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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

CASSIA MG MEU LUGAR MINHA VIDA

CASSIA MG  MEU LUGAR MINHA VIDA

Dados Históricos

A ocupação do Sul de Minas.    
A região fronteiriça com o Estado de São Paulo, que hoje compreende o sul de Minas Gerais e onde se situa a cidade de Cássia, foi descoberta em meados do XVIII, quando se descobriu ouro nas regiões dos rios Sapucaí e Verde.     
Antes da descoberta oficial das minas de Cabo Verde , assim como de outros centros de mineração no sul de Minas , aquela região já havia sido explorada pelos paulistas em suas entradas e bandeiras e atraído moradores que se aglomeraram e criaram povoados. Um histórico sobre a cidade de Campanha (3) relata a existência de um “… quilombo imenso, formando vários povoados…”, que “… ficava entre o rio Grande e o rio das Mortes, no ponto onde existe hoje Jacuhy…”. Sobre a existência deste quilombo, que foge dos modelos tradicionais, o autor comenta:
“Fugindo dos impostos os brancos e aos senhores os escravos, formaram-se dessa liga de rebelados contra as tiranias daquele tempo alguns povoados, que se foram desenvolvendo aos poucos”.
Enquanto uns mineravam, outros cultivavam gêneros necessários à vida. O ouro extraído era levado em contrabando para a capitania de São Paulo, pela estrada aberta anteriormente pelos bandeirantes, dos quais muitos desses infratores eram descendentes. ““
Campanha era um desses povoados, e o ouro ali descoberto já havia atraído moradores bem antes de 1737, quando o ouvidor de São João d’El Rey, Cypriano José da Rocha, chegou até lá e fundou oficialmente a localidade, “… realizando a repartição legal das terras, mandando construir casas para a Intendência, tornando a localidade conhecida e reconhecida,… abrindo a estrada que a pôs em comunicação com a cabeça da comarca…”.
A descoberta de ouro nessas localidades do Sul de Minas gerou uma grande controvérsia entre Minas Gerais e São Paulo acerca do marco divisório entre as duas capitanias, questão essa que decidiria para quem ficariam os impostos ali extraídos (7). Esta discussão durou quase dois séculos, sendo que o acordo final somente foi alcançado no governo de Getúlio Vargas, em 1936.
Conforme os relatos de Campanhole (1979:57) foi o paulista Pedro Franco Quaresma quem primeiro devassou a região e quem na verdade descobriu o arraial de Jacuí, em 1755. Antes, porém, da viagem de Luis Diogo Lobo da Silva a Jacuí, em 1764, quando se determinou a posse desse território à província de Minas Gerais.
Como que alheios a toda controvérsia entre os governantes das duas capitanias, viajantes, atraídos pelo ouro e pelas terras férteis, procuravam a região, abriam novos caminhos, apossavam-se de terras, derrubavam as matas e criavam povoados.
Jacuí, onde também se descobriu o ouro de aluvião, foi-se transformando em posto de guarda dos interesses mineiros e centro econômico-administrativo de toda aquela região sul - mineira. Esta cidade, assim como Campanha, era caminho para os vários pontos do sul de Minas. E foi através dela que a região de Cássia passou a ser conhecida.



Em alguns relatos sobre a origem de Cássia, há referências à região, então conhecida por “Sertão do Rio São João”. Esta se refere a todo o sertão de Jacuí que abrangia Cássia e outros povoados como Passos e Ibiraci
Em outros relatos sobre a origem de Cássia, é comum também a referência a um “pouso de tropeiros e boiadeiros”, como núcleo fundador da cidade.
No entanto, por volta de 1750, era ainda um simples pouso e somente um século depois se transformaria em pequeno arraial, berço da atual cidade de Cássia.
A existência desse pouso deve-se à grande procura da região e ao intenso afluxo de viajantes que chegavam até ali atraídos pelo ouro. Os paulistas, em suas andanças pelos sertões, exploraram toda a região e com certeza passaram por Cássia em direção aos novos descobertos. Toda a questão da demarcação das divisas entre Minas Gerais e São Paulo também atraiu a atenção para a região de Cássia, pois ela está situada bem próxima à divisa finalmente firmada pelo acordo de 1936.
Este “pouso” constituía uma passagem para aquelas regiões do sul de Minas e para São Paulo, uma paragem no meio do caminho daqueles sertões. Nesse sentido, era um “pouso de tropeiros”, como descreve José Alípio Goulart em seu livro “Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil” (1961), e não ainda um pouso de boiadeiros. Esse, só existiu em meados do século seguinte, quando a região de Cássia passou a ser verdadeiramente conhecida, ocupada e explorada.
No século XVIII, era comum a utilização de tropas de muares, quando não existia outro meio de transporte entre as regiões do Brasil. Estas tropas tinham o papel de “… carrear riquezas para a orla marítima – a princípio produtos minerais e depois produtos agrícolas – e refluir transportando o que fosse necessário àquelas cidades interiorizadas…” (Goulart, 1961).
Zemella também descreve o tropeiro como “… agente por excelência do comércio com as Gerais…”, salientando o papel que tiveram na fixação dos núcleos urbanos. Enfatizam o papel determinante dos ranchos de tropeiros como pontos iniciais de povoamento, superando as capelas e igrejas. A existência dessas, em geral, acompanhava a localização dos pousos.
Com o tempo, a “rústica palhoça”, de que se constituíam os pousos, transformava-se em “rancho”, quando já havia desenvolvido o povoamento do local (Goulart, “Fincado o pouso, logo surgia nas suas imediações um ou outro morador, erguendo palhoça, acomodando criações, plantando milho, e passando a negociar com os homens das tropas que ali pernoitassem”.
Prosperando, montava venda, abastecia-se melhor e começava a nascer um povoado. De progresso em progresso, a população crescia, o casario aumentava até chegar mais tarde a fincar “pelourinho”… (Goulart.
De “Pouso de Tropeiros” à Cidade*
Em princípios do século XIX, depois que as minas de ouro se escassearam, provocando um intenso êxodo das regiões auríferas, toda a zona limítrofe a São Paulo foi povoada e ali tiveram início às atividades agro-pastoris (Campanhole, 1978:37). O sul de Minas “… por possuir vários campos e terras férteis, foi todo ocupado por fazendas de criação, nos vales do rio Grande, rio das Mortes, Sapucaí e Verde” (Pádua. Nestes vales, começaram a se praticar o pastoreio de forma intensiva, devido às grandes extensões de terras. O gado veio substituir o ouro e passou a ser o centro em torno do qual girava toda a vida econômica e social de pequenos povoados daquelas redondezas.
Cássia, situada no vale do rio grande, foi um desses povoados. Com o passar dos anos, o antigo “pouso de tropeiros” foi aos poucos recebendo à sua volta moradores fixos até se transformar em pequeno arraial. E a região de Cássia, outrora uma “… paragem coberta por matas virgens, seculares, que formavam uma vasta floresta foi aos poucos sendo substituída por grandes pastos para a criação de gado.
Consta, em escritos sobre a cidade, que o pouso de tropeiros – núcleo fundador do povoado – situava-se no meio do caminho de uma estrada para carros de bois que ligava Bom Jesus dos Passos (Passos) a Dores do Aterrado (Ibiraci). Na “praia” – local do antigo pouso – em pouco tempo se realizariam vultosos negócios de gado, e o pequeno arraial se transformaria em um dos mais importantes mercados de gado do sul de Minas.
Antes disso, entretanto, houve todo um processo de ocupação da região verificado durante a primeira metade do século XIX. João Pimenta de Abreu foi quem primeiro investiu no devassamento do território de Jacuí, passando por Passos, em direção a Cássia, para a conquista de terras.
“A expansão territorial da Capitania, que foi característico da segunda metade do séc. XVIII, quando se verificou o esgotamento das minas de ouro, prolongou-se pelos princípios do século XIX. É assim que o mateiro João Pimenta de Abreu se enfurnou pelos sertões de Jacuí, aí se fixando. João Pimenta de Abreu adquiriu certa extensão de terras e apossou-se de outro tanto, que ainda não tinha dono; tornou-se grande proprietário. Além de camaradas, possuía boa leva de escravos para os trabalhos de sua incipiente fazenda”. Algum tempo depois, teve que ir a Jacuí; desnorteou-se pelo caminho, em meio a matagal fechado, perdendo por completo o rumo a seguir; fizera então, a promessa: se saísse bem daquela dificuldade, separaria de suas terras uma gleba, a fim de constituir o patrimônio de Bom Jesus dos Passos, justamente a invocação a que se habituara, desde a Infância….
Também Cássia teve seu patrimônio por legado de fé
Quando, em 1844, quatro fazendeiros – Manuel Lourenço da Cunha, José Diogo Carrijo da Cunha, João Batista da Cunha e Roque Portes Vieira – doaram uma gleba de 18 hectares de terras para a formação do Patrimônio de Santa Rita de Cássia, o pouso de tropeiros já havia atraído à sua volta moradores fixos, e um pequeno arraial ali se constituíra. O arraial era povoado por pequenos sitiantes que, atraídos pelo pouso à beira do caminho, apossaram-se de pequenas glebas de terras e ali construíram suas casas, plantando para a subsistência. Esses quatro fazendeiros já habitavam a região como primitivos posseiros, pois as grandes extensões de terras ao redor do arraial foram sendo progressivamente apossadas, transformando-se em grandes latifúndios.
O levantamento de uma capela em homenagem a Santa Rita se deu em 1846 e foi ela “… um dos elementos aglutinadores do povoado. Ponto obrigatório de reunião da gente rural fixada em suas vizinhanças”. Essa capela teve o papel de reunir em torno de um mesmo culto e de uma mesma fé aquela gente do nascente povoado. Em torno disso se formava o sentimento de fazer parte de uma mesma localidade. A capela foi erguida no alto da colina, “… um pouco acima da atual igreja matriz, porém com sua frente em sentido contrário”, voltada para a “praia” – lugar de grande espraiado, na confluência dos dois córregos que se juntam dentro da cidade – onde os primeiros moradores do lugar edificaram suas casas.
Hoje a entrada da igreja volta-se para o norte da cidade, para o centro e suas praças centrais, deixando atrás de si, ao sul, a “praia” e o passado. Pouco a pouco, a igreja matriz foi sofrendo sucessivas reformas, entre as quais se encontra a mudança da entrada da Igreja, ajudam a ordenar o espaço urbano e o mundo social de modo a simbolizar um novo tempo: o domínio dos coronéis.
De 1840 a 1870, houve uma intensa corrente migratória para toda aquela área circunvizinha a Cássia. Migrantes de vários cantos do país chegavam à região, compravam terras dos primeiros possuidores e ali se instalavam. Com a grande procura pela região, Passos transformou-se em palco de muitos conflitos, suscitado por questões de repartições e invasões de terras, o que provocou uma grande procura de terras em Cássia por parte de moradores da cidade de Passos comprou em volta do arraial de Santa Rita de Cássia um grande latifúndio. Eram eles: o Barão de Passos (Jerônimo Pereira de Melo e Souza), o Barão de Cambuí (João Cândido de Melo e Souza), Domingos Pimenta de Abreu e Manuel Pinto dos Reis. Esses dividiram o grande latifúndio em quatro partes e “… cada qual erigiu na parte que lhe coube uma sede”.
Esses quatro fazendeiros levaram consigo outros fazendeiros – amigos e parentes – para ocupar com eles as vizinhanças do lugar. Em Passos, eles já eram grandes proprietários e negociantes de gado e, chegando à Cássia, foram os principais iniciadores da atividade de engorda de bois.
Pádua (1977), em seu estudo sobre a arquitetura rural de Cássia, mostra-nos que algumas das mais antigas propriedades rurais do município foram construídas entre 1852 e 1857, e que seus proprietários possuíam estreitos laços de parentesco com as quatro famílias de Passos que ali compraram o grande latifúndio. Estas fazendas já foram montadas, tendo em vista a criação extensiva do gado. Caracterizava-se pela marcante presença dos currais ao lado das sedes, mostrando o lugar ocupado pelo gado na vida econômica e social daquelas famílias.
As famílias desses fazendeiros formaram o tronco genealógico de numerosas famílias cassienses. As grandes extensões de terras e as riquezas adquiridas na época por eles foram aos poucos se subdividindo e sendo transferidas para as novas gerações. Ainda hoje, as maiores propriedades rurais do município resultam de heranças deixadas por esses primeiros latifundiários. Muitos de seus descendentes – famílias tradicionais cassienses – perpetuam o poder de mando dentro do município, muito tempo depois que o gado entrou em decadência e que o latifúndio deixou de existir.
Ainda sobre as propriedades rurais do século XIX, ressalta-se também a presença de senzalas nas sedes. Essas eram pequenas, talvez, devido ao pouco número de escravos, já escassos por aquela época. Os escravos, junto com os pequenos sitiantes, foram os primeiros trabalhadores rurais do município. Apesar de escassos, marcaram forte presença na vida social da cidade e deixaram numerosos descendentes. Uma parte desses, após um longo processo de mudanças econômicas e sociais, transformou-se nos trabalhadores rurais volantes de hoje, sujeitos de nosso estudo.
No início da década de 1850, quando aqueles quatro fazendeiros para lá se mudaram, dando início à atividade de engorda de boi, o pequeno arraial era ainda um povoado escondido no meio do Sertão. Consta em algum documento sobre a cidade de Cássia que, apenas em 1855, o pequeno arraial de Santa Rita foi considerado distrito do município de Passos. Neste ano, o pequeno povoado ainda se preparava para no final de século, junto com Passos, transformarem-se em duas importantes feiras de gado do Sul de Minas. A partir de 1865/66, época em que se elevou à Freguesia, o incipiente povoado começa a se desenvolver. A pecuária extensiva, a partir daí, vai cada vez mais se desenvolvendo, até poucos anos mais tarde, comandar toda a vida econômica, social, política e cultural da freguesia.
Para desenvolver a atividade de engorda o boi, assim como ocorreu em Passos, aqueles fazendeiros começaram por derrubar as matas e substituí-las pelo capim gordura roxo – principal alimento para o gado. Como na época, havia escassez de braço escravo, eles utilizaram então a mão-de-obra de pequenos sitiantes do lugar (parceria e arrendamento) para á derruba das matas e formação dos pastos. Depois de transformadas as grandes extensões de terras em pastos – “invernadas”, chamadas na época – necessitavam apenas introduzir o boi que era trazido dos Estados de Mato Grosso e Goiás.
“… o sertanejo goiano e mato-grossense era quem vinham às nossas portas oferecer o gado que os seus campos infindáveis lhes davam de ano a ano. Vinham tangendo as boiadas, lá de longe, pacienciosos, trazendo-nos o gado para a engorda em nossos pastos e que depois eram vendidos já com o peso, às feiras de Maxambomba e Realengo, no Rio de Janeiro.
Essa citação, retirada de um importante trabalho sobre a cidade de Cássia, mostra-nos que, nos primeiros anos dessa atividade, o gado era trazido pelos próprios goianos mato-grossenses até a nossa cidade.
Na medida em que esta atividade passou a ser bastante lucrativa, os próprios fazendeiros da região, “invernistas”, contratando comitivas, passaram a ir até aqueles estados comprar o boi magro, trazendo-o para a engorda em seus pastos. Estas comitivas eram formadas por tropas de muares, chefiadas por boiadeiros.
“… levados pela ambição de maior lucro, os fazendeiros passavam a engajar tropas, municiar cozinha ambulante e, entregando carteiras recheadas ao capataz de confiança, despachava-os de encontro ao sertanejo. Assim surgiram as famosas “comitivas”. Partiam com o frio e o pó entre junho e agosto. Voltavam com a chuva e a lama entre dezembro e fevereiro. Aqui chegavam com a tropa frouxa, as reses magras, os peões exaustos, cheios de fome e remendos.
Cada comitiva chegava trazendo de 800 a 1500 cabeças de bois, e a freguesia já se transformava em importante feira de bois magros. Nos meses de chegada das comitivas, atraía fazendeiros e negociantes de toda a região que para lá se dirigiam para comprar o boi magro trazido de longe.
O comércio lucrativo de bois incentivou ainda mais o desenvolvimento da pecuária extensiva, na região de Cássia. Essa atividade cada vez mais vai se afirmando como a atividade predominante do município até a década de 1930, quando a pecuária entra em decadência, e a produção agrícola do município começa a se diversificar.
Ao redor de toda a freguesia, vão formando-se pastos que passam a ocupar a totalidade de suas terras e das localidades de suas terras e das localidades vizinhas. Multiplicam-se também os “ranchos” – abrigos para as comitivas – ao redor de toda a cidade. O principal deles, entretanto, foi o que se desenvolveu perto do antigo pouso de tropeiros, nas “praias”. Ali, num casarão – casa do tenente – realizavam-se os mais importantes negócios de compra de gado. O lugar do antigo pouso e núcleo fundador do povoado continuava a ser o centro da sua vida social.
Com a boa qualidade do capim e com as grandes extensões dos campos (que abrigavam de 4 a 5 cabeças por alqueire), em pouco tempo o boi magro ganhava peso e já podia ser vendido a bom preço para os mercados consumidores. Primeiro o boi, já gordo, era levado diretamente para os abatedouros do Rio de Janeiro. Com a formação de um entreposto em Três Corações – MG tornou-se desnecessário o transporte do boi de Cássia até o Rio de Janeiro. Levado até Três Corações, o boi gordo, destinado ao corte, era transportado em estradas de ferro até os mercados consumidores do Rio de Janeiro e São Paulo.
A pecuária de corte constitui-se, assim, na primeira atividade econômica dos fazendeiros de Cássia. As grandes extensões de terras, bem como a dificuldade de transporte para outros bens (o boi era mercadoria ambulante), foram os principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento dessa atividade na região.
Os produtos agrícolas eram produzidos apenas para o abastecimento das famílias e do próprio povoado. Era significativa a produção de cana-de-açúcar, como podemos perceber pela existência de 27 engenhos dentro da freguesia no ano de1874. Esses engenhos transformavam a cana de açúcar em aguardente para o consumo da própria freguesia. O milho, plantado ao redor do povoado para abastecer as antigas tropas de muares, continuou a ser produzido para alimentar o porco que, assim como o boi, era exportado para os grandes mercados consumidores. O anuário de 1909 cita, no entanto, que, em 1885, o município cultivava café, cana e fumo em quantidade que dava para exportar. No ano de 1874, quando a freguesia ainda pertencia ao município de Passos, tem-se notícia da exportação de uma média de 10.000 reses por ano e 1.500 porcos. Dez anos depois, em 1884, o total de reses exportadas já havia aumentado para 15.000 cabeças ao ano.
Até meados da primeira década do século XX, a pecuária estava basicamente voltada para a engorda de bois magros para o corte. A produção de leite destinava-se apenas ao consumo doméstico. Era grande, porém, a produção de queijos, produzidos em indústrias caseiras. Também não havia ainda cria de reses. Essas atividades só vieram a se desenvolver no município muitos anos depois, como veremos adiante.
Interessante assinalar também é a presença de olarias na vida da cidade, ainda no século passado.
Cita a construção de uma olaria na cabeceira do antigo córrego Santa Rita – hoje córrego da Olaria, – para servir “… às primeiras necessidades de construção…” do povoado. Atualmente o município conta com numerosas olarias, as quais servem de importantes mercados de absorção de mão-de-obra do município.
Quando em 1890, a freguesia foi elevada à Vila, criando o município que se desmembrava de Passos, a cidade já se havia prosperado muito. Neste ano, adquire dois distritos: Dores do Aterrado (atual Ibiraci) e Espírito Santo da Forquilha (atual Delfinópolis). Com esses dois distritos, o município passa a contar, em 1890, com uma população rural e urbana de 20.593 habitantes.
A Vila de Santa Rita de Cássia, quando se elevou à cidade, em 1892, já possuía uma vida econômica e social organizada. Os negócios com o gado haviam gerado a riqueza de muitos fazendeiros, e trazido prosperidade para o lugar. A sua população crescera, e vários serviços urbanos foram criados para atender às necessidades da população. O movimento das comitivas atraíra migrantes de vários cantos do país que buscavam o município, iludidos em também participar dos vultosos lucros obtidos com o gado.
Também, através dos negócios de gado, famílias de outras regiões passavam a se conhecer e a formar outras famílias, ali se instalando. Novas gerações iam surgindo. Com o fim da escravidão, muitos ex-escravos passaram a ocupar também o espaço urbano, realizando ali toda a espécie de serviços subalternos. Os fazendeiros, agora os coronéis do gado, também transferiram suas residências para a cidade.
A zona urbana de Santa Rita de Cássia começa a se modificar e surgem os primeiros bairros. A vida na cidade se complexifica.
De Sitiantes e Escravos a “Camaradas”
Antes da compra do latifúndio na região de Cássia, pelos moradores de Passos, existiam ali vários posseiros. Entre esses encontramos tanto os possuidores de grandes glebas como aqueles que doaram terras para a formação do patrimônio da cidade, quanto os ocupantes de pequenos sítios que habitaram a região antes da chegada das fazendas de gado.
Os pequenos posseiros, plantando para a subsistência e vendendo os produtos de suas lavouras em escala reduzida e de modo excepcional, com a chegada dos grandes proprietários das fazendas de gado, foram progressivamente se transformando em “agregados” e “camaradas”.
Brandão (1985:18), escrevendo sobre o povoamento de Itapira, mostra como os primeiros moradores do lugar – posseiros e sitiantes vivendo da agricultura de subsistência – com a conquista das fazendas e a chegada dos primeiros fazendeiros coronéis, foram expropriados de suas terras e se incorporaram às grandes fazendas, como trabalhadores e parceiros. Esse processo ocorreu em quase todo o Brasil, durante o séc. XIX.
Em Cássia, desde o início da ocupação das terras, pequenos posseiros e sitiantes também foram progressivamente expropriados, deixando dominar as grandes propriedades privadas e a exploração lucrativa da terra. Com as fazendas de gado, a economia de subsistência, a auto-suficiência das pequenas propriedades e o pequeno lavrador independente, característicos do início da povoação, tende a desaparecer, Subsiste um ou outro pequeno sitiante proprietário e surge outro tipo de camponês: o morador em terra alheia, ou seja, o “agregado” Esses, cultivando as terras improdutivas dos grandes proprietários e cedidas a favor, reelaboraram o antigo estilo de vida baseado na auto-suficiência, ao mesmo tempo em que ofereceram seus braços para os diversos tipos de trabalho como derrubada das matas, plantio de pastos e de pequenas lavouras.
Já o “camarada”, outra categoria social que surge da expropriação de pequenos posseiros, perde a sua vinculação com a terra e com economia de subsistência. Transforma-se em trabalhador livre e incorporado ao setor mercantil. O “camarada” é o trabalhador característico das fazendas de gado, recebe salário mensal, têm direito à posse de casa nas fazendas e de um pedaço de terra para plantio. Muitas vezes esses “camaradas” eram os próprios meeiros ou “agregados”.
Em Cássia, foram estes pequenos posseiros e sitiantes expropriados, “agregados” e “camaradas”, os principais substituidores do braço escravo, após o fim da escravidão. Muitos destes escravos, agora libertos, permaneceram nas fazendas como “agregados” ou “camaradas”, morando em casas, ditas “colônias”, construídas pelos fazendeiros.
Sitiantes e “agregados” foram responsáveis pelo sistema de parceria, arrendando e meação, cujos traços, embora modificados, ainda prevaleçam no município até os dias de hoje. Muitos deles, após perderem seu pedaço de terra, passam a procurar a cidade, ocupando seus espaços periféricos (bairros) e fundos de horta. Na cidade, voltariam ao campo primeiro como “camaradas”, depois como volantes (24). Lavradores sem terra, sem lugar nas fazendas, pobres, até hoje continuam perambulando entre o campo e a cidade, em busca de trabalho. São eles os principais responsáveis pelo crescimento da periferia das cidades da região e também os principais ofertantes de serviços subalternos urbanos e rurais.
O mercado de bois e o desenvolvimento urbano
Em 1866, o arraial de Santa Rita transformou-se em freguesia, contando apenas com “… 280 casas, na sua maioria coberta de sapé, sem ordem e alinhamento…”.
Eram casas desalinhadas, de aspecto pobre, que nos fazem lembrar-se da Vila Dr. Gaspar. Na década de 1970, esta Vila aparecerá como bairro periférico, em conseqüência do desenvolvimento sócio-econômico que aí teve início.
Com a intensificação do mercado de bois, cujo auge foi o final do séc. XIX e início deste, aquele cenário inicial modificam-se radicalmente. A cidade vive, durante este período, um momento de prosperidade e rápido desenvolvimento urbano.
As cidades – fruto da mais antiga das divisões do trabalho tendem a tornar-se autônomas e independentes do campo ou da sua região rural. Contudo, como afirma Braudel (1970), essa divisão de trabalho entre campo e cidade nunca está perfeitamente definida, mas sempre recomeçando. As cidades, por mais que se desenvolvam, mantêm sempre um diálogo constante e ininterrupto com o campo. Mas, para existirem, precisam “… dominar um império…” e colocar “… a seu termo os mercados, as lojas, os homens de leis e suas distrações…”, passando a se constituir o centro de toda a rede de ligações e articulações com os arredores e sua zona rural. Em princípio, passarão para o lado das cidades os mercadores, as funções de comando político, religioso e econômico, as atividades artesanais, de quem o campo torna-se independente.
Todavia, são as atividades agrícolas e pastoris desenvolvidas na zona rural das cidades que nutrem toda a sua vida social. O campo é o principal fornecedor de alimentos e homens. As colheitas, realizadas no campo, abastecem o município, enriquecem-no e, muitas vezes, ditam ciclos para sua vida social. Da mesma forma, a população pobre, vinda dos campos, torna-se responsável pelo seu crescimento e pelos trabalhos subalternos que ali se realizam.
No caso de Cássia, no início deste século, o gado ainda constituía razão de ser da cidade, e a “praia”, continuava sendo o seu ponto mais movimentado. As comitivas ainda traziam numerosas cabeças de bois, para serem negociadas ali.
Até 1906, as boiadas ainda transitavam dentro da cidade, marcando com a presença física a sua importância na vida social do lugar.
“O Cel. João Cândido de Melo e Souza, chefe do executivo, aos 20 de julho de 1906, proibiu o transporte de gado pelo perímetro urbano. Construiu, então, ao lado da cidade, a estrada para boiadas deixando de transitar pelas ruas da cidade, cerca de 70 a 80 mil rezes por ano.
Esta estrada, fora do perímetro urbano, e hoje destituída de sua função, passa por detrás da Vila Dr. Gaspar e é conhecida pelos moradores da cidade como “corredor de boiadeiros”.
Com aquele ato, talvez a cidade e sua classe dominante estivessem expressando um desejo de banir dela o gado e desvincular-se para sempre o campo e o passado. Entretanto, a cidade teve que conviver com a desordem, a sujeira e os estragos provocados pela presença do gado. Ainda, havia forasteiros, os criminosos, as prostitutas e miseráveis que contribuíam, além da desordem, com perturbações. Estes marginalizados, contraditoriamente, são responsáveis pelo seu crescimento e desenvolvimento.
No tempo das águas, quando as comitivas voltavam dos sertões, trazendo, as boiadas, a vida na cidade se transformava. O comércio local se intensificava, atraindo numerosos migrantes. Ao terminar esse ciclo sazonal, marcado pela pecuária, estas pessoas, atraídas permaneciam na cidade à espera do próximo ano.
Marcado desde o início o fluxo migratório e a vida social na cidade, esta sazonalidade vai se repetir mais tarde, quando o aparecimento da cultura do café. A cidade, então, viverá dois momentos: o da safra e o da entressafra.
Impossível então se desvincular do campo, já que as pequenas cidades do interior, como Cássia, dependiam (e dependem) das atividades agro-(pastoris).
Ao caracterizar as cidades do ponto de vista econômico, Max Weber (1976) ressalta o fato de elas não dependerem da agricultura, mas sim da indústria ou do comércio. Para ele, o que caracteriza a fundação das cidades é a existência de um intercâmbio regular de mercadoria na localidade, através do qual a população satisfaz uma parte economicamente essencial de sua demanda diária, sendo que outra parte, também essencial, mediante os produtos que os habitantes da localidade e povoação dos arredores produzem ou adquirem para colocá-los no mercado. Para ele, a cidade é essencialmente um lugar de mercado.
O desenvolvimento de uma vida urbana, todavia, só foi possível devido o desenvolvimento da pecuária extensiva que extrapolou sua área rural. É como mercado de bois que a cidade vive durante esse período a sua “idade de ouro”.
No ano de 1907, já existem na cidade 600 prédios, 2 cadeias, 3 igrejas, 6 ruas principais, 10 travessas e 6 largos. Estes dados nos dão uma noção de como a cidade foi modificando aquele cenário inicial e diversificando o seu espaço urbano. Esses anos do princípio do século constituíram-se nos áureos tempos da história da cidade. Neiva Andrade (s/d) descreve com minuciosidade os principais serviços e melhoramentos, os acontecimentos políticos, sociais e religiosos, verificados no período, atestando uma nova fase na vida social da cidade.
Nesta época, Cássia contava com mais dois distritos:
Garimpo das Canoas – atual Claraval – e Dores da Ponte Alta, atual Babilônia. O município, incluindo os distritos (28), contava em 1907 com uma população total de 27.500 habitantes, assim distribuídos:

Santa Rita de Cássia – 10.000
Dores do Aterrado (Ibiraci) – 8.000
Garimpo das Canoas (Claraval) – 4.500
Espírito Santo da Forquilha (Delfinópolis) – 4.000
Dores da Ponte Alta (Babilônia) – 1.000
A incorporação dos novos distritos, assim como a imprecisão dos dados referentes aos anos anteriores, dificulta avaliar numericamente o crescimento da cidade e do município durante estes anos. Além disso, os dados referentes à população dos distritos e da sede não diferenciam a população rural da urbana.
A presença de duas cadeias atesta a necessidade de um controle repressivo sobre a população da cidade que, neste período, viveu momentos de grandes perturbações. “… o centro de boiadeiros que aqui se formou tornando a cidade uma das principais feiras de gado do sul de Minas atraía indivíduos de todos os pontos do sertão bravio e rude, e assim, de 1880 a 1920 mais ou menos, a cidade enfrentou uma onda de crimes, assaltos e barbaridade…
Há vários relatos de assaltos, crimes e toda espécie de violência e arbitrariedades neste período. No fim do século, a cidade era como faroeste, com coronéis, capangas e forasteiros defendendo seus interesses particulares e competindo entre si e com a lei pelo poder de mandar na cidade. Neste tempo, as diversões eram “… casas de jogos, bailes de prostituição, reuniões públicas de deboches, cateretês, batuques…”, onde se podiam assistir sempre às cenas de tiros, facadas, prisões ilegais, espancamento de presos, soldados ébrios.
Foi neste clima, porém que a cidade se enriquecera, dando condições para a formação de “… uma verdadeira aristocracia rural, endinheirosa e destemida…”. Sobre esta sociedade, Passos Mais, em seu livro “Guapé” descreve:
“Essa sociedade em formação – misto de burgueses e aventureiros, que de toda a parte acorriam attrahidos pela riqueza daquelas paragens, era verdadeiramente uma reedição da sociedade contemporânea dos bandeirantes, em que o fascino das descobertas auríferas seduzia e polarizava indivíduos de todo jaez. No meio dessa gente turbulenta, onde os conflitos se sucediam diariamente, vivia um elite abastada, culta e honrada, como na’àquellas priscas éreas da guerra dos Emboabas viveram, em Minas, as mais nobres estirpes da genealogia paulista.” (Maia, 1965:130).
Esta elite constituía a classe dominante local, enriquecida com as grandes propriedades rurais, a pecuária e o comércio de bois. Concentrando atividades e oferecendo serviços, a cidade passa a contar com novos segmentos sociais. Ao lado desta classe endinheirada, desenvolve-se uma classe média formada por comerciantes, artesãos e funcionários, dependentes das trocas que se realizam no mercado urbano e um aglomerado de pobres. Esses últimos lavradores vindos em sua maioria do campo, transformam-se na cidade em biscateiros, jardineiros, domésticos – casos de muitos ex-escravos – e outros conseguem melhor sorte: são pequenos artesãos e donos de pequenas vendas. São eles os principais ocupantes dos espaços periféricos que começam a surgir com o crescimento da cidade. A população rural passa a buscar constantemente a cidade, da qual se tornou dependente. Busca vender e trocar seus produtos no comércio local e utilizar os diferentes serviços sociais e religiosos ali oferecidos. É atraída pelas suas festas, que, nesta época, eram fundamentalmente religiosas e contavam com grande participação popular.
A Cidade e os Coronéis (Principais bairros e suas peculiaridades)
Aquela cidadezinha de vida pacata e atrasada do século passado foi se estruturando socialmente, deixando marcas no espaço urbano que expressam suas novas relações sociais. Crescendo, começa a desvincular-se da “praia”.
“Iniciada na rua da praia, que foi o seu núcleo primitivo o pequeno aglomerado estendeu se à rua do comércio (Helena Guerra – Hoje 7 de setembro) atingindo a Wenceslau Braz (Paulo Gama) na parte baixa da cidade.
Em direção sudeste, a pequena povoação se estendeu para a Rua dos Peixotos (Delson Scarano) que dava saída para São Sebastião do Paraíso. Foi então, lentamente se estendendo em direção à Rua Belo Horizonte, à rua cel. João Cândido (São José) subindo em direção à caixa d’água. Poucas casas existiam na rua da liberdade e nas travessas do corpo central da cidade, sendo muito numerosos os espaços vazios. As ruas eram maltratadas e as casas sem alinhamento. Assim “chegamos aos alvores de um novo século…”.
A partir da Rua dos Peixotos, começa a surgir ainda nas proximidades da “praia”, o bairro dos Peixotos. Situando-se no sudeste da cidade, hoje um dos caminhos para a Vila Dr. Gaspar, esse bairro contrariou a tendência de crescimento seguido pela cidade neste período.
Inaugurando o novo bairro, ali foi construída em 1895 uma capela de Santo Antônio e um novo cemitério, no final da Rua dos Peixotos. Em frente ao cemitério, encontramos a Av. Esmeralda, no bairro Santa Maria, principal acesso à Vila Dr. Gaspar.
A tendência de crescimento da cidade, no entanto, foi estender suas ruas rumo ao norte, em direção à caixa d’água, onde atualmente encontramos o bairro Patrimônio. No final do século, quando ainda não existia esse bairro, ali podíamos encontrar um ou outro rancho de boiadeiros. Vendo fotografias antigas, encontramos apenas caminhos de carros de bois no meio do pasto. Nesta época e por muito tempo ainda, o atual bairro era a principal via de acesso a alguns de seus distritos como Delfinópolis e Ibiraci.
Por muitos anos, a tendência de crescimento seguida pela cidade continuou sendo da “praia” em direção à caixa d’água. Neste sentido, cresceram três ruas compridas e paralelas: a Paulo Gama, da Liberdade e a Cel. Saturnino Pereira, chamadas pelos moradores da cidade respectivamente “rua de baixo”, “rua do meio” e “rua de cima”. Como é grande a distância entre a “praia” e o atual bairro do Patrimônio, o preenchimento dos espaços vazios e perpendiculares a essas três ruas levou muitos anos.
As Ruas Belo Horizonte e Cel. João Cândido ligavam a “praia” ao local da primeira capela construída na cidade, no alto da colina. A Rua Belo Horizonte finda seu pequeno percurso ao lado esquerdo dessa capela, e a Cel. João Cândido, no seu lado direito.
“A população galgou então as encostas da colina e foi expandir-se ao longo desta capela, surgindo então os primeiros prédios.”
Bem mais acima, após a atual Praça do Fórum, a Rua Cel. João Cândido continuou seguindo até a caixa d’água, no bairro do Patrimônio, com o nome de Cel. Saturnino Pereira. Entre essas duas ruas formou-se um grande largo, onde foi sendo construído um conjunto de praças. Aos poucos, este espaço foi se transformando em um novo centro na cidade.
Formam-se ali a Praça Barão de Cambuí e a Praça JK, atual Praça do Fórum. No início do século, cada qual foi mapeada por uma igreja. Na Praça Barão de Cambuí, a igreja matriz e na Praça JK, a igreja Nossa Sra. Do Rosário.
A Rua da Liberdade inicia-se também junto à “praia”, continuando em direção ao norte da cidade. A Paulo Gama inicia-se um pouco mais acima, após um pequeno largo que se formou no cruzamento da Rua 7 de Setembro com a atual Av. Azevedo Borges que leva ao hospital da cidade.
O córrego da Olaria, antes de se cruzar com o do Retiro, na “praia”, acompanha o lado direito da cidade, um pouco abaixo da Rua 7 de Setembro. Hoje canalizado este córrego acompanha a Avenida Santa Rita. O córrego do Retiro, depois do cruzamento da Olaria, segue pelo lado esquerdo da cidade, passando por detrás da Rua Belo Horizonte e da Praça Barão de Cambuí. Esses dois córregos ladearam a cidade, fazendo-a crescer de comprido rumo ao norte. A Vila Dr. Gaspar vai se situar, posteriormente, próxima da margem esquerda do córrego do Retiro, ocupando um espaço nunca usado pela população da cidade.
Quando a cidade escolhe a direção de seu crescimento no sentido da capela e da construção de um novo centro; a “praia” e a antiga capelinha construída pelos escravos começam a fazer parte do passado. Os coronéis necessitavam agora de um novo especo que expressasse o seu domínio e os ajudasse a consolidá-lo.
A religião terá um papel determinante na ordenação do novo espaço urbano, contribuindo, durante esta fase de crescimento da cidade, para a ascensão dos grandes proprietários de terras à classe social dominante. Essa classe, ao dirigir a ordenação do espaço urbano e se apropriar do espaço central, utiliza a Igreja para consagrar e legitimar a sua escolha. A antiga capela, situada no alto da colina, foi inicialmente construída voltada para a “praia”, núcleo e centro do pequeno povoado que se formava. Acompanhando, porém, o desenvolvimento urbano e social da cidade, esta capela foi também virando as costas para o antigo núcleo da cidade. Através de sucessivas reformas financiadas pelos coronéis da cidade, transforma-se em principal símbolo da nova ordem social.
“Procuradas às pessoas para as doações (para a reforma da Capela), um senhor chamado João Jacinto, fazendeiro da redondeza, devido ao seu reumatismo, ofereceu generosa quantia com a condição de ser mudada a porta que era voltada para o sul, isto é, para o sentido contrário, pois a doença dificultava-lhe levantar os pés. Assim é que graças a esse senhor a nossa Matriz não tem escadas.”
Talvez esse inocente fazendeiro nem se desse conta do significado de seu ato, nem a autora do texto acima tivesse se atentado a ele.
A Igreja Católica, com esta reforma, abandona o antigo núcleo da cidade e perde o papel que teve no início da povoação: unificar ricos e pobres, senhores e escravos, patrões e camaradas. Aquele fazendeiro e a Igreja Católica estavam construindo juntos um novo espaço e um novo tempo para a cidade. Voltada agora para o norte, a posição do novo templo anunciava também um novo futuro.
Outra reforma que se segui a esta vem completar a aliança Católica e coronéis,… “Mais tarde, João Cândido de Melo e Souza (Barão de Cambuí) e Manuel Pinto dos Reis, receberam licença para a construção de uma torre anexa à capela a 05 de maio de 1881”.
Foi benta a 22 de maio de 1884 pelo vigário Pe. Marciano Pereira da Fonseca, passando então a mesma à categoria de Igreja Matriz… Após 18 meses de construção, a torre com frontispício foi inaugurada a 18 de dezembro de 1892. O relógio da referida torre foi colocado em 15 de julho de 1893”.
Acrescida agora de uma torre e transformada em igreja matriz, a Igreja vai consolidando sua aliança com a classe dominante local, ajudando-a a construir o novo espaço urbano e a ordenar as novas relações sociais.
Voltada para o Norte, com uma arquitetura mais ousada e com um relógio cujas badaladas ressoavam em todos os cantos da cidade, a Igreja universaliza e sacraliza a ordem dos coronéis.
Esta aliança simbólica funda o centro da cidade e o legitima enquanto espaço sagrado.
Brandão escrevendo sobre a história da expropriação e resistência de uma religião de camponeses em Itapira, mostra-nos como a Igreja Católica – desde o reconhecimento da antiga capela e a nomeação do primeiro padre – já se encontrava ideológica e institucionalmente associada aos fazendeiros. Também em Cássia, a Igreja torna-se a mais forte aliada dos fazendeiros, e é com a sua ajuda que a aristrocacia rural consolida o seu domínio dentro da cidade e se afirma enquanto classe social dominante. Participando das sucessivas campanhas de reformas da igreja e contribuindo com doações de importantes somas, os coronéis recebiam em troca o comprometimento dos sacerdotes e de toda a ordem religiosa.
A igreja, transformada em matriz e colaborando na fundação do espaço dos “ricos”, ajudaram a separarem ricos e pobres e a expressar as contradições sociais tornadas mais explícitas através do desenvolvimento econômico que a cidade viveu com o gado. A “praia” agora simbolizava o passado, um tempo em que ainda não eram tão marcados os interesses e as classes sociais. A classe dominante local necessitava agora de um novo espaço que induzisse o crescimento urbano ao sentido da separação: os coronéis e os outros, o centro e o resto. O novo centro passa a expressar o domínio dos coronéis, dissimulado sob a forma de prosperidade urbana.
A organização da vida social da cidade, neste período, acontece marcada pela ocupação diferenciada do espaço urbano. As áreas centrais vão, cada vez mais, sendo apropriadas pelos ricos, e os pobres ocupando espaços segregados e distantes.
A porta do templo católico agora se abre para a Praça Barão de Cambuí. No início do século, essa praça era ainda um grande descampado, não possuindo nem árvores, nem gramados. Transformou-se, com o passar dos anos, em duas praças contíguas e um pequeno triângulo, cujo conjunto se separa da Praça do Fórum, por uma pequena avenida, a Dr. Luciano Batista.
Entre as duas praças, tem-se a Rua Astolfo de Oliveira Filho, que corta perpendicularmente a Avenida Dr. Luciano Batista. Descendo à esquerda desta rua, pelo “… beco que dava saída para Franca…” e que “… começava onde se situa as casas pernambucanas…” podemos ter acesso do centro da cidade à Vila Dr. Gaspar. A Praça Barão de Cambuí é formada por todo o espaço, que vai da igreja matriz até a Rua Astolfo de Oliveira Filho. O nome, Barão de Cambuí, foi lhe dado em homenagem a um dos primeiros fazendeiros do município, grande coronel do gado e um dos mais importantes chefes políticos da época.
Em um álbum sobre a cidade, escrito em 1920, o autor assim se refere a este espaço: “A parte central da cidade onde se ergue o majestoso templo dedicado à padroeira do lugar, se poderia chamar o coração de Santa Rita”.
Até hoje, este espaço, transformado em jardins, constitui o centro da cidade. Ali se concentram as atividades comerciais, bancárias e de lazer: as praças, o cinema, os bares, as casas comerciais, as agências bancárias.
Guardando a memória dos tempos dos coronéis, encontramos ainda hoje, na Praça Barão de Cambuí, a residência do Cel. Antenor Machado, construída no início do século. Conservando intacta sua arquitetura e seus móveis, essa residência, hoje desabitada, representa a memória dos áureos tempos da cidade, quando os fazendeiros construíram grandes fortunas através dos negócios com o gado.
Esta e outras casas situadas no centro, do lado esquerdo da Praça, possuem grandes quintais que vão dar no córrego do Retiro que se distancia apenas 500 metros da Vila Dr. Gaspar. O doador do terreno onde se localiza esse bairro é também proprietário de uma das casas aí situadas. O terreno da Vila é quase uma continuação do quintal de sua residência, separados apenas pelo córrego do Retiro e por um espaço vazio, utilizado como pasto. Hoje não mais.
.Na Praça Barão de Cambuí, deixando marcas do tempo presente, em que o café deu um novo impulso econômico para o município, encontramos o Banco do Brasil. Esse foi construído na década de 60, do lado direito da Praça, quase em frente à residência do Cel. Antenor Machado citada anteriormente. Em vez de coronéis, o local agora é freqüentado por médios fazendeiros, na sua maioria plantadores de café.
Nos dias de hoje, a Praça Barão de Cambuí é considerada pelos moradores da periferia como o lugar “dos ricos”; os pobres da cidade só têm acesso a ela em ocasiões especiais ou dias de festas. Para os moradores da Vila Dr. Gaspar ali é “a cidade”.
No início do século, a Igreja e os coronéis tiveram, entretanto, que conviver durante algum tempo com os pobres da cidade, sua religiosidade e suas festas, realizadas ali bem próximas à Igreja Matriz, na Igreja do Rosário.
Em uma foto tirada do hospital da cidade, por volta de 1914/15, podemos observar as duas igrejas – a da matriz e a de Nossa Senhora do Rosário – uma quase de frente a outra, como que a expressar diferenças sociais em confronto.
A igreja N. Senhora do Rosário foi construída entre 1870 e 74 um pouco acima da igreja matriz, onde atualmente encontramos a Praça do Fórum. Construída ainda por escravos e recebendo doações também de grandes Coronéis, entre eles o Barão de Passos, esta igreja foi, todavia, apropriada pelos pobres da cidade, em sua maioria ex-escravos. “(Esta) igreja foi construída de pau-a-pique com telhas coloniais portuguesas e as paredes pintadas de amarelo desbotado, com figuras de santos e anjos”.
“Nesta igreja, uma grande multidão rumorosa assistia às festas tradicionais das congadas, reminiscências das práticas e costumes dos tempos coloniais, trazidos ao Brasil pelos filhos escravizados da lendária terra africana.” (Andrade, s/d: 16).
A igreja do Rosário transforma-se em um importante local para as manifestações religiosas populares. Em frente à igreja, realizavam-se “as mais animadas festas de congadeiros e moçambiqueiros” (Andrade, s/d: 16). Os promotores destas festas eram em sua maioria negros e ex-escravos, mas também pobres do campo e da cidade que, na época de festas ou fins de semana, procuravam a igreja para cultuar seus santos e dançar em sua homenagem.
“Frente à porta principal do desaparecido templo, havia um cruzeiro aureolado com a com a ponta imitando raios de sol e duas palmeiras”. Já esquecidas do seu papel no passado, agora enfeitam a praça e abre caminho para o Fórum, centro jurídico da cidade. Como Igreja Católica, a Igreja Nossa Senhora do rosário, assim como as festas dos negros que ali se realizavam, foi legitimada pela ordem religiosa loca, porém submetida à paróquia e à igreja matriz.
Contudo, com a igreja do Rosário, passa a haver uma hierarquia dentro da ordem católica local: a igreja matriz como representante local da classe dominante; e a do Rosário, dos dominados. Até que, por volta de 1915 e 1916, ela foi demolida. Com este fato, acontece um “progressivo deslocamento geográfico e social do centro de uma sociedade para a periferia de outra…”, processo que acompanha a “… inevitável destituição de legitimidade e de expropriação do capital religioso popular”. (Brandão, 1985:45)
Em Cássia, a demolição da igreja do Rosário acompanha este duplo processo: expropriação religiosa e expropriação do espaço urbano. Duas igrejas representando classes sociais com interesses diferentes e contraditórios, num momento de consolidação de domínio da aristocracia rural, não poderiam conviver e dividir o mesmo espaço urbano e religioso.
A igreja do Rosário havia se transformado em símbolo de uma classe não participante da riqueza que o gado trouxera para o município. Suas festas, suas manifestações religiosas e culturais não poderiam se realizar ali perto das casas e da igreja dos coronéis. Estes já haviam se apropriado da riqueza, do poder local, do centro da cidade, da igreja matriz e, com a demolição da igreja do Rosário, expressavam a sua dominância na sociedade. Mais uma vez mostram o seu poder de mando na cidade e na vida religiosa local. Quanto à igreja matriz, continuam financiando as suas reformas, modificando a sua arquitetura, suspendendo mais e mais a sua torre e a transformando em símbolo de poder que os coronéis gostariam que fosse sagrado e eterno, como a igreja.
Não temos notícias de que o ato da demolição da igreja do Rosário tivesse sido questionado pela população da cidade. Talvez, como aconteceu com as reformas da igreja matriz, este ato foi considerado “natural”. As justificativas que ouvi sobre a demolição, na memória oral dos moradores da cidade, foram simplesmente a sua substituição por um jardim; “demoliram por causa da política”; o local estava sendo alvo de muitos crimes e brigas, corria a superstição de que a igreja estava amaldiçoada; a construção estava por desabar, o que se contradizia com afirmações contrárias sobre a forte estrutura da igreja.
O certo é que os coronéis não suportaram dividir por mais tempo o espaço central e religioso com os pobres.
“Depois da demolição da igreja do Rosário, na qual eram realizadas todas as festas de congadas, Maria Velha Francisco de Barros, mais conhecida por Maria Velha, a “Rainha Conga”, negra remanescente do cativeiro, requereu ao executivo municipal, a concessão de um terreno, pois desejava construir uma capela. A 23 de fevereiro de 1915 foi concedida e o local escolhido por Saturnino F. Pereira.”.
 A velha ex-escrava começou a esmolar pelas ruas da cidade e pelos caminhos da roça, angariando donativos para construir uma capela em homenagem a Santa Efigênia, onde outros negros e pobres como ela, pudessem continuar realizando suas festas de congadas e cultuar sua fé em santos católicos mais parecidos com eles.
O terreno concedido pelo poder municipal situava-se na extremidade norte da cidade, bem acima da caixa d’água, onde se iniciava o povoamento de um novo bairro, chamado na época de “cidade nova”. Em 27 de agosto de 1917, no local da nova igreja de Santa Efigênia, foi celebrada a 1ª missa, graças ao esforço da Rainha Conga.
Com a demolição da igreja do Rosário, os negros e pobres da cidade foram expulsos do espaço central e destituídos de seu local de culto. A religiosidade popular, entretanto, teimando em sobreviver, utiliza locais mais distantes, nos cantos periféricos, nos novos locais de moradia dos pobres da cidade, para se expressar. A igreja de Santa Efigênia sobrevive no mesmo local até os dias de hoje. Porém, já não existem ternos de congos como antigamente. A igreja continuou, ali, guardando a memória do passado, quase abandonada, esvaziada de seu sentido. Em volta dela, formou-se o bairro hoje chamado de Santa Efigênia, que vem abrigando parte dos trabalhadores rurais do município.
Muitas décadas depois, em outros bairros da periferia que abrigam a população trabalhadora, outras igrejas são construídas, mapeando os novos espaços, expressando outro tempo, outras relações sociais. “… de centro de uma sociedade, para a periferia de outra…”.
Padre Donizetti nasceu aqui..
Nascido em Cássia, Sul de Minas Gerais no dia 03 de Janeiro de 1882, Donizetti Tavares de Lima era filho da professora Francisca Cândida Tavares de Lima e Tristão Tavares de Lima.
Quando criança mudou-se para Franca no interior do estado de São Paulo, onde aprendeu as primeiras noções de música e cursou o primário.
Aos 15 anos, foi matriculado no curso preparatório do antigo seminário Episcopal de São Paulo, permaneceu ali por três anos, quando foi para Sorocaba cursar o colégio, e concluir seus estudos.
Iniciou o curso de Direito no Largo de São Francisco em São Paulo em 1900, mas percebeu que as ciências jurídicas não preencheram seus anseios e três anos depois em 1903 retornou ao seminário.
 Depois de concluir seus estudos de filosofia e teologia, em 12 de Julho de 1908 foi ordenado sacerdote em Pouso Alegre/MG.
Atuou como padre na paróquia São Caetano em Pouso Alegre, paróquia Sant’Ana em Vargem Grande do Sul e paróquia Santa Mãe de Deus em Jaguariúna, enfim, em 12 de Junho de 1926 tomou posse na paróquia Santo Antônio de Tambaú, onde ele dedicou-se integralmente  a comunidade e ao povo de Deus durante 35 anos, quando  faleceu aos 79 anos em 16 de Junho de 1961.

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