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sábado, 27 de setembro de 2025

Entre Obras, Mortos que Votam e a Força da Democracia

 


Desde que me entendo por ser humano, observo que, em minha cidade, muitas coisas curiosas — e até mesmo inusitadas — aconteceram ao longo dos anos. A administração municipal, em diferentes gestões, sempre buscou deixar sua marca na história, seja por obras de grande impacto, seja por iniciativas que transformaram o dia a dia da comunidade ou mesmo por não fazer nada de melhor para o município.

Lembro-me de prefeitos que forçaram loteamentos para abrir novos bairros, com a justificativa de expandir a cidade e atender ao crescimento populacional. Vi também ruas sendo abertas para dar acesso a essas áreas recém-criadas, mudando a geografia urbana e oferecendo oportunidades para novas moradias e empregos. Houve ainda prefeito que buscou recursos junto ao BNH (Banco Nacional da Habitação) para construir casas em bairros, garantindo o sonho da casa própria a muitas famílias. Outros, em épocas distintas, se empenharam em trazer a COHAB (Companhia de Habitação), reforçando o mesmo objetivo: proporcionar moradia digna e acessível.

Também presenciei gestões que investiram em comunicação, adquirindo emissora de rádio para o município, com o intuito de aproximar a população das informações de interesse público. Em outra época, ruas foram calçadas com paralelepípedos, melhorando a trafegabilidade e a qualidade de vida dos moradores. Teve prefeito que lutou pela vinda da companhia de abastecimento de água, uma conquista essencial para a saúde e o bem-estar de toda a comunidade. Praças públicas foram embelezadas com calçamento em pedrinhas portuguesas, que, além da estética, trouxeram um charme especial ao ambiente urbano.

Não posso deixar de citar as construções de grande importância social e administrativa: escolas, para garantir a educação das crianças e jovens; os Paços Municipal, como sede do poder público e símbolo da organização administrativa; o pronto-socorro, fundamental no atendimento de emergências de saúde; o fórum velho e novo,  a Delegacia trazendo mais segurança e ordem para a cidade , não por menos a e a Câmara, enfim por nossa pequena cidade passou prefeitos do bem, como também os imbecis que visaram somente seu propósitos.

Também presenciei mudanças importantes na infraestrutura básica. Antes, os postes de iluminação pública eram baixos e de madeira, o que limitava a eficiência e a durabilidade do serviço. Com o passar do tempo, esses postes foram substituídos por estruturas mais altas e, posteriormente, por postes de concreto, muito mais resistentes e adequados às necessidades modernas da cidade.

Houve também prefeito que decidiu mudar a escola de local, alegando que no terreno antigo deveria ser construída uma rodovia. Essa troca, embora vista por alguns como progresso, gerou muitas discussões, pois a educação sempre foi considerada pilar fundamental do desenvolvimento social, mas a escola continua de pé, como a rodoviária também.

Vi prefeito que construiu equipamentos para os dois extremos da vida de um ser humano: o pronto-socorro, voltado ao início e à preservação da vida, e o velório, destinado ao momento da despedida. Em outra gestão, surgiu a iniciativa de erguer quadras de esportes, incentivando a prática de atividades físicas e oferecendo lazer à juventude. Também não faltaram em algumas épocas investimentos nas estradas rurais, algumas abertas em locais tão difíceis que nem mesmo os animais silvestres, como o tatu, conseguiam atravessar, houve prefeito que manteve as praças bem cuidadas, com fonte, coreto, com flores de espécies dando inveja as demais da região. Passou prefeito que desviou o trânsito vindo de outras cidades que transitava pelo centro da cidade desviando por avenida, sem pensar no futuro e na evolução do plantio e turismo local.  

Houve prefeitos que buscaram promover o lazer coletivo por meio de festas de todos os tipos, movimentando a economia e a cultura local. Mas, em contrapartida, também testemunhei a decisão de tampar córregos inteiros, sufocando a passagem natural das enxurradas. O resultado foram transtornos graves, com alagamentos e prejuízos para muitas famílias.

Em outras épocas, prefeitos observaram o desgaste da natureza e se preocuparam em repovoar a cidade com árvores, lotando calçadas e avenidas de verde, proporcionando sombra, frescor e melhor qualidade de vida para todos. Porém, infelizmente, também houve gestões contrárias a esse espírito: prefeitos que arrancaram arvoredos pela raiz, queimando-os em olarias sem piedade, sem amor; destruíram árvores frutíferas das praças para dar espaço a festas dançantes, cadeiras e mesas; e que, ao invés de preservar, optaram por eliminar o que fazia parte da identidade e da memória da comunidade, esquecendo que a natureza cobra e a cobrança é de valor muito alto que nem troco existe.

Vi prefeito encobrir as ruas de paralelepípedos com asfalto, apagando uma relíquia histórica e um patrimônio cultural do povo, e não teve um sequer a mostrar que é um erro, o  asfalto dura pouco sempre tem que tapar buracos. Essas pedras carregavam memórias de gerações e davam à cidade um caráter único, que se perdeu em nome de uma “modernização” questionável.

Também não faltaram gestões marcadas pela desorganização: prefeitos que iniciaram obras e depois abandonaram tudo pela metade, deixando a população no prejuízo, ainda é visível algumas; prefeitos que fecharam instituições importantes, como a cadeia, sem oferecer alternativas à segurança pública e outras.

Alguns governantes, é verdade, buscaram o bem-estar, mas se confundiram entre o público e o privado, comprando lotes e casas, reformando seus próprios bens com materiais caríssimos, enquanto a cidade sofria com carências básicas. Outros, por outro lado, passaram pelo cargo sem nada realizar: não fizeram pela cidade, tampouco por si mesmos, deixando projetos inacabados que haviam sido iniciados por administrações anteriores.

Também existiram aqueles que chegavam ao poder “metendo a sola”, destruindo o que havia, sem planejamento e sem pensar no futuro. Cada ação deixava uma marca, positiva ou negativa, e cabe à população avaliar o que foi avanço e o que foi retrocesso.

Se eu fosse relatar detalhadamente tudo o que vi acontecer ao longo da minha vida, certamente daria para escrever um livro. E talvez esse livro servisse não apenas como registro histórico, mas como alerta: para que não se repitam os mesmos erros, em um futuro vindouro, e para que cada administrador compreenda que governar não é brincar de poder, mas sim cuidar com responsabilidade do bem comum.

Vi de tudo em minha pequena cidade, mas o que jamais pensei presenciar, e muito menos ouvir falar, é que até pessoas já falecidas pudessem “votar” e, de alguma forma, ajudar a eleger Presidente da República, Governador, Deputados e até Senadores. Pode parecer piada, mas não é: trata-se de uma realidade séria e preocupante, que fere a credibilidade do processo democrático.

Sim, em nossa cidade até mortos voltam para votar. E não é força de expressão. Pouco tempo atrás, durante as eleições municipais para prefeito e vereadores, estávamos reunidos no Fórum Municipal. Aquele encontro tinha como objetivo selar um acordo entre os partidos sobre o que poderia ou não ser feito na campanha eleitoral, um pacto de conduta para manter a lisura e a igualdade no pleito. No entanto, como tantas vezes já ocorreu, esse acordo acabou sendo quebrado por alguns, que preferiram agir de forma contrária ao combinado, e os magistrados nem verificou os acontecidos, mas deixa quieto, tem um dito que o burro só empaca, porque não foi domesticado o suficiente.

Continuando falando do morto que vota: o mais grave, porém, aconteceu dentro daquela sala. Estávamos mais de quarenta pessoas reunidas, entre representantes de partidos e autoridades, e outros tantos  na parte de fora da sala vindo de outras cidades,  quando surgiu dentro da sala o comentário que chocou a todos. O candidato adversário à prefeitura, diante do Juiz, dos que representa a lei eleitoral e de todos os presentes, afirmou em voz alta e clara: que um farmacêutico da cidade, já falecido, teria votado nas eleições de 2022. Não foi apenas um boato jogado ao vento. Ele disse o nome do falecido sem meias palavras, deixando todos espantados.

Questionado sobre como sabia de tal fato, a resposta foi ainda mais surpreendente. Segundo ele, a informação partiu diretamente do filho do próprio farmacêutico falecido, que teria confirmado a irregularidade. A  revelação, feita em público e em ambiente oficial, deixou todos perplexos, pois expôs a fragilidade de um sistema que deveria garantir a transparência e a legitimidade do voto.

Se o que foi dito realmente corresponde à verdade, trata-se de um escândalo de proporções graves, pois coloca em dúvida não apenas uma eleição específica, mas todo o processo democrático local. Afinal, se um cidadão já falecido pode “votar”, quem nos garante que outros não tenham passado pela mesma situação? Quantos votos, de fato, refletem a vontade real da população e quantos são fruto de fraudes, de descuidos do sistema ou  daqueles mesários que estão frente as urnas? Fica uma pergunta no ar...

Caramba, ficamos todos sem reação naquele instante. O país inteiro sempre ouviu falar que as urnas eletrônicas brasileiras são invioláveis e as pessoas que trabalham no dia da votação são honestas e escolhidas a dedo, como poderia então um morto votar? As urnas trata-se de um projeto considerado maduro, com anos de existência e reconhecido internacionalmente. A Justiça Eleitoral, ao longo do tempo, tem organizado eleições seguras, rápidas e transparentes, servindo inclusive de modelo e inspiração para muitos países do mundo.

E, de repente, em meio a esse cenário de confiança, surge um candidato a prefeito e declara, sem hesitar, que um falecido havia votado em nossa cidade. O mais intrigante é que o voto do falecido ocorreu justamente no ano em que alguns grupos mais exaltados, sem provas concretas, espalhavam dúvidas e teorias de fraude nas urnas eletrônicas. Foi como jogar gasolina em uma fogueira que já estava acesa.

Naquele momento, todos esperávamos uma atitude firme do Juiz. Seria de se esperar que ele interrompesse o candidato imediatamente, exigindo provas sobre suas palavras ou, até mesmo, questionando se aquela pessoa teria condições de continuar concorrendo após uma acusação tão grave. Ali não era somente um comentário, comentários ou brincadeiras se faz em bares da vida ou em roda de quem não tem o que fazer. Contudo, nada aconteceu. O juiz limitou-se a pedir à secretaria que verificasse algo sobre o tal falecido. E ficou por isso mesmo: não se esclareceu se o morto realmente votou ou não. Ora bolas! Dentro de uma sala de um fórum praticamente o candidato estava fazendo uma denúncia, cabia se então das autoridades tomar providências e sem falha.

Essa omissão acabou soando como uma verdadeira provocação à própria Justiça Eleitoral. A ausência de uma resposta imediata deixou no ar uma dúvida incômoda, como se o silêncio fosse um reconhecimento implícito de que poderiam existir falhas no sistema.

O impacto foi ainda maior do lado de fora da sala porque, naquela ocasião, havia representantes de cidades vizinhas aguardando sua vez para firmar os mesmos acordos de campanha. Ao ouvirem a denúncia, um deles, surpreso, comentou em voz alta: — “Ora, se é assim, parece mesmo que há tramoia nas urnas.”

Outro visitante, também de um município próximo, reforçou a perplexidade: — “Impressionante, nunca pensei ver isso. Se for verdade, então qualquer resultado pode ser manipulado.” O outro diz: então não vale a pena concorrer, se já escolhe o ganhador, isso é fria.

Essas falas, ditas ali mesmo de fora da sala, deixaram todos em silêncio. Minha cidade, que já havia visto de tudo em sua história, somava agora mais um episódio curioso — e preocupante — ao seu repertório. A situação era tão absurda que alguém chegou a ironizar: talvez os candidatos que não aparecem muito bem nas pesquisas acabem vencendo aqui não pela força do eleitorado vivo, mas porque, de alguma forma, estariam “falando com os mortos”, e os falecidos resolveriam conceder o voto de triunfo aquém é eleito.

Parece piada, mas é trágico. Porque, se uma dúvida dessa natureza se instala, a confiança do povo no processo eleitoral se abala. E sem confiança, a democracia perde sua essência. A sorte é que somente estava no local os candidatos ao cargo de Prefeito e os dirigentes de Partidos, por isso o comentário não se espalhou por toda a cidade, creio que nas outras cidades vizinhas também,  pois os presentes tanto de minha cidade, como a dos vizinhos não anunciaram o acontecido.

É nesse ponto que precisamos ampliar a reflexão. Todas as transformações políticas e administrativas pelas quais nossa cidade passou, cada uma à sua maneira, marcaram épocas distintas e revelaram o esforço contínuo de alguns  gestores municipais em promover melhorias. Muitas obras tiveram impacto positivo, outras foram questionáveis, mas, em linhas gerais, cada ação contribuiu para moldar o que nossa cidade é hoje. Mesmo iniciativas pequenas fazem parte de um processo coletivo de desenvolvimento e deixam marcas que ultrapassam o tempo em que foram realizadas.

Entretanto, não podemos olhar apenas para ruas, praças, escolas ou prédios públicos. Há algo ainda mais essencial: a confiança no processo democrático. De nada adianta termos obras materiais se não tivermos a garantia de eleições limpas, justas e respeitadas. O voto é a voz do povo, é o instrumento pelo qual cada cidadão exerce sua soberania.

O episódio relatado, em que se questionou até mesmo o voto de um falecido, deve servir como alerta. A democracia não pode ser tratada com descaso ou ironia. Se já é grave quando o voto de um cidadão vivo é desrespeitado ou manipulado, o que dizer de um voto atribuído a quem já não está mais entre nós? Situações assim geram descrédito, espalham desconfiança e abrem brechas perigosas para que a população desacredite de todo o sistema eleitoral.

É preciso que a justiça trabalhe afinco e que cada um de nós reflita sobre isso. Mais do que obras físicas, precisamos de líderes de pessoas comprometidas com a verdade, com a ética e com a transparência. Só assim será possível garantir que o futuro de nossa cidade — e de nosso país — seja construído sobre bases sólidas, em que a vontade real do povo seja respeitada e prevaleça acima de qualquer interesse particular ou de manobras obscuras. Que a população jamais esqueça: a cidade se constrói com tijolos, mas também — e sobretudo — com verdade, ética e responsabilidade.






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