22/05/2012 minha cidade completa seus 122 anos, quanta coisa mudou, mas
ela continua de braços aberto para todos.
Cássia (Minas Gerais)
Sua história tem início com a procura do ouro
nas regiões dos rios Sapucaí e Verde, por volta do século XVIII.
Face a essa descoberta, originou-se
controvérsia a respeito da divisa interestadual entre São Paulo e Minas Gerais,
tendo sido o acordo final alcançado no governo de Getúlio Vargas, em 1936.
Segundo relatos de Campanhole (1979:57), foi
o paulista Pedro Franco Quaresma quem primeiro devassou a região e quem na
verdade fundou o arraial de Jacuí, em 1755, antes, assim, da viagem de Luís
Diogo Lobo da Silva a Jacuí, em 1764, quando se determinou a posse desse
território à província de Minas Gerais.
- uma se refere à região, então conhecida por
Sertão do Rio São João, que abrangia Cássia e outros povoados como Passos e
Ibiraci;
- outra hipótese refere-se a pouso de
tropeiros e boiadeiros, como núcleo fundador da cidade, muito embora, por volta
de 1750, era ainda um simples pouso e somente um século depois se transformaria
em pequeno arraial, berço da atual cidade de Cássia.
No começo do século XIX, depois que as minas
de ouro se escassearam, provocando um intenso êxodo das regiões auríferas, toda
a zona limítrofe a São Paulo foi povoada e ali tiveram início as atividades
agro-pastoris, devido aos campos férteis e à sua localização, cercada por rios
como rio Grande, rio das Mortes, rio Sapucaí e rio Verde.
Cássia, situada no vale do rio Grande, foi um
povoado, que com o passar dos anos, o antigo pouso de tropeiros foi aos poucos
recebendo à sua volta moradores fixos, até se transformar em pequeno arraial.
Em 1844, quatro fazendeiros – Manuel Lourenço
da Cunha, José Diogo Carrijo da Cunha, João Batista da Cunha e Roque Portes
Vieira – doaram uma gleba de 18 hectares de terras para a formação do
patrimônio de Santa Rita de Cássia. O pouso de tropeiros já havia atraído à sua
volta moradores fixos, e um pequeno arraial ali se constituíra.
O levantamento de uma capela em homenagem a
Santa Rita, em 1846, teve o papel de reunir em torno de um mesmo culto e de uma
mesma fé aquela gente do nascente povoado.
De 1840 a 1870, houve uma intensa corrente
migratória para toda aquela área circunvizinha a Cássia.
A partir de 1865-66, época em que se elevou a
freguesia, o incipiente povoado começa a se desenvolver. A pecuária extensiva,
a partir daí, vai cada vez mais se desenvolvendo, até, poucos anos mais tarde,
comandar toda a vida econômica, social, política e cultural da freguesia.
No ano de 1874, quando a freguesia ainda
pertencia ao município de Passos, tem-se notícia da exportação de uma média de
10.000 reses por ano e 1.500 porcos. Dez anos depois, em 1884, o total de reses
exportadas já havia aumentado para 15.000 cabeças ao ano, pois a região havia
assumido a característica de produtora e pecuarista.
Em 1882, em 03 de janeiro, nasceu em Cássia,
então Santa Rita de Cássia, Donizetti Tavares de Lima, que se tornará conhecido,
em todo país e no exterior, por seus milagres na cidade de Tambaú, SP,
principalmente entre 1954 e 1955. Faleceu em Tambaú, em 16/06/1961, onde foi
páraco por 35 anos. Seu Processo de Beatificação se encontra em andamento no
Vaticano, em Roma.
Em 1890, a freguesia foi elevada a vila, criando o
município que se desmembrava de Passos. A cidade já havia prosperado muito.
Neste ano, adquire dois distritos: Dores do Aterrado (atual Ibiraci) e Espírito
Santo da Forquilha (atual Delfinópolis). Com esses dois distritos, o município
passa a contar, em 1890, com uma população rural e urbana de 20.593 habitantes.
Foi elevada a cidade em 1892.
Existiam na cidade 600 prédios, 2 cadeias, 3
igrejas, 6 ruas principais, 10 travessas e 6 largos.
Surgiram mais dois distritos: Garimpo das
Canoas (atual Claraval) e Dores da Ponte Alta, atual Babilônia. O município,
incluindo os distritos, contava em 1907 com uma população total de 27.500
habitantes, assim distribuídos:
- Santa Rita de Cássia - 10.000 hab.
- Dores do Aterrado (Ibiraci) - 8.000 hab.
- Garimpo das Canoas (Claraval) - 4.500 hab.
- Espírito Santo da Forquilha (Delfinópolis)
- 4.000 hab.
- Dores da Ponte Alta (Babilônia) - 1.000
hab.
Centro
Canta Galo
Cassialar - Resultante da formação de um
núcleo populacional do extinto BNH.
Jardim do Sol
Patrimônio
Jardim Alvorada
Peixoto - Perto da usina de mesmo nome das
Centrais Elétricas de Furnas.
São Gabriel
Jardim Planalto
Vila Dr. Gaspar
Santa Maria
Água Limpa I
São José
Loteamento Chácara Água Limpa
Loteamento Xangrilá
Parque do Centenário
Condomínio Itambé
Praia Vermelha
Recanto Mar de Minas
Jardim Primavera
Santa Rita
Parque dos Pinhais I
Loteamento Praia Bela - Perto da Represa de Peixoto
Brielão
Loteamento Santa Bárbara
Loteamento Recanto da Paz
Distrito Industrial
Loteamento Praias do Lajeado
Alto do Taquaral
Loteamento Refúgio do Sol
Parque da Nascente
Castelândia
São Francisco
São Mateus
Loteamento Espelho D'Água
Loteamento Portal do Itambé
Água Limpa II
Parque dos Pinhais II
Sagrada Família
Jardim das Acácias
Jardim Canaã
Zona Rural
Parque Exposição
Loteamento Porto Seguro
Loteamento Recanto dos Pássaros
Loteamento Praias do Lageado II
Jardim do Sol II
Centro II
Centro III
Morada do Sol
Santa Maria III
Loteamento Bela Vista
Represa de Peixoto no Rio Grande
MG-344
MG-444
Franca 53Km (SP-345 Ronan Rocha)
Passos 49Km (MG-444)
São Sebastião do Paraíso (MG-444 52 km/
Avenida H. de Almeida 43Km)
Campinas 292 km (SP-340)
Uberaba (Via Rod. Anhangüera 206 km/Rod.
Cândido Portinari 247Km)
Ribeirão Preto 149 km (Rod. Cândido
Portinari)
Prefeita: Ana Caris (PT)
Vice-prefeito: Cacildo Rodrigues Pinto Neto
(PV)
Chefe de Gabinete:
Igreja Católica
O município pertence à Diocese de Guaxupé.
Pontos turísticos
Santuário Santa Rita de Cássia
Colina de Cássia
Casa da Cultura
Porto (Represa de Peixoto)
Praça Barão de Cambuí
Rádio Cultura
Estádio Pinto Neto
Igreja Evangélica
Assembléia de Deus (missão) AV Antonio lemos
n343 B patrimônio (ministério Passos-mg) com mais de 50 anos em Cássia - MG.
Escolas
Fundamental: 10
Pré-escola: 12
Médio: 2
Técnico: 1
Saúde
1 Hospital 1 Pronto Socorro
Transporte Público
Cássia conta com 1 empresa de ônibus urbano
Comunicação
Emissoras de Rádio
Rádio Stúdio FM 105,9
Rádio Cultura de Cássia AM 1520 kHz
Canais de TV
- TV Aberta -
TV Globo Minas (EPTV Sul de Minas)
TV Alterosa Varginha (SBT)
Record Minas
TV Assembléia (Minas Gerais)
RedeTV!
Cássia MG.
Dados
Históricos
A ocupação do Sul de Minas
A região fronteiriça com o Estado de São Paulo, que hoje compreende o
sul de Minas
Gerais e onde se situa a cidade de Cássia, foi descoberta em meados do
XVIII, quando se
descobriu ouro nas regiões dos rios Sapucaí e Verde.
Antes da descoberta oficial das minas de Cabo Verde (1), assim como de
outros centros de
mineração no sul de Minas (2), aquela região já havia sido explorada
pelos paulistas em
suas entradas e bandeiras e atraído moradores que se aglomeraram e
criaram povoados.
Um histórico sobre a cidade de Campanha (3) relata a existência de um
“... quilombo
imenso, formando vários povoados...”, que “... ficava entre o rio
Grande e o rio das
Mortes, no ponto onde existe hoje Jacuhy...” (4). Sobre a existência
deste quilombo, que
foge dos modelos tradicionais, o autor comenta:
“Fugindo dos impostos os brancos e aos senhores os escravos,
formaram-se dessa liga de
rebelados contra as tiranias daquele tempo alguns povoados, que se
foram desenvolvendo
aos poucos.
Enquanto uns mineravam, outros cultivavam gêneros necessários à vida. O
ouro extraído
era levado em contrabando para a capitania de São Paulo, pela estrada
aberta
anteriormente pelos bandeirantes, dos quais muitos desses infratores
eram
descendentes.”(5)
Campanha era um desses povoados, e o ouro ali descoberto já havia
atraído moradores
bem antes de 1737, quando o ouvidor de São João d’El Rey, Cypriano José
da Rocha,
chegou até lá e fundou oficialmente a localidade, “... realizando a
repartição legal das
terras, mandando construir casas para a Intendência, tornando a
localidade conhecida e
reconhecida,... abrindo a estrada que a pôs em comunicação com a cabeça
da comarca...”
A descoberta de ouro nessas localidades do Sul de Minas gerou uma
grande controvérsia
entre Minas Gerais e São Paulo acerca do marco divisório entre as duas
capitanias,
questão essa que decidiria para quem ficariam os impostos ali extraídos
(7). Esta
discussão durou quase dois séculos, sendo que o acordo final somente
foi alcançado no
governo de Getúlio Vargas, em 1936 (8).
Conforme os relatos de Campanhole (1979:57), foi o paulista Pedro
Franco Quaresma
quem primeiro devassou a região e quem na verdade descobriu o arraial
de Jacuí, em
1755 (9). Antes, porém, da viagem de Luis Diogo Lobo da Silva a Jacuí,
em 1764, quando
se determinou a posse desse território à província de Minas Gerais
(10).
Como que alheios à toda controvérsia entre os governantes das duas
capitanias, viajantes,
atraídos pelo ouro e pelas terras férteis, procuravam a região, abriam
novos caminhos,
apossavam-se de terras, derrubavam as matas e criavam povoados.
Jacuí, onde também se descobriu o ouro de aluvião, foi-se transformando
em posto de
guarda dos interesses mineiros e centro econômico-administrativo de
toda aquela região
sul-mineira. Esta cidade, assim como Campanha, era caminho para os
vários pontos do sul
de Minas. E foi através dela que a região de Cássia passou a ser
conhecida.
Em alguns relatos sobre a origem de Cássia (11), há referências à
região, então conhecida
por “Sertão do Rio São João”. Esta se refere a todo o sertão de Jacuí
que abrangia Cássia
e outros povoados como Passos e Ibiraci (12).
Em outros relatos sobre a origem de Cássia, é comum também a referência
a um “pouso
de tropeiros e boiadeiros”, como núcleo fundador da cidade (13). No
entanto, por volta de
1750, era ainda um simples pouso e somente um século depois se
transformaria em
pequeno arraial, berço da atual cidade de Cássia.
A existência desse pouso deve-se à grande procura da região e ao
intenso afluxo de
viajantes que chegavam até ali atraídos pelo ouro. Os paulistas, em
suas andanças pelos
sertões, exploraram toda a região e com certeza passaram por Cássia em
direção aos
novos descobertos. Toda a questão da demarcação das divisas entre Minas
Gerais e São
Paulo também atraiu a atenção para a região de Cássia, pois ela está
situada bem próxima
à divisa finalmente firmada pelo acordo de 1936 (14).
Este “pouso” constituía uma passagem para aquelas regiões do sul de
Minas e para São
Paulo, uma paragem no meio do caminho daqueles sertões. Nesse sentido,
era um “pouso
de tropeiros”, como descreve José Alípio Goulart em seu livro “Tropas e
Tropeiros na
Formação do Brasil” (1961), e não ainda um pouso de boiadeiros. Esse,
só existiu em
meados do século seguinte, quando a região de Cássia passou a ser
verdadeiramente
conhecida, ocupada e explorada.
No século XVIII, era comum a utilização de tropas de muares, quando não
existia outro
meio de transporte entre as regiões do Brasil. Estas tropas tinham o
papel de “... carrear
riquezas para a orla marítima – a princípio produtos minerais e depois
produtos agrícolas –
e refluir transportando o que fosse necessário àquelas cidades
interiorizadas...” (Goulart,
1961:49).
Zemella (1951:151, 175-6) também descreve o tropeiro como “... agente
por excelência
do comércio com as Gerais...”, salientando o papel que tiveram na
fixação dos núcleos
urbanos. Enfatiza o papel determinante dos ranchos de tropeiros como
pontos iniciais de
povoamento, superando as capelas e igrejas. A existência dessas, em
geral, acompanhava
a localização dos pousos.
Com o tempo, a “rústica palhoça”, de que se constituíam os pousos,
transformava-se em
“rancho”, quando já havia desenvolvido o povoamento do local (Goulart,
1961:130).
“Fincado o pouso, logo surgia nas suas imediações um ou outro morador,
erguendo
palhoça, acomodando criações, plantando milho, e passando a negociar
com os homens
das tropas que ali pernoitassem”.
Prosperando, montava venda, abastecia-se melhor e começava a nascer um
povoado. De
progresso em progresso, a população crescia, o casario aumentava até
chegar mais tarde
a fincar “pelourinho”...
(Goulart, 1961:143)
De “Pouso de Tropeiros” à Cidade*
Em princípios do século XIX, depois que as minas de ouro se
escassearam, provocando um
intenso êxodo das regiões auríferas, toda a zona limítrofe a São Paulo
foi povoada e ali
tiveram início às atividades agro-pastoris (Campanhole, 1978:37). O sul
de Minas “... por
possuir vários campos e terras férteis, foi todo ocupado por fazendas
de criação, nos vales
do rio Grande, rio das Mortes, Sapucay e Verde” (Pádua, 1977:21).
Nestes vales,
começaram a se praticar o pastoreio de forma intensiva, devido às
grandes extensões de
terras. O gado veio substituir o ouro e passou a ser o centro em torno
do qual girava toda
a vida econômica e social de pequenos povoados daquelas redondezas.
Cássia, situada no vale do rio grande, foi um desses povoados. Com o
passar dos anos, o
antigo “pouso de tropeiros” foi aos poucos recebendo à sua volta
moradores fixos até se
transformar em pequeno arraial. E a região de Cássia, outrora uma “...
paragem coberta
por matas virgens, seculares, que formavam uma vasta floresta...”
(Andrade, s/d:11) foi
aos poucos sendo substituída por grandes pastos para a criação de gado.
Consta, em escritos sobre a cidade, que o pouso de tropeiros – núcleo
fundador do
povoado – situava-se no meio do caminho de uma estrada para carros de
bois que ligava
Bom Jesus dos Passos (Passos) a Dores do Aterrado (Ibiraci). Na “praia”
– local do antigo
pouso – em pouco tempo se realizariam vultuosos negócios de gado, e o
pequeno arraial
se transformaria em um dos mais importantes mercados de gado do sul de
Minas.
Antes disso, entretanto, houve todo um processo de ocupação da região
verificado durante
a primeira metade do século XIX. João Pimenta de Abreu foi quem
primeiro investiu no
devassamento do território de Jacuí, passando por Passos, em direção a
Cássia, para a
conquista de terras.
“A expansão territorial da Capitania, que foi característico da segunda
metade do séc.
XVIII, quando se verificou o esgotamento das minas de ouro,
prolongou-se pelos
princípios do século XIX. É assim que o mateiro João Pimenta de Abreu
se enfurnou pelos
sertões de Jacuí, aí se fixando. João Pimenta de Abreu adquiriu certa
extensão de terras e
apossou-se de outro tanto, que ainda não tinha dono; tornou-se grande
proprietário. Além
de camaradas, possuía boa leva de escravos para os trabalhos de sua
incipiente fazenda”.
Algum tempo depois, teve que ir a Jacuí; desnorteou-se pelo caminho, em
meio a matagal
fechado, perdendo por completo o rumo a seguir; fizera então, a
promessa: se saísse bem
daquela dificuldade, separaria de suas terras uma gleba, a fim de
constituir o patrimônio
de Bom Jesus dos Passos, justamente a invocação a que se habituara,
desde a
Infância...”(15)”.
Também Cássia teve seu patrimônio por legado de fé
Quando, em 1844, quatro fazendeiros – Manuel Lourenço da Cunha, José
Diogo Carrijo da
Cunha, João Batista da Cunha e Roque Portes Vieira – doaram uma gleba
de 18 hectares
de terras para a formação do Patrimônio de Santa Rita de Cássia (16), o
pouso de
tropeiros já havia atraído à sua volta moradores fixos, e um pequeno
arraial ali se
constituíra. O arraial era povoado por pequenos sitiantes que, atraídos
pelo pouso à beira
do caminho, apossaram-se de pequenas glebas de terras e ali construíram
suas casas,
plantando para a subsistência. Esses quatro fazendeiros já habitavam a
região como
primitivos posseiros, pois as grandes extensões de terras ao redor do
arraial foram sendo
progressivamente apossadas, transformando-se em grandes latifúndios.
O levantamento de uma capela em homenagem a Santa Rita se deu em 1846
(17) e foi
ela “... um dos elementos aglutinadores do povoado. Ponto obrigatório
de reunião da
gente rural fixada em suas vizinhanças” (Pádua, 1977:24). Essa capela
teve o papel de
reunir em torno de um mesmo culto e de uma mesma fé aquela gente do
nascente
povoado. Em torno disso se formava o sentimento de fazer parte de uma
mesma
localidade. A capela foi erguida no alto da colina, “... um pouco acima
da atual igreja
matriz, porém com sua frente em sentido contrário” (Andrade, s/d:12),
voltada para a
“praia” – lugar de grande espraiado, na confluência dos dois córregos
que se juntam
dentro da cidade – onde os primeiros moradores do lugar edificaram suas
casas.
Hoje a entrada da igreja volta-se para o norte da cidade, para o centro
e suas praças
centrais, deixando atrás de si, ao sul, a “praia” e o passado. Pouco a
pouco, a igreja
matriz foi sofrendo sucessivas reformas, entre as quais se encontra a
mudança da entrada
da Igreja, ajudam a ordenar o espaço urbano e o mundo social de modo a
simbolizar um
novo tempo: o domínio dos coronéis.
De 1840 a
1870, houve uma intensa corrente migratória para toda aquela área
circunvizinha a Cássia. Migrantes de vários cantos do país chegavam à
região, compravam
terras dos primeiros possuidores e ali se instalavam. Com a grande
procura pela região,
Passos transformou-se em palco de muitos conflitos, suscitado por
questões de repartições
e invasões de terras, o que provocou uma grande procura de terras em
Cássia por parte
de moradores da cidade de Passos compraram em volta do arraial de Santa
Rita de Cássia
um grande latifúndio. Eram eles: o Barão de Passos (Jerônimo Pereira de
Melo e Souza), o
Barão de Cambuí (João Cândido de Melo e Souza), Domingos Pimenta de
Abreu e Manuel
Pinto dos Reis. Esses dividiram o grande latifúndio em quatro partes e
“... cada qual erigiu
na parte que lhe coube uma sede” (Pádua, 1977:24).
Esses quatro fazendeiros levaram consigo outros fazendeiros – amigos e
parentes – para
ocupar com eles as vizinhanças do lugar. Em Passos, eles já eram
grandes proprietários e
negociantes de gado e, chegando à Cássia, foram os principais
iniciadores da atividade de
engorda de bois.
Pádua (1977), em seu estudo sobre a arquitetura rural de Cássia,
mostra-nos que
algumas das mais antigas propriedades rurais do município foram
construídas entre 1852
e 1857, e que seus proprietários possuíam estreitos laços de parentesco
com as quatro
famílias de Passos que ali compraram o grande latifúndio. Estas
fazendas já foram
montadas, tendo em vista a criação extensiva do gado. Caracterizava-se
pela marcante
presença dos currais ao lado das sedes, mostrando o lugar ocupado pelo
gado na vida
econômica e social daquelas famílias.
As famílias desses fazendeiros formaram o tronco genealógico de
numerosas famílias
cassienses. As grandes extensões de terras e as riquezas adquiridas na
época por eles
foram aos poucos se subdividindo e sendo transferidas para as novas
gerações. Ainda
hoje, as maiores propriedades rurais do município resultam de heranças
deixadas por
esses primeiros latifundiários. Muitos de seus descendentes – famílias
tradicionais
cassienses – perpetuam o poder de mando dentro do município, muito
tempo depois que o
gado entrou em decadência e que o latifúndio deixou de existir.
Ainda sobre as propriedades rurais do século XIX, ressalta-se também a
presença de
senzalas nas sedes analisadas por Pádua (1977). Essas eram pequenas,
talvez, devido ao
pouco número de escravos, já escassos por aquela época. Os escravos,
junto com os
pequenos sitiantes, foram os primeiros trabalhadores rurais do
município. Apesar de
escassos, marcaram forte presença na vida social da cidade e deixaram
numerosos
descendentes. Uma parte desses, após um longo processo de mudanças
econômicas e
sociais, transformou-se nos trabalhadores rurais volantes de hoje,
sujeitos de nosso
estudo.
No início da década de 1850, quando aqueles quatro fazendeiros para lá
se mudaram,
dando início à atividade de engorda de boi, o pequeno arraial era ainda
um povoado
escondido no meio do Sertão. Consta em algum documento sobre a cidade
de Cássia que,
apenas em 1855, o pequeno arraial de Santa Rita foi considerado
distrito do município de
Passos (19). Neste ano, o pequeno povoado ainda se preparava para no
final de século,
junto com Passos, transformarem-se em duas importantes feiras de gado
do Sul de Minas.
A partir de 1865/66, época em que se elevou à Freguesia, o incipiente
povoado começa a
se desenvolver. A pecuária extensiva, a partir daí, vai cada vez mais
se desenvolvendo,
até poucos anos mais tarde, comandar toda a vida econômica, social,
política e cultural da
freguesia.
Para desenvolver a atividade de engorda o boi, assim como ocorreu em
Passos, aqueles
fazendeiros começaram por derrubar as matas e substituí-las pelo capim
gordura roxo –
principal alimento para o gado. Como na época, havia escassez de braço
escravo, eles
utilizaram então a mão-de-obra de pequenos sitiantes do lugar (parceria
e arrendamento)
para a derruba das matas e formação dos pastos. Depois de transformadas
as grandes
extensões de terras em pastos – “invernadas”, chamadas na época –
necessitavam apenas
introduzir o boi que era trazido dos Estados de Mato Grosso e Goiás.
“... o sertanejo goiano e mato-grossense era quem vinham às nossas
portas oferecer o
gado que os seus campos infindáveis lhes davam de ano a ano. Vinham
tangendo as
boiadas, lá de longe, pacienciosos, trazendo-nos o gado para a engorda
em nossos pastos
e que depois eram vendidos já com o peso, às feiras de Maxambomba e
Realengo, no Rio
de Janeiro.” (Andrade, s/d:14)
Essa citação, retirada de um importante trabalho sobre a cidade de
Cássia, mostra-nos
que, nos primeiros anos dessa atividade, o gado era trazido pelos
próprios goianos mato-grossenses
até a nossa cidade.
Na medida em que esta atividade passou a ser bastante lucrativa, os
próprios fazendeiros
da região, “invernistas”, contratando comitivas, passaram a ir até
aqueles estados
comprar o boi magro, trazendo-o para a engorda em seus pastos. Estas
comitivas eram
formadas por tropas de muares, chefiadas por boiadeiros.
“... levados pela ambição de maior lucro, os fazendeiros passavam a
engajar tropas,
municiar cozinha ambulante e, entregando carteiras recheadas ao capataz
de confiança,
despachava-os de encontro ao sertanejo. Assim surgiram as famosas
“comitivas”. Partiam
com o frio e o pó entre junho e agosto. Voltavam com a chuva e a lama
entre dezembro e
fevereiro. Aqui chegavam com a tropa frouxa, as reses magras, os peões
exaustos, cheios
de fome e remendos. “ (Andrade, s/d;14)
Cada comitiva chegava trazendo de 800 a 1500 cabeças de bois, e a freguesia já se
transformava em importante feira de bois magros. Nos meses de chegada
das comitivas,
atraía fazendeiros e negociantes de toda a região que para lá se
dirigiam para comprar o
boi magro trazido de longe.
O comércio lucrativo de bois incentivou ainda mais o desenvolvimento da
pecuária
extensiva, na região de Cássia. Essa atividade cada vez mais vai se
afirmando como a
atividade predominante do município até a década de 1930, quando a
pecuária entra em
decadência, e a produção agrícola do município começa a se
diversificar.
Ao redor de toda a freguesia, vão formando-se pastos que passam a
ocupar a totalidade
de suas terras e das localidades de suas terras e das localidades
vizinhas. Multiplicam-se
também os “ranchos” - abrigos para as comitivas – ao redor de toda a
cidade. O principal
deles, entretanto, foi o que se desenvolveu perto do antigo pouso de
tropeiros, na
“praias”. Ali, num casarão – casa do tenente – realizavam-se os mais
importantes
negócios de compra de gado. O lugar do antigo pouso e núcleo fundador
do povoado
continuava a ser o centro da sua vida social.
Com a boa qualidade do capim e com as grandes extensões dos campos (que
abrigavam
de 4 a
5 cabeças por alqueire), em pouco tempo o boi magro ganhava peso e já podia ser
vendido a bom preço para os mercados consumidores. Primeiro o boi, já
gordo, era levado
diretamente para os abatedouros do Rio de Janeiro. Com a formação de um
entreposto em
Três Corações – MG, tornou-se desnecessário o transporte do boi de
Cássia até o Rio de
Janeiro. Levado até Três Corações, o boi gordo, destinado ao corte, era
transportado em
estradas de ferro até os mercados consumidores do Rio de Janeiro e São
Paulo.
A pecuária de corte constitui-se, assim, na primeira atividade
econômica dos fazendeiros
de Cássia. As grandes extensões de terras, bem como a dificuldade de
transporte para
outros bens (o boi era mercadoria ambulante), foram os principais fatores
que
contribuíram para o desenvolvimento dessa atividade na região.
Os produtos agrícolas eram produzidos apenas para o abastecimento das
famílias e do
próprio povoado. Era significativa a produção de cana-de-açúcar, como
podemos perceber
pela existência de 27 engenhos dentro da freguesia no ano de1874. Esses
engenhos
transformavam a cana de açúcar em aguardente para o consumo da própria
freguesia. O
milho, plantado ao redor do povoado para abastecer as antigas tropas de
muares,
continuou a ser produzido para alimentar o porco que, assim como o boi,
era exportado
para os grandes mercados consumidores. O anuário de 1909 cita, no
entanto, que, em
1885, o município cultivava café, cana e fumo em quantidade que dava
para exportar.
No ano de 1874, quando a freguesia ainda pertencia ao município de
Passos, tem-se
notícia da exportação de uma média de 10.000 reses por ano e 1.500
porcos. Dez anos
depois, em 1884, o total de reses exportadas já havia aumentado para
15.000 cabeças ao
ano.
Até meados da primeira década do século XX, a pecuária estava
basicamente voltada para
a engorda de bois magros para o corte. A produção de leite destinava-se
apenas ao
consumo doméstico. Era grande, porém, a produção de queijos, produzidos
em indústrias
caseiras. Também não havia ainda cria de reses. Essas atividades só
vieram a se
desenvolver no município muitos anos depois, como veremos adiante.
Interessante assinalar também é a presença de olarias na vida da
cidade, ainda no século
passado. Andrade (s/d) cita a construção de uma olaria na cabeceira do
antigo córrego
Santa Rita – hoje córrego da Olaria, - para servir “... às primeiras
necessidades de
construção...” do povoado. Atualmente o município conta com numerosas
olarias, as quais
servem de importantes mercados de absorção de mão-de-obra do município.
Quando em 1890, a
freguesia foi elevada à Vila, criando o município que se desmembrava
de Passos (20), a cidade já se havia prosperado muito. Neste ano,
adquire dois distritos:
Dores do Aterrado (atual Ibiraci) e Espírito Santos da Forquilha (atual
Delfinópolis). Com
esses dois distritos, o município passa a contar, em 1890, com uma
população rural e
urbana de 20.593 habitantes.
A Vila de Santa Rita de Cássia, quando se elevou à cidade, em 1892, já
possuía uma vida
econômica e social organizada. Os negócios com o gado haviam gerado a
riqueza de
muitos fazendeiros, e trazido prosperidade para o lugar. A sua
população crescera, e
vários serviços urbanos foram criados para atender às necessidades da
população. O
movimento das comitivas atraíra migrantes de vários cantos do país que
buscavam o
município, iludidos em também participar dos vultuosos lucros obtidos
com o gado.
Também, através dos negócios de gado, famílias de outras regiões
passavam a se
conhecer e a formar outras famílias, ali se instalando. Novas gerações
iam surgindo.
Com o fim da escravidão, muitos ex-escravos passaram a ocupar também o
espaço
urbano, realizando ali toda a espécie de serviços subalternos. Os
fazendeiros, agora os
coronéis do gado, também transferiram suas residências para a cidade.
A zona urbana de Santa Rita de Cássia começa a se modificar e surgem os
primeiros
bairros. A vida na cidade se complexifica.
De Sitiantes e Escravos à "Camaradas"
Antes da compra do latifúndio na região de Cássia, pelos moradores de
Passos, existiam
ali vários posseiros. Entre esses encontramos tanto os possuidores de
grandes glebas
como aqueles que doaram terras para a formação do patrimônio da cidade,
quanto os
ocupantes de pequenos sítios que habitaram a região antes da chegada
das fazendas de
gado.
Os pequenos posseiros, plantando para a subsistência e vendendo os
produtos de suas
lavouras em escala reduzida e de modo excepcional, com a chegada dos
grandes
proprietários das fazendas de gado, foram progressivamente se transformando
em
“agregados” e “camaradas”. (21)
Brandão (1985:18), escrevendo sobre o povoamento de Itapira, mostra
como os primeiros
moradores do lugar – posseiros e sitiantes vivendo da agricultura de
subsistência – com a
conquista das fazendas e a chegada dos primeiros fazendeiros coronéis,
foram
expropriados de suas terras e se incorporaram às grandes fazendas, como
trabalhadores e
parceiros. Esse processo ocorreu em quase todo o Brasil, durante o séc.
XIX.
Em Cássia, desde o início da ocupação das terras, pequenos posseiros e
sitiantes também
foram progressivamente expropriados, deixando dominar as grandes
propriedades
privadas e a exploração lucrativa da terra. Com as fazendas de gado, a
economia de
subsistência, a auto-suficiência das pequenas propriedades e o pequeno
lavrador
independente, característicos do início da povoação, tende a
desaparecer, Subsiste um ou
outro pequeno sitiante proprietário e surge um outro tipo de camponês:
o morador em
terra alheia, ou seja, o “agregado” (22). Esses, cultivando as terras
improdutivas dos
grandes proprietários e cedidas a favor, reelaboraram o antigo estilo
de vida baseado na
auto-suficiência, ao mesmo tempo que ofereceram seus braços para os
diversos tipos de
trabalho como derrubada das matas, plantio de pastos e de pequenas
lavouras.
Já o “camarada”, outra categoria social que surge da expropriação de
pequenos posseiros,
perde a sua vinculação com a terra e com economia de subsistência.
Transforma-se em
trabalhador livre e incorporado ao setor mercantil. O “camarada” é o
trabalhador
característico das fazendas de gado, recebe salário mensal, têm direito
à posse de casa
nas fazendas e de um pedaço de terra para plantio (23). Muitas vezes
esses “camaradas”
eram os próprios meeiros ou “agregados”.
Em Cássia, foram estes pequenos posseiros e sitiantes expropriados,
“agregados” e
“camaradas”, os principais substituidores do braço escravo, após o fim
da escravidão.
Muitos destes escravos, agora libertos, permaneceram nas fazendas como
“agregados” ou
“camaradas”, morando em casas, ditas “colônias”, construídas pelos
fazendeiros.
Sitiantes e “agregados” foram responsáveis pelo sistema de parceria,
arrendando e
meação, cujos traços, embora modificados, ainda prevaleçam no município
até os dias de
hoje. Muitos deles, após perderem seu pedaço de terra, passam a
procurar a cidade,
ocupando seus espaços periféricos (bairros) e fundos de horta. Na
cidade, voltariam ao
campo primeiro como “camaradas”, depois como volantes (24). Lavradores
sem terra,
sem lugar nas fazendas, pobres, até hoje continuam perambulando entre o
campo e a
cidade, em busca de trabalho. São eles os principais responsáveis pelo
crescimento da
periferia das cidades da região e também os principais ofertantes de
serviços subalternos
urbanos e rurais.
O mercado de bois e o desenvolvimento urbano
Em 1866, o arraial de Santa Rita transformou-se em freguesia, contando
apenas com
“...280 casas, na sua maioria coberta de sapé, sem ordem e
alinhamento...” (Capri, s/d).
Eram casas desalinhadas, de aspecto pobre, que nos fazem lembrar da
Vila Dr. Gaspar. Na
década de 1970, esta Vila aparecerá como bairro periférico, em
conseqüência do
desenvolvimento sócio-econômico que aí teve início.
Com a intensificação do mercado de bois, cujo auge foi o final do séc.
XIX e início deste,
aquele cenário inicial modifica-se radicalmente. A cidade vive, durante
este período, um
momento de prosperidade e rápido desenvolvimento urbano.
As cidades – fruto da mais antiga das divisões do trabalho, tendem a
tornar-se autônomas
e independentes do campo ou da sua região rural. Contudo, como afirma
Braudel (1970),
essa divisão de trabalho entre campo e cidade nunca está perfeitamente
definida, mas
sempre recomeçando. As cidades, por mais que se desenvolvam, mantêm
sempre um
diálogo constante e ininterrupto com o campo. Mas, para existirem,
precisam “... dominar
um império...” e colocar “...a seu termo os mercados, as lojas, os
homens de leis e suas
distrações...” , passando a se constituir o centro de toda a rede de
ligações e articulações
com os arredores e sua zona rural. Em princípio, passarão para o lado
das cidades os
mercadores, as funções de comando político, religioso e econômico, as
atividades
artesanais, de quem o campo torna-se independente.(25)
Todavia, são as atividades agrícolas e pastoris desenvolvidas na zona
rural das cidades
que nutrem toda a sua vida social. O campo é o principal fornecedor de
alimentos e
homens. As colheitas, realizadas no campo, abastecem o município,
enriquecem-no e,
muitas vezes, ditam ciclos para sua vida social. Da mesma forma, a
população pobre,
vinda dos campos, torna-se responsável pelo seu crescimento e pelos
trabalhos
subalternos que ali se realizam.
No caso de Cássia, no início deste século, o gado ainda constituía
razão de ser da cidade,
e a “praia”, continuava sendo o seu ponto mais movimentado. As
comitivas ainda traziam
numerosas cabeças de bois, para serem negociadas ali.
Até 1906, as boiadas ainda transitavam dentro da cidade, marcando com a
presença física
a sua importância na vida social do lugar.
“O Cel. João Cândido de Melo e Souza, chefe do executivo, aos 20 de
julho de 1906,
proibiu o transporte de gado pelo perímetro urbano. Construiu, então,
ao lado da cidade, a
estrada para boiadas deixando de transitar pelas ruas da cidade, cerca
de 70 a
80 mil
rezes por ano.” (Andrade, s/d:27).
Esta estrada, fora do perímetro urbano, e hoje destituída de sua
função, passa por detrás
da Vila Dr. Gaspar e é conhecida pelos moradores da cidade como
“corredor de
boiadeiros”.
Com aquele ato, talvez a cidade e sua classe dominante estivessem
expressando um
desejo de banir dela o gado e desvincular-se para sempre o campo e o
passado.
Entretanto, a cidade teve que conviver com a desordem, a sujeira e os
estragos
provocados pela presença do gado. Ainda, havia forasteiros, os
criminosos, as prostitutas
e miseráveis que contribuíam, além da desordem, com perturbações. Estes
marginalizados, contraditoriamente, são responsáveis pelo seu
crescimento e
desenvolvimento.
No tempo das águas, quando as comitivas voltavam dos sertões, trazendo,
as boiadas, a
vida na cidade se transformava. O comércio local se intensificava,
atraindo numerosos
migrantes. Ao terminar esse ciclo sazonal, marcado pela pecuária, estas
pessoas, atraídas
pelo mercado de bois e pela vida urbana, ou voltavam para seus lugares
de origem ou
permaneciam na cidade à espera do próximo ano.
Marcado desde o início o fluxo migratório e a vida social na cidade,
esta sazonalidade vai
se repetir mais tarde, quando o aparecimento da cultura do café. A
cidade, então, viverá
dois momentos: o da safra e o da entressafra.
Impossível então se desvincular do campo, já que as pequenas cidades do
interior, como
Cássia, dependiam (e dependem) das atividades agro-(pastoris).
Ao caracterizar as cidades do ponto de vista econômico, Max Weber
(1976) ressalta o fato
de elas não dependerem da agricultura, mas sim da indústria ou do
comércio. Para ele, o
que caracteriza a fundação das cidades é a existência de um intercâmbio
regular de
mercadoria na localidade, através do qual a população satisfaz uma
parte
economicamente essencial de sua demanda diária, sendo que outra parte,
também
essencial, mediante os produtos que os habitantes da localidade e
povoação dos arredores
produzem ou adquirem para colocá-los no mercado. Para ele, a cidade é
essencialmente
um lugar de mercado.
O desenvolvimento de uma vida urbana, todavia, só foi possível devido o
desenvolvimento
da pecuária extensiva que extrapolou sua área rural. É como mercado de
bois que a
cidade vive, durante esse período a sua “idade de ouro”.
No ano de 1907, já existem na cidade 600 prédios, 2 cadeias, 3 igrejas,
6 ruas principais,
10 travessas e 6 largos (27). Estes dados nos dão uma noção de como a
cidade foi
modificando aquele cenário inicial e diversificando o seu espaço
urbano.
Esses anos do princípio do século constituíram-se nos áureos tempos da
história da
cidade. Neiva Andrade (s/d) descreve com minuciosidade os principais
serviços e
melhoramentos, os acontecimentos políticos, sociais e religiosos,
verificados no período,
atestando uma nova fase na vida social da cidade.
Nesta época, Cássia contava com mais dois distritos:
Garimpo das Canoas – atual Claraval – e Dores da Ponte Alta, atual
Babilônia. O
município, incluindo os distritos (28), contava em 1907 com uma
população total de
27.500 habitantes, assim distribuídos:
Santa Rita de Cássia
Dores do Aterrado (Ibiraci)
Garimpo das Canoas (Claraval)
Espírito Santo da Forquilha (Delfinópolis)
Dores da Ponte Alta (Babilônia)
10.000
8.000
4.500
4.000
1.000
A incorporação dos novos distritos, assim como a imprecisão dos dados
referentes aos
anos anteriores, dificulta avaliar numericamente o crescimento da
cidade e do município
durante estes anos. Além disso, os dados referentes à população dos
distritos e da sede
não diferenciam a população rural da urbana.
A presença de duas cadeias atesta a necessidade de um controle
repressivo sobre a
população da cidade que, neste período, viveu momentos de grandes
perturbações.
“... o centro de boiadeiros que aqui se formou tornando a cidade uma
das principais feiras
de gado do sul de Minas, atraía indivíduos de todos os pontos do sertão
bravio e rude, e
assim, de 1880 a
1920 mais ou menos, a cidade enfrentou uma onda de crimes, assaltos e
barbaridade...” (Andrade s/d:13)
Há vários relatos de assaltos, crimes e toda espécie de violência e
arbitrariedades neste
período. (29) No fim do século, a cidade era como faroeste, com
coronéis, capangas e
forasteiros defendendo seus interesses particulares e competindo entre
si e com a lei pelo
poder de mandar na cidade. Neste tempo, as diversões eram “... casas de
jogos, bailes de
prostituição, reuniões públicas de deboches, cateretês, batuques...”,
onde se podiam
assistir sempre às cenas de tiros, facadas, prisões ilegais,
espancamento de presos,
soldados ébrios.
Foi neste clima, porém que a cidade se enriquecera, dando condições
para a formação de
“... uma verdadeira aristocracia rural, endinheirosa e destemida...”.
Sobre esta sociedade,
Passos Mais, em seu livro “Guapé” descreve:
“ Essa sociedade em formação – mixto de burgueses e aventureiros, que
de toda a parte
acaccorriam attrahidos pela riqueza daquellas paragens, era
verdadeiramente uma
reediçãi da sociedade contemporânea dos bandeirantes, em que o
fascínnio das
descobertas auríferas seduzia e polarisava indivíduos de todo jaez. No
meio dessa gente
turbulenta, onde os conflitos se succediam diariamente, vivia um elite
abastada, culta e
honrada, como n’aquellas priscas éreas da guerra dos Emboabas viveram,
em Minas, as
mais nobres estirpes da genealogia paulista.” (Maia, 1965:130)
Esta elite constituía a classe dominante local, enriquecida com as
grandes propriedades
rurais, a pecuária e o comércio de bois. Concentrando atividades e
oferecendo serviços, a
cidade passa a contar com novos segmentos sociais. Ao lado desta classe
endinheirada,
desenvolve-se uma classe média formada por comerciantes, artesãos e
funcionários,
dependentes das trocas que se realizam no mercado urbano e um
aglomerado de pobres.
Esses últimos, lavradores vindos em sua maioria do campo, transformam-se
na cidade em
biscateiros, jardineiros, domésticos – casos de muitos ex-escravos – e
outros conseguem
melhor sorte: são pequenos artesãos e donos de pequenas vendas. São
eles os principais
ocupantes dos espaços periféricos que começam a surgir com o
crescimento da cidade.
A população rural passa a buscar constantemente a cidade, da qual se
tornou dependente.
Busca vender e trocar seus produtos no comércio local e utilizar os
diferentes serviços
sociais e religiosos ali oferecidos. É atraída pelas suas festas, que,
nesta época, eram
fundamentalmente religiosas e contavam com grande participação popular.
A Cidade e os Coronéis (Principais bairros e suas peculiaridades)
Aquela cidadezinha de vida pacata e atrasada do século passado foi se
estruturando
socialmente, deixando marcas no espaço urbano que expressam suas novas
relações
sociais. Crescendo, começa a desvincular-se da “praia”.
“Iniciada na rua da praia, que foi o seu núcleo primitivo o pequeno
aglomerado estendeuse
à rua do comércio (Helena Guerra – Hoje 7 de setembro) atingindo a
Wenceslau Braz
(Paulo Gama) na parte baixa da cidade.
Em direção sudeste, a pequena povoação se estendeu para a rua dos
Peixotos (Delson
Scarano) que dava saída para São Sebastião do Paraíso. Foi então,
lentamente se
estendendo em direção à rua Belo Horizonte, à rua cel. João Cândido
(São José) subindo
em direção à caixa d’água. Poucas casas existiam na rua da liberdade e
nas travessas do
corpo central da cidade, sendo muito numerosos os espaços vazios. As
ruas eram
maltratadas e as casas sem alinhamento. Assim chegamos aos alvores de
um novo
século...” (Andrade, s/d:20)
A partir da Rua dos Peixotos, começa a surgir, ainda nas proximidades
da “praia”, o bairro
dos Peixotos. Situando-se no sudeste da cidade, hoje um dos caminhos
para a Vila Dr.
Gaspar, esse bairro contrariou a tendência de crescimento seguido pela
cidade neste
período.
Inaugurando o novo bairro, ali foi construída em 1895 uma capela de
Santo Antônio e um
novo cemitério, no final da Rua dos Peixotos. Em frente ao cemitério,
encontramos a Av.
Esmeralda, no bairro Santa Maria, principal acesso à Vila Dr. Gaspar.
A tendência de crescimento da cidade, no entanto, foi estender suas
ruas rumo ao norte,
em direção à caixa d’água, onde atualmente encontramos o bairro
Patrimônio. No final do
século, quando ainda não existia esse bairro, ali podíamos encontrar um
ou outro rancho
de boiadeiros. Vendo fotografias antigas, encontramos apenas caminhos
de carros de bois
no meio do pasto. Nesta época e por muito tempo ainda, o atual bairro
era a principal via
de acesso a alguns de seus distritos como Delfinópolis e Ibiraci.
Por muitos anos, a tendência de crescimento seguida pela cidade
continuou sendo da
“praia” em direção à caixa d’água. Neste sentido, cresceram três ruas
compridas e
paralelas: a Paulo Gama, da Liberdade e a Cel. Saturnino Pereira,
chamadas pelos
moradores da cidade respectivamente “rua de baixo”, “rua do meio” e
“rua de cima”.
Como é grande a distância entre a “praia” e o atual bairro do
Patrimônio, o preenchimento
dos espaços vazios e perpendiculares a essas três ruas levou muitos
anos.
As Ruas Belo Horizonte e Cel. João Cândido ligavam a “praia” ao local
da primeira capela
construída na cidade, no alto da colina. A Rua Belo Horizonte finda seu
pequeno percurso
ao lado esquerdo dessa capela, e a Cel. João Cândido, no seu lado
direito.
“ A população galgou então as encostas da colina e foi expandir-se ao
longo desta capela,
surgindo então os primeiros prédios.” (Andrade, s/d:12)
Bem mais acima, após a atual Praça do Fórum, a Rua Cel. João Cândido
continuou
seguindo até a caixa d’água, no bairro do Patrimônio, com o nome de
Cel. Saturnino
Pereira. Entre essas duas ruas formou-se um grande largo, onde foi
sendo construído um
conjunto de praças. Aos poucos, este espaço foi se transformando em um
novo centro na
cidade.
Formam-se ali a Praça Barão de Cambuí e a Praça J.K., atual Praça do
Fórum. No início do
século, cada qual foi mapeada por uma igreja. Na Praça Barão de Cambuí,
a igreja matriz
e na Praça J.K., a igreja Nossa Sra. Do Rosário.
A Rua da Liberdade inicia-se também junto à “praia”, continuando em
direção ao norte da
cidade. A Paulo Gama inicia-se um pouco mais acima, após um pequeno
largo que se
formou no cruzamento da Rua 7 de Setembro com a atual Av. Azevedo
Borges que leva ao
hospital da cidade.
O córrego da Olaria, antes de se cruzar com o do Retiro, na “praia”,
acompanha o lado
direito da cidade, um pouco abaixo da Rua 7 de Setembro. Hoje
canalizado este córrego
acompanha a Avenida Santa Rita. O córrego do Retiro, depois do
cruzamento da Olaria,
segue pelo lado esquerdo da cidade, passando por detrás da R. Belo
Horizonte e da Praça
Barão de Cambuí. Esses dois córregos ladearam a cidade, fazendo-a
crescer de comprido
rumo ao norte. A Vila Dr. Gaspar vai se situar, posteriormente, próxima
da margem
esquerda do córrego do Retiro, ocupando um espaço nunca usado pela
população da
cidade.
Quando a cidade escolhe a direção de seu crescimento no sentido da
capela e da
construção de um nove centro; a “praia” e a antiga capelinha construída
pelos escravos
começam a fazer parte do passado. Os coronéis necessitavam agora de um
novo especo
que expressasse o seu domínio e os ajudasse a consolida-lo.
A religião terá um papel determinante na ordenação do novo espaço
urbano, contribuindo,
durante esta fase de crescimento da cidade, para a ascensão dos grandes
proprietários de
terras à classe social dominante. Essa classe, ao dirigir a ordenação
do espaço urbano e se
apropriar do espaço central, utiliza a Igreja para consagrar e
legitimar a sua escolha.
A antiga capela, situada no alto da colina, foi inicialmente construída
voltada para a
“praia”, núcleo e centro do pequeno povoado que se formava.
Acompanhando, porém, o
desenvolvimento urbano e social da cidade, esta capela foi também
virando as costas para
o antigo núcleo da cidade. Através de sucessivas reformas financiadas
pelos coronéis da
cidade, transforma-se em principal símbolo da nova ordem social.
“Procuradas as pessoas para as doações (para a reforma da Capela), um
senhor chamado
João Jacinto, fazendeiro da redondeza, devido ao seu reumatismo,
ofereceu generosa
quantia com a condição de ser mudada a porta que era voltada para o
sul, isto é, para o
sentido contrário, pois a doença dificultava-lhe levantar os pés. Assim
é que graças a esse
senhor a nossa Matriz não tem escadas.” (Andrade, s/d:12 e 13)
Talvez esse inocente fazendeiro nem se desse conta do significado de
seu ato, nem a
autora do texto acima tivesse se atentado a ele.
A Igreja Católica, com esta reforma, abandona o antigo núcleo da cidade
e perde o papel
que teve no início da povoação: unificar ricos e pobres, senhores e
escravos, patrões e
camaradas. Aquele fazendeiro e a Igreja Católica estavam construindo
juntos um novo
espaço e um novo tempo para a cidade. Voltada agora para o norte, a
posição do novo
templo anunciava também um novo futuro.
Uma outra reforma que se segui a esta vem completar a aliança Católica
e coronéis,...
“Mais tarde, João Cândido de Melo e Souza (Barão de Cambuí) e Manuel
Pinto dos Reis,
receberam licença para a construção de uma torre anexa à capela a 05 de
maio de 1881.
Foi benta a 22 de maio de 1884 pelo vigário Pe. Marciano Pereira da
Fonseca, passando
então a mesma à categoria de Igreja Matriz... Após 18 meses de
construção, a torre com
frontispício foi inaugurada a 18 de dezembro de 1892. O relógio da
referida torre foi
colocado em 15 de julho de 1893” . (Andrade, s/d:15)
Acrescida agora de uma torre e transformada em igreja matriz, a Igreja
vai consolidando
sua aliança com a classe dominante local, ajudando-a a construir o novo
espaço urbano e
a ordenar as novas relações sociais.
Voltada para o Norte, com uma arquitetura mais ousada e com um relógio
cujas badaladas
ressoavam em todos os cantos da cidade, a Igreja universaliza e
sacraliza a ordem dos
coronéis. Esta aliança simbólica funda o centro da cidade e o legitima
enquanto espaço
sagrado.
Brandão (1985:35 a 37), escrevendo sobre a história da expropriação e
resistência de
uma religião de camponeses em Itapira, mostra-nos como a Igreja
Católica – desde o
reconhecimento da antiga capela e a nomeação do primeiro padre – já se
encontrava
ideológica e institucionalmente associada aos fazendeiros. Também em
Cássia, a Igreja
torna-se a mais forte aliada dos fazendeiros, e é com a sua ajuda que a
aristrocacia rural
consolida o seu domínio dentro da cidade e se afirma enquanto classe
social dominante.
Participando das sucessivas campanhas de reformas da igreja e
contribuindo com doações
de importantes somas, os coronéis recebiam em troca o comprometimento
dos sacerdotes
e de toda a ordem religiosa.
A igreja, transformada em matriz e colaborando na fundação do espaço
dos “ricos”,
ajudou a separar ricos e pobres e a expressar as contradições sociais
tornadas mais
explícitas através do desenvolvimento econômico que a cidade viveu com
o gado.
A “praia” agora simbolizava o passado, um tempo em que ainda não eram
tão marcados
os interesses e as classes sociais. A classe dominante local
necessitava agora de um novo
espaço que induzisse o crescimento urbano ao sentido da separação: os
coronéis e os
outros, o centro e o resto. O novo centro passa a expressar o domínio
dos coronéis,
dissimulado sob a forma de prosperidade urbana.
A organização da vida social da cidade, neste período, acontece marcada
pela ocupação
diferenciada do espaço urbano. As áreas centrais vão, cada vez mais,
sendo apropriadas
pelos ricos, e os pobres ocupando espaços segregados e distantes.
A porta do templo católico agora se abre para a Praça Barão de Cambuí.
No início do
século, essa praça era ainda um grande descampado, não possuindo nem
árvores, nem
gramados. Transformou-se, com o passar dos anos, em duas praças
contíguas e um
pequeno triângulo, cujo conjunto se separa da Praça do Fórum, por uma
pequena avenida,
a Dr. Luciano Batista.
Entre as duas praças, tem-se a Rua Astolfo de Oliveira Filho, que corta
perpendicularmente a Avenida Dr. Luciano Batista. Descendo à esquerda
desta rua, pelo
“... beco que dava saída para Franca...” e que “... começava onde se
situa as casas
pernambucanas...” podemos ter acesso do centro da cidade à Vila Dr.
Gaspar.
A Praça Barão de Cambuí é formada por todo o espaço, que vai da igreja
matriz até a R.
Astolfo de Oliveira Filho. O nome, Barão de Cambuí, foi lhe dado em
homenagem a um
dos primeiros fazendeiros do município, grande coronel do gado e um dos
mais
importantes chefes políticos da época.
Em um álbum sobre a cidade, escrito em 1920, o autor assim se refere a
este espaço: “A
parte central da cidade onde se ergue o majestoso templo dedicado à
padroeira do lugar,
se poderia chamar o coração de Santa Rita”. (Capri, s/d)
Até hoje, este espaço, transformado em jardins, constitui o centro da
cidade. Ali se
concentram as atividades comerciais, bancárias e de lazer: as praças, o
cinema, os bares,
as casas comerciais, as agências bancárias.
Guardando a memória dos tempos dos coronéis, encontramos ainda hoje, na
Praça Barão
de Cambuí, a residência do Cel. Antenor Machado, construída no início
do século.
Conservando intacta sua arquitetura e seus móveis, essa residência,
hoje desabitada,
representa a memória dos áureos tempos da cidade, quando os fazendeiros
construíram
grandes fortunas através dos negócios com o gado.
Esta e outras casas situadas no centro, do lado esquerdo da Praça,
possuem grandes
quintais que vão dar no córrego do Retiro que se distancia apenas 500 metros da Vila Dr.
Gaspar. O doador do terreno onde se localiza esse bairro é também
proprietário de uma
das casas aí situadas. O terreno da Vila é quase uma continuação do
quintal de sua
residência, separados apenas pelo córrego do Retiro e por um espaço
vazio, utilizado
como pasto. Esta proximidade possibilita que as crianças da Vila
visitem estes quintais,
pelos fundos, para brincar e apanhar frutas.
Na Praça Barão de Cambuí, deixando marcas do tempo presente, em que o
café deu um
novo impulso econômico para o município, encontramos o Banco do Brasil.
Esse foi
construído na década de 60, do lado direito da Praça, quase em frente à
residência do Cel.
Antenor Machado citada anteriormente. Em vez de coronéis, o local agora
é freqüentado
por médios fazendeiros, na sua maioria plantadores de café.
Nos dias de hoje, a Praça Barão de Cambuí é considerada pelos moradores
da periferia
como o lugar “dos ricos”; os pobres da cidade só têm acesso a ela em
ocasiões especiais
ou dias de festas. Para os moradores da Vila Dr. Gaspar ali é “a
cidade”.
No início do século, a Igreja e os coronéis tiveram, entretanto, que
conviver durante
algum tempo com os pobres da cidade, sua religiosidade e suas festas,
realizadas ali bem
próximas à Igreja Matriz, na Igreja do Rosário.
Em uma foto tirada do hospital da cidade, por volta de 1914/15, podemos
observar as
duas igrejas – a da matriz e a de Nossa Sra. Do Rosário - uma quase de
frente a outra,
como que a expressar diferenças sociais em confronto.
A igreja N. Sra. Do Rosário foi construída entre 1870 e 74 um pouco
acima da igreja
matriz, onde atualmente encontramos a Praça do Fórum. Construída ainda
por escravos e
recebendo doações também de grandes Coronéis, entre eles o Barão de
Passos, esta
igreja foi, todavia, apropriada pelos pobres da cidade, em sua maioria
ex-escravos.
“(Esta) igreja foi construída de pau-a-pique com telhas coloniais
portuguesas e as paredes
pintadas de amarelo desbotado, com figuras de santos e anjos”.
Nesta igreja, uma grande multidão rumorosa assistia às festas
tradicionais das congadas,
reminiscências das práticas e costumes dos tempos coloniais, trazidos
ao Brasil pelos
filhos escravizados da lendária terra africana.” (Andrade, s/d:16)
A igreja do Rosário transforma-se em um importante local para as
manifestações
religiosas populares. Em frente à igreja, realizavam-se “as mais
animadas festas de
congadeiros e moçambiqueiros” (Andrade, s/d: 16). Os promotores destas
festas eram em
sua maioria negros e ex-escravos, mas também pobres do campo e da
cidade que, na
época de festas ou fins de semana, procuravam a igreja para cultuar
seus santos e dançar
em sua homenagem.
“Frente a porta principal do desaparecido templo, havia um cruzeiro
aureolado com a com
a ponta imitando raios de sol e duas palmeiras. Já esquecidas do seu
papel no passado,
agora enfeitam a praça e abrem caminho para o Fórum, centro jurídico da
cidade.
Como Igreja Católica, a Igreja Nossa Sra. Do rosário, assim como as
festas dos negros
que ali se realizavam, foi legitimada pela ordem religiosa loca, porém
submetida à
paróquia e à igreja matriz.
Contudo, com a igreja do Rosário, passa a haver uma hierarquia dentro
da ordem católica
local: a igreja matriz como representante local da classe dominante; e
a do Rosário, dos
dominados. Até que, por volta de 1915 e 1916, ela foi demolida. Com
este fato, acontece
um “progressivo deslocamento geográfico e social do centro de uma
sociedade para a
periferia de uma outra...”, processo que acompanha a “...inevitável
destituição de
legitimidade e de expropriação do capital religioso popular”. (Brandão,
1985:45)
Em Cássia, a demolição da igreja do Rosário acompanha este duplo
processo:
expropriação religiosa e expropriação do espaço urbano. Duas igrejas
representando
classes sociais com interesses diferentes e contraditórios, num momento
de consolidação
de domínio da aristocracia rural, não poderiam conviver e dividir o
mesmo espaço urbano
e religioso.
A igreja do Rosário havia se transformado em símbolo de uma classe não
participante da
riqueza que o gado trouxera para o município. Suas festas, suas
manifestações religiosas
e culturais não poderiam se realizar ali perto das casas e da igreja
dos coronéis. Estes já
haviam se apropriado da riqueza, do poder local, do centro da cidade,
da igreja matriz e,
com a demolição da igreja do Rosário, expressavam a sua dominância na
sociedade. Mais
uma vez mostram o seu poder de mando na cidade e na vida religiosa
local. Quanto à
igreja matriz, continuam financiando as suas reformas, modificando a
sua arquitetura,
suspendendo mais e mais a sua torre e a transformando em símbolo de
poder que os
coronéis gostariam que fosse sagrado e eterno, como a igreja.
Não temos notícias de que o ato da demolição da igreja do Rosário
tivesse sido
questionado pela população da cidade. Talvez, como aconteceu com as
reformas da igreja
matriz, este ato foi considerado “natural”. As justificativas que ouvi
sobre a demolição, na
memória oral dos moradores da cidade, foram simplesmente a sua
substituição por um
jardim; “demoliram por causa da política”; o local estava sendo alvo de
muitos crimes e
brigas, corria a superstição de que a igreja estava amaldiçoada; a
construção estava por
desabar, o que se contradizia com afirmações contrárias sobre a forte
estrutura da igreja.
(30) O certo é que os coronéis não suportaram dividir por mais tempo o
espaço central e
religioso com os pobres.
“Depois da demolição da igreja do Rosário, na qual eram realizadas
todas as festas de
congadas, Maria Velha Francisco de Barros, mais conhecida por Maria
Velha, a “Rainha
Conga”, negra remanescente do cativeiro, requereu ao executivo
municipal, a concessão
de um terreno pois desejava construir uma capela. A 23 de fevereiro de
1915 foi
concedida e o local escolhido por Saturnino F. Pereira.” (Andrade, s/d,
33,34)
A velha ex-escrava começou a esmolar pelas ruas da cidade e pelos
caminhos da roça,
angariando donativos para construir uma capela em homenagem a Sta.
Efigênia, onde
outros negros e pobres, como ela, pudessem continuar realizando suas
festas de congadas
e cultuar sua fé em santos católicos mais parecidos com eles.
O terreno concedido pelo poder municipal situava-se na extremidade
norte da cidade, bem
acima da caixa d’água, onde iniciava-se o povoamento de um novo bairro,
chamado na
época de “cidade nova”. Em 27 de agosto de 1917, no local da nova
igreja de Santa
Efigênia, foi celebrada a 1ª missa, graças ao esforço da Rainha Conga.
Com a demolição da igreja do Rosário, os negros e pobres da cidade foram
expulsos do
espaço central e destituídos de seu local de culto. A religiosidade
popular, entretanto,
teimando em sobreviver, utiliza locais mais distantes, nos cantos
periféricos, nos novos
locais de moradia dos pobres da cidade, para se expressar.
A igreja de Santa Efigênia sobrevive no mesmo local até os dias de
hoje. Porém, já não
existem ternos de congos como antigamente. A igreja continuou, ali,
guardando a
memória do passado, quase abandonada, (313) esvaziada de seu sentido.
Em volta dela,
formou-se o bairro hoje chamado de Santa Efigênia, que vem abrigando
parte dos
trabalhadores rurais do município.
Muitas décadas depois, em outros bairros da periferia que abrigam a
população trabalhadora, outras
igrejas são construídas, mapeando os novos espaços, expressando outro
tempo, outras relações
sociais. “... de centro de uma sociedade, para a periferia de uma
outra...”.
FONTE: ALVARENGA. Neiva Maria - Cássia, minha terra. UNIFRAN. Franca,
1994.
Nenhum comentário:
Postar um comentário