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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O Programa de Auditório do Rádio Cultura de Cássia–MG: Tradição, Desafios e Resistência

 


O Programa de Auditório do Rádio Cultura de Cássia–MG: Tradição, Desafios e Resistência

 

Desde 1964, acompanho com atenção e carinho a trajetória do Rádio Cultura de Cássia–MG, emissora que faz parte da memória e da identidade da nossa cidade. Vi de perto sua transição do AM para o FM, uma mudança natural, que trouxe modernidade sem apagar sua essência. Entre tantas programações, uma sempre teve lugar especial: o Programa Sertanejo de Auditório, transmitido aos domingos pela manhã.

Esse programa não era somente um espaço de música. Era um ponto de encontro, uma vitrine de talentos e um orgulho para a comunidade. Os artistas cassienses sempre foram as estrelas principais, ainda que também recebessem convidados da região, que eram acolhidos de braços abertos. O palco do auditório tornou-se, ao longo do tempo, uma escola de arte, cultura e convivência, onde muitos deram os primeiros passos diante do público e do microfone.

Veio a pandemia da COVID-19 e, naturalmente, o programa foi suspenso. Não havia clima, nem segurança, para reuniões e apresentações. Naquele momento, a pausa foi não só compreensível, mas também necessária, pois representava respeito à vida e à saúde de todos. Mas, passado o pior momento da crise sanitária, havia uma grande expectativa de que o programa retornasse com toda sua força, resgatando a tradição e reacendendo a chama da cultura sertaneja em nosso município.

Infelizmente, isso não aconteceu. Durante muito tempo, os microfones permaneceram fechados para os artistas locais. Quando se questionava sobre a ausência do programa, a resposta era quase sempre a mesma: o diretor da época não apreciava música sertaneja, menos ainda a produzida pelos chamados “desafinados de Cássia”. Essa visão preconceituosa e elitista fez com que o auditório permanecesse silencioso, privando a comunidade de um espaço que sempre foi seu por direito.

Com a chegada de um novo prefeito e, consequentemente, a troca de direção na emissora, houve a retomada. O Programa Sertanejo de Auditório voltou a acontecer, ainda que de forma tímida, apenas uma ou duas vezes por mês. Para muitos, já era motivo de alívio; para outros, inclusive eu, ficou a sensação de que faltava coragem e compromisso para devolver o programa à sua grandeza original.

A gota d’água, porém, veio no aniversário de 77 anos do Rádio Cultura, celebrado no último dia 7 de setembro de 2025. Acompanhei tudo de casa e vi que o auditório estava lotado. Mas, em vez do público fiel que sempre prestigiou as apresentações, as cadeiras também foram ocupadas majoritariamente por representantes do poder político local. O início da celebração foi marcado por longos discursos, que se estenderam por mais de uma hora, exaltando o Rádio e as autoridades presentes. Até aí, nada fora do esperado — afinal, comemorações costumam ter espaço para formalidades.

O problema foi o que aconteceu depois. Os artistas cassienses, que durante décadas sustentaram a audiência do programa e alimentaram o espírito cultural da emissora, foram simplesmente deixados de lado. A comemoração seguiu com a apresentação de apenas uma única dupla sertaneja, conhecida por cantar regularmente no restaurante da cidade. Todos os outros — aqueles que doaram tempo, talento e amor sem esperar retorno financeiro, movidos apenas pela paixão à música e à comunidade — foram excluídos.

O Rádio Cultura de Cássia não pertence a um diretor, a um político ou a um grupo específico. Ele é, por natureza, um bem público, sustentado pela história e pelo esforço coletivo, e de direito de todos os cassienses. Cada programa transmitido, cada voz que ecoa em suas ondas, faz parte de um patrimônio cultural que deve ser preservado e respeitado, não usado como instrumento de interesses particulares.

Mais grave ainda foi a postura do apresentador. Conhecedor da tradição e da importância histórica do Programa de Auditório, ele poderia ter reagido, questionado, ou ao menos registrado sua insatisfação. Mas, pelo contrário, preferiu se calar. Talvez por medo de perder o emprego, talvez por comodismo. O silêncio, nesse caso, foi tão doloroso quanto a própria exclusão dos artistas.

Diante disso, é impossível não lamentar. Porém, também é impossível não acreditar na força da cultura popular de Cássia. Os artistas chamados de “desafinados” carregam, na verdade, a essência de nossa história. São eles que mantêm vivas as modas de viola, os causos, a simplicidade e a alegria do povo. O palco do Rádio Cultura foi, durante anos, um espelho da alma cassiense, e não pode ser transformado em mero espaço de vaidade política ou interesse particular.

Deixo aqui meu apelo e minha esperança: que os artistas locais não desistam. Que continuem firmes, mesmo diante da indiferença de alguns. O tempo é implacável, e aqueles que hoje usam o auditório como palanque de sabugo não permanecerão para sempre. Novas gestões virão, novas mentalidades surgirão, e a tradição poderá ser retomada em toda sua plenitude.

Porque, no fim das contas, a cultura não pertence a diretores passageiros nem a políticos de ocasião. A cultura pertence ao povo. E o povo de Cássia sempre encontrará maneira de fazer sua voz ecoar, mesmo que tentem calá-la. Afinal, palanques de sabugo se desfazem com o tempo, e quem se equilibra sobre eles, inevitavelmente, vai ao chão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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