A ocupação do Sul de Minas.
A região fronteiriça com o Estado de São Paulo, que
hoje compreende o sul de Minas Gerais e onde se situa a cidade de Cássia, foi
descoberta em meados do XVIII, quando se descobriu ouro nas regiões dos rios
Sapucaí e Verde.
Antes da descoberta oficial das minas de Cabo Verde
, assim como de outros centros de mineração no sul de Minas , aquela região já
havia sido explorada pelos paulistas em suas entradas e bandeiras e atraído
moradores que se aglomeraram e criaram povoados. Um histórico sobre a cidade de
Campanha (3) relata a existência de um “… quilombo imenso, formando vários
povoados…”, que “… ficava entre o rio Grande e o rio das Mortes, no ponto onde
existe hoje Jacuhy…”. Sobre a existência deste quilombo, que foge dos modelos
tradicionais, o autor comenta:
“Fugindo dos impostos os brancos e aos senhores os
escravos, formaram-se dessa liga de rebelados contra as tiranias daquele tempo
alguns povoados, que se foram desenvolvendo aos poucos”.
Enquanto
uns mineravam, outros cultivavam gêneros necessários à vida. O ouro extraído
era levado em contrabando para a capitania de São Paulo, pela estrada aberta
anteriormente pelos bandeirantes, dos quais muitos desses infratores eram
descendentes. ““
Campanha
era um desses povoados, e o ouro ali descoberto já havia atraído moradores bem
antes de 1737, quando o ouvidor de São João d’El Rey, Cypriano José da Rocha,
chegou até lá e fundou oficialmente a localidade, “… realizando a repartição
legal das terras, mandando construir casas para a Intendência, tornando a
localidade conhecida e reconhecida,… abrindo a estrada que a pôs em comunicação
com a cabeça da comarca…”.
A
descoberta de ouro nessas localidades do Sul de Minas gerou uma grande
controvérsia entre Minas Gerais e São Paulo acerca do marco divisório entre as
duas capitanias, questão essa que decidiria para quem ficariam os impostos ali
extraídos (7). Esta discussão durou quase dois séculos, sendo que o acordo
final somente foi alcançado no governo de Getúlio Vargas, em 1936.
Conforme
os relatos de Campanhole (1979:57) foi o paulista Pedro Franco Quaresma quem
primeiro devassou a região e quem na verdade descobriu o arraial de Jacuí, em
1755. Antes, porém, da viagem de Luis Diogo Lobo da Silva a Jacuí, em 1764,
quando se determinou a posse desse território à província de Minas Gerais.
Como
que alheios a toda controvérsia entre os governantes das duas capitanias,
viajantes, atraídos pelo ouro e pelas terras férteis, procuravam a região,
abriam novos caminhos, apossavam-se de terras, derrubavam as matas e criavam
povoados.
Jacuí,
onde também se descobriu o ouro de aluvião, foi-se transformando em posto de
guarda dos interesses mineiros e centro econômico-administrativo de toda aquela
região sul - mineira. Esta cidade, assim como Campanha, era caminho para os
vários pontos do sul de Minas. E foi através dela que a região de Cássia passou
a ser conhecida.
Em
alguns relatos sobre a origem de Cássia, há referências à região, então
conhecida por “Sertão do Rio São João”. Esta se refere a todo o sertão de Jacuí
que abrangia Cássia e outros povoados como Passos e Ibiraci
Em
outros relatos sobre a origem de Cássia, é comum também a referência a um
“pouso de tropeiros e boiadeiros”, como núcleo fundador da cidade.
No
entanto, por volta de 1750, era ainda um simples pouso e somente um século
depois se transformaria em pequeno arraial, berço da atual cidade de Cássia.
A
existência desse pouso deve-se à grande procura da região e ao intenso afluxo
de viajantes que chegavam até ali atraídos pelo ouro. Os paulistas, em suas
andanças pelos sertões, exploraram toda a região e com certeza passaram por
Cássia em direção aos novos descobertos. Toda a questão da demarcação das
divisas entre Minas Gerais e São Paulo também atraiu a atenção para a região de
Cássia, pois ela está situada bem próxima à divisa finalmente firmada pelo
acordo de 1936.
Este
“pouso” constituía uma passagem para aquelas regiões do sul de Minas e para São
Paulo, uma paragem no meio do caminho daqueles sertões. Nesse sentido, era um
“pouso de tropeiros”, como descreve José Alípio Goulart em seu livro “Tropas e
Tropeiros na Formação do Brasil” (1961), e não ainda um pouso de boiadeiros.
Esse, só existiu em meados do século seguinte, quando a região de Cássia passou
a ser verdadeiramente conhecida, ocupada e explorada.
No
século XVIII, era comum a utilização de tropas de muares, quando não existia
outro meio de transporte entre as regiões do Brasil. Estas tropas tinham o
papel de “… carrear riquezas para a orla marítima – a princípio produtos
minerais e depois produtos agrícolas – e refluir transportando o que fosse
necessário àquelas cidades interiorizadas…” (Goulart, 1961).
Zemella
também descreve o tropeiro como “… agente por excelência do comércio com as
Gerais…”, salientando o papel que tiveram na fixação dos núcleos urbanos.
Enfatizam o papel determinante dos ranchos de tropeiros como pontos iniciais de
povoamento, superando as capelas e igrejas. A existência dessas, em geral,
acompanhava a localização dos pousos.
Com o
tempo, a “rústica palhoça”, de que se constituíam os pousos, transformava-se em
“rancho”, quando já havia desenvolvido o povoamento do local (Goulart, “Fincado
o pouso, logo surgia nas suas imediações um ou outro morador, erguendo palhoça,
acomodando criações, plantando milho, e passando a negociar com os homens das
tropas que ali pernoitassem”.
Prosperando,
montava venda, abastecia-se melhor e começava a nascer um povoado. De progresso
em progresso, a população crescia, o casario aumentava até chegar mais tarde a
fincar “pelourinho”… (Goulart.
De
“Pouso de Tropeiros” à Cidade*
Em
princípios do século XIX, depois que as minas de ouro se escassearam,
provocando um intenso êxodo das regiões auríferas, toda a zona limítrofe a São
Paulo foi povoada e ali tiveram início às atividades agro-pastoris (Campanhole,
1978:37). O sul de Minas “… por possuir vários campos e terras férteis, foi
todo ocupado por fazendas de criação, nos vales do rio Grande, rio das Mortes,
Sapucaí e Verde” (Pádua. Nestes vales, começaram a se praticar o pastoreio de
forma intensiva, devido às grandes extensões de terras. O gado veio substituir
o ouro e passou a ser o centro em torno do qual girava toda a vida econômica e
social de pequenos povoados daquelas redondezas.
Cássia,
situada no vale do rio grande, foi um desses povoados. Com o passar dos anos, o
antigo “pouso de tropeiros” foi aos poucos recebendo à sua volta moradores
fixos até se transformar em pequeno arraial. E a região de Cássia, outrora uma
“… paragem coberta por matas virgens, seculares, que formavam uma vasta
floresta foi aos poucos sendo substituída por grandes pastos para a criação de
gado.
Consta,
em escritos sobre a cidade, que o pouso de tropeiros – núcleo fundador do
povoado – situava-se no meio do caminho de uma estrada para carros de bois que
ligava Bom Jesus dos Passos (Passos) a Dores do Aterrado (Ibiraci). Na “praia”
– local do antigo pouso – em pouco tempo se realizariam vultosos negócios de
gado, e o pequeno arraial se transformaria em um dos mais importantes mercados
de gado do sul de Minas.
Antes
disso, entretanto, houve todo um processo de ocupação da região verificado
durante a primeira metade do século XIX. João Pimenta de Abreu foi quem
primeiro investiu no devassamento do território de Jacuí, passando por Passos,
em direção a Cássia, para a conquista de terras.
“A
expansão territorial da Capitania, que foi característico da segunda metade do
séc. XVIII, quando se verificou o esgotamento das minas de ouro, prolongou-se
pelos princípios do século XIX. É assim que o mateiro João Pimenta de Abreu se
enfurnou pelos sertões de Jacuí, aí se fixando. João Pimenta de Abreu adquiriu
certa extensão de terras e apossou-se de outro tanto, que ainda não tinha dono;
tornou-se grande proprietário. Além de camaradas, possuía boa leva de escravos
para os trabalhos de sua incipiente fazenda”. Algum tempo depois, teve que ir a
Jacuí; desnorteou-se pelo caminho, em meio a matagal fechado, perdendo por
completo o rumo a seguir; fizera então, a promessa: se saísse bem daquela
dificuldade, separaria de suas terras uma gleba, a fim de constituir o
patrimônio de Bom Jesus dos Passos, justamente a invocação a que se habituara,
desde a Infância….
Também
Cássia teve seu patrimônio por legado de fé
Quando,
em 1844, quatro fazendeiros – Manuel Lourenço da Cunha, José Diogo Carrijo da
Cunha, João Batista da Cunha e Roque Portes Vieira – doaram uma gleba
de 18 hectares de terras para a formação do Patrimônio de Santa Rita
de Cássia, o pouso de tropeiros já havia atraído à sua volta moradores fixos, e
um pequeno arraial ali se constituíra. O arraial era povoado por pequenos
sitiantes que, atraídos pelo pouso à beira do caminho, apossaram-se de pequenas
glebas de terras e ali construíram suas casas, plantando para a subsistência.
Esses quatro fazendeiros já habitavam a região como primitivos posseiros, pois
as grandes extensões de terras ao redor do arraial foram sendo progressivamente
apossadas, transformando-se em grandes latifúndios.
O
levantamento de uma capela em homenagem a Santa Rita se deu em 1846 e foi ela
“… um dos elementos aglutinadores do povoado. Ponto obrigatório de reunião da
gente rural fixada em suas vizinhanças”. Essa capela teve o papel de reunir em
torno de um mesmo culto e de uma mesma fé aquela gente do nascente povoado. Em
torno disso se formava o sentimento de fazer parte de uma mesma localidade. A
capela foi erguida no alto da colina, “… um pouco acima da atual igreja matriz,
porém com sua frente em sentido contrário”, voltada para a “praia” – lugar de
grande espraiado, na confluência dos dois córregos que se juntam dentro da
cidade – onde os primeiros moradores do lugar edificaram suas casas.
Hoje a
entrada da igreja volta-se para o norte da cidade, para o centro e suas praças
centrais, deixando atrás de si, ao sul, a “praia” e o passado. Pouco a pouco, a
igreja matriz foi sofrendo sucessivas reformas, entre as quais se encontra a
mudança da entrada da Igreja, ajudam a ordenar o espaço urbano e o mundo social
de modo a simbolizar um novo tempo: o domínio dos coronéis.
De 1840
a 1870, houve uma intensa corrente migratória para toda aquela área
circunvizinha a Cássia. Migrantes de vários cantos do país chegavam à região,
compravam terras dos primeiros possuidores e ali se instalavam. Com a grande
procura pela região, Passos transformou-se em palco de muitos conflitos,
suscitado por questões de repartições e invasões de terras, o que provocou uma
grande procura de terras em Cássia por parte de moradores da cidade de Passos
comprou em volta do arraial de Santa Rita de Cássia um grande latifúndio. Eram
eles: o Barão de Passos (Jerônimo Pereira de Melo e Souza), o Barão de Cambuí
(João Cândido de Melo e Souza), Domingos Pimenta de Abreu e Manuel Pinto dos
Reis. Esses dividiram o grande latifúndio em quatro partes e “… cada qual
erigiu na parte que lhe coube uma sede”.
Esses
quatro fazendeiros levaram consigo outros fazendeiros – amigos e parentes –
para ocupar com eles as vizinhanças do lugar. Em Passos, eles já eram grandes
proprietários e negociantes de gado e, chegando à Cássia, foram os principais
iniciadores da atividade de engorda de bois.
Pádua
(1977), em seu estudo sobre a arquitetura rural de Cássia, mostra-nos que
algumas das mais antigas propriedades rurais do município foram construídas
entre 1852 e 1857, e que seus proprietários possuíam estreitos laços de
parentesco com as quatro famílias de Passos que ali compraram o grande
latifúndio. Estas fazendas já foram montadas, tendo em vista a criação
extensiva do gado. Caracterizava-se pela marcante presença dos currais ao lado
das sedes, mostrando o lugar ocupado pelo gado na vida econômica e social
daquelas famílias.
As
famílias desses fazendeiros formaram o tronco genealógico de numerosas famílias
cassienses. As grandes extensões de terras e as riquezas adquiridas na época
por eles foram aos poucos se subdividindo e sendo transferidas para as novas
gerações. Ainda hoje, as maiores propriedades rurais do município resultam de
heranças deixadas por esses primeiros latifundiários. Muitos de seus
descendentes – famílias tradicionais cassienses – perpetuam o poder de mando
dentro do município, muito tempo depois que o gado entrou em decadência e que o
latifúndio deixou de existir.
Ainda
sobre as propriedades rurais do século XIX, ressalta-se também a presença de
senzalas nas sedes. Essas eram pequenas, talvez, devido ao pouco número de
escravos, já escassos por aquela época. Os escravos, junto com os pequenos
sitiantes, foram os primeiros trabalhadores rurais do município. Apesar de
escassos, marcaram forte presença na vida social da cidade e deixaram numerosos
descendentes. Uma parte desses, após um longo processo de mudanças econômicas e
sociais, transformou-se nos trabalhadores rurais volantes de hoje, sujeitos de
nosso estudo.
No
início da década de 1850, quando aqueles quatro fazendeiros para lá se mudaram,
dando início à atividade de engorda de boi, o pequeno arraial era ainda um
povoado escondido no meio do Sertão. Consta em algum documento sobre a cidade
de Cássia que, apenas em 1855, o pequeno arraial de Santa Rita foi considerado
distrito do município de Passos. Neste ano, o pequeno povoado ainda se
preparava para no final de século, junto com Passos, transformarem-se em duas
importantes feiras de gado do Sul de Minas. A partir de 1865/66, época em que
se elevou à Freguesia, o incipiente povoado começa a se desenvolver. A pecuária
extensiva, a partir daí, vai cada vez mais se desenvolvendo, até poucos anos
mais tarde, comandar toda a vida econômica, social, política e cultural da
freguesia.
Para
desenvolver a atividade de engorda o boi, assim como ocorreu em Passos, aqueles
fazendeiros começaram por derrubar as matas e substituí-las pelo capim gordura
roxo – principal alimento para o gado. Como na época, havia escassez de braço
escravo, eles utilizaram então a mão-de-obra de pequenos sitiantes do lugar
(parceria e arrendamento) para á derruba das matas e formação dos pastos.
Depois de transformadas as grandes extensões de terras em pastos –
“invernadas”, chamadas na época – necessitavam apenas introduzir o boi que era
trazido dos Estados de Mato Grosso e Goiás.
“… o
sertanejo goiano e mato-grossense era quem vinham às nossas portas oferecer o
gado que os seus campos infindáveis lhes davam de ano a ano. Vinham tangendo as
boiadas, lá de longe, pacienciosos, trazendo-nos o gado para a engorda em
nossos pastos e que depois eram vendidos já com o peso, às feiras de Maxambomba
e Realengo, no Rio de Janeiro.
Essa
citação, retirada de um importante trabalho sobre a cidade de Cássia,
mostra-nos que, nos primeiros anos dessa atividade, o gado era trazido pelos
próprios goianos mato-grossenses até a nossa cidade.
Na
medida em que esta atividade passou a ser bastante lucrativa, os próprios
fazendeiros da região, “invernistas”, contratando comitivas, passaram a ir até
aqueles estados comprar o boi magro, trazendo-o para a engorda em seus pastos.
Estas comitivas eram formadas por tropas de muares, chefiadas por boiadeiros.
“…
levados pela ambição de maior lucro, os fazendeiros passavam a engajar tropas,
municiar cozinha ambulante e, entregando carteiras recheadas ao capataz de
confiança, despachava-os de encontro ao sertanejo. Assim surgiram as famosas
“comitivas”. Partiam com o frio e o pó entre junho e agosto. Voltavam com a
chuva e a lama entre dezembro e fevereiro. Aqui chegavam com a tropa frouxa, as
reses magras, os peões exaustos, cheios de fome e remendos.
Cada
comitiva chegava trazendo de 800 a 1500 cabeças de bois, e a
freguesia já se transformava em importante feira de bois magros. Nos meses de
chegada das comitivas, atraía fazendeiros e negociantes de toda a região que
para lá se dirigiam para comprar o boi magro trazido de longe.
O
comércio lucrativo de bois incentivou ainda mais o desenvolvimento da pecuária
extensiva, na região de Cássia. Essa atividade cada vez mais vai se afirmando
como a atividade predominante do município até a década de 1930, quando a
pecuária entra em decadência, e a produção agrícola do município começa a se
diversificar.
Ao
redor de toda a freguesia, vão formando-se pastos que passam a ocupar a
totalidade de suas terras e das localidades de suas terras e das localidades
vizinhas. Multiplicam-se também os “ranchos” – abrigos para as comitivas – ao
redor de toda a cidade. O principal deles, entretanto, foi o que se desenvolveu
perto do antigo pouso de tropeiros, nas “praias”. Ali, num casarão – casa do
tenente – realizavam-se os mais importantes negócios de compra de gado. O lugar
do antigo pouso e núcleo fundador do povoado continuava a ser o centro da sua
vida social.
Com a
boa qualidade do capim e com as grandes extensões dos campos (que abrigavam
de 4 a 5 cabeças por alqueire), em pouco tempo o boi magro ganhava
peso e já podia ser vendido a bom preço para os mercados consumidores. Primeiro
o boi, já gordo, era levado diretamente para os abatedouros do Rio de Janeiro.
Com a formação de um entreposto em
Três Corações –
MG tornou-se desnecessário o transporte do boi de Cássia até o Rio de Janeiro.
Levado até Três Corações, o boi gordo, destinado ao corte, era transportado em
estradas de ferro até os mercados consumidores do Rio de Janeiro e São Paulo.
A
pecuária de corte constitui-se, assim, na primeira atividade econômica dos
fazendeiros de Cássia. As grandes extensões de terras, bem como a dificuldade
de transporte para outros bens (o boi era mercadoria ambulante), foram os
principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento dessa atividade na
região.
Os
produtos agrícolas eram produzidos apenas para o abastecimento das famílias e
do próprio povoado. Era significativa a produção de cana-de-açúcar, como
podemos perceber pela existência de 27 engenhos dentro da freguesia no ano
de1874. Esses engenhos transformavam a cana de açúcar em aguardente para o
consumo da própria freguesia. O milho, plantado ao redor do povoado para
abastecer as antigas tropas de muares, continuou a ser produzido para alimentar
o porco que, assim como o boi, era exportado para os grandes mercados
consumidores. O anuário de 1909 cita, no entanto, que, em 1885, o município
cultivava café, cana e fumo em quantidade que dava para exportar. No ano de
1874, quando a freguesia ainda pertencia ao município de Passos, tem-se notícia
da exportação de uma média de 10.000 reses por ano e 1.500 porcos. Dez anos
depois, em 1884, o total de reses exportadas já havia aumentado para 15.000
cabeças ao ano.
Até
meados da primeira década do século XX, a pecuária estava basicamente voltada
para a engorda de bois magros para o corte. A produção de leite destinava-se
apenas ao consumo doméstico. Era grande, porém, a produção de queijos,
produzidos em indústrias caseiras. Também não havia ainda cria de reses. Essas
atividades só vieram a se desenvolver no município muitos anos depois, como
veremos adiante.
Interessante
assinalar também é a presença de olarias na vida da cidade, ainda no século
passado.
Cita a
construção de uma olaria na cabeceira do antigo córrego Santa Rita – hoje
córrego da Olaria, – para servir “… às primeiras necessidades de construção…”
do povoado. Atualmente o município conta com numerosas olarias, as quais servem
de importantes mercados de absorção de mão-de-obra do município.
Quando
em 1890, a freguesia foi elevada à Vila, criando o município que se
desmembrava de Passos, a cidade já se havia prosperado muito. Neste ano,
adquire dois distritos: Dores do Aterrado (atual Ibiraci) e Espírito Santo da
Forquilha (atual Delfinópolis). Com esses dois distritos, o município passa a
contar, em 1890, com uma população rural e urbana de 20.593 habitantes.
A Vila
de Santa Rita de Cássia, quando se elevou à cidade, em 1892, já possuía uma
vida econômica e social organizada. Os negócios com o gado haviam gerado a
riqueza de muitos fazendeiros, e trazido prosperidade para o lugar. A sua
população crescera, e vários serviços urbanos foram criados para atender às
necessidades da população. O movimento das comitivas atraíra migrantes de
vários cantos do país que buscavam o município, iludidos em também participar
dos vultosos lucros obtidos com o gado.
Também,
através dos negócios de gado, famílias de outras regiões passavam a se conhecer
e a formar outras famílias, ali se instalando. Novas gerações iam surgindo. Com
o fim da escravidão, muitos ex-escravos passaram a ocupar também o espaço
urbano, realizando ali toda a espécie de serviços subalternos. Os fazendeiros,
agora os coronéis do gado, também transferiram suas residências para a cidade.
A zona
urbana de Santa Rita de Cássia começa a se modificar e surgem os primeiros
bairros. A vida na cidade se complexifica.
De
Sitiantes e Escravos a “Camaradas”
Antes
da compra do latifúndio na região de Cássia, pelos moradores de Passos,
existiam ali vários posseiros. Entre esses encontramos tanto os possuidores de
grandes glebas como aqueles que doaram terras para a formação do patrimônio da
cidade, quanto os ocupantes de pequenos sítios que habitaram a região antes da
chegada das fazendas de gado.
Os pequenos
posseiros, plantando para a subsistência e vendendo os produtos de suas
lavouras em escala reduzida e de modo excepcional, com a chegada dos grandes
proprietários das fazendas de gado, foram progressivamente se transformando em
“agregados” e “camaradas”.
Brandão
(1985:18), escrevendo sobre o povoamento de Itapira, mostra como os primeiros
moradores do lugar – posseiros e sitiantes vivendo da agricultura de
subsistência – com a conquista das fazendas e a chegada dos primeiros
fazendeiros coronéis, foram expropriados de suas terras e se incorporaram às
grandes fazendas, como trabalhadores e parceiros. Esse processo ocorreu em
quase todo o Brasil, durante o séc. XIX.
Em
Cássia, desde o início da ocupação das terras, pequenos posseiros e sitiantes
também foram progressivamente expropriados, deixando dominar as grandes
propriedades privadas e a exploração lucrativa da terra. Com as fazendas de
gado, a economia de subsistência, a auto-suficiência das pequenas propriedades
e o pequeno lavrador independente, característicos do início da povoação, tende
a desaparecer, Subsiste um ou outro pequeno sitiante proprietário e surge outro
tipo de camponês: o morador em terra alheia, ou seja, o “agregado” Esses,
cultivando as terras improdutivas dos grandes proprietários e cedidas a favor,
reelaboraram o antigo estilo de vida baseado na auto-suficiência, ao mesmo
tempo em que ofereceram seus braços para os diversos tipos de trabalho como
derrubada das matas, plantio de pastos e de pequenas lavouras.
Já o
“camarada”, outra categoria social que surge da expropriação de pequenos
posseiros, perde a sua vinculação com a terra e com economia de subsistência.
Transforma-se em trabalhador livre e incorporado ao setor mercantil. O
“camarada” é o trabalhador característico das fazendas de gado, recebe salário
mensal, têm direito à posse de casa nas fazendas e de um pedaço de terra para plantio.
Muitas vezes esses “camaradas” eram os próprios meeiros ou “agregados”.
Em
Cássia, foram estes pequenos posseiros e sitiantes expropriados, “agregados” e
“camaradas”, os principais substituidores do braço escravo, após o fim da
escravidão. Muitos destes escravos, agora libertos, permaneceram nas fazendas
como “agregados” ou “camaradas”, morando em casas, ditas “colônias”,
construídas pelos fazendeiros.
Sitiantes
e “agregados” foram responsáveis pelo sistema de parceria, arrendando e meação,
cujos traços, embora modificados, ainda prevaleçam no município até os dias de
hoje. Muitos deles, após perderem seu pedaço de terra, passam a procurar a
cidade, ocupando seus espaços periféricos (bairros) e fundos de horta. Na
cidade, voltariam ao campo primeiro como “camaradas”, depois como volantes
(24). Lavradores sem terra, sem lugar nas fazendas, pobres, até hoje continuam
perambulando entre o campo e a cidade, em busca de trabalho. São eles os
principais responsáveis pelo crescimento da periferia das cidades da região e
também os principais ofertantes de serviços subalternos urbanos e rurais.
O
mercado de bois e o desenvolvimento urbano
Em
1866, o arraial de Santa Rita transformou-se em freguesia, contando apenas com “…
280 casas, na sua maioria coberta de sapé, sem ordem e alinhamento…”.
Eram
casas desalinhadas, de aspecto pobre, que nos fazem lembrar-se da Vila Dr.
Gaspar. Na década de 1970, esta Vila aparecerá como bairro periférico, em
conseqüência do desenvolvimento sócio-econômico que aí teve início.
Com a
intensificação do mercado de bois, cujo auge foi o final do séc. XIX e início
deste, aquele cenário inicial modificam-se radicalmente. A cidade vive, durante
este período, um momento de prosperidade e rápido desenvolvimento urbano.
As
cidades – fruto da mais antiga das divisões do trabalho tendem a tornar-se
autônomas e independentes do campo ou da sua região rural. Contudo, como afirma
Braudel (1970), essa divisão de trabalho entre campo e cidade nunca está
perfeitamente definida, mas sempre recomeçando. As cidades, por mais que se
desenvolvam, mantêm sempre um diálogo constante e ininterrupto com o campo.
Mas, para existirem, precisam “… dominar um império…” e colocar “… a seu termo
os mercados, as lojas, os homens de leis e suas distrações…”, passando a se
constituir o centro de toda a rede de ligações e articulações com os arredores
e sua zona rural. Em princípio, passarão para o lado das cidades os mercadores,
as funções de comando político, religioso e econômico, as atividades
artesanais, de quem o campo torna-se independente.
Todavia,
são as atividades agrícolas e pastoris desenvolvidas na zona rural das cidades
que nutrem toda a sua vida social. O campo é o principal fornecedor de
alimentos e homens. As colheitas, realizadas no campo, abastecem o município,
enriquecem-no e, muitas vezes, ditam ciclos para sua vida social. Da mesma
forma, a população pobre, vinda dos campos, torna-se responsável pelo seu
crescimento e pelos trabalhos subalternos que ali se realizam.
No
caso de Cássia, no início deste século, o gado ainda constituía razão de ser da
cidade, e a “praia”, continuava sendo o seu ponto mais movimentado. As
comitivas ainda traziam numerosas cabeças de bois, para serem negociadas ali.
Até
1906, as boiadas ainda transitavam dentro da cidade, marcando com a presença
física a sua importância na vida social do lugar.
“O
Cel. João Cândido de Melo e Souza, chefe do executivo, aos 20 de julho de 1906,
proibiu o transporte de gado pelo perímetro urbano. Construiu, então, ao lado
da cidade, a estrada para boiadas deixando de transitar pelas ruas da cidade,
cerca de 70 a 80 mil rezes por ano.
Esta
estrada, fora do perímetro urbano, e hoje destituída de sua função, passa por
detrás da Vila Dr. Gaspar e é conhecida pelos moradores da cidade como
“corredor de boiadeiros”.
Com
aquele ato, talvez a cidade e sua classe dominante estivessem expressando um
desejo de banir dela o gado e desvincular-se para sempre o campo e o passado.
Entretanto, a cidade teve que conviver com a desordem, a sujeira e os estragos
provocados pela presença do gado. Ainda, havia forasteiros, os criminosos, as
prostitutas e miseráveis que contribuíam, além da desordem, com perturbações.
Estes marginalizados, contraditoriamente, são responsáveis pelo seu crescimento
e desenvolvimento.
No
tempo das águas, quando as comitivas voltavam dos sertões, trazendo, as
boiadas, a vida na cidade se transformava. O comércio local se intensificava,
atraindo numerosos migrantes. Ao terminar esse ciclo sazonal, marcado pela
pecuária, estas pessoas, atraídas permaneciam na cidade à espera do próximo ano.
Marcado
desde o início o fluxo migratório e a vida social na cidade, esta sazonalidade
vai se repetir mais tarde, quando o aparecimento da cultura do café. A cidade,
então, viverá dois momentos: o da safra e o da entressafra.
Impossível
então se desvincular do campo, já que as pequenas cidades do interior, como
Cássia, dependiam (e dependem) das atividades agro-(pastoris).
Ao
caracterizar as cidades do ponto de vista econômico, Max Weber (1976) ressalta
o fato de elas não dependerem da agricultura, mas sim da indústria ou do
comércio. Para ele, o que caracteriza a fundação das cidades é a existência de
um intercâmbio regular de mercadoria na localidade, através do qual a população
satisfaz uma parte economicamente essencial de sua demanda diária, sendo que
outra parte, também essencial, mediante os produtos que os habitantes da localidade
e povoação dos arredores produzem ou adquirem para colocá-los no mercado. Para
ele, a cidade é essencialmente um lugar de mercado.
O
desenvolvimento de uma vida urbana, todavia, só foi possível devido o
desenvolvimento da pecuária extensiva que extrapolou sua área rural. É como
mercado de bois que a cidade vive durante esse período a sua “idade de ouro”.
No ano
de 1907, já existem na cidade 600 prédios, 2 cadeias, 3 igrejas, 6 ruas
principais, 10 travessas e 6 largos. Estes dados nos dão uma noção de como a
cidade foi modificando aquele cenário inicial e diversificando o seu espaço
urbano. Esses anos do princípio do século constituíram-se nos áureos tempos da
história da cidade. Neiva Andrade (s/d) descreve com minuciosidade os
principais serviços e melhoramentos, os acontecimentos políticos, sociais e
religiosos, verificados no período, atestando uma nova fase na vida social da
cidade.
Nesta
época, Cássia contava com mais dois distritos:
Garimpo
das Canoas – atual Claraval – e Dores da Ponte Alta, atual Babilônia. O
município, incluindo os distritos (28), contava em 1907 com uma população total
de 27.500 habitantes, assim distribuídos:
Santa Rita de Cássia – 10.000
Dores do Aterrado (Ibiraci) – 8.000
Garimpo das Canoas (Claraval) – 4.500
Espírito Santo da Forquilha (Delfinópolis) – 4.000
Dores da Ponte Alta (Babilônia) – 1.000
A incorporação dos novos distritos, assim como a
imprecisão dos dados referentes aos anos anteriores, dificulta avaliar
numericamente o crescimento da cidade e do município durante estes anos. Além
disso, os dados referentes à população dos distritos e da sede não diferenciam
a população rural da urbana.
A
presença de duas cadeias atesta a necessidade de um controle repressivo sobre a
população da cidade que, neste período, viveu momentos de grandes perturbações.
“… o centro de boiadeiros que aqui se formou tornando a cidade uma das
principais feiras de gado do sul de Minas atraía indivíduos de todos os pontos
do sertão bravio e rude, e assim, de 1880 a 1920 mais ou menos, a
cidade enfrentou uma onda de crimes, assaltos e barbaridade…
Há
vários relatos de assaltos, crimes e toda espécie de violência e
arbitrariedades neste período. No fim do século, a cidade era como faroeste,
com coronéis, capangas e forasteiros defendendo seus interesses particulares e
competindo entre si e com a lei pelo poder de mandar na cidade. Neste tempo, as
diversões eram “… casas de jogos, bailes de prostituição, reuniões públicas de
deboches, cateretês, batuques…”, onde se podiam assistir sempre às cenas de
tiros, facadas, prisões ilegais, espancamento de presos, soldados ébrios.
Foi
neste clima, porém que a cidade se enriquecera, dando condições para a formação
de “… uma verdadeira aristocracia rural, endinheirosa e destemida…”. Sobre esta
sociedade, Passos Mais, em seu livro “Guapé” descreve:
“Essa
sociedade em formação – misto de burgueses e aventureiros, que de toda a parte
acorriam attrahidos pela riqueza daquelas paragens, era verdadeiramente uma
reedição da sociedade contemporânea dos bandeirantes, em que o fascino das
descobertas auríferas seduzia e polarizava indivíduos de todo jaez. No meio
dessa gente turbulenta, onde os conflitos se sucediam diariamente, vivia um
elite abastada, culta e honrada, como na’àquellas priscas éreas da guerra dos
Emboabas viveram, em Minas, as mais nobres estirpes da genealogia paulista.”
(Maia, 1965:130).
Esta
elite constituía a classe dominante local, enriquecida com as grandes
propriedades rurais, a pecuária e o comércio de bois. Concentrando atividades e
oferecendo serviços, a cidade passa a contar com novos segmentos sociais. Ao
lado desta classe endinheirada, desenvolve-se uma classe média formada por
comerciantes, artesãos e funcionários, dependentes das trocas que se realizam
no mercado urbano e um aglomerado de pobres. Esses últimos lavradores vindos em
sua maioria do campo, transformam-se na cidade em biscateiros, jardineiros,
domésticos – casos de muitos ex-escravos – e outros conseguem melhor sorte: são
pequenos artesãos e donos de pequenas vendas. São eles os principais ocupantes
dos espaços periféricos que começam a surgir com o crescimento da cidade. A
população rural passa a buscar constantemente a cidade, da qual se tornou
dependente. Busca vender e trocar seus produtos no comércio local e utilizar os
diferentes serviços sociais e religiosos ali oferecidos. É atraída pelas suas
festas, que, nesta época, eram fundamentalmente religiosas e contavam com
grande participação popular.
A
Cidade e os Coronéis (Principais bairros e suas peculiaridades)
Aquela
cidadezinha de vida pacata e atrasada do século passado foi se estruturando
socialmente, deixando marcas no espaço urbano que expressam suas novas relações
sociais. Crescendo, começa a desvincular-se da “praia”.
“Iniciada
na rua da praia, que foi o seu núcleo primitivo o pequeno aglomerado estendeu
se à rua do comércio (Helena Guerra – Hoje 7 de setembro) atingindo a Wenceslau
Braz (Paulo Gama) na parte baixa da cidade.
Em
direção sudeste, a pequena povoação se estendeu para a Rua dos Peixotos (Delson
Scarano) que dava saída para São Sebastião do Paraíso. Foi então, lentamente se
estendendo em direção à Rua Belo Horizonte, à rua cel. João Cândido (São José)
subindo em direção à caixa d’água. Poucas casas existiam na rua da liberdade e
nas travessas do corpo central da cidade, sendo muito numerosos os espaços
vazios. As ruas eram maltratadas e as casas sem alinhamento. Assim “chegamos
aos alvores de um novo século…”.
A
partir da Rua dos Peixotos, começa a surgir ainda nas proximidades da “praia”,
o bairro dos Peixotos. Situando-se no sudeste da cidade, hoje um dos caminhos
para a Vila Dr. Gaspar, esse bairro contrariou a tendência de crescimento
seguido pela cidade neste período.
Inaugurando
o novo bairro, ali foi construída em 1895 uma capela de Santo Antônio e um novo
cemitério, no final da Rua dos Peixotos. Em frente ao cemitério, encontramos a
Av. Esmeralda, no bairro Santa Maria, principal acesso à Vila Dr. Gaspar.
A
tendência de crescimento da cidade, no entanto, foi estender suas ruas rumo ao
norte, em direção à caixa d’água, onde atualmente encontramos o bairro
Patrimônio. No final do século, quando ainda não existia esse bairro, ali
podíamos encontrar um ou outro rancho de boiadeiros. Vendo fotografias antigas,
encontramos apenas caminhos de carros de bois no meio do pasto. Nesta época e
por muito tempo ainda, o atual bairro era a principal via de acesso a alguns de
seus distritos como Delfinópolis e Ibiraci.
Por
muitos anos, a tendência de crescimento seguida pela cidade continuou sendo da
“praia” em direção à caixa d’água. Neste sentido, cresceram três ruas compridas
e paralelas: a Paulo Gama, da Liberdade e a Cel. Saturnino Pereira, chamadas
pelos moradores da cidade respectivamente “rua de baixo”, “rua do meio” e “rua
de cima”. Como é grande a distância entre a “praia” e o atual bairro do
Patrimônio, o preenchimento dos espaços vazios e perpendiculares a essas três
ruas levou muitos anos.
As
Ruas Belo Horizonte e Cel. João Cândido ligavam a “praia” ao local da primeira
capela construída na cidade, no alto da colina. A Rua Belo Horizonte finda seu
pequeno percurso ao lado esquerdo dessa capela, e a Cel. João Cândido, no seu
lado direito.
“A
população galgou então as encostas da colina e foi expandir-se ao longo desta
capela, surgindo então os primeiros prédios.”
Bem
mais acima, após a atual Praça do Fórum, a Rua Cel. João Cândido continuou
seguindo até a caixa d’água, no bairro do Patrimônio, com o nome de Cel.
Saturnino Pereira. Entre essas duas ruas formou-se um grande largo, onde foi
sendo construído um conjunto de praças. Aos poucos, este espaço foi se
transformando em um novo centro na cidade.
Formam-se
ali a Praça Barão de Cambuí e a Praça JK, atual Praça do Fórum. No início do
século, cada qual foi mapeada por uma igreja. Na Praça Barão de Cambuí, a
igreja matriz e na Praça JK, a igreja Nossa Sra. Do Rosário.
A Rua
da Liberdade inicia-se também junto à “praia”, continuando em direção ao norte
da cidade. A Paulo Gama inicia-se um pouco mais acima, após um pequeno largo
que se formou no cruzamento da Rua 7 de Setembro com a atual Av. Azevedo Borges
que leva ao hospital da cidade.
O
córrego da Olaria, antes de se cruzar com o do Retiro, na “praia”, acompanha o
lado direito da cidade, um pouco abaixo da Rua 7 de Setembro. Hoje canalizado
este córrego acompanha a Avenida Santa Rita. O córrego do Retiro, depois do
cruzamento da Olaria, segue pelo lado esquerdo da cidade, passando por detrás
da Rua Belo Horizonte e da Praça Barão de Cambuí. Esses dois córregos ladearam
a cidade, fazendo-a crescer de comprido rumo ao norte. A Vila Dr. Gaspar vai se
situar, posteriormente, próxima da margem esquerda do córrego do Retiro,
ocupando um espaço nunca usado pela população da cidade.
Quando
a cidade escolhe a direção de seu crescimento no sentido da capela e da
construção de um novo centro; a “praia” e a antiga capelinha construída pelos
escravos começam a fazer parte do passado. Os coronéis necessitavam agora de um
novo especo que expressasse o seu domínio e os ajudasse a consolidá-lo.
A
religião terá um papel determinante na ordenação do novo espaço urbano,
contribuindo, durante esta fase de crescimento da cidade, para a ascensão dos
grandes proprietários de terras à classe social dominante. Essa classe, ao
dirigir a ordenação do espaço urbano e se apropriar do espaço central, utiliza
a Igreja para consagrar e legitimar a sua escolha. A antiga capela, situada no
alto da colina, foi inicialmente construída voltada para a “praia”, núcleo e
centro do pequeno povoado que se formava. Acompanhando, porém, o
desenvolvimento urbano e social da cidade, esta capela foi também virando as
costas para o antigo núcleo da cidade. Através de sucessivas reformas
financiadas pelos coronéis da cidade, transforma-se em principal símbolo da
nova ordem social.
“Procuradas
às pessoas para as doações (para a reforma da Capela), um senhor chamado João
Jacinto, fazendeiro da redondeza, devido ao seu reumatismo, ofereceu generosa
quantia com a condição de ser mudada a porta que era voltada para o sul, isto
é, para o sentido contrário, pois a doença dificultava-lhe levantar os pés.
Assim é que graças a esse senhor a nossa Matriz não tem escadas.”
Talvez
esse inocente fazendeiro nem se desse conta do significado de seu ato, nem a
autora do texto acima tivesse se atentado a ele.
A
Igreja Católica, com esta reforma, abandona o antigo núcleo da cidade e perde o
papel que teve no início da povoação: unificar ricos e pobres, senhores e
escravos, patrões e camaradas. Aquele fazendeiro e a Igreja Católica estavam
construindo juntos um novo espaço e um novo tempo para a cidade. Voltada agora
para o norte, a posição do novo templo anunciava também um novo futuro.
Outra
reforma que se segui a esta vem completar a aliança Católica e coronéis,… “Mais
tarde, João Cândido de Melo e Souza (Barão de Cambuí) e Manuel Pinto dos Reis,
receberam licença para a construção de uma torre anexa à capela a 05 de maio de
1881”.
Foi benta a 22 de maio de 1884 pelo vigário Pe.
Marciano Pereira da Fonseca, passando então a mesma à categoria de Igreja
Matriz… Após 18 meses de construção, a torre com frontispício foi inaugurada a
18 de dezembro de 1892. O relógio da referida torre foi colocado em 15 de julho
de 1893”.
Acrescida
agora de uma torre e transformada em igreja matriz, a Igreja vai consolidando
sua aliança com a classe dominante local, ajudando-a a construir o novo espaço
urbano e a ordenar as novas relações sociais.
Voltada
para o Norte, com uma arquitetura mais ousada e com um relógio cujas badaladas
ressoavam em todos os cantos da cidade, a Igreja universaliza e sacraliza a
ordem dos coronéis.
Esta aliança simbólica funda o centro da cidade e o
legitima enquanto espaço sagrado.
Brandão
escrevendo sobre a história da expropriação e resistência de uma religião de
camponeses em Itapira, mostra-nos como a Igreja Católica – desde o
reconhecimento da antiga capela e a nomeação do primeiro padre – já se
encontrava ideológica e institucionalmente associada aos fazendeiros. Também em
Cássia, a Igreja torna-se a mais forte aliada dos fazendeiros, e é com a sua
ajuda que a aristrocacia rural consolida o seu domínio dentro da cidade e se
afirma enquanto classe social dominante. Participando das sucessivas campanhas
de reformas da igreja e contribuindo com doações de importantes somas, os
coronéis recebiam em troca o comprometimento dos sacerdotes e de toda a ordem
religiosa.
A
igreja, transformada em matriz e colaborando na fundação do espaço dos “ricos”,
ajudaram a separarem ricos e pobres e a expressar as contradições sociais
tornadas mais explícitas através do desenvolvimento econômico que a cidade
viveu com o gado. A “praia” agora simbolizava o passado, um tempo em que ainda
não eram tão marcados os interesses e as classes sociais. A classe dominante
local necessitava agora de um novo espaço que induzisse o crescimento urbano ao
sentido da separação: os coronéis e os outros, o centro e o resto. O novo
centro passa a expressar o domínio dos coronéis, dissimulado sob a forma de
prosperidade urbana.
A
organização da vida social da cidade, neste período, acontece marcada pela
ocupação diferenciada do espaço urbano. As áreas centrais vão, cada vez mais,
sendo apropriadas pelos ricos, e os pobres ocupando espaços segregados e distantes.
A
porta do templo católico agora se abre para a Praça Barão de Cambuí. No início
do século, essa praça era ainda um grande descampado, não possuindo nem
árvores, nem gramados. Transformou-se, com o passar dos anos, em duas praças
contíguas e um pequeno triângulo, cujo conjunto se separa da Praça do Fórum,
por uma pequena avenida, a Dr. Luciano Batista.
Entre
as duas praças, tem-se a Rua Astolfo de Oliveira Filho, que corta
perpendicularmente a Avenida Dr. Luciano Batista. Descendo à esquerda desta rua,
pelo “… beco que dava saída para Franca…” e que “… começava onde se situa as
casas pernambucanas…” podemos ter acesso do centro da cidade à Vila Dr. Gaspar.
A Praça Barão de Cambuí é formada por todo o espaço, que vai da igreja matriz
até a Rua Astolfo de Oliveira Filho. O nome, Barão de Cambuí, foi lhe dado em
homenagem a um dos primeiros fazendeiros do município, grande coronel do gado e
um dos mais importantes chefes políticos da época.
Em um
álbum sobre a cidade, escrito em 1920, o autor assim se refere a este espaço:
“A parte central da cidade onde se ergue o majestoso templo dedicado à
padroeira do lugar, se poderia chamar o coração de Santa Rita”.
Até
hoje, este espaço, transformado em jardins, constitui o centro da cidade. Ali
se concentram as atividades comerciais, bancárias e de lazer: as praças, o
cinema, os bares, as casas comerciais, as agências bancárias.
Guardando
a memória dos tempos dos coronéis, encontramos ainda hoje, na Praça Barão de
Cambuí, a residência do Cel. Antenor Machado, construída no início do século.
Conservando intacta sua arquitetura e seus móveis, essa residência, hoje
desabitada, representa a memória dos áureos tempos da cidade, quando os
fazendeiros construíram grandes fortunas através dos negócios com o gado.
Esta e
outras casas situadas no centro, do lado esquerdo da Praça, possuem grandes
quintais que vão dar no córrego do Retiro que se distancia apenas 500
metros da Vila Dr. Gaspar. O doador do terreno onde se localiza esse
bairro é também proprietário de uma das casas aí situadas. O terreno da Vila é
quase uma continuação do quintal de sua residência, separados apenas pelo
córrego do Retiro e por um espaço vazio, utilizado como pasto. Hoje não mais.
.Na
Praça Barão de Cambuí, deixando marcas do tempo presente, em que o café deu um
novo impulso econômico para o município, encontramos o Banco do Brasil. Esse
foi construído na década de 60, do lado direito da Praça, quase em frente à
residência do Cel. Antenor Machado citada anteriormente. Em vez de coronéis, o
local agora é freqüentado por médios fazendeiros, na sua maioria plantadores de
café.
Nos
dias de hoje, a Praça Barão de Cambuí é considerada pelos moradores da
periferia como o lugar “dos ricos”; os pobres da cidade só têm acesso a ela em
ocasiões especiais ou dias de festas. Para os moradores da Vila Dr. Gaspar ali
é “a cidade”.
No
início do século, a Igreja e os coronéis tiveram, entretanto, que conviver
durante algum tempo com os pobres da cidade, sua religiosidade e suas festas,
realizadas ali bem próximas à Igreja Matriz, na Igreja do Rosário.
Em uma
foto tirada do hospital da cidade, por volta de 1914/15, podemos observar as
duas igrejas – a da matriz e a de Nossa Senhora do Rosário – uma quase de
frente a outra, como que a expressar diferenças sociais em confronto.
A
igreja N. Senhora do Rosário foi construída entre 1870 e 74 um pouco acima da
igreja matriz, onde atualmente encontramos a Praça do Fórum. Construída ainda
por escravos e recebendo doações também de grandes Coronéis, entre eles o Barão
de Passos, esta igreja foi, todavia, apropriada pelos pobres da cidade, em sua
maioria ex-escravos. “(Esta) igreja foi construída de pau-a-pique com telhas
coloniais portuguesas e as paredes pintadas de amarelo desbotado, com figuras
de santos e anjos”.
“Nesta
igreja, uma grande multidão rumorosa assistia às festas tradicionais das
congadas, reminiscências das práticas e costumes dos tempos coloniais, trazidos
ao Brasil pelos filhos escravizados da lendária terra africana.” (Andrade, s/d:
16).
A
igreja do Rosário transforma-se em um importante local para as manifestações
religiosas populares. Em frente à igreja, realizavam-se “as mais animadas
festas de congadeiros e moçambiqueiros” (Andrade, s/d: 16). Os promotores
destas festas eram em sua maioria negros e ex-escravos, mas também pobres do
campo e da cidade que, na época de festas ou fins de semana, procuravam a
igreja para cultuar seus santos e dançar em sua homenagem.
“Frente
à porta principal do desaparecido templo, havia um cruzeiro aureolado com a com
a ponta imitando raios de sol e duas palmeiras”. Já esquecidas do seu papel no
passado, agora enfeitam a praça e abre caminho para o Fórum, centro jurídico da
cidade. Como Igreja Católica, a Igreja Nossa Senhora do rosário, assim como as
festas dos negros que ali se realizavam, foi legitimada pela ordem religiosa
loca, porém submetida à paróquia e à igreja matriz.
Contudo,
com a igreja do Rosário, passa a haver uma hierarquia dentro da ordem católica
local: a igreja matriz como representante local da classe dominante; e a do
Rosário, dos dominados. Até que, por volta de 1915 e 1916, ela foi demolida.
Com este fato, acontece um “progressivo deslocamento geográfico e social do
centro de uma sociedade para a periferia de outra…”, processo que acompanha a
“… inevitável destituição de legitimidade e de expropriação do capital
religioso popular”. (Brandão, 1985:45)
Em
Cássia, a demolição da igreja do Rosário acompanha este duplo processo:
expropriação religiosa e expropriação do espaço urbano. Duas igrejas
representando classes sociais com interesses diferentes e contraditórios, num
momento de consolidação de domínio da aristocracia rural, não poderiam conviver
e dividir o mesmo espaço urbano e religioso.
A
igreja do Rosário havia se transformado em símbolo de uma classe não participante
da riqueza que o gado trouxera para o município. Suas festas, suas
manifestações religiosas e culturais não poderiam se realizar ali perto das
casas e da igreja dos coronéis. Estes já haviam se apropriado da riqueza, do
poder local, do centro da cidade, da igreja matriz e, com a demolição da igreja
do Rosário, expressavam a sua dominância na sociedade. Mais uma vez mostram o
seu poder de mando na cidade e na vida religiosa local. Quanto à igreja matriz,
continuam financiando as suas reformas, modificando a sua arquitetura,
suspendendo mais e mais a sua torre e a transformando em símbolo de poder que
os coronéis gostariam que fosse sagrado e eterno, como a igreja.
Não
temos notícias de que o ato da demolição da igreja do Rosário tivesse sido
questionado pela população da cidade. Talvez, como aconteceu com as reformas da
igreja matriz, este ato foi considerado “natural”. As justificativas que ouvi
sobre a demolição, na memória oral dos moradores da cidade, foram simplesmente
a sua substituição por um jardim; “demoliram por causa da política”; o local
estava sendo alvo de muitos crimes e brigas, corria a superstição de que a
igreja estava amaldiçoada; a construção estava por desabar, o que se
contradizia com afirmações contrárias sobre a forte estrutura da igreja.
O
certo é que os coronéis não suportaram dividir por mais tempo o espaço central
e religioso com os pobres.
“Depois
da demolição da igreja do Rosário, na qual eram realizadas todas as festas de
congadas, Maria Velha Francisco de Barros, mais conhecida por Maria Velha, a
“Rainha Conga”, negra remanescente do cativeiro, requereu ao executivo
municipal, a concessão de um terreno, pois desejava construir uma capela. A 23
de fevereiro de 1915 foi concedida e o local escolhido por Saturnino F. Pereira.”.
A
velha ex-escrava começou a esmolar pelas ruas da cidade e pelos caminhos da
roça, angariando donativos para construir uma capela em homenagem a Santa
Efigênia, onde outros negros e pobres como ela, pudessem continuar realizando
suas festas de congadas e cultuar sua fé em santos católicos mais parecidos com
eles.
O
terreno concedido pelo poder municipal situava-se na extremidade norte da
cidade, bem acima da caixa d’água, onde se iniciava o povoamento de um novo
bairro, chamado na época de “cidade nova”. Em 27 de agosto de 1917, no local da
nova igreja de Santa Efigênia, foi celebrada a 1ª missa, graças ao esforço da
Rainha Conga.
Com a
demolição da igreja do Rosário, os negros e pobres da cidade foram expulsos do
espaço central e destituídos de seu local de culto. A religiosidade popular,
entretanto, teimando em sobreviver, utiliza locais mais distantes, nos cantos
periféricos, nos novos locais de moradia dos pobres da cidade, para se
expressar. A igreja de Santa Efigênia sobrevive no mesmo local até os dias de
hoje. Porém, já não existem ternos de congos como antigamente. A igreja
continuou, ali, guardando a memória do passado, quase abandonada, esvaziada de
seu sentido. Em volta dela, formou-se o bairro hoje chamado de Santa Efigênia,
que vem abrigando parte dos trabalhadores rurais do município.
Muitas
décadas depois, em outros bairros da periferia que abrigam a população trabalhadora,
outras igrejas são construídas, mapeando os novos espaços, expressando outro
tempo, outras relações sociais. “… de centro de uma sociedade, para a periferia
de outra…”.
Padre Donizetti nasceu aqui..
Nascido em Cássia, Sul de Minas Gerais no dia 03 de Janeiro de 1882,
Donizetti Tavares de Lima era filho da professora Francisca Cândida Tavares de
Lima e Tristão Tavares de Lima.
Quando criança mudou-se para Franca no interior do estado de São Paulo,
onde aprendeu as primeiras noções de música e cursou o primário.
Aos 15 anos, foi matriculado no curso preparatório do antigo seminário
Episcopal de São Paulo, permaneceu ali por três anos, quando foi para Sorocaba
cursar o colégio, e concluir seus estudos.
Iniciou o curso de Direito no Largo de São Francisco em
São Paulo em
1900, mas percebeu que as ciências jurídicas não preencheram seus anseios e
três anos depois em 1903 retornou ao seminário.
Depois de
concluir seus estudos de filosofia e teologia, em 12 de Julho de 1908 foi
ordenado sacerdote em
Pouso Alegre/MG.
Atuou como padre na paróquia São Caetano em
Pouso Alegre, paróquia Sant’Ana em
Vargem Grande do
Sul e paróquia Santa Mãe de Deus em Jaguariúna, enfim, em 12 de Junho de 1926
tomou posse na paróquia Santo Antônio de Tambaú, onde ele dedicou-se
integralmente a comunidade e ao povo de Deus durante 35 anos,
quando faleceu aos 79 anos em 16 de Junho de 1961.
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