O Programa de
Auditório do Rádio Cultura de Cássia–MG: Tradição, Desafios e Resistência
Desde 1964, acompanho com
atenção e carinho a trajetória do Rádio Cultura de Cássia–MG, emissora
que faz parte da memória e da identidade da nossa cidade. Vi de perto sua
transição do AM para o FM, uma mudança natural, que trouxe modernidade sem
apagar sua essência. Entre tantas programações, uma sempre teve lugar especial:
o Programa Sertanejo de Auditório, transmitido aos domingos pela manhã.
Esse programa não era somente um
espaço de música. Era um ponto de encontro, uma vitrine de talentos e um
orgulho para a comunidade. Os artistas cassienses sempre foram as estrelas
principais, ainda que também recebessem convidados da região, que eram acolhidos
de braços abertos. O palco do auditório tornou-se, ao longo do tempo, uma
escola de arte, cultura e convivência, onde muitos deram os primeiros passos
diante do público e do microfone.
Veio a pandemia da COVID-19 e,
naturalmente, o programa foi suspenso. Não havia clima, nem segurança, para
reuniões e apresentações. Naquele momento, a pausa foi não só compreensível,
mas também necessária, pois representava respeito à vida e à saúde de todos.
Mas, passado o pior momento da crise sanitária, havia uma grande expectativa de
que o programa retornasse com toda sua força, resgatando a tradição e
reacendendo a chama da cultura sertaneja em nosso município.
Infelizmente, isso não
aconteceu. Durante muito tempo, os microfones permaneceram fechados para os
artistas locais. Quando se questionava sobre a ausência do programa, a resposta
era quase sempre a mesma: o diretor da época não apreciava música sertaneja,
menos ainda a produzida pelos chamados “desafinados de Cássia”. Essa visão
preconceituosa e elitista fez com que o auditório permanecesse silencioso,
privando a comunidade de um espaço que sempre foi seu por direito.
Com a chegada de um novo
prefeito e, consequentemente, a troca de direção na emissora, houve a retomada.
O Programa Sertanejo de Auditório voltou a acontecer, ainda que de forma
tímida, apenas uma ou duas vezes por mês. Para muitos, já era motivo de alívio;
para outros, inclusive eu, ficou a sensação de que faltava coragem e
compromisso para devolver o programa à sua grandeza original.
A gota d’água, porém, veio no aniversário
de 77 anos do Rádio Cultura, celebrado no último dia 7 de setembro de 2025.
Acompanhei tudo de casa e vi que o auditório estava lotado. Mas, em vez do
público fiel que sempre prestigiou as apresentações, as cadeiras também foram
ocupadas majoritariamente por representantes do poder político local. O início
da celebração foi marcado por longos discursos, que se estenderam por mais de
uma hora, exaltando o Rádio e as autoridades presentes. Até aí, nada fora do
esperado — afinal, comemorações costumam ter espaço para formalidades.
O problema foi o que aconteceu
depois. Os artistas cassienses, que durante décadas sustentaram a audiência do
programa e alimentaram o espírito cultural da emissora, foram simplesmente
deixados de lado. A comemoração seguiu com a apresentação de apenas uma única
dupla sertaneja, conhecida por cantar regularmente no restaurante da cidade.
Todos os outros — aqueles que doaram tempo, talento e amor sem esperar retorno
financeiro, movidos apenas pela paixão à música e à comunidade — foram
excluídos.
O Rádio Cultura de Cássia
não pertence a um diretor, a um político ou a um grupo específico. Ele é, por
natureza, um bem público, sustentado pela história e pelo esforço
coletivo, e de direito de todos os cassienses. Cada programa
transmitido, cada voz que ecoa em suas ondas, faz parte de um patrimônio
cultural que deve ser preservado e respeitado, não usado como instrumento de
interesses particulares.
Mais grave ainda foi a postura
do apresentador. Conhecedor da tradição e da importância histórica do Programa
de Auditório, ele poderia ter reagido, questionado, ou ao menos registrado sua
insatisfação. Mas, pelo contrário, preferiu se calar. Talvez por medo de perder
o emprego, talvez por comodismo. O silêncio, nesse caso, foi tão doloroso
quanto a própria exclusão dos artistas.
Diante disso, é impossível não
lamentar. Porém, também é impossível não acreditar na força da cultura popular
de Cássia. Os artistas chamados de “desafinados” carregam, na verdade, a
essência de nossa história. São eles que mantêm vivas as modas de viola, os
causos, a simplicidade e a alegria do povo. O palco do Rádio Cultura foi,
durante anos, um espelho da alma cassiense, e não pode ser transformado em mero
espaço de vaidade política ou interesse particular.
Deixo aqui meu apelo e minha
esperança: que os artistas locais não desistam. Que continuem firmes, mesmo
diante da indiferença de alguns. O tempo é implacável, e aqueles que hoje usam
o auditório como palanque de sabugo não permanecerão para sempre. Novas gestões
virão, novas mentalidades surgirão, e a tradição poderá ser retomada em toda
sua plenitude.
Porque, no fim das contas, a
cultura não pertence a diretores passageiros nem a políticos de ocasião. A
cultura pertence ao povo. E o povo de Cássia sempre encontrará maneira de fazer
sua voz ecoar, mesmo que tentem calá-la. Afinal, palanques de sabugo se
desfazem com o tempo, e quem se equilibra sobre eles, inevitavelmente, vai ao
chão.
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