Alexandra de um sono reparador. Ela
abriu a janela e procurou a fonte do ruído. Avistou Adam, o ajudante dos
estábulos, a forjar ferraduras, batendo a marreta nas peças rubras de fogo.
Aquelas venezianas não obstruíam nada que viesse de fora do castelo.
Aos
poucos, ela reconheceu que seu coração continuava partido. A noite de sono não
havia amenizado sua dor nem a causa dela. A fim de poupar-se, desviou o
pensamento para outra preocupação: a carta de Damien St. Claire.
Não
se sentia culpada por mantê-la em segredo, fora do conhecimento de Collin.
Poderia até ter pressentido a ameaça que recebera. Revelá-la ao marido apenas
aumentaria seus problemas.
O
doce calor de sua boca... Alexandra listou na mente os diversos homens a quem
oferecera os lábios. Sim, ela havia beijado Damien, entre outros, e permitido
que a tocassem intimamente. Ingênua, na época tinha se orgulhado de ser
libertina, escandalosa, destemida a ponto de enfrentar os comentários que fatalmente
correriam por Londres, entre a nata da sociedade. Ousada, também tinha
explorado a virilha daqueles homens, desfrutando alguns arrepios de prazer,
provocados mais pelo atrevimento do que pela sensação do toque.
Por
três vezes, Alexandra permitira que Damien lhe ensinasse truques eróticos. Por
três vezes fora com ele a quartos alugados e experimentara a pressão de uma
boca no vão de suas pernas.
Relembrando
tais fatos, concluiu que eram proibidos demais para serem contados a um marido
ciumento. Por isso, nada dissera a Collin. Mas não tinha feito idéia dos
cenários negativos que teria de enfrentar, se o marido fosse mantido na
ignorância. Ele seria incapaz de compreender, e perdoar, que Alexandra tivesse
ido tão longe. Mas Damien St. Claire sabia disso. Era triste pensar que um assassino
conhecesse tão bem seu marido. Talvez todos os homens fossem iguais no trato
com as mulheres. Usar e descartar seria a norma.
Alexandra
fechou as venezianas e puxou as cortinas. Desconsolada, constatou que o mundo
se movia abaixo de seu quarto. Cavalos galopavam na pista de treinamento
diário, motivados a se aquecerem no frio da manhã.
O
nublado dia de inverno intensificava sua mágoa profunda. Parecia que ninguém
precisava dela e que a vida prosseguia sem sua possível interferência. Não
havia feito nada de errado ali. Nem frustrado as expectativas dos outros.
Queria apenas respeito, sobretudo o de seu marido. No entanto, era ofendida por
ele e desprezada pela criadagem do castelo, sob a liderança de Rebeca.
Aquelas
pessoas, porém, tinham emprego e família. Por que se exporiam a falhas,
lisonjeando uma mulher que não conseguira amealhar o respeito do próprio
marido?
O
desejo oculto de Alexandra, cada vez mais intenso, era voltar para casa. Para
seu lar, para Somerhart. Julgava não pertencer àquele pedaço de terra dominado
por um castelo medieval. Jamais pertenceria. Pior, já não se sentia à vontade
com Collin, na cama. Fazer amor com ele vinha se tornando algo penoso.
Se,
pelo menos, ele lhe permitisse financiar as reformas que ela pretendia realizar
na casa, enquanto a nova residência não ficava pronta, Alexandra ocuparia seu
tempo com tarefas que sabia executar muito bem.
—
Bastardo!—murmurou. Repetiu o insulto de punhos cerrados, mas os dedos que se
abriam sobre seu coração possuíam garras dolorosas. — Bastardo!
A
palavra se perdeu num soluço, num grito que tinha sido reprimido por toda a
noite. Com dor no corpo e frio na alma, ela procurou forças para caminhar no
quarto e arrumar-se. Igualmente precisava de forças para enfrentar Collin e
vencê-lo.
Alexandra
suprimiu qualquer idéia de uma eventual derrota. Empertigou-se, de ombros
retesados, e abriu a porta para chamar Danielle.
—
Mandem minha criada! — gritou. — Agora!
Claro
que os empregados comentariam a novidade daquela conduta autoritária e
caprichosa. Mas tratava-se, no entender de Alexandra, de seu presente de
despedida aos serviçais do castelo: a satisfação de verem justificada sua
antipatia pela patroa inglesa.
Ela
voltou a examinar o quarto. Faltava alguma coisa de que precisaria na viagem de
volta? Roupas quentes? Moedas para comida e pousada? Não, nada.
—
Milady. — Danielle apresentou-se às costas dela. — Alguma emergência?
A
própria criada pessoal havia estranhado o chamado ríspido. Alexandra passou
por ela e trancou a porta que ficara aberta. Danielle alarmou-se com essa
atitude, e mais ainda com a expressão severa da fisionomia da patroa. Mas
Alexandra havia se olhado ao espelho, de passagem, e vira uma mulher
desfigurada, com olheiras, lábios apertados, pele murcha emoldurada por cachos
de cabelos emaranhados.
—
O que aconteceu, milady?
—
Estou indo embora, mas preciso que você permaneça aqui. Pode fazer isso por
mim?
—
Permanecer aqui? O que isso significa?
—Significa
ter alguém de confiança para vigiar meu marido, Danielle. Ele já me chamou de
rameira, compreende?
—
Oui. — A moça empalideceu.
—
Vou partir esta manhã. Que horas são?
—
Nove.
Bom
horário. Em três horas, seria servido o almoço, e Collin retornaria ao castelo,
embora trabalhasse a poucos metros dali. Não, talvez deixasse como de hábito,
para voltar somente à noite, para o jantar. Então, mesmo que ele notasse sua
ausência, Alexandra já estaria a quilômetros de distância.
Quanto
ao meio de transporte, poderia selar sozinha, sem dificuldade, a égua Brinn. Se
Adam ou outra pessoa a visse, diria que desejava cavalgar um pouco.
—
Antes de mais nada, traga um desjejum reforçado — ela pediu a Danielle. —
Preciso de guardanapos extras, para embrulhar uma merenda. Você pode esconder
o pacote perto do portão? Não quero ouvir perguntas dos criados.
—
Já vou buscar a bandeja.
—
Ótimo. E fique tranqüila. Assim que chegar a Somerhart, mandarei buscá-la. Não
posso levá-la agora comigo, porque daria na vista, e você detesta cavalos.
Danielle
ensaiou uma aproximação, a fim de consolar a patroa, que já derramava lágrimas
por força da emoção. Alexandra a despachou com um gesto.
—
Traga a comida. Eu preparo os pacotes.
Meias
de lã, cachecol, um vestido simples, um par de luvas, dinheiro. O que mais
levaria? Pensou numa vela e imaginou como a acenderia, no meio da estrada. Não
tinha importância. Encontraria uma pousada antes de a noite cair.
Seu
canivete, porém, seria útil. Ela o recolheu debaixo da cama, onde o escondia, e
guardou na valise. Estava prevendo a necessidade de cortar gravetos ou colher
frutas silvestre. De repente, porém, surgiu-lhe a imagem de St. Claire. Ele a
odiava, naquele momento. Já havia matado uma pessoa, antes. Caso ela fosse
vigiada e seguida, tentaria defender-se do ataque. Tomara que o sangue dele
escorresse primeiro que o dela.
Assim
raciocinando, Alexandra tirou a faca da valise e colocou-a na penteadeira.
Ocultaria a lâmina em sua bota, depois que se calçasse. Nada mais faltava.
Outro cachecol? Um cobertor? Ela arrumou seus trajes de viagem sobre a cama,
junto com o casaco de lã.
Para
comer, esperava que Danielle trouxesse pão, queijo e presunto. A criada entrou
no mesmo instante, com o rosto pesaroso acima da bandeja. Os olhos dela
vasculharam a cama, e mais triste ficou.
Alexandra
começou a separar e empacotar os alimentos, depois de mastigar uma fatia de
pão e engolir seu chá, apressada. Entendeu que, ofendida como estava, tinha de
fugir. Controlou-se para não chorar. Apreciou o fato de que seus olhos agora
estavam secos como areia, embora sem vivacidade.
—
Vai mesmo para Somerhart, milady?
—
Sim, lá é o meu verdadeiro lar.
—
Por favor, tome uma carruagem.
—
Não, devo sair antes que Collin perceba. Ele tentará me reter aqui, pedirá
desculpas, mas não aceito mais seus pedidos de desculpas, que não substituem o
amor do qual sinto falta.
—
Não é seguro viajar assim... — comentou Danielle.
—
É mais seguro do que ficar aqui! — Alexandra exclamou. — Collin pode me matar
se achar que estou olhando demais para qualquer outro homem.
—
Mas não conhece o caminho. Como irá se arranjar?
—
Lembro-me bem do trajeto. Há uma hospedaria a um dia de distância, onde já
pernoitamos.
Tão
logo terminou de preparar os embrulhos, Alexandra fitou Danielle com mais
atenção. As feições da criada estavam contraídas de nervosismo, os olhos
inchados de medo. Medo que a patroa não conseguisse chegar ilesa à propriedade
do duque.
—
Tudo vai dar certo — Alexandra a confortou. — Depois de reencontrar meu irmão,
enviarei transporte para buscar você, e nossa vida será como antes.
—
Mas, milady, a senhora é casada!
—
E daí? — Alexandra esfregou as mãos numa toalha e apontou as roupas na cama. —
Vamos, ajude a me vestir.
Requisitada
para uma tarefa familiar, a criada acalmou-se. De vez em quando, murmurava algo
em francês.
Alexandra interpretou as palavras como xingamentos a Collin
Blackburn. Naquela situação, assinaria embaixo.
—
Fique no quarto o máximo de tempo que puder. Assim não terá de mentir em meu
favor. Collin certamente irá interrogá-la, se não descobrir antes que parti.
—
Não é uma boa idéia partir — Danielle rebateu.
—
Não estou em condições para tomar decisões sábias. Mas é impossível suportar o
insuportável.
Alexandra
esticou o vestido com as mãos e sentou-se para que a criada lhe calçasse as
botas. Do alto, viu os cabelos loiros de Danielle tocando o couro macio. Teve
um acesso de riso.
—
Estou furiosa, é isso — disse após gargalhar.
—
Mais uma razão para ficar aqui e pensar no que está fazendo!
—
Collin me desrespeitou gravemente, acusou-me. Minha virgindade não foi prova de
amor suficiente para ele. Não quero viver com uma pessoa que despreza até
mesmo o prazer que lhe dou quase todas as noites. Ele me envergonha.
Os
olhos de Danielle se encheram de lágrimas.
—
Não deve pensar assim. Ele é um palerma. Todos os homens são. Escreva ao duque
e ele virá pessoalmente resgatá-la.
—
Não. Sinto muito deixá-la aqui, mas não agüento nem mais um minuto neste
castelo decadente. Disfarce a cesta de lanche num lençol e leve-a até o portão,
onde a grama for mais alta. Eu a apanho lá. Pode ir.
Sozinha,
Alexandra empunhou a valise e olhou para a cama. Omitira de Danielle detalhes
importantes sobre a intimidade do casal. Mas aquele não era seu quarto nem
nunca seria. Por isso, marchou firme para fora, produzindo um som gratificante
com suas botas de couro.
Brinn
moveu a cabeça repentinamente, em arco, e atingiu o queixo de Collin.
—
Sua malcriada! — ele repreendeu a égua. — Estou lhe dando água e comida, e é
assim que me agradece?
Seu
corpo sentia os efeitos da exaustão. A incerteza, o remorso e o frio o haviam
mantido acordado a noite inteira, numa cama onde não estava acostumado a se
deitar. Imaginou que a arrumadeira levaria uma semana até descobrir os lençóis
amassados. Fixou-se numa meta: retornar à cama de casal e desfrutar a companhia
de Alexandra.
Saindo
dos estábulos sombrios, Collin apertou as têmporas com as mãos, recordando a
maneira provocante como ela espanava seu peito com os cabelos. Pareciam tão
envolvidos, num nível de excitação que tendia a apagar o passado de Alexandra.
No
entanto, tinha visto a esposa em conversa aparentemente íntima com Robert
Dixon. Na hora, havia pensado em estrangulá-lo. Devia ter feito isso,
lamentou-se.
Ele
amaldiçoou Dixon, considerando-o um conquistador barato. Ficara com a vista
turva de ódio, ao perceber Alexandra dirigindo-lhe um olhar de censura. Em
seguida, ela como que levantara um escudo contra sua raiva.
—
Maldita a sua alma perversa — resmungou, referindo-se a si mesmo.
Collin
parou na porta principal do castelo, para limpar os pés no tapete rústico, e
apertou os dedos na base do pescoço, a fim de aliviar a tensão.
Tinha
magoado Alexandra. De novo, e talvez de modo imperdoável. Havia se deixado
levar por uma raiva infantil, quando ela necessitava de sua proteção. Só Deus
sabia o efeito que a injúria provocara na esposa: a mortal palidez que ele surpreendera
na face dela, no saguão da casa dos Kirkland, quando Collin abordara o suposto
estuprador que atendia pelo nome de Robert Dixon.
A
cena lhe parecera intolerável, mas agora admitia que sua reação tinha sido
cruel, ao acusar Alexandra de infidelidade. E daí que ela tivesse servido uma
dúzia de homens? Ele também não se deitara com uma dúzia de parceiras, antes do
casamento? E naquele momento não se vira como um libertino.
Ele
a amava. Errara, tão certamente quanto se a tivesse derrubado no chão com um
soco.
Colada
à parede de madeira, Alexandra esperou que Collin entrasse no castelo, e então
selou a égua e partiu, parando no portão para recolher a cesta ali escondida.
Na
sala, Collin notou que a mesa do almoço estava posta, mas sentiu a urgente
necessidade de ver Alexandra. Subiu os degraus, disposto a repetir seu pedido
de perdão, mesmo que levasse um tabefe no rosto.
A
porta do quarto estava aberta. Parecia que não havia ninguém ali.
—
Alexandra? — ele chamou, e o som ecoou pelo aposento, sem resposta. Quem
apareceu foi a criada. — Danielle, onde encontro sua patroa?
—
Não a encontrará mais por aqui, salaud! — Ela o xingava de idiota, em francês.
— Milady viajou. O senhor foi abandonado.
—
Abandonado? — O cérebro dele se recusou a assimilar as palavras, em meio à
tontura que se manifestou quando Collin viu o guarda-roupa aberto e
parcialmente vazio. Segundos depois, suspirou e tocou as roupas restantes de
Alexandra, cambaleando.
Não,
ela não podia ter feito aquilo. A criada estava gracejando, numa brincadeira
de mau gosto. Alexandra devia ter se escondido na torre, onde gostava de ficar.
—
Danielle! — Collin se enfureceu. — Onde ela está?
A
moça começou a chorar, enquanto ele verificava, com um chute na porta, se
Alexandra havia se refugiado no aposento redondo da torre. Ao retornar,
perguntou de novo, e de novo ouviu que ela o tinha deixado.
—
Mas a maior parte dos pertences dela continua aqui. Você também. Onde Alexandra
pode ter ido? A mansão dos Kirkland?
Uma
suspeita terrível tomou conta de Collin. Fergus! O administrador que defendia
Alexandra e se mostrava interessado nela morava a três quilômetros do castelo,
porém não havia aparecido no trabalho, naquele dia.
A
mão de Collin apertou o pulso de Danielle.
—
Ela saiu junto com Fergus? Não minta!
O
rosto da criada se contorceu num esgar de desprezo, enquanto ela recuava para
se livrar do agarrão, sem responder à pergunta. Ao contrário, foi corajosa o
suficiente para cuspir no rosto de Collin.
Era
uma agressão grave, inimaginável da parte de uma serviçal ou qualquer outra
pessoa. Rubro de fúria vingadora, ele preparou a mão para esbofetear Danielle,
mas ela escapou com mais um passo para trás.
A
dor que Collin sentia no íntimo lhe rasgava os músculos, as entranhas. O
insulto recebido da criada era ninharia em comparação com sua vontade de sair
à caça da esposa e do amante, a fim de castigar quem verdadeiramente merecia.
Ele
tivera razão, pensou, em desconfiar da proximidade entre seu melhor amigo e
Alexandra. Por outro lado, seu coração parecia gritar que devia haver algum
engano. Collin nunca sentira de fato que a esposa pudesse traí-lo. Apenas
tinha medo disso.
A
visão dele escureceu ante as sombras do estábulo principal. Adam estava ali e
o observava com espanto. Interrogado se vira a Sra. Blackburn, o jovem ajudante
confirmou, acrescentando que ela havia selado sua égua e partido na direção da
estrada.
—
Quando? — Collin pressionou. — Por volta das dez horas?
—
Ah, sim.
—
Apronte meu melhor cavalo. Depressa!
A
mente de Collin parecia funcionar aos saltos enquanto ele esperava, examinando
as possibilidades. Primeiro, iria à casa de Fergus, só para ter certeza.
Alexandra poderia estar ali, contando com o hábito dele de voltar apenas de
noite, após trabalhar nos estábulos, nas plantações e na obra da casa nova. Ela
teria algumas horas adicionais de secreta intimidade com Fergus. Ou então havia
um mal-entendido. Sua esposa estaria com Jeanne Kirkland, conversando. Não
fosse assim, ele merecia a dor de flagrar Alexandra com um amante, por tudo o
que fizera de errado.
Piscou
com força antes de montar o cavalo Thor. Dez minutos de deslocamento, e afinal
saberia a verdade.
A
terra batida da trilha passava velozmente sob as patas do animal. Por favor,
Alexandra, Collin suplicou não me apareça nos braços de Fergus!
A
velocidade que imprimia a Thor representava certo perigo, mas ele tinha pressa.
O vento forte da colina diminuiu quando Collin alcançou o vale e viu de longe a
casa de seu administrador, com fumaça saindo da chaminé. Reconheceu a cadeira
de balanço na varanda, onde tinha passado muitas tardes, desfrutando uma boa
conversa e um excelente uísque. Pena que uma amizade tão gratificante pudesse
estar prestes a acabar.
Collin
desmontou e rodeou a casa de Fergus, procurando a janela do quarto. Estava
fechada. Seus receios aumentaram.
Não
esteja aqui, Alexandra...
Os
joelhos fraquejaram quando ele abriu a porta da residência. Mais uma porta no
mesmo dia, atrás da qual esperava encontrar a amada. Com a boca seca, caminhou
até o quarto, que ficava perto da sala, uma vez que a casa era pequena. E
estava aberto, já que Fergus não contava com a chegada de uma visita.
A
primeira coisa que Collin viu foi o braço de Fergus sobre as costas de uma mulher
miúda, deitada na cama. Ambos estavam semicobertos por uma manta curta, que
deixava à mostra os pés do casal. Os dela atritavam os dele amorosamente.
—
Traidor maldito! — A imprecação e uma pancada nas costas assustaram Fergus, que
se levantou, quase nu, enquanto a amante se cobria inteira com o lençol.
—
Você pode ficar com essa rameira, se a quiser — completou Collin. — Mas não
dentro de minhas terras!
—
Por Deus, o que está fazendo aqui? — Fergus não compreendia nada, mas defendeu
a companheira. — Ela não é rameira, e eu o matarei se insultá-la de novo.
Em
vez de agredir o gerente, Collin puxou a borda do lençol. A mulher virou-se, e
ele se deparou com Jeanne Kirkland.
—
Onde está Alexandra?! — vociferou incrédulo.
—
Sei lá! Como ousa invadir minha privacidade? — Fergus continuava vermelho de
raiva, porém seus ombros se curvaram, sob o peso da situação.
Acalmou-se
quando Collin cruzou a porta e foi respirar ar puro na varanda. Voltou em cinco
minutos, menos alterado, e encontrou o casal já vestido. Fergus parecia
disposto a conversar.
—
O que houve com você? — ele perguntou.
—
Fui abandonado por minha mulher.
—
E esperava encontrá-la aqui?
Um
tanto chocado, Collin olhou para Jeanne, também sua amiga. Ela resmungou e
colheu o braço protetor de Fergus, sem demonstrar vergonha.
—Jeanne
e eu nos amamos — explicou Fergus. — Pretendo falar com o pai dela dentro de
poucos dias e pedi-la em casamento.
—
O Sr. Kirkland não aprovará a idéia — Collin disse com inesperado sarcasmo.
—
Fale diretamente comigo — pediu Jeanne. — Estou presente e sei que ele
aceitará a proposta.
—
Não se souber que se deitou com Fergus, antes de ter a bênção de um padre. —
Collin notou a irritação da jovem que podia considerar como irmã. — Se for
preciso, convencerei o pai de Jeanne.
—
Em vez de se meter em nossos assuntos, por que não resolve os seus? — atacou
Fergus. — Já percebeu que partiu o coração de Alexandra? Quando viu pela última
vez um brilho de alegria nos olhos dela? Procure redimir-se antes que ela se
deite realmente com outro. Alexandra ama você!
Os
olhos de Jeanne ficaram úmidos, pela amiga que tanto sofrerá com as suspeitas
do marido e sua intolerável teimosia. Envergonhado, Collin suspirou, invejando
o bom entendimento do casal que se abraçava à sua frente. Tinha sido fraco,
imbecil, por não se arriscar a uma cumplicidade total com a esposa.
—
Com licença. — Ele saiu e desamarrou o cavalo. Antes de montar, sentiu uma mão
no ombro. Fergus o havia seguido.
Da
porta, Jeanne viu Collin baixar a cabeça, imensamente triste e arrependido.
Gostaria de juntar-se a Fergus, mas ainda estava sensível demais para prestar
consolo.
—
Quer que eu o acompanhe? — Fergus se ofereceu, porém o velho amigo só levantou
o rosto quando Jeanne se aproximou, após vencer a resistência inicial.
—
Não, é assunto meu como você bem lembrou.
—
Vai nos apoiar, mesmo que não tenhamos a bênção nupcial? — indagou Jeanne.
—
Sim, claro. Você é como uma irmã para mim, e Fergus, um irmão. Peço perdão por
minhas trapalhadas. Vou encontrar Alexandra e me retratarei com ela. Desejo aos
dois muita felicidade, a mesma que ainda espero ter com a mulher que amo.
—
Boa sorte — Jeanne murmurou, ao receber um beijo na testa.
—
O mesmo — disse Fergus.
Ambos
contemplaram longamente a colina por onde Collin se afastava.
—
Eu deveria ter ido com ele. Está arrasado — avaliou Fergus.
—
Collin ficará bem, e você tem seu próprio peso a carregar — Jeanne ponderou,
sorrindo.
—
Não poderei lhe dar mais do que uma casa simples, uma cama quente e muito amor,
querida.
—
Está bom para mim — ela retrucou, antes de ceder a um pranto convulsivo.
Tudo
era diferente para Collin, quando reentrou no castelo de Westmore. A ausência
de Alexandra afetava o aconchego de seu próprio lar. Ela não estava ali, como
não se encontrava na casa dos Kirkland. Também não havia corrido até a morada
de um amigo, para chorar e lamentar-se, nem tinha um amante a quem recorrer.
Simplesmente fora embora para seu lar de origem, cansada de lutar por um
cantinho no coração do marido.
Ele
praguejou contra si mesmo, liberando a autoflagelação, mas sabia que o remorso
não traria Alexandra de volta a seus braços. Precisava mudar de atitude,
redimir-se por meio do perdão e do amor.
Ah,
ele a amava! Admirava e temia Alexandra, porém nunca desejara, conscientemente,
magoá-la ou afastá-la de si. Admitia a culpa pelo fim da boa sorte que tivera.
Ela fora embora. O suspense terminara.
Os
serviçais da casa se perfilaram diante de Collin, curiosos para ouvir uma
explicação da parte dele. Sem atinar com o que dizer, ele se manteve em
silêncio.
—
Milorde! — Rebeca exclamou, colocando-se à frente de uma arrumadeira. — Não
sofra por uma pessoa como ela.
Uma
vibração negativa contaminou os nervos de Collin, mas ele apenas repreendeu a
governanta com o olhar.
—
Alguém viu minha esposa sair? — indagou finalmente, com a voz embargada.
Adam,
o rapaz dos estábulos, ergueu as sobrancelhas e nada disse, por timidez.
—
Eu vi — Rebeca voltou à carga, quebrando o silêncio na sala. Collin nem olhou.
— Ela foi ao estábulo maior, de manhã, enquanto o senhor estava na obra, e
cavalgou na direção norte. Sempre passeia por ali, mas sem ultrapassar a
colina, como hoje.
—
Norte. E o que tem a dizer, Adam?
O
rapaz engoliu em seco, à procura de coragem para responder.
—
Vi aquela francesa, criada de sua esposa, esconder um embrulho na grama, perto
do portão. Parecia ser uma cesta de piquenique, mas não tenho certeza porque
estava coberta por um pano branco. Rumou sobre a égua Brinn para a campina.
—
Sul, então — Collin declarou.
Todos
os criados tiveram a sabedoria de ficar quietos, menos Rebeca, que murmurou
algo contra Fergus.
—
Ele não tomou conta de sua esposa, milorde, porque não veio trabalhar hoje.
—
Quero Thor preparado para uma viagem de seis dias. E você... — Collin encarou
Rebeca com desdém —... Esteja fora desta casa quando eu regressar.
Uma
sonora comoção perpassou pelo grupo de empregados, e aumentou quando Collin
recolheu o molho de chaves da cintura da governanta e colocou-o na mão da Sra.
Cook.
—
Receberá uma quinzena de pagamento e nada mais — avisou ao recuar.
—
O senhor é um tolo! — Rebeca investiu. — Fergus não é o único com quem sua
esposa se encontrava. Vi outro homem espiando a casa a partir do bosque. Ele
aproximou-se e pediu que eu avisasse lady Westmore para ir ao encontro dele, em
determinado local.
—
Qual o nome dessa pessoa? — Collin inquiriu.
—
John — respondeu Rebeca sem titubear.
John?
O John que ele conhecera era seu meio-irmão, praticamente assassinado num
duelo desigual com Damien St. Claire. Este sim poderia estar rondando o
castelo.
—
Meu Deus! Você enviou Alexandra para um assassino e estuprador!
—
Não fiz isso — a governanta contestou. — John é um cavalheiro. E também mais
uma evidência da infidelidade de sua esposa.
Embora
furioso com tanto atrevimento, Collin não quis discutir com Rebeca, já
demitida. Apenas a alertou para que fosse embora da casa, ou iria se
arrepender.
O
grupo de empregados se desfez quando escalou os degraus, de dois em dois, a
fim de pegar em seu quarto roupas quentes, cobertores, uma bolsa com ouro e...
uma pistola devidamente carregada.
Alguma
coisa caiu da ponta do nariz de Alexandra em sua capa. Lágrimas ou neve
derretida, ela não sabia definir. O surto de autopiedade crescia na mesma
medida da queda dos flocos brancos. Chegava ao fundo obscuro de sua alma de uma
maneira que ela nunca imaginara que pudesse acontecer.
Por
que não havia parado na hospedaria? Por que não dera meia-volta, de regresso ao
castelo de Westmore e aos braços de Collin Blackburn?
A
égua ofegava, cansada. Alexandra não vira nenhuma casa habitada pelo caminho, e
somente um cavaleiro a tinha ultrapassado, em busca de um abrigo contra a
tempestade de inverno. Nem avistara os olhos dele, quanto mais pedir-lhe
ajuda.
A
lua rasgou um espaço prateado entre as nuvens, fornecendo um pouco de
claridade para quem viajava. O gelo, porém, entorpecia seus pés.
Alexandra
gritou no ar seu desespero. Teria sido a fuga um equívoco, um mau passo?
Quantas decisões erradas já havia tomado na vida?
Receou
morrer congelada na estrada, lembrando que só tinha vinte anos. Quando, e se,
chegasse a Somerhart, mudaria suas atitudes. Permaneceria a maior parte do
tempo trancada em seu quarto, longe de festas, de homens sedutores e das maldades
do mundo. Visitaria asilos ou hospitais aos domingos, a fim de exercer seu
senso de caridade.
A
imagem de Collin formou-se sob seus olhos momentaneamente fechados. Relembrou
o chalé no qual sentira tanto prazer. Nunca mais ele a teria. Nunca mais no
chalé, um dos poucos refúgios que lhe restavam, onde podia dispensar a
presença de qualquer criada e ficar sozinha com seu drama pessoal.
De
repente, Alexandra ouviu um ruído de patas em sua retaguarda. Um cavaleiro.
Havia mais alguém na estrada. Aterrorizada, ela julgou que poderia ser St.
Claire, disposto a esganá-la pelo descumprimento do acordo sobre as vinte mil
libras. O medo cresceu porque a égua, exausta, diminuía o ritmo, quase
entrando em trote lento.
—
Não, Brinn. Força! Mexa-se, por favor!
Ela
retesou as rédeas e, sentindo os pés reviverem, esporeou o animal, gesto que
raramente praticava, por considerá-lo uma crueldade. Mas ainda bem que Danielle
tinha insistido em atar as esporas a suas botas, para qualquer eventualidade.
Ganhou
alguns metros de estrada em segundos, quando o solo barrento deu lugar a um
tapete de grama. No entanto, o ruído feito por seu perseguidor aumentou. Ele
não desacelerou ao passar por Alexandra. Não a tinha visto na escuridão nem
emparelhou seu cavalo com Brinn. Vendo-se salva, ela suspirou profundamente.
Assustou-se,
porém, com o relincho de Brinn, que, tal como ela, também ouvira o som de
ferraduras batendo no chão, cada vez mais próximo. O cavaleiro apressado estava
de volta!
—
Alexandra, querida, está tudo bem? — Era Collin, e não St. Claire, o que para
ela não fazia muita diferença.
—
Estou bem, mas não ponha as mãos em mim! — protestou enquanto a égua parava.
—
O que faz aqui, então, longe de casa?
Ele
desmontou, posicionou as mãos sob os braços de Alexandra e a fez apear.
Imediatamente abraçou-a, pressionando-a contra seu peito. Ela tentou resistir,
mas estava frágil e enregelada demais para isso.
—
Meu amor, o que está fazendo consigo mesma?
Os
músculos fortes de Collin a envolveram num calor precioso, capaz de afastar
seu ódio. As lágrimas correram profusamente pelo rosto de Alexandra.
—
Você está ensopada. — Ele fez menção de tirar-lhe a capa.
—
Não — ela protestou trêmula. — Deixe assim.
Collin respeitou a vontade dela.
—
Brinn está lenta?
—
Sim.
—
Thor também. Precisamos todos descansar, num lugar seco e quente. A pousada
fica aqui perto, a cerca de um quilômetro.
Tornaram
a montar e cavalgaram por alguns minutos, até avistarem a hospedaria por entre
as árvores. Alexandra respirou aliviada, e Collin apressou-se a ajudá-la a
desmontar.
—
Não precisa, posso desmontar sozinha. — Assim que pisou no solo, ela recuperou
a valise, presa às costas da égua. — Tente negociar um bom preço pelo quarto.
Collin
riu, apanhou seus pertences e o pacote de cobertores, a fim de garantir maior
conforto, e acompanhou Alexandra sem tocá-la.
—
Tenho sido um idiota — ele reconheceu. — Um marido horroroso.
—
Já conversamos sobre isso, antes. — Ela então silenciou por alguns segundos, ao
sentir as pernas doloridas começando a aquecer-se com a breve caminhada.
—
É verdade — Collin admitiu com pesar.
—
Estou voltando para minha casa, Collin. Acredito que assim nós dois seremos
mais felizes.
—
Agora é mentira — ele contrapôs. — Caso você escute o que tenho a lhe dizer,
esta noite, eu a deixarei partir em paz, de manhã. Se ainda quiser.
—
Jura? — Alexandra não pôde evitar o tom de ironia na voz, embora a raiva
anterior tivesse se esvaído. Era difícil imaginar que Collin a liberasse, não
obstante a desrespeitasse como esposa e companheira. — Concordo em
conversarmos, mas só esta noite.
Ela
se sentiu melhor ao entrar no quarto e repreendeu-se por ainda desejar Collin,
apesar de tudo.
As
sólidas janelas barravam o vento. A lareira foi acesa, e Alexandra observou
Collin, que recendia a umidade, como ela própria. Aos poucos, percebeu o aroma
viril que lhe fragilizava o corpo e os sentidos, enquanto o coração latejava de
ansiedade.
Por
que ele não conseguia amá-la irrestritamente?
—
Brinn feriu a pata? — Collin indagou à falta de outro pretexto.
—
Não, eu apenas exigi muito dela. E o tempo não colaborou.
Alexandra tirou a capa encharcada e pediu a
Collin um dos cobertores. Ele veio cobri-la, e Alexandra permitiu que se aproximasse.
Só mais uma vez, pensou. Sentia tanta falta do calor dele!
Enlaçando-a
pelas costas, Collin pousou os lábios na nuca de Alexandra e esfregou o queixo
nos cabelos molhados. Os braços em torno da cintura eram firmes, aliciadores. O
desejo despertou poderoso.
Um
minuto se passou, antes que Alexandra juntasse forças para escapar do abraço,
voltar-se para ele e partilhar o beijo que marcou a retomada de uma bem vinda
intimidade.
Na
hospedaria simples, pareceu demorar uma eternidade para que servissem comida e
chá quente. A chuva parou e Collin saiu para o galpão anexo, a fim de verificar
se os cavalos tinham sido alimentados por um funcionário e enrolar as patas de
Brinn em ataduras.
Quando
voltou para o quarto, olhou para Alexandra, adormecida na cama, os cachos já
secos caindo em ondas sedutoras sobre o lençol. Era um alívio estar no mesmo
quarto com ela. Mas isso também o assustava; temia que a presença de Alexandra
o emocionasse como uma bênção divina.
Como
conseguiria conviver com uma pessoa tão livre, imprevisível e intempestiva,
capaz de cansar-se dele e deixá-lo? Ou de ficar doente outra vez e morrer? Sua
felicidade estava condenada a ser breve.
Contudo,
não havia alternativa. Ele precisava dar vazão a seu amor por Alexandra. A
simples necessidade de admitir essa paixão o tranqüilizou.
Uma
batida à porta a acordou. Arregalou os olhos diante da empregada que lhe trazia
as roupas passadas e puxou as cobertas até o nariz, mostrando que queria
privacidade.
—
Eu tinha um vestido seco na valise — murmurou, contrariada.
A
saída da serviçal, que também recolhera a bandeja com pratos e xícaras vazias,
Alexandra levantou-se, envolvida num lençol. Sentia vergonha de Collin?
—Rebeca
saiu do castelo—ele informou de cenho franzido.
—
Fugiu?
—
Não, eu a despachei. Finalmente compreendi os seus motivos.
—
E como ela vai sobreviver?
—
Dei-lhe algum dinheiro e uma carta de referências. Encontrará um lugar em que
não cause problemas. — Collin calou-se, pensativo. — Quero ser franco com
você.
—
Por favor, seja — disse Alexandra, sem mover um dedo.
—
Eu iria até o inferno para encontrá-la, pedir desculpas e me explicar. Confesso
que, por fim, me dei conta de estar sendo um mau companheiro. Egoísta,
intolerante...
—
E ciumento — ela arrematou.
—
Mais que isso, fui covarde e grosseiro com você. Escondi meus medos atrás da
desconfiança, e preciso esclarecer por quê.
—
Por quê? — Alexandra ecoou, agora fitando-o nos olhos.
—
Meu amor por você me assustava. Vou lhe contar tudo, antes de pedir seu perdão.
Eu a procurei no castelo, disposto a mudar meu comportamento. Quando Danielle
disse que você havia partido, meu primeiro impulso foi suspeitar que o pior
acontecera.
—
O pior? Quer dizer, Fergus?
—Sim.
—Collin tentou desviar a vista, mas Alexandra como que o hipnotizava. — Eu já
havia me determinado a confiar em você, porém, na primeira oportunidade, o
ciúme voltou. No fundo, eu não acreditava que você estivesse na casa dele. Mas,
enquanto não vi Fergus na cama com Jeanne, enfrentei um verdadeiro terror.
—
Acho que você acreditou, sim. — Alexandra foi até a janela.
—
Não, não de verdade. Eu só abafava meus sentimentos por você com atitudes errôneas.
—
Por que, Collin? Meu passado o perturbava? Não me entreguei a você, ainda
virgem? Não nos casamos e fomos felizes juntos?
—
É que... Você não me escolheu de livre vontade, Alexandra. — Collin gostaria de
dizer que a via como uma pessoa melhor do que ele. — Era o casamento ou o
escândalo.
—
Isso é ridículo! — Os lábios dela se curvaram num esgar. — Eu o aceitei. Até
planejei uma lua-de-mel em meu chalé na floresta...
—
Dormir comigo foi uma coisa, outra foi dizer que não se dignaria a casar-se com
um bastardo.
—
Eu nunca disse isso! — ela protestou revoltada.
—
Disse, sim, quando eu a acusei de me induzir ao casamento por meio de uma
armadilha.
—
Por Deus! Você estava gritando e eu perdi a calma. Que escolha tinha? Casar-se
ou levar uma bala na cabeça? Mas eu gostava muito de você, Collin. Tanto que me
casei com você sabendo que não me queria de verdade.
Ele
arregalou os olhos, nervoso, abatido pela perda das derradeiras esperanças.
—
Eu amo você, seu tolo. Eu amo você — declarou Alexandra em tom meigo.
—
Mas... Por que nunca me disse? — Collin pareceu surpreso.
—
Por que você nunca disse claramente que me amava? — Os olhos dela brilharam
úmidos.
—
Você já exercia poder demais sobre mim — ele justificou-se, sorrindo
discretamente.
—
Que poder?
—
Sobre meu corpo e minha alma.
—
E apesar disso, mal me dirigia a palavra!
—
Sinto muito, Alexandra. De verdade. Nunca pretendi tratá-la mal.
—
Eu não era feliz como pensava, antes de você entrar na minha vida. Foi algo
mágico. Ardia de expectativa para lhe contar, mas você parecia integrado em seu
próprio mundo, deixando-me sem nada. Procurei apenas manter meu orgulho, pois
meu coração já era seu.
Collin
suspirou certo de que nunca tinha ouvido nada mais bonito ou visto traços tão
doces quanto os de Alexandra.
—
Eu adoro você, Collin. Fui embora porque você me provocou. Pensei que poderia
fazê-lo me amar, mas falhei.
Ele
pressionou o dorso da mão dela contra os lábios. — Venha para casa, querida.
Venha comigo. Não houve resposta.
—
Quero que me ajude em tudo — acrescentou Collin, sentindo os dedos de ela
deslizar por seu queixo. — Com dinheiro, com a casa. Você e Fergus poderão
dividir um escritório para administrar a propriedade.
—
Tem certeza? — Alexandra riu, satisfeita. — Não me deixará sozinha?
—
Nunca mais.
—
E também me permitirá trabalhar nos estábulos? Usar minha calça comprida?
—
Sim, sim!
—
Então, está perdoado.
Collin
arrebatou Alexandra num beijo apaixonado, afugentando todos os seus temores e
necessidades.
Capítulo
VIII
Alexandra
sentiu-se radiante, feliz como nunca, mesmo depois de entregar para Collin a
carta ameaçadora de St. Claire. Ouviu-o praguejar e resmungar promessas de retaliação,
mas ela conservou seu estado de graça. Vivia um momento especial de plena
satisfação.
Alegrou-se
ainda mais quando, após a terceira leitura da carta, Collin a contemplou, com
olhos gentis, e desculpou-se por tê-la colocado em posição de risco. Em suma,
finalmente ele a compreendia, de verdade. Seu coração saltou de felicidade.
Agora,
apesar de ter se acalmado, cavalgando ao lado de Alexandra, Collin vasculhava
as árvores à frente dela e mantinha a mão próxima da pistola. Ele e Alexandra
falavam pouco, porém trocavam inúmeros sorrisos; Alexandra refletiu que, finalmente,
desfrutava a sensação de ser uma noiva, uma jovem inocente que acabasse de ser
possuída pela primeira vez. Chegou a corar ante a idéia.
A
sua esquerda, Collin murmurou:
—
Está pensando na noite passada ou na próxima? — Ambos riram alto e bastante,
selando a cumplicidade entre os dois.
—
Nas duas — ela respondeu, com bom humor.
—
E que tal hoje à tarde?
—
À tarde? Hum...
Collin
sorriu quando parou, desmontou e estendeu os braços para tirar Alexandra de sua
égua e acomodá-la na sela de Thor. Então montou novamente, abraçando-a por trás
e puxando-a para si. Voltaram a cavalgar, seguidos alegremente por Brinn.
—Vamos
parar na clareira ali adiante — sugeriu Collin, após alguns minutos. — Os
animais poderão beber água no riacho e nós abriremos nossa cesta de piquenique.
—
Perfeito — aprovou Alexandra, antecipando o momento em que se deitariam na
relva, depois de comer.
Collin
e Alexandra estavam a cinco quilômetros do castelo de Westmore, de volta à
estrada, quando ela balançou a cabeça, para clarear a bruma de sua lânguida
satisfação.
—
Espero que tenha sido Jeanne Kirkland quem estava na cama com Fergus— murmurou.
—
O que a leva a imaginar isso?
Alexandra
deu de ombros.
—
Intuição.
—
Fergus disse que vai pedi-la em casamento.
—
Oh, Collin! Que coisa maravi...
Nesse
instante, o mundo pareceu girar e em um segundo Alexandra viu-se com o rosto
contra o chão, sem conseguir respirar por causa do peso de Brinn relinchando e
escoiceando no ar, em cima de suas costas.
—
Alexandra!
Ela
então ouviu um estampido e conseguiu espiar pelo canto do olho para ver Collin
também cair do cavalo e um filete de sangue escorrer pela anca do animal. No
instante seguinte uma misteriosa mão empunhando uma pistola surgiu em seu campo
de visão, e Collin desapareceu repentinamente de sua vista.
—Collin...
—balbuciou Alexandra, lutando para virar o corpo e respirar.
—
Saudações, lady Westmore. É um prazer revê-la.
Ela
finalmente conseguiu erguer o rosto para se deparar com a figura sinistra de
Damien St. Claire.
—
Não gosto de ser ignorado, minha cara — disse ele. — Não gosto que mintam para
mim. Mas talvez isso tenha acontecido para o meu próprio bem. Seu marido é um
trunfo melhor do que uma ameaça. Caso se recuse a me entregar o dinheiro, vou
me livrar dele.
—
Damien...
—
Ah, ainda se lembra do meu nome! Gosto de ouvi-lo, vindo de seus lábios.
Alexandra
vasculhou os arredores até que por fim avistou Collin, caído no chão,
desacordado e sangrando.
—
O que você fez? — gritou, aflita.
—
Ele está apenas inconsciente.
—
Mas... Por quê?
—
Eu preveni você para me entregar o dinheiro. Imagine meu desapontamento quando
descobri que você tinha ido embora sem me pagar.
—
Eu não... Eu ia voltar com o dinheiro...
—
Mentirosa! Você pretendia ir embora com seu marido, isso sim! Mas, sabe, eu não
me preocupei, porque sabia que ele farejaria seu paradeiro.
—
Eu tenho o dinheiro e as jóias. Vou entregar tudo a você!
—
É bom que faça isso. Senão, corto a garganta de Blackburn.
—
Não! Você não pode...
—
Venha, vamos sair do caminho. Tenho uma barraca montada aqui perto. Pena que
seu marido seja pesado demais para carregar.
Damien
virou-se e ocupou-se em puxar os cavalos com uma corda. Alexandra tentou se
levantar.
—
Que pena... O seu rosto vai inchar. Teremos de dizer que seu marido lhe bateu.
Mas não seria de admirar, não? É bem a natureza dele...
—
Não, não é... — murmurou Alexandra, finalmente sentando-se sobre as pernas. Se
ao menos conseguisse se pôr de pé...
St.
Claire inclinou-se, pegou os pulsos de Alexandra e atou-os com um pedaço da
corda, imobilizando-a.
—
Vou ajudá-la a montar a égua. Se tentar fugir, seu marido sofrerá as
conseqüências — preveniu St. Claire.
Alexandra
percebeu, com horror, onde o facínora amarrava a outra ponta da corda: na sela
de Thor. Collin estava no solo, desfalecido, com as mãos erguidas e atadas
acima da cabeça.
Seria
arrastado!
—
Não! — ela suplicou. — Por favor, não faça isso! Você irá matá-lo...
—
Ora, não é muito longe. De qualquer modo, é impossível levantá-lo. Ou prefere
que o deixe morrer aqui no meio da estrada?
Uma
forte onda de náusea atacou o estômago de Alexandra. St. Claire a jogou sobre o
lombo de Thor, que já estava amarrado a Brinn, e começou a puxá-lo, montado em
seu cavalo. Naquele momento, Alexandra deixou o orgulho de lado e passou a implorar.
Tudo que desejava era que Collin não morresse.
—
Por favor, não faça isso!
—
Cale a boca! Você sempre falou demais — resmungou St. Claire.
Alexandra
estremeceu ao sentir a mão asquerosa de St. Claire se introduzindo sob sua saia
e deslizando por sua coxa.
—
Collin castigou você por fugir de casa? Hum? Fez sexo selvagem com você? Mas
talvez você goste de sexo selvagem. Eu não ficaria surpreso...
—Tire
essa mão imunda de minha mulher, seu filho da mãe!
Um
grito escapou da garganta de Alexandra, em parte por constatar que Collin
estava vivo e consciente, e em parte pelo horror de imaginar que ele poderia
querer enfrentar St. Claire.
—
Ah, Blackburn — ironizou St. Claire. — Bem vindo de volta à nossa companhia...
Alexandra
e Collin se entreolharam em silêncio por um momento, e Alexandra não desviou o
olhar, como se, observando-o, pudesse protegê-lo.
Por
sorte, a trilha se estreitava por um matagal adentro, e a vegetação cerrada
obrigou St. Claire e os cavalos a diminuir o ritmo. Graças a isso, em pouco
tempo Collin conseguiu se pôr de pé, e seguir atrás andando, sem esfolar a pele
no chão.
—
Estamos perto — anunciou St. Claire, num tom de voz que não escondia seu
absoluto contentamento com a situação.
O
sol brilhava no céu, iluminando uma clareira em meio à floresta. Alexandra
levantou o rosto e olhou ao redor, sentindo vontade de chorar. O lugar era
pitoresco, lindo e terrível, ao mesmo tempo.
Aquele
era o local que St. Claire escolhera para acampar, à margem de um riacho e ao
lado de uma árvore frondosa. O desgraçado soubera escolher bem o próprio refúgio:
sol e sombra, água e privacidade.
Ele
atravessou a clareira, levando Alexandra e Collin, e assim que apeou tratou de
amarrar os cavalos, parecendo à vontade com o olhar fuzilante que Collin lhe
lançava. À vontade, porém não desatento. O clique do gatilho de uma arma rompeu
a quietude.
—
Não se mexa Alexandra — ele ordenou. — Blackburn, você vem comigo.
Collin
proferiu um impropério em gaélico, resistindo quando St. Claire puxou a corda
que lhe amarrava as mãos.
—
Sua mulher está à minha mercê, bastardo idiota! Collin deu um safanão na corda
e suas mãos se libertaram, para espanto de Alexandra. Ele conseguira se
desamarrar ao longo do caminho!
—
Nós dois sabemos que você não pretende libertá-la.
—
Au contraire... — O cano da arma tocou o peito de Collin. — Ela voltará a
Westmore para pegar as jóias. Se ela não for, ou se trouxer alguém com ela, eu
mato você.
—
Não lhe dê ouvidos, Alexandra. Ele vai me matar de qualquer jeito.
—
Calado! Ande até aquela árvore, já, ou sua mulherzinha vai perder uma orelha! —
St. Claire fez um movimento ágil, e uma faca apareceu em sua mão. — Para mim,
não vai fazer diferença nenhuma, ela continuará apetitosa mesmo sem uma orelha,
não acha?
O
riso baixo de St. Claire mexeu com os nervos de Alexandra.
Collin
olhou para ela e em seguida caminhou até a árvore, onde St. Claire o obrigou a
pôr os braços ao redor do tronco, para amarrar-lhe as mãos.
—
Não volte Alexandra — ordenou Collin.
—
Muito bem — investiu St. Claire, impaciente, tirando um lenço do bolso com um
gesto floreado e dando a volta à árvore para encarar Collin. — Você não me
deixa alternativa, já que se recusa a fechar essa matraca. Vocês dois falam
demais para o meu gosto, sabia?
Com
um sorriso malévolo, ele enfiou parte do lenço dentro da boca de Collin, e em seguida
esticou um pedaço de corda para amordaçá-lo, puxando bruscamente a corda ao
redor do tronco para dar um intrincado nó atrás.
—
Você não se parece nada com seu irmão, sabe? Deve ser o sangue camponês que fez
você sair assim avantajado, em vez de um magricela franzino como ele.
—
Por que está fazendo isso, Damien? — Alexandra perguntou, numa tentativa de
distrair St. Claire.
—
Por quê? Porque preciso do dinheiro, ora!
—
Mas por que você começou tudo isto? Por que matou John?
—
Eu não tinha intenção de matá-lo. Eu só queria que ele fosse à falência. Mas me
deixei levar pelo impulso... Não resisti.
—
Mas por quê? — insistiu Alexandra.
—
Ora, por vários motivos. John tinha tudo o que eu queria: dinheiro, um título
de nobreza, a amizade de todo mundo na escola. E ainda assim, ele me roubou. Primeiro,
foi àquela rameira loira em quem eu estava interessado. Ele sabia que eu estava
de olho nela, e mesmo assim foi lá e arrebatou a fulana, debaixo do meu nariz.
Depois roubou meu dinheiro, apesar de ter muito mais do que eu. Fez-me apostar
o que eu não podia e depois jogou as notas de volta na minha cara, para todo
mundo saber que eu não podia pagar.
—
Ele só estava sendo generoso! Queria ajudar...
—
E o que você sabe sobre isso, sua pirralha? — explodiu St. Claire, furioso. —
Não foi melhor do que se ele me tivesse esbofeteado, na frente de todo mundo. E
depois ele fez tudo de novo, o imbecil! Estendeu a mão para mim, com o
dinheiro, com aquele ar de dó. Você precisava ter visto as caras de todos,
olhando para mim. Ah, eles se refestelaram com isso... Naquela hora, eu tive
vontade de matar o infeliz, mas não tive coragem. Só que todo mundo sabia que
ele gostava de você, por isso eu roubei você dele, debaixo do nariz dele! Uma
rameira por uma vagabunda!
A
indignação explodiu dentro de Alexandra, sobrepondo-se ao medo e à dor. St.
Claire a atraíra até aquele quarto e fizera-a sentar-se em cima da
escrivaninha, de frente para a porta, de tal modo que John visse apenas suas
pernas nuas e seus braços ao redor dele, assim que girasse a maçaneta e
entreabrisse a porta.
—
Seu covarde! — ela gritou, arrependendo-se quase instantaneamente, ao ver St.
Claire se afastar de Collin e aproximar-se dela, ameaçador.
Não
podia continuar a provocar a ira daquele homem, não podia dar a chance que ele
queria, de feri-los. Se St. Claire acreditasse que ela iria buscar o que ele
estava exigindo, talvez ela pudesse fazer alguma coisa...
—
Eu não me vejo como um covarde — respondeu St. Claire, com inesperada calma. —
Cauteloso, talvez. Por exemplo, teria sido muito fácil levar você para a cama,
para arruinar de uma vez a sua reputação. Sem dúvida, você teria cedido bem
depressa.
Alexandra
teve de se controlar para não cuspir na cara dele.
—
Mas eu não queria despertar a fúria do duque. Do jeito que estava já era
suficiente para eu contar com você para me proteger. Todo mundo sabe que seu
irmão lhe faz todas as vontades. Talvez até tenha sido ele quem lhe ensinou a
ser tão experiente, hum?
—
Você é mais que desprezível — sibilou Alexandra por entre os dentes, sem se
conter.
—
Hum.
St.
Claire agarrou o braço de Alexandra e arrastou-a para perto de Collin,
colocando-a cara a cara com o marido e pressionando-se atrás dela. Com uma das
mãos ele a imobilizava contra seu corpo e com a outra lhe ergueu o queixo,
forçando-a a olhar para Collin.
—
E eu ainda sou cauteloso, portanto nós vamos fazer o seguinte: quando sairmos
daqui amanhã de manhã... Amanhã... eu vou deixar que você vá a Westmore. Seu
querido maridinho e eu iremos para algum outro lugar. Afinal, não queremos que
você retorne com uma equipe de resgate, queremos? — A mão de St. Claire desceu
do queixo para o pescoço de Alexandra, e ele o acariciou libidinosamente com os
dedos. — Você vai deixar o dinheiro e as jóias em algum lugar conveniente para
mim, o qual ainda vamos combinar... Mas ouça bem! Blackburn não estará comigo
quando eu for buscar meu prêmio. Nem pense em me emboscar, porque se fizer
isso, você nunca saberá que fim ele levou!
—
Você... Promete que não vai machucá-lo? — Alexandra sentiu sua voz tremer sob o
toque dos dedos de St. Claire.
—
Oh, não. Eu lhe dou minha palavra, como o cavalheiro que sou. — Os dedos dele
desceram para o colo de Alexandra. — Contanto que você seja boazinha e
coopere...
Alexandra
meneou a cabeça e engoliu em seco, quando a mão de St. Claire se apossou de um seio
e começou a estimular o mamilo, por sobre o tecido da roupa. Ela desviou
imediatamente o olhar do rosto rubro de Collin, que rosnou por sob a mordaça.
Alexandra
fechou os olhos, e uma lágrima rolou por sua face quando a mão de Damien desceu
ainda mais.
—
Temos a noite inteira para compensar o atraso, doçura. Vamos continuar de onde paramos
aquela vez, tanto tempo atrás? Responda!
—
S... Sim... Vamos — ela balbuciou.
—
Relaxe, doçura... Não reprima o prazer que eu sei que meu toque lhe
proporciona... — Damien espalmou a mão sobre a virilha de Alexandra. — E então?
Não a excita fazer isto na frente dele? Hum? Estou vendo que sim...
Alexandra
não conseguia se mexer. Se abrisse os olhos e a boca, iria gritar sem parar,
não só de medo e indignação, mas de terror por ver a ira e a decepção
estampadas no rosto de Collin, a dor da traição e a certeza de que ela era uma
mulher sem decência.
Então,
uma idéia começou a se formar em sua mente. Era um fio de esperança. Seria a
coisa mais difícil que ela já fizera na vida, mas era a única maneira de salvar
Collin e a si mesma, se é que existia uma.
Com
os olhos ainda fechados, Alexandra arqueou o pescoço para trás, deixando a
cabeça pender sobre o ombro de St. Claire, e suspirou alto, começando a mover
os quadris contra a rigidez do corpo dele. O incentivo foi suficiente para que
Damien se entusiasmasse e começasse a massagear os seios dela com volúpia.
Amarrado
ao tronco da árvore, Collin se debatia e grunhia desesperadamente por sob a
mordaça, mas Alexandra concentrou o pensamento em pedir a Deus que lhe desse
forças para levar aquela farsa adiante, para que Damien caísse na armadilha.
—
Podemos deitar dentro da barraca? — sussurrou ela, num fio de voz.
Damien
vacilou por um instante, dividido entre a tentação de ceder ao pedido dela e a
intenção de ferir a hombridade de Collin.
—
Está frio, aqui fora — acrescentou Alexandra, virando-se de frente para Damien,
no círculo formado pelos braços dele, e começando a lamber-lhe o pescoço e a
mordiscar-lhe o lóbulo da orelha, representando à perfeição o papel de mulher
excitada, levada pelo desejo.
Rendendo-se
ao instinto primitivo, e com a auto-estima elevada, St. Claire lançou um olhar
zombeteiro na direção de Collin e, com um esgar lascivo, arrastou Alexandra
consigo para dentro da barraca.
Impotente
para reagir, Collin não conseguia parar de se debater e grunhir, enquanto as
lágrimas lhe escorriam copiosa-mente pelo rosto. A menos de um metro de
distância da barraca, ele podia ouvir os gemidos roucos e os sons da luxúria
que se desenrolava ali dentro.
Collin
perdeu a noção de quanto tempo se passara. Podia ser uma hora, ou um minuto,
quando finalmente ouviu St. Claire soltar um grito abafado. O som se confundiu
com os soluços de Alexandra, certamente provocados pelos espasmos de prazer do
clímax a que os dois haviam chegado juntos.
Incapaz
de suportar tamanha agonia, Collin pensou que fosse perder os sentidos, mas
alguns segundos se passaram até que ele viu horrorizado, Alexandra sair de
dentro da barraca, sozinha, e com o vestido todo ensangüentado.
O
rosto dela estava mortalmente pálido, e foi então que Collin avistou, na mão
dela, a faca que St. Claire empunhara pouco antes, com a lâmina também empapada
de sangue. Com passos trôpegos, Alexandra se aproximou de Collin e sussurrou,
sem forças:
—
Eu o matei... Eu o matei...
Então,
num repentino arroubo de energia, ela passou a lâmina afiada pela corda que
amarrava os pulsos de Collin e pela que o amordaçava, libertando-o. Os dois se
abraçaram, trêmulos, e desabaram juntos para o chão, desfalecidos.
Epílogo
A
noiva enrubesceu como uma virgem, a face rosada contrastou com os bonitos
cabelos avermelhados. — Não acredito que estou casada! — exclamou Jeanne Kirkland,
diante de sua madrinha, Alexandra, pouco antes de o noivo tomar-lhe a mão a fim
de fazerem o percurso de volta, do altar à porta da igreja.
Os
numerosos convidados se aglomeraram perto do corredor para admirar o novo
casal, sobretudo a noiva. Fergus, o noivo, ainda ostentava os vestígios de um
olho roxo. O pai de Jeanne não havia concedido sua mão pacificamente.
Alexandra
ficou para trás nesse trajeto. Sentiu os dedos fortes de Collin em seu braço e
temeu explodir de tanto amor. Ele também não saíra incólume. Exibia uma atadura
larga na testa, e Alexandra tocou ternamente o local do mais extenso ferimento
do marido.
Previsivelmente,
todos os olhares migraram dos noivos para o casal que quase sucumbira ao rancor
de Damien St. Claire. A história circulava na sociedade, ora em rumores, ora em
relatos detalhados. Uma pessoa havia morrido apunhalada, afinal, e
autoridades policiais tinham ido ao castelo de Westmore com o intuito de
esclarecer o caso. O inquérito prosseguia, porém Alexandra não fora acusada de
cometer um crime.
Assim,
graciosa e altiva, ela caminhou indiferente à curiosidade geral, refletindo
que seu casamento com Collin agora poderia desabrochar como uma flor na
primavera. Ambos riram com emoção ao pisar na escadaria externa do templo, banhada
pelo sol, aguardando que a multidão se dispersasse.
—
Acha que alguém vai reparar se fizermos uma curta viagem pelo campo? — ele
inquiriu. — Por causa do ar puro, claro.
—
Claro — ela ecoou sorridente. — Seremos notados, sim, mas quem se importa?
—
Senti sua falta, ontem à noite — Collin queixou-se.
—
Igualmente — confessou Alexandra. — Não deveria ter passado tantas horas na
casa de Jeanne, ajudando a preparar a noiva. Sabia que falamos até sobre sexo?
—Mas
ela não é virgem. Será que tem medo do leito nupcial?
Alexandra
havia contado à amiga sua própria experiência com homens, incluindo Damien St.
Claire. Essa era a única nódoa em seu manto de bem-aventurança. Sentia culpa e
remorso por ter causado o fim dele, ainda que em legítima defesa.
—
Mais algumas horas, e estaremos em casa — disse ela. — Prometo fazer você
esquecer sua noite de solidão.
—Sim...
—Collin vibrou de expectativa e soube que Westmore se tornara o verdadeiro lar
de Alexandra.
Ela
jamais seria uma dama, seguidora das regras e convenções. Por isso, quando a
carruagem deles passou, algumas pessoas gritaram termos como
"pecadora", "libertina", "escandalosa”, felizmente
abafada pelo ruído das rodas do veículo.
Abrigada
no peito de Collin, Alexandra planejou o que fazer a fim de agradar o marido
naquela noite, depois da festa de casamento. Talvez algumas práticas não
convencionais saciassem sua fantasia e coroassem sua felicidade.
Fim