Mariane, Moça do Trem
Sai do interior por volta de mil novecentos e setenta e quatro, lembro-me que
era no mês da copa, e a hora em que eu descia a Rua Comendador rumo á
rodoviária, percebi que havia muita gente festejando e soltando foguetes, pois
o Brasil tinha ganhado aquele jogo.
Não
me lembro qual foi o time que jogou com o Brasil naquele dia, sei que olhando o
pessoal todo ali, eu desejei voltar para casa, já não mais queria ir embora do
meu lugar.
Mas
como tinha em mãos minha passagem de ida ate a cidade vizinha e era de onde eu
também já havia comprado a passagem de trem para cidade de São Paulo capital.
Naquele
tempo ainda existia trem de passageiros, hoje creio que nem mesmo os trens da
companhia Votorantim existem mais, acho que agora eles transportam o cimento e
cal somente em caminhões e carretas.
Continuei descendo a Rua Comendador um
pouco triste por deixar minha terra natal, por outro lado tinha esperança de
tanto ouvir falar que a capital dava muito emprego e com isso organizaria minha
vida, poderia então ter um futuro pala frente.
Sempre
fui um homem simples e muito acaipirado, pois nasci em uma roça e era muito
acanhado, nunca fui de muita comunicação, se as pessoas puxassem uma prosa eu
até que permanecia conversando.
Tomei
o ônibus da aviação Nossa Senhora de Lurdes uma empresa muito antiga, seus
ônibus ainda eram daqueles de bico, sentado naquele banco seguia olhando toda
paisagem ao redor e como aquilo ficou gravado em minha memória.
Uns
quarenta minutos mais ou menos gastavam a viagem, pois a estrada ainda era de
terra, com isto havia muitos buracos e costelas de vacas, que fazia com que o
ônibus vibrasse por todo ele, aquela viagem de vinte e seis quilômetros nunca
terminava.
Por
volta das seis e meia chegamos ao destino, desci do ônibus na parada mais
próxima da estação do trem e andei por uns cinco minutos mais ou menos até a
entrada, onde havia uma roleta tipo cruz.
Ao atravessar a roleta deu-me uma
tristeza profunda e comecei por ficar um pouco enjoado, como que se tivesse
comido alguma coisa que estava estragado.
As
duas malinhas tipo caixote naquele momento pesavam para uns cem quilos,
arrastei-as até o banco e fiquei sentando, olhando para um lado e outro, foi
então que sentou a meu lado um senhor de cor escura e me disse, esta indo para
onde, meu rapaz?
Vou
para a capital paulista.
Vai deixar tua terrinha de interior em
busca de alguma vida melhor?
A,
eu pretendo, aqui as coisa não estão bem!
Sabe
meu rapaz eu moro perto de São Paulo e fui parar ali em mil novecentos e dez e
vivo uma vida boa, mas não consegui muita coisa, tenho uma casinha, uma esposa
e duas filhas e agora vivo pelo interior vendendo produtos para lavouras.
Com
o que ganho sustento minha casa e minhas filhas nos estudos, por isso ainda
vale a pena estar na luta, mas te digo tem que dar muita sorte para se sair bem.
Cinco para as vinte horas. o apito do
trem soa, e ele vai se encostando à estação, como minha passagem era de
segunda classe eu não mais vi aquele senhor.
Ajeitei-me
naquele banco duro, colocando uma das malas de encosto, para que eu pudesse
colocar a cabeça, o trem da o apito e parte.
Ainda
antes de sai da pequena cidade, eu ainda vi muitos festejando a vitoria do
Brasil, ao sair da cidade começou ficar tudo escuro somente às luzes do trem
dava o claro, eu havia levado um livrinho de bolso, comecei a ler. Como
aquela claridade não era forte o suficiente minhas vistas começou doerem então
o guardei e me encostei-me à mala, quem sabe dormiria, pois a viagem era de
doze horas.
Na próxima parada em outra cidadezinha
entrou duas moças e um rapaz, uma das moças veio em minha direção procurando
seu lugar, pois eram todos numerados e meu banco era o cinquenta e três e o
dela cinquenta e dois, chegando perto a mim, disse.. Sei que você esta
confortado, mas tenho que me sentar.
Pois
não, levantei-me e tirei a mala do banco, ela devia de sentar do lado do
corredor, mas pediu-me se dava para deixá-la sentar-se do lado da janela.
O
que tinha demais, eu pensei, a viagem então prosseguiu, nem eu nem a moça
tinhamos assunto.
Deveria
ser umas vinte e duas horas quando o bilheteiro me chamou para mostrar-lhe a
passagem, acho que tinha cochilado um pouco, dormir de fato ainda não, porque
ainda era cedo para isso, entreguei-lhe a passagem e olhei para a moça que
estava lendo uma revista.
Ela me olhou também e sorriu, foi
então que percebi o tanto que aquela mora era bonita.
Ela
também entregou a passagem para o bilheteiro que as picotou nos entregando indo
para os passageiros da frente, depois de certa distancia em que ele já estava à
moça percebendo que não ia escutá-la me disse.
Não
sei para que isso se ao entrar-mos já mostramos a passagem, é só para acordar
quem esta dormindo, você estava não estava?
Não
sei acho que sim, passei por uma madorna.
Você
esta indo para ode?
Estou
indo para São Paulo e você?
Eu
também!
Você
mora lá?
Agora
sim, sou de Tambaú estou morando e trabalhando em
São Paulo, você também mora lá.
Ainda
não hoje é minha ida, quero arrumar um emprego e moradia.
A
então você esta indo a caça de coisas melhores?
Pretendo!
Olha,
se você quiser passo lhe o endereço de uma pensão perto de onde eu moro, foi o
primeiro lugar que morei é de uma senhora muito boa e é barato.
A,
quero sim, não tenho muito dinheiro mesmo e sei que no começo não vai ser fácil.
Com
isso nossa conversa dourou praticamente toda a noite de viagem nem mais
percebia o quanto estava ansioso, sei que lá pelas cinco horas da manhã eu e
ela já estávamos nos garfando entre os dois bancos.
E
que beijo a moça tinha, um calor dentro de mim percorria pelo corpo todo, se
não fosse dentro daquele trem, creio que acontecia até mesmo sexo.
Talvez
fosse porque eu nunca em minha vida havia namorado ou mesmo estar com uma
mulher, com meus dezessete anos para dezoito eu era completamente virgem e
ainda iria ficar por muito mais tempo pela frente.
Oito e vinte cinco daquela segunda
feira do ano de mil novecentos e setenta, o trem apitava e parava na estação da
luz em
são Paulo aonde
eu e aquela moça descemos e ela me ensinou o caminho para ir até a pensão da
senhora Cleuza.
Como
fui burro meu Deus não peguei o endereço da moça e nem o nome dela.
Chegando
à pensão a senhora Cleuza me atendeu de uma forma encantadora.
Alojei-me
no quarto destinado a mim e por sorte fiquei sozinho, pois ali tinha quarto de
dois e três homens juntos.
O resto da segunda-feira eu passei por
ali mesmo, descansei da viagem e na terça-feira sai bem cedinho procurando
emprego, devia ser umas quatro horas da tarde quando em uma construtora arrumei
serviço de servente e eu já ía começar no outro dia, estavam apertados com a
entrega por isso contrataram-me.
Trabalhei
o resto da semana, mas com aquele pensamento porque não perguntei o nome da
moça e nem o endereço peguei, pois tinha encontrado dentro daquele trem a coisa
mais bonita que já tinha visto e estado.
Trabalhei naquela construção por três
meses e de lá acompanhei a firma para Osasco, onde iríamos construir uma
tremenda mansão para o prefeito da época, então passei a morar dentro da obra,
assim ficava um pouco mais barato e eu pensava em juntar dinheiro para que
quando eu retornasse a minha cidade natal, poderia montar um negocio qualquer.
Mas,
a coisa pior das quais eu iria fazer seria naquele sábado daquele ano, devia
ser umas duas horas quando o companheiro de trabalho, por apelido de pistolinha
me fez um convite, para ir - mos a noite em uma festinha de casamento na vila
Prudente.
Como
eu não saio nunca, então porque não ir, já fazia quase seis meses que estava
fincado dentro do trabalho e nem a rua praticamente não via.
Chegamos por volta das vinte e uma
horas na festa e estava um festão, muita bebida, muita musica uma grande
animação, comecei por beber cerveja sem parar e depois tomei umas cubas, com
isso peguei uma fagueira danada.
Como
da vila prudente ate Osasco ao tinha ônibus para ir embora , lá pelas duas da
madrugada chamei um taxi e pedi ao taxista para me deixar no centro, sei que
desci na avenida São João e dali cheguei nem sei como ate um prédio naquele
miolo de cidade, me lembro que foi ali naquele prédio de prostituição que
deixei de ser virgem.
Nem
sei como fui parar em meu quarto na obra, sei que acordei às quatro horas da
tarde com uma ressaca e com a garganta como se tivesse engolido um sapo.
Na segunda perguntei ao meu
companheiro de trabalho se fiz alguma coisa errada na festinha, ele disse que
ate a hora em que ele estava por perto não.
Ainda
bem, fiquei mais aliviado com o que ele me disse, pois dizem que quando se está
bêbado demais a pessoa não raciocina direito.
E
como eu não bebia nunca, poderia ter feito alguma coisa errada.
Durante mais dois meses e meio
trabalhei ali em Osasco e depois fomos para o bairro Brás de São Paulo reformar
um apartamento, sei que não podia ficar no apartamento por isso aluguei uma
vaga ali perto, sempre juntando um pouco de dinheiro da sobra.
Pois
minha idéia sempre foi que quando voltasse para minha cidade eu não ia mais
trabalhar de empregado.
Sempre
contei com isso!
Ali no Brás passei sair um pouco mais,
principalmente dia de sábado, sempre dava umas voltas para tomar uma cervejinha.
No
dia quatorze de maio, como era sábado; eu resolvi dar uma volta um pouco mais
cedo no centro da cidade, pois sempre gostei de um bom filme e naquele sábado
iria assistir o Vento Levou na Avenida São João.
Então
sai a pé, pois não ficava tão longe assim e mesmo que quisesse tomar ônibus não
dava certo, a maioria parava na Praça Dom Pedro e teria que andar do mesmo
jeito.
Fui
a pé mesmo e chegando a Praça da Sé avistei sentadas em um banco duas moças, eu
notei que uma dela era a moça do trem, não me contive e me aproximei, e a minha
surpresa foi grande, ela levantou se e me deu um beijo depois me apresentou a
amiga.
Conversamos
um pouco e disse que estava indo ao cinema e fiz o convite, ela me disse só se
eu fosse levá-la em casa após o cine.
Como
dizer não, pois eu estava tão feliz em reencontrá-la, sei que sua colega não
quis ir ao cinema com a gente, ela disse que ira encontrar com seu namorado.
Foi
uma das melhores passagens de minha vida aquele sábado, encontrei com a moça do
trem e ainda iria assistir ao filme, como me senti feliz.
Durante o filme sei que nem prestei
muito atenção no filme, somente anos depois é que foi assistir novamente na
televisão foi então que entendi a história do filme.
Naquele
dia praticamente estava somente encantado com o reencontro e nem liguei para o
filme, não sei se com a moça do trem acontecia o mesmo, sei que ali travamos
uma luta de beijos e caricias e neste dia então partimos dali para um hotel bem
no centro da cidade e foi onde fiz minha melhor relação sexual ate hoje.
Fui
levá-la em casa depois e com isso continuamos a nos encontrar sempre e passado
mais de seis encontros foi que perguntei o nome da moça do trem e descobri que
ela se chamava Mariane e também ela ficou sabendo do meu nome, foram grandes
risadas, já estávamos praticamente sendo namorados e foi naquele encontro que
nos apresentamos de verdade.
Antes
não tivéssemos nos apresentados um para o outro, mais três encontros e em um
sábado fui buscá-la e não mais encontrei, tinha se mudado e ninguém me soube
dar noticias.
Mariane a moça do trem sumiu e eu
voltei para minha vida de sempre, então comecei a ir a salão de forro ali mesmo
no Brás e em outros,
Do
Brás fui para a Mooca trabalhar e residir em um quarto de porão, sete meses se
passou e em um sábado fui para o Som Brasil dançar e assistir o cantor Barros
de Alencar.
Neste dia vi uma moça sentada em uma
cadeira bem próximo ao palco, mas como a claridade do ambiente era fraca
não dei por conta que era a Mariane a moça do trem e nem percebi que ela estava
grávida.
Eu
e meu companheiro estávamos sentados em uma mesa bem no fundo do salão, pois
ele dizia que se ficássemos no fundinho do salão era melhor para ficarmos com
as garotas.
Aquele
sábado estava difícil ate às duas e meia da madrugada eu ainda não tinha
conseguido ninguém para ficar ou mesmo sentar a mesa conosco.
As três já para terminar o baile eu
resolvi ir ao banheiro e como tinha que passar perto ao palco ia então dar d
encontro com a moça do trem, minha surpresa era mesmo Mariani e ainda grávida,
cumprimentei-a.
Ia
saído, quando ela me disse você não me conhece mais, bem o que poderia dizer,
vi você sentada com seus amigos e achei que esta casada por isso eu não cheguei.
Mandou
me sentar, dizendo que queria falar comigo.
Sentei-me
e perguntei você casou?
Não!
E é por isso que quero falar com você.
Eu
estava um pouco chumbado e não estava entendendo o que ela falava, alem do mais
o som estava muito alto.
Sei
que ela me disse que não tinha casado e estava grávida de mim.
Achei
aquilo uma coisa maluca na hora, estando tonto, nem liguei para o que disse, e
ela me disse uma única coisa se você não quer não vai ter, levantou se, saindo,
e eu voltei para minha mesa.
Fiquei em
São Paulo por
mais dois anos, continuei juntando a grana que pretendia trazer para minha
terra quando voltasse.
No
dia vinte e seis de setembro de mil novecentos e setenta e nove, sai do
trabalho e fui ao largo da vila Prudente sacar minha poupança para que na
segunda bem pela manhã eu voltasse para minha terra natal.
Depois
de cinco anos trabalhando como burro de olaria, agora iria voltar e tentar
montar o de meu.
Retirei
o dinheiro do caixa e fui um pouco mais feliz para o porão onde morava como ia
viajar na segunda pela manhã já tinha comunicado com o senhor dono do quarto
que era até no domingo que iria ficar ali.
Como
que para uma despedida da capital, sábado fui comprar alguns presentes para
trazer, então deixei o restante do dinheiro na mala já pronta para viagem.
Comprei
o que tinha de comprar e deixei um restinho de dinheiro no bolso, chegando a
casa foi minha tristeza, entraram lá e arrebentaram minha mala e levaram todos
meus cinco anos de trabalho e suor.
Ainda
mais triste fiquei, mas como havia prometido a mim mesmo que não mais iria
ficar ali em
São Paulo na
segunda parti para minha terra.
E
desde então estou até hoje, mas sempre me lembro de tudo que aconteceu, fico
imaginando se não seria melhor eu ter assumido a criança daquela barriga da
única mulher que amei.
Depois dos fatos acontecidos nunca
mais dei sorte na vida, estou agora com uma idade já avançada e nem mesmo uma casa
pra terminar meus fins de dias tenho.
E
como gostaria de saber a verdade, se aquela criança que estava para nascer era
meu mesmo, como fui infeliz depois daquele sábado, que Mariani a moça do trem
me disse que ia ser pai e não arquei com a responsabilidade de um homem.
Naquele
tempo não tinha DNA, mas poderia ao menos acreditar naquela mulher que fui
minha única paixão, meu único amor.
Era
muito jovem por isso acho que não quis arcar com o que me foi dito, ainda mais
que estava bêbado como gambá, porque não tentei procurá-la no outro dia, minha
felicidade ficou dentro daquele clube.
Minha vida poderia ter mudado tomado
outro rumo, mas por Deus eu não quis ferir ninguém em toda minha vida, agora
sei, em toda minha vida creio que fui uma bagaceira, fui o verdadeiro fracasso.
Pego
minha imagem de jovem em meus pensamentos e faz com que eu me sinta o pior dos
homens.
Como
queria que o passado voltasse para que eu tomasse outro sentido na vida e não
mais viver com este sentimento de culpa, culpa que me faz tanto sofrer.
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